Mostrando postagens com marcador Estados Unidos. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Estados Unidos. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 6 de agosto de 2020

75 anos após a bomba de Hiroshima, a ameaça nuclear ressurge em um novo tabuleiro geopolítico


Manifestantes com máscaras de Trump e Putin posam sobre duas bombas falsas durante protesto contra armas atômicas em Berlim, na Alemanha.
Manifestantes com máscaras de Trump e Putin posam sobre duas bombas falsas durante protesto contra armas atômicas em Berlim, na Alemanha.FABIAN SOMMER 

75 anos após a bomba de Hiroshima, a ameaça nuclear ressurge em um novo tabuleiro geopolítico

Enquanto Trump e Putin desmantelam a rede de tratados de controle de armas nucleares, o surgimento de novas potências como a China desenha um cenário mais instável para o planeta


PABLO GUIMÓN
|MARÍA R. SAHUQUILLO

Washington / Moscou - 06 AGO 2020 - 07:54 COT

Há exatamente 75 anos os Estados Unidos se tornaram o primeiro e único país do mundo a atacar um inimigo com uma arma nuclear, com o bombardeio da cidade japonesa de Hiroshima, durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o tabuleiro geopolítico mudou significativamente, mas permanecem as tensões e incertezas sobre como garantir que nenhum país volte a usar novamente as armas atômicas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirma que ele e seu colega russo, Vladimir Putin, trabalham juntos para reduzir a ameaça de uma guerra nuclear, mas a verdade é que ambos passaram pelo menos os últimos três anos e meio desenvolvendo armas nucleares e destruindo tratados destinados ao seu controle. Embora a o governo norte-americano reconheça que considerou retomar os testes nucleares interrompidos há quase três décadas, ninguém descarta uma nova corrida armamentista com a Rússia e, agora, com a China.

Passo a passo, o sistema de segurança criado no período final da Guerra Fria por Washington e Moscou está se desintegrando. O fim, no ano passado, do histórico Tratado de Controle de Armas Nucleares de Alcance Intermediário (INF), assinado em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, foi o início de uma nova era. Hoje, Washington e Moscou não limitam mais o armazenamento, teste ou implantação de mísseis terrestres de alcance intermediário ( entre 500 e 5,5 mil quilômetros).

Washington também decidiu abandonar o Tratado de Céus Abertos, que permitia voos de inspeção para fomentar a confiança entre os países. E o presidente Trump ainda indicou que não renovará o Novo START, o último grande tratado de controle de armas nucleares entre Washington e Moscou, a menos que a China também aceite se vincular às limitações impostas pelo acordo. Sem ele, não haverá tratado algum que controle os dois maiores arsenais nucleares do mundo. O acordo expira em fevereiro, pouco depois da posse do ganhador das presidenciais americanas marcadas para novembro.

A cidade japonesa de Hiroshima após o ataque nuclear de 6 de agosto de 1945.
A cidade japonesa de Hiroshima após o ataque nuclear de 6 de agosto de 1945. PRISMA BY DUKAS / UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY


Trump fez da assinatura de um acordo nuclear com a Rússia e a China uma prioridade, mas Pequim até agora rejeitou os convites para participar do debate. A responsabilidade dos Estados Unidos de liderar o controle e a eliminação progressiva de armas nucleares, como primeiro e único país a tê-las usado, baseou a política nuclear de Washington desde o início. Durante mais de 60 anos, presidentes de ambos os partidos, de Eisenhower a Obama, tentaram reduzir o arsenal de armas nucleares e as possibilidades de serem utilizadas. Mas o presidente Trump, como em tantas outras áreas, rejeitou os vínculos históricos. Apenas dois meses atrás, Marshall Billingslea, o principal negociador norte-americano para acordos de controle armamentista, confirmou que a Administração estudou a realização do primeiro teste nuclear desde 1992. “A possibilidade de a Administração Trump retomar os testes de armas nucleares é tão temerária quanto perigosa”, disse Joe Biden, adversário democrata de Trump.

