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sexta-feira, 5 de março de 2021

Denúncia de maus tratos do romancista Amos Oz à sua filha abala Israel

 

Amos Oz

Denúncia de maus tratos do romancista Amos Oz à sua filha abala Israel

A também escritora Galia Oz conta em uma autobiografia que sofreu contínuos abusos físicos e psíquicos por parte do seu pai, que morreu em 2018



Juan Carlos Sanz
Jerusalém, 23 Fevereiro 2021



“Durante minha infância, meu pai me bateu, me insultou e me humilhou.” A autobiografia da escritora de literatura infantil Galia Oz gerou um forte incômodo em Israel, onde a memória do romancista Amos Oz, morto há pouco mais de dois anos em decorrência de um câncer, é preservada como uma glória nacional com projeção universal e ícone da esquerda pacifista. As acusações, contidas nas páginas do livro Algo disfarçado de amor, não são menores. “Não era uma perda passageira de controle, nem uma bofetada aqui ou acolá, e sim uma rotina sádica”, escreve ela. A comoção causada pela denúncia no Estado judaico se manifestou, porém, com o distanciamento geralmente dedicado aos segredos de família.


Galia Oz, de 56 anos, segunda filha do autor de De amor e trevas, rompeu há sete anos com seu pai e o resto da família. A tensão gerada por sua presença no funeral do escritor, em dezembro de 2018, ainda é recordada na imprensa hebraica. “Seus abusos eram criativos: me arrastava de dentro de casa e me atirava pela escadaria da entrada”, descreve ela no seu livro de memórias. “Poderíamos dizer que me tratava como lixo, mas sem nunca perder a calma. Meu crime era ser eu mesma, por isso o castigo nunca tinha fim, até que ele tinha certeza de que eu estava destruída por dentro.”

Galia Oz


O escritor e jornalista Yehuda Atlas, amigo de Galia Oz, declarou à rádio pública israelense que “tinha ouvido falar dessas histórias [de maus tratos], mas para nós, progressistas de Israel, era difícil de aceitar. Amos Oz era nosso príncipe”. Daniel Oz, músico e poeta, filho mais novo do autor de Judas, deixou no Facebook uma enigmática reflexão: “Meu pai não era um anjo, só um ser humano. O melhor ser humano que conheci. Estou certo ―sei― que há um pingo de verdade nas lembranças de Galia. Não a apaguemos. Não nos apaguemos”.

A posição oficial da família ficou registrada em uma mensagem no Twitter da mais velha dos três filhos do romancista, Fania Oz-Salzberger, historiadora e professora. “Conhecíamos um pai diferente [do descrito por sua irmã mais nova]. Um pai amável e atento, que amava a sua família. As acusações de Galia, cuja dor parece ser real, não correspondem à lembrança, totalmente diferente, que guardamos dele ao longo de todas as nossas vidas.”

Amos Oz, nascido em Jerusalém em 1939, narrou Israel com uma voz original, que tocou a alma de seus compatriotas. O eco de sua obra, traduzida para 45 idiomas, propagou-se por todo o mundo com o reconhecimento de prêmios como o Príncipe de Astúrias (2007) e o Goethe (2008). Mas, embora seu nome figurasse anualmente nos bolões de aposta de Estocolmo, nunca recebeu o maior reconhecimento de todos, o Nobel de Literatura. “Acho que já tive minha cota de prêmios literários”, disse numa entrevista ao EL PAÍS em 2015, “e se não receber o Nobel não vou morrer insatisfeito”.

Sua vida foi um romance. Trocou seu sobrenome paterno, Klausner, pelo de Oz, e abandonou sua família de imigrantes judeus da Europa Oriental para ingressar em um kibutz aos 15 anos. O relato de sua experiência nas fazendas coletivas, que marcaram os primeiros anos do Estado judaico, foi o eixo central de uma obra de juventude que evoluiu para a descrição de personagens arquetípicos, com os quais a sociedade israelense se identifica e que atraíram a atenção de leitores de todo o planeta.

A relação familiar vivida por Amos Oz durante sua infância foi complexa. Esforçou-se para ser “o mais diferente possível” do seu pai, um bibliotecário nacionalista judeu, em busca do sonho do socialismo comunitário no campo. Mergulhada em uma depressão, sua mãe se suicidou quando ele tinha 12 anos. “Acho que há um gene fanático em quase todos nós. O ser humano tenta mudar os outros. Dizemos às crianças: ‘Você tem que ser como eu’”, declarou numa entrevista ao EL PAÍS poucos meses antes de morrer, quando apresentou sua última obra, Caros fanáticos, que definiu como “um legado”.

