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sexta-feira, 12 de junho de 2020

A história do prolífico contista devorado pelo conde Drácula




A história do prolífico contista devorado pelo conde Drácula

A editora espanhola 'Páginas de Espuma' publicou o volume mais completo dos contos de Bram Stoker


J. A. AUNIÓN

Madri - 22 SEP 2018 - 09:43 COT


O gosto voraz do conde Drácula por sangue fresco deixou um fluxo interminável de vítimas, a começar por seu próprio criador, o autor irlandês Bram Stoker (1847-1912), cuja obra ficou sepultada sob seu personagem, um dos maiores ícones da cultura popular. Para alguns, é um esquecimento merecido – há alguns anos Rogério Fresán se referiu a ele neste jornal como um "criador fraco" com "uma grande obra"–, mas para outros é totalmente injusto porque defendem um escritor com uma dezena de romances, poemas, adaptações teatrais, crônicas e artigos que, entre outras coisas, "cultivou de modo primoroso e feliz a narrativa curta".

domingo, 5 de janeiro de 2020

Drácula ganha sangue novo, agora em série / O que se sabe sobre o vampiro


Drácula ganha sangue novo, agora em série; o que se sabe sobre o vampiro

A estreia de produção na Netflix sobre o conde da Transilvânia acompanha a avalanche de livros e filmes em torno do mito dos imortais


Jacinto Antón
4 Janeiro 2020

“Bem-vindo à minha casa! Faça o favor de entrar! Entre..., entre sem temor.” Bastam as palavras enganosamente gentis do conde Drácula a seu cândido convidado Jonathan Harker, no portão de seu castelo nos Cárpatos, para entrarmos, entre um rangido de correntes e ferrolhos e uma súbita corrente de ar gelado e pútrido, no tenebroso mito do vampiro e no universo de seu monarca indiscutível, o velho aristocrata da Transilvânia. Depois de 123 anos (o livro Drácula, de Bram Stoker, foi publicado em maio de 1897), o rei dos sugadores de sangue goza de excelente saúde, como todo o mito universal em que se imbrica, um mito que remonta ao alvorecer da civilização e que se revelou tão imortal quanto as criaturas que o compõem. Envoltos em camadas de papel e celuloide ou em mortalhas digitais, os vampiros voltam e voltam de suas tumbas imemoriais para continuar nos surpreendendo, aterrorizando e ocasionalmente divertindo, enquanto levantam um espelho no qual eles não se refletem, é claro, mas nós mesmos.

Gary Oldman
Bram Stokers's Dracula
Coppola


O poder do vampiro continua incólume neste amanhecer dos anos 20 do século XXI, como demonstram suas contínuas metamorfoses e uma corrente —impossível não qualificá-la de sanguínea— de novas criações e estudos em torno do mito. Quando —já faz 40 anos!— do romance Entrevista com o Vampiro, de Anne Rice (Rocco, 1977), que trouxe tantas mudanças (agora se fala de uma série de televisão sobre os 15 livros de suas Crônicas Vampirescas completas, com ela mesma como produtora), 28 anos do Drácula de Coppola, seis de Crepúsculo e cinco de True Blood, parece que estamos em outra big vamtire Renaissance.

Neste sábado acontece a estreia da minissérie Drácula, da BBC, na Netflix, adaptação aparentemente rigorosa do clássico, inclusive com a irmã Aghata (a freira que cuida de Harker em Budapeste), pelos criadores da série Sherlock Holmes e com o dinamarquês Claes Bang no mordedor rôle titre; também estão em andamento uma nova Buffy Caça-vampiros, desta vez com uma atriz afro-americana, e um filme com Jared Leto que levará à tela grande o vampiro super-herói da Marvel Comics, Morbius.

Claes Bang


Tivemos revisitações do mito muito estimulantes, como Deixa Ela Entrar —o romance, publicado no Brasil pela Globo Livros, de John Ajvide Lindqvist, e o comovente filme de Tomas Alfredson, com seu remake norte-americano—, Byzantium, de Neil Jordan, a história da vampira iraniana pós-punk de Garota Sombria Caminha pela Noite e Daybreakers, com Ethan Hawke e Williem Dafoe. Embora provavelmente o destaque mais recente seja o hilariante e escandaloso O que Fazemos nas Sombras, filme em forma de reality show sobre três vampiros decadentes do século XVIII que dividem um apartamento em uma localidade da Nova Zelândia e que são seguidos em seu dia a dia (bem, noite a noite) por uma suposta equipe de documentário de televisão —inesquecível a cena em que os vampiros não podem entrar em uma boate porque o porteiro não os convida a entrar. O filme, com muita carga canônica, apesar de sua iconoclastia, teve no ano passado um remake em formato de série de televisão com dez episódios e ambientado em Nova York, com a inclusão de uma vampira por razões de igualdade de gênero no além-túmulo.

