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terça-feira, 15 de abril de 2014

Enrique Vila-Matas / Marguerite Duras

Marguerite Duras


01/04/2007 - 02h30

Ensaio de Enrique Vila-Matas aborda escritora Marguerite Duras


Folha de S.Paulo

Leia a seguir trechos de ensaio do espanhol Enrique Vila-Matas sobre a escritora francesa Marguerite Duras (1914-96), que faz parte de "O Homem Sentado no Corredor/A Doença da Morte".

Tudo escreve ao nosso redor
ENRIQUE VILA-MATAS

1

Refutar qualquer idéia de Montaigne é ridículo. Montaigne a expõe como opinião, não como verdade. Espero que, se digo aqui neste pequeno ensaio que Marguerite Duras foi essencialmente uma grande humorista, minhas palavras sejam lidas como o que são estritamente: uma opinião. Afinal, os ensaios, mesmo os mais breves, têm a vantagem de pertencer ao gênero literário mais livre e, portanto, um dos mais belos que existem. Só me sinto realmente cômodo quando escrevo um ensaio, e é porque não ignoro que com tanta liberdade eu mesmo serei o primeiro a me contradizer em seguida, talvez até no próximo ensaio. Ou, quem sabe, talvez muito antes de terminar de escrever estas linhas, pois basta observar que este ensaio já se estragou, acaba de se fragmentar sem que eu tenha conseguido evitar. Marguerite Duras era realmente humorista? Se o foi, era uma humorista clássica, dividia seu riso com a tragédia.

segunda-feira, 14 de abril de 2014

Marguerite Duras / É tudo


Marguerite Duras
É tudo

  

«Para Yann
nunca se sabe, antes,
o que se escreve.
Apressa-te a pensar em mim.

Para Yann meu amante da noite



Assinado: Marguerite,
a amante deste amante adorado,
em 20 de Novembro de 1994, Paris,
Rua Saint-Benoît.
(...)


domingo, 13 de abril de 2014

Marguerite Duras / Dez horas e meia numa noite de verão


Marguerite Duras
Dez horas e meia 
numa noite de verão
   


«O sol que se punha cobriu-se de novo. A tempestade vai voltar. Aquela massa oceânica da tarde, de um azul-negro, instala-se lentamente sobre a cidade. Vem de leste. A pouca luz que faz chega para ver a sua cor ameaçadora. Eles devem estar ainda na varanda. Ao fundo da avenida. Sim, agora os teus olhos são azuis – diz Pierre –,e desta vez é por causa do céu. (...)
Eis o aguaceiro. O oceano lança-se sobre a cidade. (...)
– É só franceses – diz Claire.
À luz das velas a sua beleza é ainda mais evidente. Ter-lhe-ão dito que era amada? Ei-la, sorridente, preparada para uma noite que não haverá. nem os seus lábios, nem os seus olhos, nem o seu cabelo, em desalinho esta noite, nem as suas mãos afastadas, abertas, soltas na alegria da promessa de uma felicidade muito próxima, nada nela prova que tenha abandonado já a observação silenciosa da promessa dessa felicidade próxima.

sábado, 12 de abril de 2014

Marguerite Duras / O homen atlântico

[marguerite_duras.jpg]
Marguerite Duras
Marguerite Duras
O homem atlântico
    

«Vais avançar. Vais andar como costumas quando estás sós e pensas que alguém está  olhar para ti, Deus ou eu, ou este cão ao longo do mar, ou esta gaivota trágica face ao vento, tão só frente ao objecto atlântico.
(...)


És a extensão do mar, a extensão destas coisas seladas entre si pelo teu olhar.
O mar está à tua esquerda neste momento. Ouves o barulho dele misturado com o do vento.
Em lances intermináveis, avança em direcção a ti, em direcção às colinas da costa.


sexta-feira, 11 de abril de 2014

Marguerite Duras / Emily L.


Marguerite Duras
Emily L.

  
«Aquilo começara com o medo.
Tínhamos ido a Quillebeuf, como várias outras vezes nesse Verão.
Chegáramos à hora do costume, ao fim da tarde. Como de costume, tínhamos caminhado ao longo da amurada branca que bordeja os cais desde a igreja, à entrada do porto, até à saída dele, àquele caminho abandonado que devia conduzir até à floresta de Brotonne.
(...)

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Marguerite Duras / A doença da morte



Marguerite Duras
A doença da morte




«Deverias não a conhecer e tê-la encontrado por toda a parte ao mesmo tempo, num hotel, numa rua, num comboio, num bar, num livro, num filme, dentro de ti, em ti, ao acaso do teu sexo erguido na noite que procura um lugar onde se meter, onde se libertar do choro que o enche.
(...)