A evaporação destes tratados, combinada com o surgimento de novas potências nucleares como a China, desenha um cenário mais instável e com menos limites, no qual as novas armas tecnológicas desempenham um papel destacado. Robôs assassinos, mísseis hipersônicos e armas cibernéticas se juntam à corrida, como evidenciou o preciso ataque norte-americano com um drone que matou o general iraniano Qasem Soleimani em Bagdá nos primeiros dias deste ano.

Putin já anunciou novas armas hipersônicas, que viajam a pelo menos cinco vezes a velocidade do som, muito mais difíceis de rastrear e interceptar. Moscou garante que seu sistema estratégico Avangard, que descreve como uma de suas “armas invencíveis” e que é composto por um foguete balístico intercontinental equipado com ogivas que podem ser manobradas em planos verticais e horizontais e mudar de rumo “já está em serviço”. A Rússia afirma que pode voar em 15 minutos para o território norte-americano. Além disso, garante que já estão quase prontos seus mísseis de cruzeiro hipersônicos antitanque Zirkon, que podem ser implantados em navios de superfície, atualmente na fase final de testes, de acordo com o Ministério da Defesa. Assim como seu drone nuclear submarino Poseidon, projetado para ser transportado por submarinos, embora especialistas ocidentais tenham questionado o quão avançado está o desenvolvimento desse tipo de armas.

Também os EUA, China, Índia, Japão e outros países estão desenvolvendo mísseis hipersônicos. E a corrida armamentista tem um novo campo de batalha: o espaço, onde as duas históricas potências se acusam mutuamente de testar armas.



sábado, 24 de dezembro de 2016

Psicólogos dos Estados Unidos se desculpam por dar aval a torturas

ista externa da prisão militar de Guantánamo, em abril. TOM VAN DE WEGHE


Psicólogos dos Estados Unidos se desculpam por dar aval a torturas

Entidade da categoria proíbe participação em interrogatórios sobre terrorismo no exterior


JOAN FAUS
Washington 17 AGO 2015 - 15:41 COT

Os Estados Unidos ainda arrastam as feridas dos anos sombrios que o país viveu depois dos atentados de 11 de setembro de 2001. Os abusos em nome da chamada guerra ao terrorismo, em um momento em que pairava o medo de um novo ataque, agora motivam exames de consciência. Após passar 14 anos negando reiteradamente o fato, a Associação Americana de Psicologia (APA, na sigla em inglês), a principal dessa categoria, admitiu ter ocultado seu apoio aos polêmicos programas voltados para o interrogatório de suspeitos de terrorismo, feitos pela CIA e o Exército norte-americano.

domingo, 21 de dezembro de 2014

Sofía Vergara / O sonho americano

Sofia Vergara
Sofía Vergara

O sonho (latino) americano


Sofía Vergara diz que saiu da Colômbia, sua terra natal, porque não tinha nada a perder. E nos EUA alcançou o sucesso.

Consciente de que sua sorte e seu corpo lhe ajudaram, abriu caminho para atrizes latinas



Atriz colombiana Sofía Vergara. / MUNAWAR HOSAIN
Sofía Vergara será sempre a atriz colombiana que conquistou Hollywood. Mas aos seus 42 anos a estrela da série Modern Family(Família Moderna) está começando um novo capítulo: acaba de conseguir a nacionalidade norte-americana. E devido ao seu caráter extrovertido, ela não é daquelas que ficam quietas, a intérprete está percorrendo os programas mais populares estes dias exibindo seu novo passaporte. Uma nova condição que no set de comédia que lhe deu fama é motivo de piadas.
“Ouvi falar que Rosetta Stone [programa de aprendizagem idiomas] é um bom método para aprender castelhano”, disse a atriz entre risadas quando lhe perguntam sobre a melhor forma de aprender espanhol. “Outro patrocínio conseguido pela garota!”, responde com bom humor seu companheiro de filmagem Ty Burrell (Phil Dunphy na ficção). “Mais um? Não!”, acrescenta em um ataque de pânico fingido outro de seus colegas de atuação, Jesse Tyler Ferguson (seu enteado Mitchell na série), brincando sobre os múltiplos negócios da atriz, que já é o rosto popular da Pepsi Light, da marca de maquiagem Cover Girl, da seguradora State Farm e do remédio Synthroid, entre outros. “Sou Sofía e apoio Rosetta Stone”, afirma Burrell em um mal pronunciado sotaque espanhol. Ela cai na gargalhada.