Claes Bang


Certamente, lâmias, íncubos e súcubos, revenants, nachzehrers, vrykolakas, nosferatu e outros parentes à parte, nossa configuração do vampiro tem como grande referência o Drácula, o big daddy dos mortos-vivos. Provavelmente sobre ninguém se escreveu tanto quanto sobre Drácula, com exceção de Jesus Cristo e do general Custer, e parecia —equivocadamente— que tudo havia sido dito sobre o personagem e sua criação. Os próprios H. P. Lovecraft e Stephen King escreveram sobre o conde. O primeiro não tinha em grande estima o romance nem Stoker (viu o manuscrito original e lhe pareceu “desleixado”), possivelmente porque não havia nenhuma divindade polpuda e inominável. O segundo, por outro lado, é fã de ambos e, além de realizar a melhor reescrita moderna de Drácula (A Hora do Vampiro, 1975, aquele que assina este texto tem uma edição com dedicatória), consagrou-lhe páginas esclarecedoras em Dança Macabra (Suma de Letras, 2013). No livro, King enfatiza como Drácula transborda de energia sexual e aponta, sem rodeios ou falso pudor, coisas como que o episódio do sonho úmido em que Harker se encontra com as três voluptuosas vampiras inclui uma descrição muito clara de uma felação e que por seu lado Lucy Westenra no encontro com o próprio conde “está gozando de prazer”. Mais judiciosamente, e não tão explicitamente, Lacan se referiu à aura de angústia do vampiro em relação à pulsão oral, o que remeteria ao esgotamento do seio materno...

Mas, falávamos, nem tudo está dito. E são muitíssimas as novidades e esclarecimentos trazidos por novos ensaios estimulantes, começando com História de Drácula (Arpa, 2019), do britânico Clive Leatherdale, especialista mundialmente reconhecido no assunto. Leatherdale defende o romance, que disseca minuciosamente, diante dos filmes, a maioria dos quais, denuncia, deturpou a obra original. Uma das afirmações feitas pelo autor, e que surpreenderá muita gente, é que, apesar do que Coppola conta em seu Drácula e toda uma corrente bibliográfica, a contribuição da figura histórica de Vlad Tepes, o Empalador, para o romance foi mínima e Stoker provavelmente mal tinha ouvido falar dele. O nome de Vlad não aparece no romance e o voivoda real foi acusado de muitas coisas atrozes, certamente, mas não de vampirismo.

Claes Bang

Leatherdale concorda com Stephen King (e com qualquer um que ler com atenção) que Drácula está carregado de grande imaginação sexual: aponta que basta substituir o coito pelos beijos vampíricos e o sêmen pelo sangue e você já tem quase o pornô gótico. O estudioso percorre as tradições vampíricas que convergem e culminam no romance oferecendo dados tão interessantes como que sábado é o melhor dia para caçar vampiros (anote isto), que a transfixação (vulgarmente conhecida como estacada) deve ser feita no primeiro golpe ou que, além da cruz e do alho, na Valáquia era eficaz contra os mortos-vivos esfregar as mãos com a gordura de um porco sacrificado no dia de Santo Inácio. O conde Drácula, diz, é o resultado da justaposição do vampiro do folclore com o vampiro literário: daí resulta essa curiosa mistura da pobre criatura malcheirosa e faminta (tão bem sintetizada na cena de Coppola na qual Gary Oldman lambe a navalha com que Harker se cortou ao se barbear) e o gótico aristocrata maldito e romântico da estirpe de Byron, via Polidori.