quarta-feira, 9 de abril de 2014

Marguerite Duras / O amor


Marguerite Duras
 O amor

  
«Um homem.
Um homem de pé, olhando: a praia, o mar. O mar está baixo, clamo, a estação indefinida, o tempo, lento.
O homem está em cima de um estrado de madeira, ao longo da praia.
Veste um fato sombrio. Tem um rosto distinto.
Os seus olhos são claros.
O homem não se mexe: olha.
O mar, a praia, há poças, superfícies isoladas de água morta.
Entre o homem que olha e o mar, junto do mar, alguém caminha. Um outro homem. Veste um fato sombrio. Mas a esta distância não se lhe distingue o rosto. Caminha, afasta-se e volta, torna a partir, a voltar, num caminhar longo, monótono.
Algures na praia, à direita daquele que olha, um movimento luminoso: uma poça esvaindo-se, uma fonte, um rio, rios, ininterruptamente, alimentam o sorvedouro de sal.
À esquerda, uma mulher de olhos fechados. Sentada.
O homem que caminha olha, olha apenas a areia à sua frente. Tem um andar incessante, regular, longínquo.
O triângulo fecha-se com a mulher de olhos fechados, sentada contra um muro que separa a praia do fim da cidade.
O homem que olha está entre esta mulher e o homem que caminha junto ao mar.
Como o homem caminha, persistente, com igual lentidão, o triângulo forma-se e deforma-se, sem nunca se quebrar.
Este homem tem o passo regular dum prisioneiro.
O dia morre.
O mar, o céu ocupam o espaço. Ao longe, o mar já está oxidado pela luz obscura. E o céu também.
Três. São três pessoas na luz obscura, na rede lenta.

terça-feira, 8 de abril de 2014

Marguerite Duras / O amante da China do Norte


Marguerite Duras
O amante 
da China do Norte




«É um livro.
É um filme.
É a noite.


A voz a falar aqui é a voz escrita do livro.
Uma voz cega. Sem rosto.
Muito nova.
Silenciosa.
É uma rua a direito. Iluminada por candeeiros a gás.
Empedrada, dir-se-ia. Antiga.
Ladeada por árvores gigantes.
Antiga.

segunda-feira, 7 de abril de 2014

Marguerite Duras / O amante


Marguerite Duras

O Amante

  


«Um dia, já eu era velha, um homem dirigiu-se-me à entrada de um lugar público. Deu-se a conhecer e disse-me: – «Conheço-a desde sempre. Toda a gente diz que você era bonita quando era nova, vim dizer-lhe que, para mim, acho-a mais bonita agora do que quando era jovem, gostava menos do seu rosto de mulher jovem do que daquele que tem agora, devastado.»

Penso frequentemente nesta imagem que sou a única a ver ainda e de que nunca falei. Está sempre aí no mesmo silêncio, deslumbrante. É. de todas, a que me agrada de mim própria, onde me reconheço, onde me encanto.

Muito cedo na minha vida foi tarde demais. Aos dezoito anos era já tarde demais. Entre os dezoito e os vinte e cinco anos o meu rosto partiu numa direcção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com toda a gente, nunca perguntei. parece-me ter ouvido falar dessa aceleração do tempo que nos fere por vezes quando atravessamos as idades mais jovens, mais celebradas da vida. Este envelhecimento foi brutal. Vi-o apoderar-se dos meus traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, tornar os olhos maiores, o olhar mais triste, a boca mais definitiva, marcar a fronte de fendas profundas. Em vez de me assustar, vi operar-se este envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria, por exemplo, pelo desenrolar de uma leitura. Sabia também que não me enganava, que um dia ele abrandaria e retomaria o seu curso normal. As pessoas que me tinham conhecido aos dezassete anos aquando da minha viagem a França ficaram impressionadas quando me voltaram a ver, dois anos depois, aos dezanove anos. Conservei esse novo rosto. Foi o meu rosto. Envelheceu ainda, evidentemente, mas relativamente menos do que deveria. Tenho um rosto lacerado de rugas secas e profundas, a pele quebrada. Não amoleceu como certos rostos de traços finos, conservou os mesmos contornos mas a sua matéria está destruída. Tenho um rosto destruído.


Marguerite Duras


Tenho ainda a dizer-vos que tenho quinze anos e meio.
É a passagem de uma barcaça no Mékong.
A imagem dura toda a travessia do rio.
Tenho quinze anos e meio e não há estações neste país, estamos numa estação única, quente monótona, estamos na longa zona quente da terra, não há Primavera, não há renovação.

Estou num pensionato do estado em Saigão. (...)


Marguerite Duras



Escrevi muito sobre esta gente da minha família, mas quando o fazia eles ainda eram vivos, a mãe e os irmãos, e escrevi à volta deles, à volta dessas coisas sem ir ao centro delas.



A história da minha vida não existe. Isso não existe. Nunca há um centro. Não há caminho, nem linha.
Há vastos lugares onde se faz crer que havia alguém, não é verdade, não havia ninguém. A história de uma pequeníssima parte da minha juventude, escrevi-a já mais ou menos, enfim, quero dizer, dei uma ideia, falo justamente desta, da travessia do rio. O que faço aqui é diferente, e semelhante. Antes, falei dos períodos claros, dos que estavam iluminados.aqui falo dos períodos ocultos dessa mesma juventude, de certas dissimulações que teria operado sobre certos factos, sobre certos sentimentos, sobre certos acontecimentos. Comecei a escrever num meio que me impelia ao pudor. Escrever, para eles, era ainda moral. Escrever, agora, dir-se-ia que muitas vezes já não é nada. Por vezes sei isto: que a partir do momento em que escrever não é, todas as coisas confundidas, ir à vacuidade e ao vento, escrever não é nada. (...)




