quarta-feira, 31 de agosto de 2022

sexta-feira, 19 de agosto de 2022

Octavio Paz / As palavras

Hirotoshi Ito




Octavio Paz
AS PALAVRAS
Tradução de Antonio Miranda


Dai-lhes a volta,
agarre-as pelo rabo (berrem, putas),
açoite-as,
dai-lhes açúcar na boca às nécias,
infle-as, balões, espete-as,
trague seu sangue e tutanos,
seque-as,
pise-as, galo galante,
torça-lhes a goela, cozinheiro,
depene-as ,
ampute-as, touro,
boi, arraste-as,
faça-as, poeta,
faz que traguem todas as palavras.








terça-feira, 9 de agosto de 2022

Octavio Paz / Todos os dias te descubro





Octavio Paz
Todos os dias te descubro
Segundo um poema de Fernando Pessoa

Todos os dias descubro
A espantosa realidade das coisas:
Cada coisa é o que é.
Que difícil é dizer isto e dizer
Quanto me alegra e como me basta
Para ser completo existir é suficiente.

Tenho escrito muitos poemas.
Claro, hei de escrever outros mais.
Cada poema meu diz o mesmo,
Cada poema meu é diferente,
Cada coisa é uma maneira distinta de dizer o mesmo.

Às vezes olho uma pedra.
Não penso que ela sente
Não me empenho em chamá-la irmã.
Gosto porque não sente,
Gosto porque não tem parentesco comigo.
Outras vezes ouço passar o vento:
Vale a pena haver nascido
Só por ouvir passar o vento.

Não sei que pensarão os outros ao lerem isto
Creio que há de ser bom porque o penso sem esforço;
O penso sem pensar que outros me ouvem pensar,
O penso sem pensamento,
O digo como o dizem minhas palavras.

Uma vez me chamaram poeta materialista.
E eu me surpreendi: nunca havia pensado
Que pudessem me dar este ou aquele nome.
Nem sequer sou poeta: vejo.
Se vale o que escrevo, não é valor meu.
O valor está aí, em meus versos.
Todo isto é absolutamente independente de minha vontade.



quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Octavio Paz / Epitáfio para um poeta

 


Octavio Paz
EPITÁFIO PARA UM POETA
Tradução de José Weis

Quis cantar, cantar
para não lembrar
sua vida verdadeira de mentiras
e recordar
sua mentirosa vida de verdades.



segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Octavio Paz / Espiral





Octavio Paz
ESPIRAL

Tradução de Haroldo de Campos


Como o cravo no seu talo,
como o cravo, eis o foguete,
que é um cravo de disparo.

É foguete o torvelinho:
sobe ao céu e se despluma,
canto de ave no pinho.

Como o cravo e como o vento
o caracol é foguete:
empedrado movimento.

E a espiral em cada coisa
seu vibrar difunde em giros:
um mover que não repousa.

O caracol foi corola,
eco de eco, luz, vento,
onda que se encaracola.



Octavio Paz
ESPIRAL

Como el clavel sobre su vara,
como el clavel, es el cohete:
es un clavel que se dispara.

Como el cohete el torbellino:
Sube hasta el cielo y se desgrana,
canto de pájaro en un pino.

Como el clavel y como el viento
el caracol es un cohete:
petrificado movimiento.

Y la espiral en cada cosa
su vibración difunde en giros:
el movimiento no reposa.

El caracol ayer fue ola,
mañana luz y viento, son,
eco del eco, caracola.