Drácula, certamente, no romance é imune à luz solar, embora esta diminua seu poder (para um excelente resumo canônico dos poderes, limitações e da história do vampiro, veja Drácula, a entrada do diário de Mina de 30 de setembro em que recolhe os ensinamentos de Van Helsing sobre o assunto). Leatherdale especula que sua morte no final (esperemos que ninguém nos acuse de fazer spoiler) não tem nenhuma pinta de ser definitiva e que talvez Stoker, adiantando-se, entre outros, aos filmes da produtora inglesa Hammer e seu sobrinho-bisneto Dacre Stoker, pensava em uma continuação. O dublinense Stoker (1847-1912) é um tipo que quanto mais você o conhece, mais fascinante ele é. Sabia que ele passou sete anos como uma criança prostrada sem poder andar, sofrendo do que parece ter sido uma paralisia histérica? (foi sugerido que foi por ter visto a mãe menstruar: um grande trauma para um vitoriano). Portanto, não é incomum que tenha escrito Drácula. O fato de Drácula ser ambientado na época vitoriana, a dele, faz com que não percebamos que na verdade o autor levou seu vampiro das lendas ao mundo moderno, e o quanto isso chocou e surpreendeu seus contemporâneos. De alguma forma Stoker fez com o material vampírico tradicional o que mais tarde Stephen King fez com seu Drácula, ao transportá-lo em A Hora do Vampiro para uma localidade atual dos Estados Unidos.

Gary Oldman
Bram Stoker's Dracula (Coppola)

Drácula iria se chamar “conde Wampyr” e seria da Estíria (o que é habitual para um vampiro comme il faut), como sabemos pelas notas preparatórias encontradas em 1970 e pelo romance que o autor entregou a seus editores, O Morto-vivo. A decisão final de intitulá-lo Drácula, que ignoramos ter sido de Stoker ou de outra pessoa, foi realmente inspiradora. Embora realmente inspiradora, observa Leatherdale, seja a cena em que o grupo de homens entusiastas caçadores de vampiros do romance empala a vampira Lucy com a “estaca-falo”, um ato com reminiscências de defloramento selvagem na qual Stoker também se atreveu a retratar outro tabu vitoriano: o orgasmo feminino. Na verdade, quando se relê a passagem com essas chaves, as conotações sexuais são de matar. Outro episódio obscuro e importante em que o autor entra é o de Mina obrigada a beber o sangue de Drácula, que abre uma veia no peito para isso, no qual Leatherdale acredita que Stoker descreve uma felação soberana.

As relações de gênero em Drácula rendem um tratado. Lucy e Mina (e não mencionemos as três vampiras do castelo) mostram uma rebeldia de diferentes graus e estratégias contra a dominação patriarcal, manifestada pelo conde e pelos caçadores de vampiros. Coisas estranhas acontecem no próprio campo masculino: as transfusões para Lucy significam que seus pretendentes misturam seus sangues e que Drácula, rei do sadismo oral, em última instância bebe o sangue de todos. Bram Stoker estava consciente do que estava escrevendo ou esse inquietante material fazia parte dos recônditos desejos e medos inconscientes da sociedade vitoriana? Os vitorianos ficaram excitados com Drácula? Leatherdale diz que sim e acredita que Stoker teria ficado indignado com a sugestão de que escreveu uma prosa lasciva.



Em relação ao caráter de Stoker, são sensacionais as contribuições de sua mais recente biografia, a monumental Something in the Blood (Es Pop Ediciones, 2017), de David J. Skal, outro grande especialista. Skal, que também relativiza a relação de Drácula com Vlad e destaca que não há nada no romance sobre a busca de um amor perdido através dos séculos por parte do conde –então não há nada de paixão no transilvano–, encontra nas pantomimas natalinas típicas da tradição irlandesa e dos contos folclóricos e de fadas que Stoker conheceu na infância a influência essencial do romance, embora reconheça que o autor sugou de todos os lugares (com o perdão da expressão) e novamente afirma que em sua história “tudo nos leva ao sexo” e que seu protagonista é “ o maior monstro sexual de todos os tempos”. Sobre se Stoker era gay, uma questão amplamente discutida, Skal, que lhe reconhece uma “ambiguidade sexual”, revela a totalidade das cartas apaixonadas que escreveu a Walt Whitman e ressalta que o casamento com sua mulher Florence foi “estético” como o de Oscar Wilde. Pelo visto, a frase de Drácula às vampiras “este homem é meu!” veio das profundezas de Stoker.

Skal, que endossa a teoria de que Stoker morreu de sífilis terciária, contraída de prostitutas ou em bordéis masculinos, sugere que o principal modelo de Drácula foi o ator Jacques Damala, famoso viciado em morfina e que parecia, de acordo com o próprio Stoker, um morto-vivo. A icônica capa preta do conde e o smoking não são atributos dados a ele pelo criador —que só menciona a capa de passagem na cena em que Drácula desliza de cabeça para baixo pelas paredes de seu castelo—, mas pelo ator Hamilton Deane, que protagonizou uma adaptação do romance para o teatro em 1924. Stoker nunca imaginou seu vampiro como um aristocrata vestido de gala, da maneira que Bela Lugosi o personificaria de memoravelmente.