O vento parou e há debaixo das árvores a luz sobrenatural que se segue à chuva. Os pássaros gritam com todas as forças, dementes, aguçam o bico contra o ar frio, fazem-no ressoar em todo o comprimento, de modo quase ensurdecedor. (...)




As partidas. Eram sempre as mesmas partidas. Eram sempre as mesmas partidas no mar. A separação da terra tinha-se feito sempre na dor e no desespero, mas isso nunca impediria os homens de partir, os judeus, os homens do pensamento e os puros viajantes apenas da viagem no mar, e isso também nunca impediria as mulheres de os deixarem ir, elas que nunca iam, que fiavam a guardar o lugar natal, a raça, os bens, a razão de ser do regresso. Durante séculos, os navios fizeram com que as viagens fossem mais lentas, também mais trágicas do que são nos nossos dias. A duração da viagem cobria o comprimento da distância de forma natural. Estava-se habituado àquelas lentas velocidades humanas na terra e no mar, àqueles atrasos, àquele esperar pelo vento, pelas abertas, pelos naufrágios, pelo sol, pela morte. (...)




Eu perguntava-lhe se teria querido que as coisas se passassem assim. Ele quase ria, dizia: não sei, neste momento talvez sim. A sua meiguice tinha ficado inteira na dor. Não falava dessa dor, nunca dissera uma palavra sobre ela. Às vezes o seu rosto estremecia, fechava os olhos e cerrava os dentes. Mas calava-se sempre sobre as imagens que via por trás dos olhos fechados. (...)





Ela não soube quanto tempo depois da partida da rapariga branca ele executou a ordem do pai, quando fez aquele casamento com a rapariga designada pelas famílias há dez anos, também ela coberta de ouro, de diamantes, de jade. Uma Chinesa, também ela oriunda do Norte, da cidade de Fu-Chuen, que veio acompanhada pela família. (...)


Marguerite Duras
Foto de Ralph Gibson


Anos depois da guerra, depois dos casamentos, dos filhos, dos divórcios, dos livros, ele veio a Paria com a mulher. Telefonara-lhe. Sou. Ela reconhecera-o logo pela voz. Ele dissera: queria só ouvir a sua voz. Ela dissera: sou eu, bom dia. Ele estava intimidado, tinha medo como dantes. A sua voz tremia de repente. E com o tremor, de repente, ela voltara a encontrar a pronúncia da China. Ele sabia que ela tinha começado a escrever livros, soubera-o pela mãe dela que voltara a ver em Saigão. E depois dissera-lho. Dissera-lhe que era como dantes, que ainda a amava, que nunca poderia deixar de a amar, que a amaria até à morte.»







Marguerite Duras nasceu em Gia Dinh, na  Indochina  (agora  Vietnam),  em  1914,  onde  passou  a  infância  e  a adolescência.  A autora irá ficar profundamente marcada pela paisagem e pela vida da antiga colónia francesa, frequentemente referidas na sua obra literária.

O seu pai morreu quando tinha quatro anos de idade, e a sua mãe, uma professora, lutou arduamente para criar três  filhos  sozinha. 

  Durante   a  adolescência,  Marguerite  Duras  teve  um  caso  com  um  homem  chinês  rico  e  retorna mais tarde a este período nos seus livros  (nomeadamente  O Amante e  O Amante da China do Norte). Aos 17 anos viajou para França, onde estudou Direito e Ciência Política no Sorbonne, formando-se em 1935.

Durante a II Guerra Mundial, marguerite Duras tomou parte da da Resistência Francesa, filiando-se também no partido comunista.

Duras publica os seu primeiros livros em 1943 e 1944, Os Imprudentes e A Vida Tranquila, respectivamente. A partir de 1959 começa também a escrever argumentos para o cinema, dos quais Hiroshima meu amor é sem dúvida o mais conhecido e marcante.  Em 1950, com Uma barrangem conhtra o Pacífico, Duras esteve muito próxima de ganhar o Prémio Goncourt. É no entanto apenas 30 anos depois que a injustiça lhe é reparada, ganhando o prémio por unanimidade com o romance O Amante. É uma autora muito fértil, com uma obra literária vastíssima, desde os romances aos argumentos cinematográficos. Afirma-se sempre com um estilo de beleza inconfundível, num tom duro e denso, por vezes até um pouco inacessível, mas sempre numa expressão profundamente genuína e humana das paixões, grandezas e misérias da vida. Marguerite Duras é por excelência uma escritora da condição humana, mas contudo não procura utilizar a escrita como forma de redenção e/ou salvação; antes, a escrita é uma exigência urgente, um valor supremo em que reside, uma vontade bruta de falar de si. As suas obras estão repletas de descrições belíssimas e soberbamente envolvidas na ambiência exótica da paisagem oriental, não sem deixarem reconhecer uma intensidade angustiada e desesperada, oriunda de uma constante luta da autora com as questões do amor e da morte.