Pouco mais se sabe da vida privada do escritor mais reconhecido do Israel. Sua amabilidade era proverbial entre os correspondentes da imprensa estrangeira, a quem seduzia gerando manchetes sobre uma solução com dois Estados para o conflito palestino-israelense, ao mesmo tempo em que esmiuçava com habilidade ao longo das conversas a riqueza da obra que sua editora estivesse divulgando.

“Não tive remédio senão tentar superar a violência, o secretismo, o costume de guardar isso tudo para mim e o medo do que dirão”, confessa a filha do escritor em sua autobiografia. “Mas não consegui. Por isso tive que escrever.” Esperou a morte do pai. Alega que ele havia difundido inverdades entre os intelectuais israelenses para desacreditá-la, caso se atrevesse a revelar os maus tratos que diz ter sofrido. Analistas e críticos de sua obra citados pela imprensa local disseram enxergar no romance Conhecer uma mulher, de Oz, um paralelismo entre a filha obstinada e epilética do protagonista ―um ex-espião que acaba de enviuvar― e sua própria filha Galia.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Amos Oz / Combatente pela paz



Amos Oz


Amos Oz

Combatente pela paz

Todas as vezes em que disse em minha vida que Israel era o único país onde sempre me senti um homem de esquerda, era pelas coisas que ali fazia, dizia e escrevia Amos Oz, que faleceu há poucos dias


Mario Vargas Llosa
7 Jan 2019

Conheci Amos Oz em novembro de 1976, em minha primeira viagem a Israel. Fui visitá-lo no kibutz Hulda, onde estava desde os 14 anos. (Sua mãe se suicidara dois anos antes). Seu primeiro romance, de título intraduzível ao espanhol, Quizás en Otro Lugar(Talvez em outro lugar) seria o mais aproximado, havia provocado uma grande controvérsia em seu país porque nele fazia uma minuciosa análise da vida nesses pequenos recintos idealistas —os kibutz— que buscavam, como disse ironicamente anos mais tarde, “criar pessoas boas e saudáveis, sem sequer suspeitar que os seres humanos não somos nem bons nem saudáveis”.

Vivia modestamente em uma casinha de madeira e tinha que se levantar ao alvorecer para trabalhar no campo com as mãos. Mas estava muito contente porque os dirigentes do Hulda lhe permitiam dedicar as tardes a escrever. Era jovem, otimista, incansável, e creio que desde o primeiro momento ambos soubemos que seríamos bons amigos. Nas sete ou oito vezes em que estive depois em Israel sempre demos um jeito para almoçar ou jantar juntos, e o mesmo em conferências e congressos literários pelo mundo, nos quais sempre arranjávamos uma brechinha para tomar um café. Todas as vezes em que disse em minha vida que Israel era o único país onde eu sempre me senti um homem de esquerda, era pelas coisas que ali fazia, dizia e escrevia Amoz Oz.
Tudo o que escreveu —seus romances, ensaios, reportagens— tinha a ver com problemas reais e imediatos, e essa preocupação com a vida política e social, inevitável para um escritor israelense, não era incompatível com a excelência literária, como se constata nesta obra prima que foi sua autobiografia, De Amor e Trevas (2002), e seu romance Meu Michel, traduzido em quase todo o mundo. Ao mesmo tempo que grande escritor, foi um lutador encarniçado pela paz e um dos fundadores do Movimento Paz Agora, que nos anos 80 chegou a ter milhões de seguidores em Israel. Lutou toda sua vida pela paz entre os israelenses e os palestinos porque conhecia os estragos terríveis que as guerras causam, já que havia participado de duas delas, a Guerra dos Seis Dias e a Guerra do Yom Kipur.



