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segunda-feira, 13 de maio de 2013

Jon Lee Anderson / A Dama de Ferro, o ditador e o poeta


Pablo Neruda

Jon Lee Anderson

A DAMA DE FERRO, O DITADOR 
E O POETA
Exumação de Pablo Neruda no dia da morte de Margareth Thatcher evoca fantasma de Pinochet

Por Jon Lee Anderson



















É curioso, em termos históricos, que Margareth Thatcher tenha morrido no mesmo dia em que peritos forenses, no Chile, exumaram os restos do grande poeta chileno Pablo Neruda. Autor de “Vinte poemas de amor e uma canção desesperada” e premiado com o Nobel em 1971, Neruda morreu aos 69 anos, supostamente de câncer de próstata, apenas 12 dias depois do violento golpe militar liderado pelo comandante-em-chefe do Exército, Augusto Pinochet, contra o presidente socialista eleito, Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. Aviões de guerra bombardearam o palácio presidencial, e Allende resistiu com bravura, mas cometeu suicídio, com um rifle que lhe havia sido dado por Fidel Castro, enquanto os homens de Pinochet invadiam o palácio. Neruda era amigo e apoiador de Allende; estava doente, mas planejava ir para o México, onde havia sido convidado a se exilar. Enquanto estava no leito de morte na clínica, sua casa foi arrombada e revirada por soldados.


No funeral de Neruda, uma multidão de luto marchou pelas ruas de Santiago — uma cidade soturna e deserta, ocupada apenas por veículos militares. Em seu túmulo, em uma das únicas demonstrações conhecidas de rebeldia pública contra o golpe, os presentes cantaram “A Internacional” e saudaram Neruda e Allende. Enquanto isso, os homens do regime vasculhavam a cidade, queimando livros de autores que não aprovavam e caçando aqueles que pudesse encontrar para torturá-los ou matá-los.

Há alguns anos, o antigo motorista de Neruda expressou a suspeita de que o chefe havia sido envenenado. Disse ter ouvido do poeta que médicos haviam lhe aplicado uma injeção e, logo depois, o estado de Neruda piorou drasticamente. Há outros indícios que reforçam a teoria, mas nada conclusivo. A perícia pode, enfim, resolver essa insistente dúvida histórica.

Thatcher liberou venda de armas para Pinochet

E Maggie Thatcher com isso? Em um tributo na segunda-feira, dia 8, o presidente Barack Obama disse que ela foi “uma das grandes defensoras da liberdade e dos direitos individuais”. Na verdade, não. Thatcher foi uma obstinada combatente da Guerra Fria e, no que diz respeito ao Chile, nunca deu uma demonstração adequada de compaixão pelas pessoas que Pinochet matou em nome do “anticomunismo”. Preferia falar do alardeado "milagre econômico chileno".

E como ele matou. Os soldados de Pinochet trancaram milhares de pessoas no Estádio Nacional de Santiago, onde suspeitos eram torturados ou fuzilados em vestiários, corredores e arquibancadas. Só no estádio morreram centenas. Um deles foi o reverenciado cantor chileno Victor Jara, que foi espancado, teve mãos e costelas quebrados, foi metralhado e teve o corpo jogado na rua, como lixo — como muitas pessoas. Os assassinatos continuaram mesmo depois de Pinochet e seu Exército controlarem o poder; era apenas conduzido com mais discrição, em instalações militares, delegacias de polícia e no campo. Críticos e opositores do novo regime eram mortos em outros países também. Em 1976, a agência de inteligência chilena planejou e executou em Washington a explosão de uma bomba no carro do ex-embaixador de Allende nos EUA, Orlando Letelier, em um atentado que matou ainda o assessor americano dele, Ronni Moffitt. A Inglaterra desaprovava a onda de assassinatos de Pinochet e puniu o regime dele recusando-se a fornecer-lhe armas — isto é, até Margareth Thatcher se tornar primeira-ministra.

