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quinta-feira, 1 de junho de 2023

"Rabo de Peixe" está a ser um sucesso / Série portuguesa chega ao top 10 mundial da Netflix

 

Série "Rabo de Peixe".
Série "Rabo de Peixe".
TWITTER/NETFLIX PORTUGAL

"Rabo de Peixe" está a ser um sucesso: série portuguesa chega ao top 10 mundial da Netflix


Em Portugal, “Rabo de Peixe” está em primeiro lugar do top da plataforma de streaming, mas o sucesso não fica limitado ao território nacional. A série portuguesa tem sido bem recebida em dezenas de países, o que lhe garantiu a entrada para o top 10 mundial da Netflix.


01.06.2023 10:39


A série portuguesa “Rabo de Peixe” já entrou no top 10 mundial da Netflix, encontrando-se esta quinta-feira no sexto lugar, de acordo com o site FlixPatrol.

A série, que em Portugal ocupa o primeiro lugar do top das mais vistas, tem feito sucesso em vários países europeus e da América do Sul. Na Argentina e no Uruguai, por exemplo, está em 4.º lugar do top e em Malta e no Luxemburgo em 2.º. Em Espanha, tem ocupado o terceiro posto do ranking nos últimos dias.

Também no Brasil está entre as séries favoritas, fixando-se no 5.º lugar. Aliás, é esse mesmo lugar que ocupa no top de vários países europeus: Croácia, Grécia, Itália. Nas Bahamas, está em 2.º lugar.

“Rabo de Peixe” chegou na passada sexta-feira à Netflix e tem sido um sucesso. Foi um dos 10 projetos vencedores do concurso de argumentistas promovido pela plataforma de streaming em parceria com o Instituto do Cinema e Audiovisual.

A série é uma produção Ukbar Filmes, escrita e criada pelo açoriano Augusto Fraga e com a realização de Fraga e Patrícia Sequeira.

Inspirada num evento real, "Rabo de Peixe" é um thriller que conta a história de quatro amigos cuja vida sofre uma reviravolta quando uma tonelada de cocaína dá à costa da pequena vila açoriana. Um caso que foi abordado pela SIC na Reportagem Especial “A ilha traída pelo mar”, emitida em agosto de 2019.

Esta é a segunda série portuguesa original da Netflix depois de "Glória", de Tiago Guedes, ter inaugurado em 2021 o catálogo nacional do serviço de streaming.

SIC




quarta-feira, 25 de novembro de 2020

‘O Gambito da Rainha’ / A série que mostra o xadrez como nunca antes na televisão


 


‘O Gambito da Rainha’, a série que mostra o xadrez como nunca antes na televisão

Adaptação do clássico de Walter Tevis retrata uma jovem prodígio que abre caminho no competitivo mundo do esporte enquanto luta para não sucumbir aos seus vícios


Laura Fernández
Barcelona, 13 nov 2020

Assim como no clássico de Stefan Zweig Novela de Xadrez, Walter Tevis ―um escritor excessivamente atraído pelo tormento do gênio e pela condição de outsider―, construiu seu romance The Queen’s Gambit (“o gambito da rainha”), onde narra os avatares dickensianos de uma jovem prodígio e professora de xadrez, baseando-se no duelo sempre apetitoso entre o irracional e o racional. O muito humano e o nada humano. Em seu caso, diferentemente de Zweig, fez isso tomando partido por uma irracionalidade desenfreada que lhe permite explorar a conexão entre gênio e loucura, ou entre dom e psicose. Tevis entendia o talento como algo às vezes insuportável, algo que exige um sacrifício, como a famosa abertura, o gambito ―um dos movimentos no xadrez―, que dá nome ao romance no qual se baseia O Gambito da Rainha, a nova série da Netflix.

Viciante e trepidante ―pelo menos a partir do segundo capítulo, quando a vida da protagonista, Beth Harmon, dá uma guinada longe do isolamento do orfanato―, a série é estrelada por uma Anya Taylor-Joy (O Segredo de Marrowbone) à altura do hieratismo da personagem, tão marciana como o David Bowie que protagonizava a adaptação do outro grande clássico de Tevis, O Homem que Caiu na Terra. Com seis capítulos, a série é, ao mesmo tempo, um retrato do submundo do xadrez ―esse universo paralelo com suas próprias estrelas, e que o próprio Tevis conhecia bem (embora tenha sido apenas um jogador de terceira categoria)― e um bizarro coming of age que toma o pulso feminista de uma época em que um espaço tão fechado como o do xadrez parece presa na tempo. Mas há mais do que isso. Muito mais. A relação entre Harmon (Taylor-Joy) e sua mãe adotiva, Alma (Mariele Heller), por exemplo, é puro fogo maldito.