Seu sionismo não o impedia de ver as injustiças que os colonos cometiam nos territórios ocupados

Era um sionista convicto e confesso, porque acreditava que os israelenses tinham direito a ocupar uma terra à qual estavam ligados historicamente e um país que haviam construído, mas seu sionismo não o impedia de ver as injustiças que os colonos cometiam nos territórios ocupados. Por isso, defendeu até o fim de seus dias a ideia dos dois Estados —um israelense e outro, palestino—, apesar de que muitos de seus antigos amigos, após a direitização tão atroz experimentada pelo Governo israelense e o canceroso crescimento dos assentamentos ilegais nos territórios ocupados, achavam isso impossível e tendiam a apoiar a ideia de um só Estado laico e compartilhado pelas duas comunidades. Para Amos Oz esta solução parecia absolutamente irreal e inoperante (“isso só na Suíça”, insistia), algo que o levou a distanciar-se politicamente de outro grande escritor israelense, A. B. Yehoshua, de quem tinha sido muito amigo.
A última vez que o vi foi há dois anos, em um almoço em Jerusalém. Estava irreconhecível, de tão desanimado e silencioso, ele que parecia a alegria de viver encarnada e derramava energia por todos os poros. Era o câncer, sem dúvida, que começava a fazer estragos em seu organismo. Mas eu atribuí ao tom sombrio daquela conversa, da qual participavam Yehuda Shaul, fundador do grupo Breaking the Silence, no qual os próprios soldados denunciam os abusos que o Exército de Israel comete. Gideon Levy, um jornalista progressista muito conhecido; o romancista David Grossman —que sem dúvida o sucederá como consciência moral de seu país— e Juan Cruz, de EL PAÍS.
É verdade que não deve ser fácil ser um escritor laico e progressista em um país como Israel, onde, em cada eleição, sempre voltam ao governo as mesmas pessoas e as mesmas políticas extremistas, graças a pequenos partidos de fanáticos religiosos —aos quais Amos Oz dedicou precisamente um de seus últimos ensaios— cujos votos garantem a maioria ao Governo imperante. Em Israel, a democracia existe e funciona de maneira impecável para os israelenses (para os palestinos, claro, não). Há liberdade de imprensa, não existe a censura, os juízes são independentes, e a vida política é multíplice, livre, muito intensa. Mas se um visitante se embrenha na Cisjordânia já é outra coisa. As cidades e vilas palestinas estão praticamente cercadas pelos assentamentos ilegais, submetidas a um controle policial e militar rigidíssimo, e bloqueadas e retalhadas por uma muralhona gigantesca que separa as famílias de suas escolas e campos de trabalho. Etcétera. Claro que a ameaça do terrorismo é uma realidade e exige que sejam tomadas precauções para evitá-lo. Mas a impressão que se tem é que Israel já excluiu de seu programa as negociações de paz e que a tese de Sharon —nós imporemos a paz— passou a ser, pura e simplesmente, a política de todos os Governos israelenses. Para mim, esta possibilidade parece ainda mais irreal e disparatada que a do Estado único. Porque ela só se sustentaria convertendo o diminuto Israel em uma anacrônica África do Sul dos tempos do apartheid, cercado de inimigos pelos quatro costados.



Raras vezes falava de seus livros e, quando não havia mais remédio, fazia isso subestimando-os, e como se estivesse enfastiado

Quando se acompanha a obra de um escritor como Amoz Oz à medida que vai sendo produzida, observa-se a importância de que a literatura se alimente do que são as preocupações e angústias —e também exaltações e alegrias, é evidente— da gente comum, aquela que lê os livros e se reconhece neles, e, ao mesmo tempo, eles lhe permitem tomar distância desse mundo e encará-lo de uma perspectiva mais profunda e de mais alcance. Isso é o que a grande literatura tem sido sempre: uma maneira melhor de compreender tudo aquilo que constitui a vida, enriquecer a perspectiva dos fatos mais íntimos e pessoais, e, também, claro, dos coletivos, e a maneira mais eficaz de substituir os estereótipos, preconceitos e lugares comuns por ideias. Isto é o que Sartre dizia que devia ser a literatura em seu extraordinário ensaio Situations II, antes de desdizer-se de tudo aquilo quando recomendou aos escritores africanos que renunciassem a escrever para fazer primeiro a revolução socialista e criar países onde a literatura fosse possível. (Se tivessem seguido esse conselho, os países africanos nunca teriam literatura).
Na homenagem que lhe prestou, Gideon Levy (que foi tão crítico de suas posições políticas) fala de seu “encanto, de sua incrível modéstia, de sua magia”. É verdade. A vaidade costuma ser imensa entre os que nos dedicamos a escrever. Uma das exceções era Amoz Oz. Raras vezes falava de seus livros e, quando não havia mais remédio, ele fazia isso subestimando-os, e parecendo enfastiado. Certa vez o ouvi dizer que não entendia por que sua obra era tão conhecida em tantas partes e por tantos leitores diferentes. Vai fazer muita falta para todos nós. E, sobretudo, para Israel: poucos israelenses fizeram tanto por seu país como Amos Oz.

sábado, 5 de janeiro de 2019

Morre o escritor israelense Amos Oz aos 79 anos


Amos Oz, em sua casa em Tel Aviv (Israel), outubro de 2015. 

