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terça-feira, 13 de janeiro de 2015

Houellebecq contra a França do islã



ATAQUE TERRORISTA EM PARIS

Houellebecq contra a França do islã

Escritor volta a semear a polêmica com seu novo romance, ‘Submissão’, em que um muçulmano chega à presidência da França



Muçulmanos rezando em uma rua de Marselha em abril de 2011. / J.P. P. (REUTERS)
No mesmo dia do ataque à revista francesa 'Charlie Hebdo', chegou às lojas da França o novo livro de  Michel Houellebecq. Dias antes da publicação e do atentado, o escritor já podia vangloriar-se de ter provocado um escândalo maiúsculo. O motivo é o argumento de seu novo romance, Soumission (Submissão), relato futurista de uma França convertida em regime islâmico após a vitória de um novo partido, a Fraternidade Muçulmana, nas eleições presidenciais de 2022.
Seu candidato, Mohammed Ben Abbes, venceu Marine Le Pen no segundo turno graças ao apoio das demais forças políticas, decididas a impedir a vitória inevitável da extrema direita. O país retratado por Houellebecq, imagem deformada da França de hoje, dribla “os últimos resíduos de uma social-democracia agonizante” e é povoado por cidadãos desencantados com a política, unicamente “galvanizados por sua adoração a esportistas, estilistas, atores e modelos”, que se limitam a ver “reality shows sobre obesidade” na televisão enquanto ingerem “pratos pré-cozidos confiáveis por sua insipidez”.
Nessa paisagem, Houellebecq situa um narrador chamado François, professor universitário quarentão e especialista em Huysmans, grande figura do decadentismo do século 19 e autor de Às Avessas (À Rebours, 1884) que se converteu do protestantismo ao catolicismo no fim da vida. No livro, François contempla outro tipo de metamorfose religiosa: a necessidade de converter-se ao islamismo diante das circunstâncias políticas. Em vista das turbulências que se anunciam, o deprimido narrador (e muito claro alter ego do autor) refugia-se na França profunda, onde visita cidades medievais e degusta longos ágapes regados a armagnac. Quando retorna a Paris, dias depois do desenlace eleitoral, encontra um país que já não reconhece.
A Sorbonne é agora uma universidade islâmica financiada por riquíssimos emires, com as paredes decoradas por versos do Corão e um reitor casado com três esposas, uma delas adolescente. Como François, os professores que não se converteram ao Islã a tempo foram jubilados, mas monarquias petroleiras colocaram pensões astronômicas ao seu dispor. A sharia não foi aplicada, mas o decote e a minissaia foram proscritos. E as mulheres, encorajadas a retirar-se do mercado de trabalho em troca de vultosas ajudas públicas. Os trens oferecem menu halal. Turquia, Argélia e Marrocos tornaram-se membros da União Europeia, no marco da “reconstrução do Império Romano” a que aspira o novo presidente.
Houellebecq diz não ter escrito o livro com intuito provocador. “Não tomo partido, não defendo nenhum regime. Nego toda responsabilidade”, declarou o escritor à revista literária The Paris Review. “Procedi  uma aceleração da história, mas não posso dizer que seja uma provocação, porque não digo coisas que considere falsas só para deixar alguém nervoso. Condenso uma evolução que, a meu entender, é verossímil”.
Não é estranho que a polêmica ganhe dimensões de assunto de Estado. Em seu novo livro, Houellebecq contrapõe as raízes da cristandade medieval – o protagonista refugia-se em um povoado chamado Martel, como o homem que deteve os árabes em Poitiers no ano de 732 – e uma invasão muçulmana de traços quase burlescos, temperada com teorias abjetas que ecoam no atual clima político. O livro parece beber da Grande Substituição formulada pelo filósofo Renaud Camus, acusado de incitação ao ódio racial, que aparece no romance como autor (fictício) dos discursos de Marine Le Pen. Segundo Camus, a população europeia acabará sendo substituída por imigrantes que provocarão uma mudança de civilização.
O romance já gerou tantas opiniões entusiastas como escandalizadas, pronunciadas por uma habitual enxurrada de comentaristas midiáticos, desde o filósofo Alain Finkielkraut – para quem Houellebecq fala de “um futuro que não é certo, mas plausível” – até o apresentador Ali Baddou, que afirmou ter sentido “vontade de vomitar” com a “islamofobia” do livro. O diretor do jornal Libération, Laurent Joffrin, escreveu que o romancista não faz mais que “esquentar o lugar de Marine Le Pen no Café de Flore”, refúgio da intelectualidade parisiense, inserindo teses ultradireitistas sobre a suposta invasão muçulmana no quadrilátero da literatura. E o próprio François Hollande, apresentado na romance como um político acabado, afirmou ontem em uma entrevista que lerá o romance “porque provoca um debate”, mas incitou seus concidadãos a não se deixarem “devorar pelo medo e pela angústia” que o livro reflete.
Já em 2001, Houellebecq afirmou: “O Islã é a mais burra das religiões”. Há quatro anos, na televisão israelense, acrescentou: “A tendência à colaboração com um poder perigoso, neste caso o fundamentalismo islâmico, é dominante na França”. EmSoumission, descreve um Islã que apresenta como “moderado”, embora na realidade responda a traços reacionários. O filósofo Abdennour Bidar denunciou sua “imagem errônea” do Islã, que retrata como fundamentado na submissão a Deus, mulheres em casa, véu e poligamia”. Houellebecq jura ter revisto suas opiniões passadas. “No fundo, o Corão é melhor do que pensava, depois de o reler… ou melhor, ler. A conclusão é que os jihadistas são maus muçulmanos”, disse nesta semana.


