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quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Martin Luther King, um líder moral ou um adúltero mentiroso

 

Martin Luther King



Martin Luther King, um líder moral ou um adúltero mentiroso

Documentário ‘MLK/FBI’, que estreou no Festival de Toronto, expõe a campanha de difamação contra o ativista realizada pelo FBI com o apoio da Casa Branca


Irene Crespo
Madri, 17 sep 2020

Em 28 de agosto de 1963, o movimento pelos direitos civis nos EUA deu o grande salto. Tomou Washington em uma marcha histórica que tirou a luta das cidades do sul e a tornou uma exigência nacional e internacional. Martin Luther King fez seu famoso discurso I have a dream naquele dia, e enquanto isso, não muito longe dali, era observado com muito receio. J. Edgar Hoover, que foi diretor do FBI durante 48 anos, há muito temia o aparecimento de “um messias negro” e naquele dia isso se cumpriu.

O braço direito de Hoover, chefe da inteligência nacional, William C. Sullivan, declarou e deixou por escrito na época que Martin Luther King Jr. “era o homem negro mais perigoso da América”. “Temos que usar todos os nossos recursos para destruí-lo.” A máquina do FBI foi colocada em funcionamento e teve início uma campanha de descrédito contra o ativista, uma perseguição que começou grampeando seus telefones e os de seus aliados, continuou colocando microfones onde quer que fosse e acabou com uma longa rede de confidentes de seu círculo mais íntimo, entre eles seu fotógrafo Ernest C. Withers. “A tal ponto que no dia em que o assassinaram já não estavam mais grampeando seus telefones porque tinham uma cobertura de informantes muito boa”, explica Sam Pollard, diretor do documentário MLK/FBI, que estreou no Festival de Toronto. O filme expõe esse obscuro episódio da inteligência norte-americana apoiando-se em documentos desclassificados recentemente, que confirmaram a obsessão pessoal de Hoover por King.

Apresentado por meio de material audiovisual de arquivo, incluindo imagens nunca vistas, como algumas da histórica marcha ou pessoais da vida de King, o documentário quer ser, nas palavras de seu diretor, “uma chamada de atenção”. É uma apresentação de duas faces dos Estados Unidos: a de Hoover e a de King. Dois homens que se projetavam como heróis e líderes morais, que representavam duas formas de entender a liberdade e o que significava e significa ser americano. Uma mensagem que ressoa hoje em meio ao novo ressurgimento do Black Lives Matter em conflito com o Governo Trump.

“O filme é extremamente oportuno, mas eu diria que sempre o será no zeitgeist americano, porque os problemas raciais nunca irão embora”, diz Pollard. “Somos um país que está sempre lutando contra problemas raciais porque está fundado nas costas de escravos negros”.


Em plena Guerra Fria, em sua luta aberta contra o comunismo, o primeiro ponto fraco que encontraram contra Martin Luther King foi seu amigo e assessor, o advogado Stanley Levison. O próprio procurador-geral dos EUA, Bobby Kennedy, que em público defendia o ativista, aprovou as escutas telefônicas para revelar essa possível motivação comunista no movimento pelos direitos civis. E seu irmão, o presidente John F. Kennedy, também estava ciente. Mas o que nenhum dos dois sabia é que graças a essa instalação de espionagem logo tiveram que descartar a conexão comunista e encontraram outra suculenta fraqueza: a vida privada do pastor.

Foi na casa de um de seus colaboradores mais próximos, que também é um dos entrevistados no documentário, Clarence Jones. Seus telefones também tinham sido grampeados e lá descobriram a relação extraconjugal de King. Para Hoover aquilo desacreditava por completo a moralidade do líder pacifista e ampliou a perseguição: o observavam em quartos de hotel onde se encontrava com outras mulheres, o seguiam por todo o país, e os agentes federais que descobriam algo sobre sua vida adúltera eram recompensados.


No entanto, por mais que Hoover e seus homens mandassem relatórios a outros ativistas, à imprensa, nada vinha à tona. Nervosos, quando ganhou o Nobel da Paz chegaram a enviar-lhe uma carta ameaçadora, chantageando-o com a publicação de tudo se não saísse do caminho.

Hoover o chamou de “o maior mentiroso do mundo”, King se defendeu e a disputa pública acabou no único encontro físico que tiveram a portas fechadas. Nem as escutas telefônicas acabaram nem o ativista interrompeu sua luta. Mas uma pesquisa realizada na época sobre a popularidade de ambos os líderes deixou bem claro o conservadorismo reinante no país: Hoover alcançou 50% de apoio e MLK, apenas 15%. Era aquela ideia popularizada do FBI como herói e salvador dos EUA diante de um homem que queria revolucionar o país.