Em 1980, ano seguinte à posse de Thatcher, ela suspendeu o embargo contra Pinochet; ele logo estava comprando armas do Reino Unido. Em 1982, durante a Guerra das Malvinas, que opôs Inglaterra e Argentina, Pinochet ajudou o governo de Thatcher com informações sobre o país vizinho. A partir daí, o relacionamento se tornou definitivamente amistoso, tanto que Pinochet e família passaram a fazer uma peregrinação anual a Londres. Nessas visitas, eles e a família Thatcher se encontravam para refeições e doses de uísque. Em 1998, quando eu estava escrevendo um perfil de Pinochet para a “New Yorker”, a filha de Pinochet, Lucia, descreveu a senhora Thatcher com reverência, mas confidenciou que o marido da primeira-ministra, Dennis, causava algum embaraço, e geralmente ficava bêbado nos encontros. Na última vez que encontrei Pinochet em Londres, em outubro de 1998, ele me disse que ia telefonar para “La Señora” Thatcher, na esperança de encontrá-la para um chá. Semanas depois, Pinochet, ainda em Londres, viu-se preso por ordem do juiz espanhol Baltasar Garzón. No prolongado período de quase-detenção de Pinochet, em uma confortável casa no subúrbio londrino de Virginia Water, Thatcher prestou-lhe solidariedade fazendo uma visita. Lá, em frente às câmeras de TV, expressou o que via como uma dívida da Inglaterra para com o regime de Pinochet: “Sei o quanto devemos a você”, por “sua ajuda durante a campanha nas Falklands”. Ela também disse: “Foi você quem trouxe a democracia para o Chile”.

Isso, claro, era uma distorção de proporções tão gigantescas que não pode ser considerada apenas excesso de zelo de uma amiga leal.

Pinochet finalmente morreu em 2006, em prisão domiciliar e enfrentando mais de 300 processos criminais por violação de direitos humanos, evasão fiscal e fraude. Na época, era acusado de ter mais de US$ 28 milhões em contas secretas de vários países, sem sinais de terem sido ganhos legalmente. No fim, a única defesa de Pinochet era a humilhante alegação de demência — de que não conseguia lembrar de seus crimes. O ataque cardíaco final veio antes que pudesse ser condenado.

Durante o que pode ser chamado de retorno do Chile à democracia, depois de 1990 — quando Pinochet foi forçado a renunciar à presidência que havia mantido mesmo depois de perder um referendo sobre sua continuidade no poder — pouco foi feito para exorcizar os demônios chilenos, muito menos julgá-los. Pinochet continuou no comando das Forças Armadas e, quando deixou esse posto, tornou-se senador vitalício, com imunidade jurídica. Até ele ser preso na Inglaterra, os presidentes do Chile “democrático” continuaram a hesitar sobre o fato de o grande responsável pelos flagelos do país continuar a ditar os termos do debate nacional sobre o passado recente. Dezesseis meses depois de voltar para casa, Pinochet foi destituído da imunidade parlamentar e indiciado criminalmente por alguns de seus crimes da época do golpe, passando a maior parte do resto da vida em prisão domiciliar. Mas só Michelle Bachelet, presidente do Chile de 2006 a 2010 — e filha de um general que se opôs ao golpe e foi torturado na prisão até morrer de infarto — acabou com a tradição de deferência.

Exumação reforça mensagem contra autoritarismo

Em um país onde, por décadas, a História esteve enterrada, faz sentido que os chilenos desenterrem Neruda para descobrir a verdade sobre o que aconteceu a ele. Em certo sentido, Neruda é o correspondente chileno de Lorca, o poeta espanhol assassinado nas primeiras semanas do golpe fascista de Franco na Espanha, em 1936, e cujo sangue deixou uma mancha na consciência do país desde então.

O Chile agora tem a chance de fazer a coisa certa por seu poeta. A modesta e charmosa casa de praia de Neruda, em Isla Negra, a alguns quilômetros de Santiago, tem janelas que dão para uma praia pedregosa e foi decorada pelo poeta com sua lírica coleção de sereias de barcos velhos. Ele e sua viúva, Matilde Urrutia, foram enterrados ali, e foi para lá que os peritos se dirigiram em busca da verdade. No fim das contas, mesmo que Neruda tenha morrido de câncer, sua exumação é uma oportunidade de reforçar uma mensagem para os tiranos de toda parte: as palavras de um poeta sempre vão durar mais do que as suas e do que os elogios cegos de seus amigos poderosos.