O livro


O escritor Michel Houellebecq. / MIGUEL MEDINA (AFP)
Soumission é o novo romance de Michel Houellebecq (Ilha da Reunião, 1956), ex-especialista em informática do Parlamento francês que saltou para a fama com Extension du Domaine de la Lutte (1994). Esse dândi reacionário, que disse “sentir verdadeiro afeto por Sarkozy”, é conhecido por suas declarações contra o feminismo ou a herança de Maio de 68, ou a favor do turismo sexual. Onipresente na vida cultural de seu país, nos últimos meses publicou uma antologia poética, protagonizou dois filmes, expôs suas fotografias em Paris e produziu uma adaptação para o teatro de seu romance Les Particules Élémentaires (1998).
Com seu romance anterior, La Carte et le Territoire (2010), obteve o prêmio Goncourt. Acreditava-se que o enfant terrible tinha se retratado, até chegar seu novo livro.





segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

David Brooks / Não sou Charlie Hebdo


ATENTADO TERRORISTA NA FRANÇA

Não sou Charlie Hebdo

É um bom momento para adotar uma postura menos hipócrita em relação às nossas próprias figuras provocadoras


Os jornalistas do Charlie Hebdo são aclamados agora justamente como mártires da liberdade de expressão, mas sejamos francos: se tivessem tentado publicar seu jornal satírico em qualquer campus universitário norte-americano durante as últimas duas décadas, não teriam durado nem trinta segundos. Os grupos de estudantes e docentes os teriam acusado de incitação ao ódio. A Administração teria cortado seu financiamento e encerrado suas atividades.
A reação pública ao atentado em Paris revelou que há muitas pessoas que se apressam em idolatrar aqueles que são contra as opiniões dos terroristas islâmicos na França, mas que são muito menos tolerantes em relação àqueles que são contra suas próprias opiniões em seu país.
Apenas vejam todas as pessoas que reagiram de maneira exagerada às microagressões no campus. A Universidade de Illinois despediu um professor que analisava a postura da Igreja Católica em relação à homossexualidade. A Universidade do Kansas expulsou um professor por criticar no Twitter a Associação Nacional do Rifle. A Universidade Vanderbilt desqualificou um grupo cristão que insistia em ser dirigido por cristãos.
Os norte-americanos podem elogiar o Charlie Hebdo por ser corajoso o suficiente para publicar caricaturas que ridicularizavam o profeta Maomé, mas quando Ayaan Hirsi Ali é convidada ao campus, há frequentemente pedidos para que suas palestras sejam proibidas.
Por isso, este pode ser um momento para se aprender algo. Agora que estamos horrorizados pelo massacre daqueles escritores e editores em Paris, é um bom momento para adotar uma postura menos hipócrita em relação às nossas próprias figuras polêmicas, provocadoras e satíricas.
A primeira coisa a dizer, suponho, é que independentemente do que você tenha postado em sua página do Facebook na quarta-feira, é incorreto para a maioria de nós afirmar “Je suis Charlie Hebdo” ou “Sou Charlie Hebdo”. A maioria de nós na verdade não adota o humor deliberadamente ofensivo no qual esse jornal é especializado.
Podemos ter começado assim. Quando se tem 13 anos, parece ousado e provocador épater la bourgeoisie [escandalizar a burguesia], enfiar o dedo no olho da autoridade, ridicularizar as crenças religiosas de outros.
Mas, depois de um tempo, isso nos parece pueril. A maioria de nós passa a adotar pontos de vista mais complexos sobre a realidade e mais tolerantes em relação aos demais. (A ridicularização se torna menos divertida à medida que tomamos maior consciência a respeito de nossa própria e frequente ridicularidade). A maioria de nós tenta mostrar um mínimo de respeito frente às pessoas de diferentes credos e religiões. Tentamos começar a conversa escutando em vez de insultando.