Sofía Vergara


Muitas atrizes me agradecem porque agora recebem mais papéis como hispânicas com sotaque
É um dia a mais no set da série Família Moderna, que é gravada desde 2009 nos estúdios Fox, no bairro de Culver City (Califórnia, EUA). É o segundo lar de Vergara e se poderia dizer que o lugar de seu nascimento nos EUA. Porque a deslumbrante atriz nasceu em Barranquilla (Colômbia) em 1972 e quando o público a descobriu já tinha uma carreira como modelo e atriz em seu país natal e na mídia hispânica nos Estados Unidos. Mas foi seu papel como Gloria Delgado-Pritchett nessa comédia com tom de falso documentário que a transformou em estrela, essa que aForbes descreve como a mulher mais bem paga da televisão norte-americana (cerca de 50 milhões de reais por ano), a que está entre as mais bonitas segundo a revista People, e uma das hispânicas mais influentes em Hollywood, opinião compartilhada tanto pela The Hollywood Reporter quanto pela Billboard.

Sofía Vergara com filho Manolo González no Globo de Ouro este ano. /CORDON PRESS
“Muitas garotas me agradecem porque agora recebem mais ofertas de trabalho para interpretar hispânicas com sotaque. A televisão agora perdeu o medo de contar com alguém com sotaque”, admite.
É uma das poucas conquistas das quais se orgulha. As demais atribui à sorte. Ou a Deus. Porque esta católica de berço não se envergonha em atribuir ao seu criador os motivos para seu sucesso. “Fiz carreira com isso”, afirma levantando um peito com o mesmo humor de sempre. “E com isso”, acrescenta mostrando o bumbum. “Claro que tenho mais que oferecer, mas ambos são parte de quem sou e seria terrível não usar o que Deus me deu. Me deu por uma razão”, resume nesta mescla na qual é difícil distinguir a Gloria da ficção da Sofía real.
Também agradece à sua sorte pela carreira que desfruta. “Muita sorte”, destaca sobre as oportunidades que foram surgindo. Como avalia agora, o futuro de qualquer colombiana de sua geração era se casar e ser dona de casa. Vergara fez as duas coisas, casou-se, foi dona de casa e teve um filho. Manolo, que agora tem 22 anos. Além disso, se divorciou, estudou para ser dentista e partiu para os Estados Unidos com os dons que Deus lhe deu. “Não tive medo porque também não tinha nada a perder. O que era o pior que poderia acontecer?”, disse minimizando a importância. Na verdade, como diz, a Colômbia está a um pulo de avião e “estão muito americanizados”. Realmente o pior que poderia acontecer não tinha nada a ver com sua carreira norte-americana. Vergara perdeu um irmão, assassinado em Bogotá, e outro está há anos lutando contra as drogas embora pareça um problema superado. Também teve câncer na tireoide. Por isso o que lhe preocupa é acontecer alguma coisa com seu filho. Mas enquanto houver saúde e dinheiro, o resto é secundário. Por exemplo, a luta contra os paparazzi. Poucas atrizes falam tanto de sua vida pessoal, embora talvez não tanto quanto desejado. Porque Vergara não menciona com nome e sobrenome esse Tom Cruise de quem, ao que parece, fugiu quando teve contato com o tema da Cientologia. Mas comenta no geral sobre suas conquistas. “Tive muitos namorados. Muito bons. Foi minha escolha porque durante muitos anos fui uma divorciada criando meu filho e não queria trazer ninguém para morar comigo, por isso fiz o que as garotas norte-americanas fazem quanto têm de 20, 30 ou 40 anos. Têm namorados”, resume sobre sua animada mas pouco escandalosa vida sentimental, esta que nos últimos anos uniu a atriz a Joe Manganiello, também ator— conhecido como o homem-lobo da série True Blood—.
Agora que Manolo já não está em casa, há mais possibilidades de casamento, mas Vergara não tem pressa. Está à vontade em casa, sempre com um bolo na geladeira, não apenas porque adora doces, mas porque tem poucos dotes para a cozinha e também para ter algo para oferecer se chegam visitas. E como família já tem a do elenco. “Sempre os chamo de minha família americana”, confessa alguém que, se não voltar a casar, é entre outras razões para não ter que organizar o grande casório com parentes que não vê há séculos. Como diz: “Um casamento não é como um aniversário que você pode deixar alguém de fora”. Na Família Moderna já estão há cinco anos juntos e se nota. “Não há nenhuma briga. Pelo menos que eu saiba. Me ajudaram muito. Especialmente com o inglês”, acrescenta com esse sotaque tão Gloria de falar. “Muitas vezes não sei onde acaba Gloria e onde começa Sofía. E me vejo em situações onde me meto como Gloria reagiria ou algo assim”, confessa rindo.
Sofía Vergara