Claes Bang


Em outro livro apaixonante, Miedo y Deseo, Historia Cultural de Drácula (de 2017, não publicado no Brasil), o historiador Alejandro Lillo aponta a inquietante evidência de que a história não é narrada de maneira objetiva. Lillo nos sugere duvidar do que o que é explicado em Drácula —narração baseada em diferentes materiais, organizada, nos dizem, por Harker— seja a verdade, e destaca que se deixa todos os personagens falarem por si mesmos, exceto o conde, que não pode se defender nem se justificar, o coitado. Aponta preocupantes e suspeitas exclusões de cartas e trechos de diários, assim como longos silêncios, lacunas e contradições, e conclui que, como sempre, são os vencedores, que esmagam o inimigo sem piedade, os que escrevem história e silenciam os dissidentes. Não obstante, nos sugere ler com atenção para descobrir, sob a camada de uniformidade do romance, “as outras vozes de Drácula”, um maravilhoso convite para continuar esquadrinhando a mente e a alma de Bram Stoker e a entender o vampiro.

EL PAÍS

quinta-feira, 4 de outubro de 2018

Bram Stoker / A história do prolífico contista devorado pelo conde Drácula



A história do prolífico contista devorado pelo conde Drácula

A editora espanhola 'Páginas de Espuma' publicou o volume mais completo dos contos de Bram Stoker

J. A. AUNIÓN
Madri 22 SET 2018 - 09:43 COT

O gosto voraz do conde Drácula por sangue fresco deixou um fluxo interminável de vítimas, a começar por seu próprio criador, o autor irlandês Bram Stoker (1847-1912), cuja obra ficou sepultada sob seu personagem, um dos maiores ícones da cultura popular. Para alguns, é um esquecimento merecido – há alguns anos Rogério Fresán se referiu a ele neste jornal como um "criador fraco" com "uma grande obra"–, mas para outros é totalmente injusto porque defendem um escritor com uma dezena de romances, poemas, adaptações teatrais, crônicas e artigos que, entre outras coisas, "cultivou de modo primoroso e feliz a narrativa curta".
É o que está escrito na contracapa de Cuentos Completos de Bran Stoker, obra recém-publicada pela editora Páginas de Espuma, na Espanha, a qual inclui os três livros de contos que ele publicou e outros 27 textos que saíram ao longo dos anos em jornais e outras publicações. Estes últimos foram o resultado de um esforço colossal de busca em obras dispersas e arquivos digitais, que os conduziu a cinco contos que não tinham sido republicadas desde que apareceram em vários jornais britânicos e norte-americanos: eles se intitulam em inglês Our New House (nossa nova casa), The Night of the Shifting Bog (noite do lamaçal ambulante), A Yellow Duster (um espanador amarelo), Story of Senator Quay (a história do senador Quay) e To the Rescue (ao resgate)
O especialista Antonio Sanz Egea, que fez esse trabalho, diz que a tarefa se tornou ainda mais complicada pelo fato de não haver edição canônica em inglês que reúna os contos de Stoker. Isso torna este livro da Páginas de Espuma se não a obra completa – dada a dificuldade e as lacunas–, na obra mais completa de contos de Stoker, afirma Juan Casamayor, diretor da Páginas de Espuma. A tradução para o espanhol foi feita por Jon Bilbao.
Sanz Egea insiste em que os contos de Stoker podem levar até mesmo os mais críticos a revisar sua ideia sobre o autor. Por sua qualidade e enorme variedade, com contos de fantasia, contos de amor, contos históricos e realistas autorreferenciais, contos de aventuras e de piratas que lembram Stevenson ou Conrad, e também, é claro, vampiros e terror gótico no estilo de Poe, explica o especialista. Textos que também podem preencher algumas das grandes lacunas na biografia de Abraham (Bram) Stoker, que fez uma cuidadosa seleção das cartas biográficas e passagens biográficas que não queria deixar para a posteridade.
Sabe-se que, quando criança, ele passou anos prostrado na cama em sua casa em Dublin por causa de uma doença –não se sabe qual– que o uniu de maneira muito especial a sua mãe, Charlotte Thornley, uma mulher aguerrida nascida em um pequeno condado no noroeste da Irlanda e que viveu experiências terríveis em sua juventude. Por exemplo, aos 14 anos, ela cortou o braço de um intruso que tentava entrar em sua casa. Charlotte ensinou o filho a ler e escrever enquanto lhe contava histórias folclóricas de duendes e magia, como aquelas que permeiam Under the Sunset (sob o pôr do sol), seu primeiro livro de contos, publicado em 1881.
Por essa época, o menino doentio já se tornara um grande atleta, passara com mais dificuldade que glória pela universidade, era crítico de teatro, casado com Florence Balcombe –ex-namorada de Oscar Wilde– e se mudara para Londres para conduzir o Lyceum, o teatro de seu amigo, o grande ator Henry Irving. Uma tarefa, a última, que o consumiu –literalmente, com jornadas de segunda a domingo em que terminava muitas vezes dormindo no escritório– durante quase três décadas.
E que o fez deixar em segundo plano sua carreira de escritor, embora na época tenha publicado sua grande obra, Drácula (1897). De fato, embora não lhes tenha dedicado muita atenção, Sanz Egea acredita que deve ter escrito nessa época a maior parte das obras que publicaria mais tarde, quando a morte de Irving, o declínio do teatro e sua saúde debilitada o forçaram a procurar o sustento na literatura. Foi assim que surgiu seu segundo livro de contos, em 1908, um trabalho notável que brinca com a realidade e a ficção, intitulado Snowbound – the Record of a Theatrical Touring Party (Retidos pela neve: registro de uma excursão teatral). Nele, os membros de uma companhia retidos pela neve contam vivências que se transformam em cada um dos contos.
O Convidado de Drácula e Outros Contos de Terror e Mistério, cujo título deixa pouco espaço para dúvidas sobre o assunto, foi publicado por sua mulher em 1914, dois anos após a morte do escritor e justamente quando Drácula, que até então tinha sido uma obra de bastante sucesso, começou a se tornar o ícone universal que é hoje.