Mas, ao mesmo tempo, a maioria de nós sabe que os provocadores e outras figuras bizarras desempenham um papel público útil. Os humoristas e cartunistas expõem nossas fraquezas e vaidade quando nos sentimos orgulhosos. Eles esvaziam o autoelogio inflado dos bem-sucedidos. Nivelam a desigualdade social ao rebaixar os poderosos. Quando eficazes nos ajudam a enfrentar nossas fraquezas em comunidade, já que o riso é uma das experiências de aproximação no final das contas.
Além disso, os especialistas em provocação e ridicularização expõem a estupidez dos fundamentalistas. Os fundamentalistas são pessoas que levam tudo ao pé da letra. São incapazes de adotar pontos de vista diferentes. São incapazes de ver que, embora sua religião possa ser digna da mais profunda veneração, também é verdade que a maioria das religiões é um tanto estranha. Os humoristas expõem aqueles que são incapazes de rir de si mesmos e ensinam aos demais que provavelmente deveriam fazer a mesma coisa.
Em resumo, ao pensar naqueles que provocam e ofendem, desejamos manter normas de civilidade e respeito e, ao mesmo tempo, abrir espaço a esses tipos criativos e desafiadores que não têm as inibições dos bons modos e do bom gosto.
Quando se tenta combinar esse delicado equilíbrio com as leis, as normas de discurso e oradores vetados, o resultado é uma censura nua e crua e conversas abafadas. É quase sempre um erro tentar silenciar o discurso, fixar normas e cancelar convites a palestrantes.
Por sorte, os costumes sociais são mais maleáveis e flexíveis do que os códigos. A maioria das sociedades conseguiu manter padrões de civilidade e respeito ao mesmo tempo em que deixam o caminho aberto para os divertidos, malcriados e ofensivos.
Na maioria das sociedades, adultos e crianças comem em mesas separadas. As pessoas que leem o Le Monde ou as publicações institucionais sentam-se à mesa com os adultos. Os bobos da corte, os excêntricos e pessoas como Ann Coulter e Bill Maher estão na mesa das crianças. Não são totalmente respeitados, mas são escutados porque, com seu estilo de míssil descontrolado, às vezes dizem coisas necessárias que ninguém mais está dizendo.
As sociedades saudáveis, em outras palavras, não silenciam o discurso, mas concedem um status diferente aos diversos tipos de pessoas. Sábios e renomados estudiosos são escutados com grande respeito. Os humoristas são escutados com um confuso semirespeito. Os racistas e antissemitas são escutados através de um filtro de opróbrio e desrespeito. As pessoas que desejam ser escutadas com atenção têm que conquistar isso por meio de sua conduta.
O massacre de Charlie Hebdo deveria ser uma oportunidade para por fim às normas sobre o discurso. E deveria nos lembrar que, do ponto de vista legal, temos que ser tolerantes com as vozes ofensivas, embora sejamos exigentes do ponto de vista social.




domingo, 11 de janeiro de 2015

Je suis Ahmed


Momento em que um dos terroristas mata o policial Ahmed Merabat. / AFP

ATAQUE TERRORISTA EM PARIS

“Je suis Ahmed”

Policial assassinado durante a fuga dos terroristas se transforma em um ícone da tragédia



    A mensagem solidária de Je suis Charlie – Eu sou Charlie – se espalhou poucas horas depois do atentado contra o jornal satírico francês. A primeira imagem que circulou do crime, entretanto, não tinha relação nenhuma com os trabalhadores da publicação. Um vídeo amador mostrava o assassinato a sangue-frio de um policial que fazia sua ronda no momento em que a revista foi atacada.
    As imagens mostravam os dois autores do crime, os irmãos Chérif e Said Kouachi, descer de um carro. Ao passar ao lado do agente, enquanto este pedia clemência a gritos após ter sido baleado no pé, um dos assassinos lhe deu um tiro fatal na cabeça. Sem olhá-lo. Sem compaixão. O agente morto se chamava Ahmed Merabat e, segundo vários meios de comunicação franceses, era muçulmano. Enquanto os cartunistas do Charlie Hebdo foram reconhecidos por sua luta pela liberdade de expressão, Merabat se transformou em um ícone por ter morrido em defesa de um jornal atacado por insultar a fé que ele mesmo professava.