E quando essa grande família acabar? O que vai acontecer? O rosto de Sofía se ilumina com um sorriso de ponta a ponta. Não pode soar mais honesta e realista. “Adoraria que Modern Family durasse a vida inteira, mas sei que isso não vai acontecer”, disse. “Estou tentando ser inteligente e diversificar em outros negócios para poder descansar quando chegar o momento. Já passei dos 40 e espero ter energia para continuar com isto, mas não quero a pressão. Prefiro diversificar. Para poder relaxar como atriz”, conta sobre seus planos futuros. Quando terminar a série confessa abertamente que o que mais sentirá falta é o dinheiro. Como dizia no começo, ela é daquelas que não tem papas na língua.

Protagonista de prêmios sem ganhá-los

NATALIA MARCOS
No próximo dia 11 de janeiro, quando será entregue o Globo de Ouro, a série Família Moderna estará totalmente ausente da cerimônia de premiação. Apesar da surpresa de que nem a comédia, nem seus protagonistas tenham sido indicados, este ano a série conseguiu entrar para a história com o Emmy: seu quinto prêmio consecutivo como melhor comédia, um recorde que só havia sido conseguido porFrasier.
Desde o começo, vários de seus protagonistas subiram ao palco para receber algum prêmio por sua participação na série. Mas esse não é o caso de Sofía Vergara. A colombiana acumula quatro indicações aos prêmios Emmy e outras quatro dos Globo de Ouro por seu papel de Gloria, mas nenhuma dessas se transformou em prêmio.
No entanto, isso não foi um problema para a atriz, que nunca passa despercebida em uma entrega de prêmios. Em 2011, pouco depois que seu nome não havia sido pronunciado como ganhadora do Globo de Ouro de atriz coadjuvante de comédia, enviou uma mensagem no Twitter: “Não me importo! Já tenho meus Globo de Ouro!”. Um ano depois, na cerimônia de 2012, aproveitou para defender o idioma espanhol e mostrar seu sotaque colombiano no discurso de agradecimento do prêmio da série como melhor comédia, respondendo assim às piadas anteriores de Ricky Gervais.
Meses depois, nos prêmios Emmy, seu vestido se transformou no protagonista involuntário da noite. Depois de comprovar que havia rasgado na região menos apropriada (na poupança), sem constrangimento decidiu fazer uma foto do rasgo e compartilhou com seus seguidores no Twitter. E embora tenha recebido críticas taxando-a de sexista por sua exibição no palco (rodopiando como se fosse um carro de exposição) na entrega dos Emmy de 2014 durante o discurso do presidente da Academia de Televisão, ela respondeu defendendo seu direito de brincar com seu corpo.


sábado, 31 de maio de 2014

Mario Vargas Llosa / A decadência do Ocidente



Mario Vargas Llosa

A decadência do Ocidente

Depois das eleições europeias, irrompem torrencialmente os inimigos populistas do euro e da UE; enquanto isso, os Estados Unidos se retiram discretamente da liderança democrática e liberal