segunda-feira, 15 de junho de 2015

Morre Christopher Lee / Adeus ao Drácula



Morre Christopher Lee: adeus ao Drácula

O britânico, célebre por seu papel do grande vampiro, faleceu por problemas respiratórios

    Christopher Lee, superfamoso por seu papel de Drácula, morreu domingo aos 93 anos num hospital de Chelsea por problemas respiratórios. Houve demora na comunicação da morte porque a viúva quis avisar antes todos os parentes, segundo The Guardian. Lee não foi somente um intérprete famosíssimo por encarnar no século XX o vampiro mais popular para a produtora Hammer, mas também um ator rentável e bom de bilheteria neste século por seus papéis de conde Dooku na saga de Guerra nas Estrelas e de Saruman em O Senhor dos Anéis. Também viveu Francisco Scaramanga em 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro na série de James Bond.
    Nascido em 27 de maio de 1922 em Londres, no aristocrático bairro de Belgravia, Lee atingiu um porte físico impressionante que (1,96 metro) que lhe garantiu muitos papéis no cinema, sobretudo como vilão. Veio de família de classe alta: seu pai era tenente coronel da Guarda Real britânica e sua mãe, a condessa Estelle Mari Carandini di Sarzano. Passou a infância na Suíça, após o divorcio de seus pais. De volta a Londres, sua mãe se casou com o banqueiro Harcourt Ingle Rose, tio de outro mito do século XX, o escritor Ian Fleming, criador de Bond. Depois de percorrer meia Europa – dizia, por exemplo, que tinha assistido à última execução pública na França –, Lee serviu com sucesso no exército durante a Segunda Guerra Mundial. Participou de operações secretas e acabou falando francês e alemão.
    Considerado um dos grandes atores do cinema, Lee começou sua carreira em 1948, em Escravo do Passado, de Terence Young. E embora não tenha parado de trabalhar – durante toda a carreira participou de 250 produções –, sua fama só chegou no final dos anos 50, quando entrou na produtora Hammer e deu vida ao conde Drácula nos cerca de 20 filmes que realizou com Peter Cushing. O filósofo espanhol Fernando Savater afirmou que sua caracterização do chupa-sangue era como “um demônio carnívoro, com ímpetos brutais para os jogos da vida”. Ainda assim, seu primeiro filme na Hammer não tinha vampiros: ele encarnava o monstro Frankenstein e Cushing, Vitor Frankenstein em A Maldição de Frankenstein.
    Nos anos 60 e 70, foi um dos rostos mais conhecidos da tela graças aA MúmiaO cão dos BaskervillesA Górgona, Rasputin: O Monge Louco e todo tipo de Dráculas, incluindo os dirigidos por Jesús Franco, como a saga de Fu Manchu. “Como a gente ria”, recordava Lee. “[Franco] tinha um talento incrível, mas nunca um orçamento decente. Então usava constantemente o zoom para não mostrar muito. Com mais dinheiro, teria chegando mais longe. E a gente se divertia. Um dia, rodando no clube de golfe de La Manga, eu estava completamente coberto de sangue e feridas purulentas, e decidi entrar assim no bar do clube. Apoiei o braço no balcão e disse ao garçom, em espanhol: ‘O buraco 18 é um filho da puta’. A gente se divertia muito.”