    Imagens cedidas pela Polícia francesa de Amedy Coulibaly (acima), um conhecido islamista radical francês de 32 anos e suposto autor da tomada de reféns em um supermercado de Paris e do assassinato ontem de uma policial municipal francesa, sua colega Hayat Boumeddiene, de 26 anos, relacionada com o assassinato ontem em plena rua em Montrouge, no sul de Paris, e dos principais suspeitos do massacre no semanário "Charlie Hebdo", os irmãos Said e Chérif Kouachi (abaixo).

    A mensagem de Je suis Charlie foi crescendo, principalmente nas redes sociais, ao mesmo tempo em que ganhava força a de Je suis Ahmed – Eu sou Ahmed –, em solidariedade ao agente assassinado. “Eu não sou Charlie, sou Ahmed, o policial morto. Charlie ridicularizou minha fé e cultura e morri defendendo seu direito de fazer isso”, escreveu no Twitter o ativista árabe e escritor Dyab Abu Jahya, fazendo referência à expressão do filósofo francês Voltaire.
    “Ele foi morto de uma forma muito covarde por pessoas que interpretaram erroneamente seu texto sagrado”, lamentou Christophe Crépin, porta-voz de um dos sindicatos policiais franceses, segundo a imprensa local.
    Merabat era um oficial de 42 anos, solteiro e sem filhos, que pertencia à delegacia do distrito 11 de Paris, onde fica a sede do Charlie Hebdo. Seus pais eram originários do norte da África e, segundo declarações de outro agente divulgadas por vários meios de comunicação franceses, residia em um bairro do norte de Paris com uma grande tradição de recebimento de imigrantes.


    sábado, 10 de janeiro de 2015

    Vargas Llosa / Je suis Charlie Hebdo



    ATENTADO TERRORISTA EM PARIS

    “Je suis Charlie Hebdo”

    Querem que o mundo livre renuncie a valores básicos da civilização


    (DE OTROS MUNDOS)



      Acredito que o ocorrido em Paris recentemente não seja apenas um fato horrível que arrepia por sua crueldade e selvageria, mas também uma escalada do que é o terror. Até agora matavam pessoas, destruíam instituições, mas o assassinato de quase toda a redação do Charlie Hebdo significa algo ainda mais grave: querer que a cultura ocidental, berço da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, renuncie ao exercício desses valores, que comece a exercitar a censura, pôr limites à liberdade de expressão, estabelecer assuntos proibidos, quer dizer, renunciar a um dos princípios mais fundamentais da cultura da liberdade: o direito à crítica.
      O que pretendem com esse assassinato em massa de jornalistas e cartunistas é que a França, a Europa Ocidental, o mundo livre renunciem a um dos valores que são a base da civilização. Não poder exercer essa liberdade de expressão que significa usar o humor de uma maneira irreverente e crítica significaria pura e simplesmente o desaparecimento da liberdade de expressão, quer dizer, de um dos pilares do que é a cultura da liberdade. Acredito que o Ocidente, a Europa, o mundo livre devem se dar conta de que há uma guerra que acontece em seu próprio território e que devemos ganhá-la se não quisermos que a barbárie tome o lugar da civilização.
      É preciso agir com firmeza, sem complexos de inferioridade em relação aos que representam o fanatismo, mas também respeitando rigorosamente a legalidade que é tão importante quanto a liberdade. Um dos riscos mais graves desse horrível ataque terrorista é o estímulo à xenofobia nos partidos extremistas que são tão perigosos para a democracia quanto os fanáticos islâmicos.
      Esse assassinato em massa vai atrair adeptos para partidos como a Frente Nacional e todos os grupos e facções que quiseram destruir a Europa e levar os países europeus de volta à época dos nacionalismos intolerantes e xenófobos. É preciso fazer um esforço para evitar que isso ocorra e que a Europa seja destruída tanto por seus inimigos quanto por aqueles que pretendem defendê-la através de outras formas de intolerância e fanatismo.
      A França foi uma das fundadoras da cultura da liberdade com a declaração de direitos humanos, que estabeleceu constitucionalmente uma liberdade de expressão que seus cidadãos, seus intelectuais e seus políticos têm exercitado de maneira exemplar ao longo de toda sua história. Por isso a tragédia vivida pela França nestes dias é uma tragédia que afeta todas as mulheres e todos os homens livres deste mundo, que devem repetir como estão fazendo milhares de franceses todos os dias: “Je suis Charlie Hebdo”.
      Mario Vargas Llosa é prêmio Nobel de Literatura.




      PESSOA