Morre o escritor israelense Amos Oz aos 79 anos


EL PAÍS
Madri, 28 Dez 2018

Eterno candidato ao Nobel de Literatura, enfrentou a corrente dominante da opinião pública em seu país, por ser favorável à ocupação da Palestina


Os conflitos do Israel contemporâneo perderam nesta sexta-feira um de seus principais narradores. Amos Oz, nascido em 1939 em Jerusalém, quando a cidade ainda estava sob o mandato britânico da Palestina, morreu de câncer. A morte de Amos Oz foi confirmada pela filha do escritor e jornalista, que divulgou um comunicado em sua conta no Twitter.
Amos Oz mudou seu sobrenome paterno, Klausner, depois de deixar sua família de imigrantes judeus lituanos e ucranianos para entrar em um kibutz aos 15 anos. Como pacifista, enfrentou a corrente dominante da opinião pública em seu país, por ser favorável à ocupação da Palestina.
O escritor iniciou a carreira com o romance Talvez em Outro Lugar (1966). O mais recente, Judas, foi lançado em 2014. Ele também cultivou o ensaio, com títulos como Sob esta Luz Violenta (1978), As Vozes de Israel (1986) e Contra o Fanatismo, publicado em 2006 em Israel. Como jornalista, abordou os conflitos da sociedade israelense.
Habitual nas apostas para o Prêmio Nobel da Literatura, que nunca recebeu, o escritor foi premiado com o prêmio espanhol Príncipe das Astúrias de Literatura em 2007. Ele também ganhou, dois anos antes, o Prêmio Goethe, dado principalmente para escritores em língua alemã.


quarta-feira, 6 de setembro de 2017

Cinco autores contemporâneos que usam a Bíblia como matéria prima




Cinco autores contemporâneos que usam a Bíblia como matéria prima

Podemos nos empanturrar com romances, mas sempre restarão os textos sagrados


BERNA GONZÁLEZ HARBOUR
24 NOV 2015 - 13:44 COT


Não temam, escritores e leitores. Podemos nos empanturrar, nos saciar de romances policiais, históricos, de perdas, realistas, góticos ou açucarados, mas sempre nos restará a Bíblia como matéria-prima. Os velhos e novos testamento crescem nestes meses como o universo literário amplo no qual todos os registros são possíveis: amor, humor, crueldade, ciúme, dominação, machismo, irracionalidade, bondade, ridículo. Transcendência. Várias obras recentes mergulham e reescrevem à sua maneira, bastante salutar, alguns episódios. E sua atualidade é absoluta.

1. Erri De Luca se detém, em Las Santas del escándalo [As Santas do Escândalo] na figura de cinco mulheres aparentemente pouco exemplares: prostitutas, adúlteras ou uma grávida anterior ao casamento (já ouviram falar?). Elas nos ensinam que, no que se entende por pecado, pode haver também sabedoria, riqueza, uma entrega genial. “Estas mulheres vão de encontro às normas e ousam a transgressão. Não têm nenhum poder, nem classe, e, no entanto, governam o tempo”, afirma o autor. Ocorre que “a história sagrada tem muito menos preconceitos que a nossa história profana”. De Luca (Nápoles, 1950) descreve como Onan “derramou em terra” a sua semente para evitar a paternidade, o que acabou por dar o nome ao prazer solitário, ou Hurga em hebraico, para nos contar como os verbos têm sexo. Uma delícia.

2. Sergio Ramírez (Mesatepe, Nicarágua, 1942) reescreve em Sara (Alfaguara) esse personagem bíblico sob uma lógica atual. Sua Sara é uma mulher típica, dona de uma sabedoria popular que a faz duvidar de um Deus que impõe aos homens cortar o prepúcio com uma pedra ou que fala sem se mostrar. Chama-o de O Mago e desconfia de para onde está levando seu marido, capaz de amar a empregada enquanto a prostitui com o faraó. Sara é hilariante, sábia, sarcástica, uma espécie de A vida de Brian sob a forma de excelente literatura, e nos ensina que aqueles que acreditamos serem grandes têm mais falhas do que nos recordamos. Um livro para sempre.
Emmanuel Carrère
Poster de T.A.