O FBI continuou tão empenhado em acabar com Martin Luther King que nunca cumpriu sua função protetora. Não o avisava das ameaças e inclusive, depois de seu assassinato, Hoover só concordou em fazer uma investigação depois de forte pressão. De fato, de acordo com os historiadores entrevistados em MLK/FBI, sua obsessão pessoal com o pastor reduz a credibilidade dos documentos oficiais.

Pollard encarou o documentário refletindo sobre se o surgimento das provas da vida adúltera de King, sua provável presença em um estupro, poderia alterar seu legado, sabendo que as gravações feitas pelo FBI poderão ser ouvidas em 2027. Isso mudará a ideia do autor de I have a dream? “Não existem seres humanos perfeitos, as pessoas são complexas e isso não tirará o valor de todas as coisas boas que fez”, responde no documentário James Comey, o diretor do FBI que durante sua gestão teve sobre sua mesa a petição original de Hoover a Kennedy para iniciar as escutas de King. Um lembrete do mau uso e abuso de poder.



segunda-feira, 8 de abril de 2019

Maisie Williams / “Ainda não derramei uma lágrima pelo final de ‘Game of Thrones”

Maisie Williams

Maisie Williams: “Ainda não derramei uma lágrima pelo final de ‘Game of Thrones”

Atriz se despede da mítica série e se prepara para um futuro incerto e ambicioso


Irene Crespo
7 abr 2019





Maisie Williams na estreia da última temporada de Jogo de Tronos.
Maisie Williams na estreia da última temporada de Jogo de Tronos.  REUTERS


Maisie Williams (Bristol, Inglaterra, 1997) afirma que ainda não derramou uma lágrima sequer pelo final de Game of Thrones (cuja última temporada começa dia 14 de abril). A filmagem acabou no ano passado. Cada ator foi terminando em dias e locais diferentes. O último dia de Williams, de sua personagem, Arya Stark, foi também o último da filmagem para quase toda a equipe, um dia “especialmente emocionante”, mas ela não chorou. E isso porque a cena era das mais “tranquilas e serenas” das que fez em toda a série.
Maisie chegou ao final, como uma das poucas atrizes que apareceram como protagonistas em cada uma das oito temporadas, “em paz com Arya” e também um pouco cansada. “Esgotei cada meandro de meu personagem”, diz. E nessa última temporada teve ainda mais trabalho. Após 10 anos dedicados quase exclusivamente à Stark mais nova, toda sua adolescência, está preparada para deixá-la ir. “Provavelmente chorarei no tapete vermelho na première”, ri.
Maisie Williams em uma cena de 'Game of Thrones'.Maisie Williams em uma cena de 'Game of Thrones'. HBO


Tinha 11 anos quando a escolheram para representar Arya entre mais de 300 meninas de toda a Inglaterra. Já gostava de atuar, mas ainda não era mais do que um passatempo extraescolar. Acha que ganhou o teste porque se parecia muito com seu personagem. Entrou na seleção com buracos nos joelhos de suas meias-calças. Aos sete anos os professores já lhe diziam no colégio que opinava e queria controlar tudo. “Tinha a mesma cara-de-pau de Arya”, diz. E também suas aspirações e espírito guerreiro. “Por que não posso ser isso ou aquilo por ser menina?”, se perguntava.
Sua Arya queria ser cavaleira e ter uma espada como seus irmãos; Maisie não queria que a julgassem por sua imagem e suas roupas, como não o faziam com seu colegas masculinos do elenco. Ainda assim, tanto ela com sua irmã na série e sua melhor amiga na vida real, Sophie Turner, admitem que começar na indústria em uma série assim, com personagens femininos complexos, é quase como se fossem “malcriadas”.
Após escutar todas as histórias de outras atrizes que saíram no último ano, sabe que tiveram “muita sorte”. Percebeu assim que começou a ler roteiros e nada estava à altura: “A indústria precisa melhorar muitas coisas, mudar, mas pelo menos as mulheres estão se protegendo. É como um curativo, nos ajuda, nos cura, mas resta um longo caminho a percorrer, ainda existem muitas conversas a se abrir”.