    O final dos anos 70 e os anos 80 foram o período dos rótulos. Além de bons trabalhos, como A Vida Íntima de Sherlock Holmes, 007 Contra o Homem com a Pistola de Ouro e Os Três Mosqueteiros, rodou todo tipo de filme de terror, comédias e séries de TV. “Minha melhor atuação foi em Jinnah [filme biográfico de 1998], quando interpretei Muhhamad Ali Jinnah, fundador do Paquistão. Meu melhor filme? O Homem de Palha, de 1973”, contou em várias ocasiões.
    Apesar de aparecer em Loucademia de Polícia, de estar em 1941 e na saga dos Gremlins, Lee parecia em franca retirada até que três fatos salvaram e relançaram sua carreira: sua amizade com TIM Burton; o convite de Lucas para os três episódios de Guerra nas Estrelas que formariam a trilogia inicial; e a sua designação por Peter Jackson como Saruman em O Senhor dos Anéis. Com Burton, rodou a série norte-americana Sleepy HollowA Fantástica Fábrica de Chocolate,A Noiva-CadáverAlice no País das Maravilhas e Sombras da Noite. E diz a lenda que Lucas chamou seu personagem de Dooku em Guerra nas Estrelas como alusão ao Drácula.
    Entre seus últimos trabalhos – além de seu retorno à Hammer com A Inquilina (2011), de sua colaboração com Scorsese em A Invenção de Hugo Cabret e Trem Noturno para Lisboa, de Bille August–, destaca-se sua atuação como ator de dublagem em Extraordinary tales (2015), de Raúl García, em que o animador ilustrou as melhores histórias de Edgar Allan Poe.
    Após uma carreira tão longeva, o que ainda não tinha feito? “Dom Quixote”, dizia ele numa entrevista em 2009. “O público espanhol poderia me aceitar nesse personagem? É um sonho, e infelizmente estou ultrapassando um pouco a sua idade. Mas tenho sua cara e entendo perfeitamente o seu comportamento. Um homem com grande força, que trata cada mulher como se fosse uma princesa. Uma história maravilhosa”. E afirmava: “Vivo no presente, não no passado. Não estou preso em casa recordando minhas décadas de trabalho. Digo sempre aos atores jovens: ‘Façam o melhor que puderem’. É melhor ser profissional que ter talento. Trabalhei com os piores e os melhores diretores. Em várias ocasiões, eu me perguntava o que fazia no estúdio. Mas nunca abandonei um filme, inclusive quando me enganaram com os nomes de meus companheiros de elenco.” Uma lesão nas costas durante a gravação de The Wicker Tree [“A Árvore de Palha”], sequência de O Homem de Palha, fez com que reduzisse seu ritmo de vida. Foi como contou em uma entrevista ao The Guardian: “Fazer filmes não é meu trabalho, e sim minha vida. Tenho interesse por muitas coisas fora do cinema: canto, escrevo livros... mas atuar é o que me mantém em marcha, é o propósito da minha vida.”
    Entre essas paixões, destaca-se o seu gosto pelo heavy metal. Inclusive colaborou com as bandas Rhapsody of Fire e Manowar, graças à sua voz grave, e gravou o álbum de metal sinfônicoCharlemagne: The Omens of Death. Já havia gravado Revelacionesem 2006, disco que tinha peculiares versões de clássicos como My Way, de Frank Sinatra, e Noite Feliz. Seu genro administrou nos últimos anos sua carreira de maneira férrea, aproveitando o seu website e sua legião de fãs: “Ele me disse que deixasse de firmar autógrafos, que são leiloados na internet por 600 dólares! Inclusive escaneiam minha assinatura e a colam em outras fotos”, disse Lee.