31 mai 2014

Mesmo que aparentemente os partidos tradicionais –populares e socialistas– tenham vencido as eleições ao Parlamento Europeu, ambos perderam muitos milhões de votos e o fato central dessa eleição é a irrupção torrencial em quase toda a Europa de partidos de ultradireita ou de ultraesquerda, inimigos do Euro e da União Europeia, que querem destruir para ressuscitar as velhas nações, fechar as fronteiras à imigração e proclamar sem rubor sua xenofobia, seu nacionalismo, sua filiação antidemocrática e seu racismo. Que haja matizes e diferenças entre eles não dissimula a tendência geral de uma corrente política que até agora parecia minoritária e marginal e que, nessa disputa eleitoral, demonstrou um crescimento espetacular.
Os casos mais emblemáticos são os da França e da Grã-Bretanha. A Frente Nacional de Marine Le Pen, que até poucos anos era um grupelho excêntrico, agora é o primeiro partido político francês –não tinha nenhum deputado europeu e agora tem 24– e o UKIP, Partido da Independência do Reino Unido, depois de derrotar conservadores e trabalhistas tornou-se a formação política mais votada e popular do berço da democracia. Ambas as organizações são inimigas declaradas da construção europeia, querem enterrá-la e ao mesmo tempo acabar com a moeda comum e levantar barreiras inexpugnáveis contra a imigração, que consideram responsável pelo empobrecimento, o desemprego e o crescimento da delinquência em toda a Europa ocidental. A extrema direita venceu também na Dinamarca, na Áustria os eurofóbicos do FPÖ alcançaram 20%, na Grécia o ultraesquerdista antieuropeu Syriza ganhou as eleições e o Partido neonazista Amanhecer Dourado (que teve 10% dos votos) mandou três deputados ao Parlamento Europeu. Catástrofes parecidas, mesmo que em porcentagens algo menores, ocorreram na Hungria, Finlândia, Polônia e demais países europeus onde o populismo e o nacionalismo também aumentaram sua força eleitoral.


Os movimentos antissistema podem enterrar, mais cedo ou mais tarde, a União Europeia

Alguns comentaristas se consolam afirmando que esses resultados indicam um voto de raiva, um protesto momentâneo mais do que uma transformação ideológica do velho continente. Mas como está claro que a crise da qual resultaram os altos níveis de desemprego e a queda do nível de vida levará ainda alguns anos para ficar para trás, tudo indica que a virada política que essas eleições mostraram, ao invés de ser passageira, provavelmente durará e talvez se agrave. Com quais consequências? A mais óbvia é que a integração europeia, se não for completamente freada, será muito mais lenta do que o previsto, com quase certeza de que haverá debandada entre os países membros, começando pelo britânico, que já parece quase irreversível. E, acossada por movimentos antissistema cada vez mais robustos e operando em seu seio como uma quinta coluna, a União Europeia estará cada vez mais desunida e abalada por crises, políticas falidas e uma contestação permanente que, a curto ou longo prazo, poderiam enterrá-la. Desse modo, o mais ambicioso projeto democrático internacional iria a pique e a Europa das nações crispadas regressaria curiosamente aos extremismos e paroxismos que levaram às matanças vertiginosas da Segunda Guerra Mundial. Porém, inclusive se não se chega ao cataclismo de uma guerra, sua decadência econômica e política seguiria sendo inevitável, à sombra vigilante do novo (e velho) império russo.
Enquanto me inteirava dos resultados das eleições europeias, lia, no último número de The American Interest, revista dirigida por Francis Fukuyama (Maio/Junho 2014), uma fascinante pesquisa intitulada America Self-Contained?(que poderia ser traduzida como “América ensimesmada?”), na qual uma quinzena de destacados analistas estadunidenses de distintas tendências examina a política externa do Governo do Presidente Obama. As coincidências saltavam à vista. Não porque nos Estados Unidos tenha havido uma irrupção do populismo nacionalista e fascistão que poderia acabar com a Europa, mas porque, com métodos muito diferentes, o país que até agora havia assumido a liderança do Ocidente democrático e liberal ia se eximindo discretamente de semelhante responsabilidade para confinar-se, sem traumas nem nostalgia, em políticas internas cada vez mais desconectadas do mundo exterior e aceitando, neste globalizado planeta de nossos dias, sua condição de país destronado e menor.
Os críticos divergem sobre as razões dessa “decadência”, mas todos estão de acordo que ela se reflete em uma política externa na qual Obama, com o apoio inequívoco da maioria da opinião pública, se livra de maneira sistemática de assumir responsabilidades internacionais: sua retirada do Iraque, primeiro, e, agora, do Afeganistão, depois dos fracassos evidentes, pois em ambos os países o islamismo mais destruidor e fanático continua fazendo das suas e enchendo as ruas de cadáveres. Por outro lado, o governo dos Estados Unidos se deixou derrotar pacificamente pela Rússia e pela China quando ameaçou intervir na Síria para por fim ao bombardeio com gases venenosos feitos pelo governo de Assad sobre a população civil, e não só não o fez como tolerou sem protestar que aquelas duas potências continuassem fornecendo armamento letal à corrupta ditadura. Inclusive Israel se deu ao luxo de humilhar o governo norte-americano quando este, através do empenho do Secretário de Estado Kerry, tentou uma vez mais ressuscitar as negociações com os palestinos, sabotando-as abertamente.