Maisie Williams vestida de Thom Browne.
Maisie Williams vestida de Thom Browne. GETTY IMAGES


Já foi embaixadora da ONU na campanha #LikeaGirl, seguindo os passos de outras atrizes ativistas como Emma Watson. Nessa última década seu papel em Doctor Who foi o que causou mais repercussão além de Game of Thrones. Tem uma grande produção a estrear, X-Men: Novos Mutantes, uma versão mais aterrorizante dos quadrinhos da Marvel, e continua focada no desenvolvimento de sua rede social artística, Daisie. Agora que recupera completamente sua vida, prefere parar, pensar e escolher papéis interessantes do que trabalhar por inércia.
“Indiretamente nos colocam muita pressão”, diz. “Há tempos que escuto isso de: ‘Quando acabar o contrato de Game of Thrones você terá 21 anos e muitas oportunidades’. Mas até que esse momento realmente chegue você não se pergunta o que quer fazer, como quer levar a vida. Como disse aos meus agentes, preciso descansar. E nesses meses que tive para mim, fui mais criativa do que nunca”.
Williams deixou a escola quando começou a filmagem da série e voltou após as duas primeiras temporadas, mas o assédio que encontrou a fez abandoná-la de novo e nunca mais voltou. Foi uma época “amarga” em sua vida e, novamente, coincidiu com um estado emocional mais sombrio também para Arya. Aos 16 anos se tornou independente de seus pais. Sabe que fez quase tudo muito antes e mais rápido do que qualquer jovem: “Como não conheci outra coisa, não posso comparar, mas cercada de todas essas pessoas tão interessantes, mesmo deixando os estudos muito jovem, aprendi coisas que não te ensinam na escola. Isso me formou”.

E agora se sente, com qualquer jovem de 21 anos, confusa pelo futuro. “Outro dia fui dar uma palestra na Universidade e todos os estudantes me perguntavam o que eu iria fazer. Disse que estávamos no mesmo barco, nessa idade todos passamos pela mesma coisa: eu me formei em Game of Thrones e não sei o que vou fazer. Tenho certeza de que farei grandes coisas em minha vida, ainda que não saiba com que régua irão medir. Isso é o estressante. Mas sei que farei coisas boas”.

segunda-feira, 21 de agosto de 2017

Segredos revelados da vida selvagem de David Bowie

David Bowie
Poster de T.A.


Segredos revelados 

da vida selvagem de David Bowie

O primeiro de quatro livros sobre o cantor a serem lançados neste ano fala do vício por sexo e cocaína




IRENE CRESPO
Madri 21 AGO 2017 - 17:56 COT

David Jones não quis ser artista ou simplesmente um músico; David Jones sempre quis ser uma estrela. Era a única forma de não voltar a ver a miséria que vivenciou quando pequeno. E acabou, de fato, sendo uma estrela, chamada David Bowie. “Vi gente desfavorecida ao meu redor, e crianças que iam à escola com sapatos rasgados, crianças pobres. Isso me impactou de tal forma que decidi que nunca iria passar fome nem estar no lado errado da sociedade”, disse o cantor certa vez a Dylan Jones, ex-diretor da edição britânica da revista GQ e autor da ainda inédita biografia David Bowie: A Life, um dos quatro livros sobre o cantor a serem publicados neste semestre.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A eterna luta do cinema cubano




Os atores Alina Rodríguez, a professora, e Armando Valdés, o menino protagonista, em uma cena de “Conducta”
Os atores Alina Rodríguez, a professora, e Armando Valdés, o menino protagonista, em uma cena de “Conducta”

A eterna luta do cinema cubano

O filme “Conducta”, único financiado neste ano pelo ICAIC, repete o fenômeno de “Morango e Chocolate”


Irene Crespo
Nova York, 11 abr 2014

O grande acontecimento audiovisual do ano. É assim que os cubanos definem “Conducta”, o segundo filme do diretor Ernesto Daranas (Os Deuses Quebrados), vencedor no último festival de Málaga da Bisnaga de Prata na categoria Território Latino-americano e que na sexta-feira passada inaugurava o 15º Havana Film Festival de Nova York.
Conducta estreou em Cuba em fevereiro e tem sido um fenômeno parecido ao que foi Morango e chocolate. As pessoas encheram os cinemas durante semanas”, explica Diana Vargas, diretora artística deste encontro nova-iorquino com o cinema latino-americano que neste ano celebra seu nome e que começa com uma homenagem ao cinema cubano.