3. Emmanuel Carrère. O autor (Paris, 1957) examina a fundo o Novo Testamento em El Reino [O Reino], em que mistura, mais uma vez, ficção, memórias, história e reflexões para contar o seu encontro e desencontro com o cristianismo. Um dos livros do ano.

4. Ricardo Menéndez Salmón. O autor, que recebeu recentemente o Prêmio Américas de melhor romance em espanhol de 2014, elegeu a infância de Jesus Cristo para investigar uma personalidade que certamente lhe foi negada. O protagonista perdeu seu filho e com ele o seu casamento, e se refugia na escrita. De suas mãos, surge uma busca peculiar das raízes de Jesus, o menino, envolvidas entre as sombras do nascimento de uma religião. Para Menéndez (Gijón, 1971), Niños en el Tiempo [Crianças no Tempo] é uma maneira de encarar a figura de Jesus Cristo sem os pressupostos conhecidos.

5. Amos Oz (Jerusalém, 1939) optou pela figura de Judas para reescrever esse episódio que considera “o Chernobil do antissemitismo cristão”. Judas é um romance surgido do louvável impulso de mudar a história. E esse é o fabuloso poder do clube dos escritores. Assim, não tenha medo.




quinta-feira, 23 de junho de 2016

Amos Oz / “Critico Israel e não sou antissemita”

Amos  Oz

Amos Oz

“Critico Israel e não sou antissemita”

O polêmico escritor e eterno aspirante ao Nobel retoma a história de Israel em ‘Judas’.

“Escrevi esse romance porque me chamaram muitas vezes de traidor”


Trocou seu sobrenome paterno, Klausner, depois de deixar sua família de imigrantes judeus lituanos e ucranianos para trás e ingressar em um kibutz, aos 15 anos. Essa determinação de transformação da realidade o acompanhou por toda a vida e o levou a enfrentar desde o pacifismo à corrente majoritária de opinião em Israel, favorável à ocupação da Palestina. Amos Oz (Jerusalém, 1939) recebe Babelia de chinelos na sala do sótão em um distrito burguês do norte de Tel Aviv. Parece cansado e alega problemas indeterminados de saúde para explicar sua ausência na Espanha para a próxima apresentação de seu último romance, Judas (Sirueal).





PERGUNTA. Ainda existe a Jerusalém em que nasceu? Não encontramos o beco onde acontece seu romance Judas
RESPOSTA. Desapareceu. Tudo mudou: 50 ou 60 anos em Jerusalém são como 200 anos no resto de Israel. Perdeu sua beleza de paraíso perdido. Judas não é um documentário, nem uma espécie de memórias. Neste romance, escuta-se o eco de dois dos principais acontecimentos da história de Jerusalém: o sacrifício de Isaac, refletido na morte de um homem jovem [na guerra de independência de Israel, 1948-1949], e a crucificação de Jesus.
P. É uma ficção sobre a história dessa terra e seus conflitos?
R. No coração desse romance, está a história de três pessoas muito diferentes. Um velho que rechaça com força todas as religiões e todas as ideologias do mundo, cada uma delas começa com sonhos de redenção, embora todas acabem com inquisições, jihads, cruzadas, gulags, câmaras de tortura, e aceita o mundo como ele é. Vê-se confrontado por um jovem idealista, Shmuel, que acredita ser possível mudar o mundo. Que tem pôsteres de Fidel Castro e de Che Guevara na parede do seu quarto. E se encontra com uma mulher muito atraente, Atalia Abravanel, que está brava com o mundo que ficou nas mãos dos homens durante milhares de anos, um mundo que foi convertido em um matadouro. No fim, os três quase [enfatiza] amam uns aos outros. Essa mudança é uma espécie de milagre laico.

terça-feira, 21 de junho de 2016

Prêmio Kafka / Árvores na neve / Discurso de Amos Oz


Amos Oz

Árvores na neve

Na opinião de Amos Oz, Franz Kafka foi o maior profeta do século XX, capaz de prever a desumanização e as tiranias, a crueldade do poder e a impotência do ser humano

Existe um conto de Kafka intitulado As Árvores. Nele, o autor diz que somos semelhantes a árvores na neve, que parecem flutuar, como se não tivessem raízes. É pura aparência, escreve Kafka, porque todo mundo sabe que as árvores têm raízes bem enterradas. E diz em seguida: mas isso também é pura aparência.