Novas formas de autoritarismo, como as da Rússia e da China, substituíram as antigas

Segundo a pesquisa da The American Interest, nada disso é casual e nem pode ser atribuído exclusivamente ao governo de Obama. Trata-se, pelo contrário, de uma tendência muito mais antiga e que, mesmo tendo ficado soterrada e velada por um bom tempo, encontrou, como consequência da crise financeira que golpeou com tanta força o povo estadunidense, a oportunidade de crescer e se manifestar por meio de um governo que se atreveu a materializá-la. Ainda que a ideia de que os Estados Unidos se atrapalhem para solucionar seus próprios problemas e, para acelerar seu desenvolvimento econômico e devolver à sociedade os altos níveis de vida que alcançou no passado renuncie à liderança do Ocidente e a intervir em assuntos que não lhe digam respeito diretamente nem representem uma ameaça imediata a sua segurança seja objeto de críticas entre a elite e a oposição republicana, ela tem um apoio popular muito grande dos homens e mulheres comuns, convencidos de que os Estados Unidos devem deixar de se sacrificar pelos “outros”, entregando-se a guerras caríssimas em que dilapida seus recursos e sacrifica seus jovens, enquanto o trabalho escasseia e a vida se torna cada vez mais dura para o cidadão comum. Um dos ensaios da pesquisa mostra como cada um dos importantes cortes em gastos militares que Obama fez teve o respaldo esmagador da população.
Quais conclusões tiramos disso tudo? A primeira é que o mundo já mudou muito mais do que acreditávamos e que a decadência do Ocidente, tantas vezes prognosticada na história por intelectuais sibilinos e amantes das catástrofes, passou por fim a ser uma realidade de nossos dias. Decadência em que sentido? Antes de mais nada, do papel diretor, de liderança, que tiveram a Europa e os Estados Unidos no passado mediato e imediato, para muitas coisas boas e algumas más. A dinâmica da história já não nasce só ali, mas também em outras regiões e países que, pouco a pouco, vão impondo seus modelos, usos e métodos ao resto do mundo. Essa descentralização da hegemonia política não seria ruim se, como acreditava Francis Fukuyama quando da queda do Muro de Berlim, a democracia liberal se expandisse por todo o planeta erradicando a tradição autoritária para sempre. Infelizmente isso não aconteceu, muito pelo contrário. Novas formas de autoritarismo, como os representados pela Rússia e pela China de nossos dias, substituíram as antigas, e é a democracia que começa a retroceder e a encolher-se em toda parte, debilitada pelos cavalos de Troia que começaram a se infiltrar naquelas que acreditávamos ser cidadelas da liberdade.