Jon Lee Anderson é repórter da revista “New Yorker”, onde este artigo foi originalmente publicado, e autor de “Che Guevara , uma biografia” (Objetiva), entre outros livros





quarta-feira, 10 de abril de 2013

Noami Klein / O legado miserável de Thatcher e Reagan




Noami Klein
O legado miserável de Thatcher e Reagan
No livro Doutrina do Choque, a escritora Noami Kelin mostra 
que os dois armaram una bomba relógio
Paulo Nogueira

Noami Klein
Uma aula brilhante de mundo moderno. É uma maneira sintética de definir o livro A Doutrina do Choque, da escritora, jornalista e ativista canadense Naomi Klein, 44 anos.


Vou colocar, no pé deste artigo, um documentário baseado na obra, com legenda em português. Recomendo que seja visto, e compartilhado.

Naomi, como é aceito já consensualmente, identifica em Reagan e Thatcher, cada um num lado do Atlântico, um movimento que levaria a uma extraordinária concentração de renda no mundo.

Ambos representaram administrações de ricos, por ricos e para ricos. Os impostos para as grandes corporações e para os milionários foram sendo reduzidos de forma lenta, segura e gradual.

Desregulamentações irresponsáveis feitas por Reagan e Thatcher, e copiadas amplamente, permitiram a altos executivos manobras predatórias e absurdamente arriscadas com as quais eles, no curto prazo, levantaram bônus multimilionários.

O drama se viu no médio prazo. A crise financeira internacional de 2007, até hoje ardendo mundo afora, derivou exatamente da ganância irresponsável e afinal destruidora que as desregulamentações estimularam nas grandes empresas e nos altos executivos.

No epicentro da crise estavam financiamentos imobiliários sem qualquer critério decente nos Estados Unidos, expediente com o qual banqueiros levantaram bônus multimilionários antes de levar seus bancos à bancarrota com as previsíveis inadimplências. (Ruiria, com os bancos, também a ilusão de que o reaganismo e o thatcherismo fossem eficientes.)

Tudo isso, essencialmente, é aceito.


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Thatcher e Reagan

O engenho de Naomi Klein está em recuar alguns anos mais para estudar a origem da calamidade econômica que tomaria o mundo a partir de 2007.

O marco zero, diz ela, não foi nem Thatcher e nem Reagan. Foi o general Augusto Pinochet, que em 1973 deu, com o apoio decisivo dos Estados Unidos, um golpe militar e derrubou o governo democraticamente eleito de Salvador Allende no Chile.

Foi lá, no Chile de Pinochet, que pela primeira vez apareceria a expressão “doutrina de choque”. O autor não era um chileno, mas o economista americano Milton Friedman, professor da Universidade de Chicago.

Frieman dominou a economia chilena sob Pinochet



Um programa criado pelo governo americano dera, na década de 1960, muitas bolsas de estudo para estudantes chilenos estudarem em Chicago, sob Friedman, um arquiconservador cujas ideias beneficiam o que hoje se conhece como 1% e desfavorecem os demais 99%.

Dado o golpe, os estudantes chilenos de Friedman, os “Chicago Boys”, tomaram o comando da economia sob Pinochet e promoveram a “Doutrina do Choque” – reformas altamente nocivas aos trabalhadores, impostas pela violência extrema da ditadura militar.

Da “Doutrina do Choque” emergiria, no Chile, uma sociedade abjetamente iníqua que anteciparia, como nota Naomi Klein, o que se vê hoje no mundo contemporâneo.

O Brasil, de forma mais amena, antecipara o Chile: o golpe militar, também apoiado pelos Estados Unidos (e pelas grandes empresas de jornalismo, aliás), veio nove anos antes, em 1964. Tivemos nossos Chicago Boys, mas em menor quantidade, como Carlos Langoni, que foi presidente do Banco Central.

Com sua sinistra “Doutrina do Choque”, Friedman, morto em 2006, é o arquiteto do mundo iníquo tão questionado e tão merecidamente combatido em nossos dias.

Um dos méritos de Naomi Klein é deixar isso claro – além de lembrar a todos que situações de grande desigualdade são insustentáveis a longo prazo, como a guilhotina provou na França dos anos 1790.

"Se é Dama de Ferro, que enferruje em paz"