Os vendedores de pirataria ganham mais que o Instituto”
JORGE PERUGORRÍA

Em Conducta, Ernesto Daranas conta a história de Chala, um menino que trabalha como treinador de cães de briga – uma prática ilegal – para que ele e sua mãe, uma viciada em drogas, possam sobreviver. Nesta situação entra Carmela, sua professora. “Eu estava interessado na situação das crianças em ambientes marginais de Havana. Quando a família e a própria sociedade falham, o papel de um verdadeiro educador é fundamental”, diz Daranas por e-mail desde Cuba.
O diretor lida através de seus personagens com a crise na educação e os valores que se vive na ilha, e seu grande sucesso gerou um debate entre os cubanos. “Qualquer filme que aborde aspectos desfavoráveis da sociedade está aberto à polêmica e isso é o que mais nos estimulou com o impacto de Conducta”, explica Daranas, garantindo que teve “toda a liberdade possível”.



Por enquanto, Conducta é a única produção financiada pelo Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) neste ano. Em 2013, foram quatro produções. E mais de uma dezena em 2012. Um sintoma evidente da mudança que o cinema cubano vive na última década é que os filmes independentes, sem financiamento do governo, não param de crescer, embora seus produtores não sejam legalizados ou reconhecidos.
“Fazer filmes ainda é algo difícil em Cuba, especialmente porque em uma crise assim o governo prioriza outras coisas”, explica Jorge Perugorría, que leva ao festival seu último filme como diretor e ator, Se vende. “Mas, graças à mídia digital e à capacidade de fazer filmes de baixo orçamento, ainda são produzidos sete ou oito por ano dentro de um cinema independente muito interessante que pode ser visto na mostra de cinema jovem [realizada nestes dias em Havana]”.



Alguns títulos só estreiam em seu país após cinema o sucesso internacional

“É um fenômeno fascinante”, diz Vargas. “Há filmes híbridos, como os de Jorge Perugorría, que trabalha com fundos independentes, mas também com ajuda do ICAIC; os independentes, como os da produtora Quinta Avenida que estão por trás de Melaza ou Juan de los muertos; e casos como Jirafas, de Enrique Kiki Álvarez, totalmente independente, em regime de cooperativa”.
De fato, em maio completará um ano desde a publicação de uma carta aberta de Kiki Álvarez aos cineastas sobre a situação do cinema cubano. “O ICAIC produzia pouco, a distribuição estava parada; além da deterioração do patrimônio cinematográfico, o mau estado das salas...”. E, como no mundo todo, a pirataria. “O cubano criou seus mecanismos para compartilhar informações sobre o que está acontecendo em Cuba em todos os lugares em que estão e agora são portais para a pirataria”, explica Perugorría sobre uma prática permitida. “Os vendedores de discos ganham mais dinheiro do que o ICAIC nos cinemas”.
Após a carta, formaram uma assembleia que se reúne regularmente desde então, e redigiram uma declaração. “Resume-se em uma nova Lei do Cinema”, diz Álvarez, que termina seu novo filme Venecia, também independente. “A (lei) que que existe é da fundação do ICAIC (1959), que não tem operação nas novas circunstâncias econômicas da sociedade cubana. Precisamos de uma nova lei na qual se reconheça o trabalho de produtores independentes, o Estado crie um fundo de desenvolvimento e onde o ICAIC articule tudo isso”.




Diante das dificuldades para produzir, as travas para distribuir uma produção independente e alguns contratempos, como uma ordem recente do Ministério do Interior para controlar autorizações de filmagens que, segundo Perugorría, já foi suspensa, surgem outras opiniões. “Levamos um ano falando destas mudanças e nada aconteceu”, diz Carlos Lechuga, que está no festival de Nova York com Melaza, sua obra-prima (disponível na página da Internet Filmin), lançada em Cuba só depois de seu sucesso internacional. Ele já está envolvido na produção de seu próximo filme, “um de vampiros”. “Estou buscando investidores porque o ICAIC não responde”, diz. “Alguém como Kiki é a esperança: se te dão por todos os lados, pode fazer um filme em sua casa. Mas eu quero crescer neste negócio, tentar gêneros sem medo para o cinema comercial e não posso fazer um filme de vampiros em minha casa”.
Nesta atmosfera de expectativa e de incerteza, Conducta foi uma “recuperação”, segundo Kiki Álvarez, um certo respiro para o cinema cubano dentro de Cuba que voltou a voar sozinho. “Há uma revalorização e interesse, filmes que conseguiram entrar de novo em festivais, como Jirafas e Melaza em Roterdã”, continua Álvarez. “Sou otimista: estamos conseguindo criar expectativas em torno do cinema que fazemos, agora nos cabe cumpri-las”.