Marguerite Duras
É tudo
«Para Yann
nunca se sabe, antes,
o que se escreve.
Apressa-te a pensar em mim.
Para Yann meu amante da noite
Assinado: Marguerite,
a amante deste amante adorado,
em 20 de Novembro de 1994, Paris,
Rua Saint-Benoît.
(...)
Depois, na mesma tarde.
Por vezes fico vazia durante imenso tempo.
Perco a identidade.
Ao princípio isto assusta. E depois passa por um
movimento de felicidade. E depois pára.
A felicidade, isto é, um pouco morta.
um pouco ausente do lugar onde falo.
(...)
Depois, na mesma tarde.
Quis dizer-lhe
que o amava.
Gritá-lo.
É tudo.
(...)
Noutro dia, rua Saint-Benoît.
Para Yann.
Para nada.
O céu está vazio.
Há anos que amo este homem.
Um homem a quem ainda não dei nome.
Um homem que amo.
Um homem que me abandonará.
O resto, diante, atrás de mim, antes e depois de mim, é-me indiferente.
Amo-te.
(...)
Silêncio, e depois.
Sinto-me perdida.
Morte é equialente.
É terorífico.
Perdi a vontade de fazer esforço.
Não penso em ninguém.
O resto terminou.
Tu também.
Estou sozinha.
Silêncio, e depois.
Já não é na desventura que tu vives,
é no desespero.
(...)
3 de Janeiro, rua Saint-Benoît.
Yann. Ainda aqui estou.
Devo partir.
Já não sei onde meter-me.
Escrevo-lhe como se o chamasse.
Talvez possa visitar-me.
Sei que isso de nada servirá.
6 de Janeiro.
Yann.
Espero ver-te no fim da tarde.
Com todas as minhas ânsias.
Com todas as minhas ânsias.
10 de Fevereiro.
Uma inteligência saída de si própria.
Como se evadida.
Quando dizem a palavra escritor a Duras, isto adquire um peso duplo.
Sou escritora selvagem e inesperada.
(...)
3 de Março.
Sou eu a perseguição do vento.
(...)
Silêncio, e depois.
Amo-te demasiado.
Já não sei escrever.
O amor excessivo entre nós, até ao horror.
(...)
13 de Abril.
Escrevi durante uma vida inteira.
Como uma imbecil, fiz isso.
Também não é mau ser assim.
Nunca fui pretensiosa.
Escrever durante uma vida inteira ensina a escrever.
Não salva de nada.
(...)
Silêncio, e depois.
Sou uma lasca de madeira branca.
E tu também.
De outra cor.
(...)
28 de Junho.
A palavra amor existe.
3 de Julho, 15 horas, Neauphle-le-Château.
Bem sei que tens outras ambições.
Bem sei que estás triste.
Mas tanto me faz.
Que me ames, é o mais importante.
O resto tanto me faz. Estou-me nas tintas.
Depois, na mesma tarde.
Sinto-me esmagada por existir.
Isto dá-me vontade de escrever.
Escrevi muitíssimo acerca de ti quando partiste – acerca do homem que amo.
És o autor de tudo.
Tudo o que eu fiz poderia tu ter feito.
Ouço-te dizer que renunciaste a esta frase,
àquela frase.
Silêncio, e depois.
Acaso escutas este silêncio?
Eu escuto as frases que tu disseste
em vez daquela que escrevi.
(...)
Silêncio, e depois.
Vem.
Temos que falar do nosso amor.
Vamos arranjar as palavras para isso.
Talvez não existam palavras.
(...)
Segunda-feira, 24 de Julho.
Vem amar-me.
Vem.
vem para este papel branco.
Comigo.
Dou-te a minha pele.
Vem.
Depressa.
Diz-me adeus.
É tudo.
Não sei mais nada de ti.
Parto com as algas.
Vem comigo.
(...)
Quinta-feira, 16 de Novembro.
Ao longo do mar. Ao longo de ti.
Já não sou nada. Já não sei onde estou.
Acabou.
Colunas para nos acercarmos do céu.
Vem.
(...)
Tenho o corpo todo a arder.
Mais tarde.
A perda do seu coração, causa-lhe dor?
Mais tarde.
Vem depressa ter comigo, dá-me qualquer coisa.
Sábado, 30 de Dezembro, 2h30 da noite.
Tu estás separado do reino de Duras.
Quarta-feira 3 de Janeiro de 96.
O vazio, isto é, a liberdade.
(...)
Sexta-feira 26 de Janeiro.
Durante alguns segundos senti o odor da terra.
Yann, sai desse espaço divino, que mete medo.
Por vezes tu metes medo.
Estou farta de ficar sozinha. Vou arranjar um tipo para trabalhar sobre o trabalho.
Gostava de fazer um livro acerca de mim e do que penso.
É tudo.
Fosse o que fosse a preto e branco.
Vocês são muito ocos.
Eu estive sempre nas profundezas.
29 de Janeiro.
O vazio. O vazio à minha frente.
(...)
16 de Fevereiro
É curioso como continuo a amar-te, mesmo quando não te amo.
(...)
28 de Fevereiro.
Acabou.
Tudo acabou.
É o horror.
Quinta-feira, 29 de Fevereiro, 13h.
Amo-te.
Adeus.»
DE OTROS MUNDOS
DRAGON
PESSOA
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