Porque Harmon não se limita a ser um gênio, ela é um gênio maltratado. Filha de uma mulher que também é um gênio (neste caso, da matemática), totalmente doida ―a mãe bate o carro, com ela e a menina dentro, no início da série, e some do mapa―, Beth passa a infância em um orfanato, onde acontecem duas coisas com ela: descobre o xadrez, graças a um zelador que joga sozinho em um porão, e fica dependente de tranquilizantes, que na década de 1950 pareciam totalmente indicados para crianças. As duas coisas ficarão unidas para sempre no cérebro ao mesmo tempo matemático e intuitivo da menina Beth, que daí em diante necessitará de qualquer tipo de entorpecente ―álcool, comprimidos― para sentir que pode suportar a pressão que, na verdade, ela mesma exerce contra si. Porque ela é o verdadeiro rival a ser vencido. Quando estuda, não estuda as fraquezas de seu adversário, e sim suas próprias fraquezas.

E faz isso para se tornar invencível. Para controlar o incontrolável. “Gosto do xadrez”, diz Harmon à jornalista da Life que vai entrevistá-la quando ganha seu primeiro torneio estadual, “porque é um mundo em 64 casinhas. Um lugar para se sentir segura. Previsível, controlável”. Enquanto o mundo exterior e sua própria condição de mulher são difíceis de compreender ―outra constante na obra de Tevis, a do outsider, que em O Homem que Caiu na Terra era, literalmente, um extraterrestre que tentava imitar o comportamento humano―, quando Beth joga xadrez ela está, de certa forma, em casa. Por isso, diz em determinado momento que o xadrez “não é só competitivo, também pode ser precioso”, um mundo dentro do mundo, a família que nunca terá, ou aparecerá para ela como uma miragem. Um dos melhores jogadores do mundo, Garry Kasparov, afirma que nunca tinha visto uma série que respeitasse tanto as estratégias e os tempos do xadrez: diz que é a mais realista das pouquíssimas séries já feitas sobre um esporte que, definitivamente, é pouco visual.

Embora complicada e cruel no início, a relação de Beth com sua mãe adotiva, uma alcoólatra inveterada, decola no momento em que ela decide que, apesar de tudo, pode tentar ser “uma mãe”, e consegue ser uma excelente, porque faz o principal: respeita sua filha e acredita cegamente nela. Sua relação, a de uma dupla de desajustadas tentando não se adaptar a nada, nem a elas mesmas, é uma pequena joia dentro de uma produção que dispara contra o machismo que rodeia tudo que tem a ver com o mundo do xadrez ―principalmente nas camadas mais baixas, onde a prepotência da mediocridade é insuportável―, e que, como relata com perfeição a mestra enxadrista Judit Polgár, nascida em 1976 e considerada a melhor jogadora da história, no documentário Los Otros: Judit Contra Todos, continua totalmente vigente.

Eis aqui a razão pela qual o livro de Tevis, cedo ou tarde, teria de ser adaptado para a tela. Porque, embora pareça um de tantos produtos da Netflix, as tentativas de adaptar O Gambito da Rainha datam de 1983, ano em que um jornalista do The New York Times comprou os direitos. A morte de Tevis pouco depois impediu que isso ocorresse, mas, menos de uma década mais tarde, Allan Scott, o mesmo roteirista que aparece nos créditos da produção da Netflix, comprou esses direitos, e escreveu um roteiro de cinema transformado em série em parceria com Scott Frank, que adaptou Minority Report: A Nova Lei para Spielberg. O resultado acerta as contas, de forma notável e principalmente apreciável, com todos os fantasmas do jogo que é considerado o mais difícil do mundo, e de quebra com o preço a pagar ―sempre existe um― pelo talento.

EL PAÍS



terça-feira, 9 de julho de 2019

A obsessão por ver séries está absorvendo a nossa vida?




A obsessão por ver séries está absorvendo a nossa vida?

A seriefilia nos leva a permanecermos atualizados, não como prazer, mas como exigência

Quantas séries você está acompanhando atualmente? Quantas delas você acha importantes? Quantas continuará recordando com o passar do tempo? A seriefilia deixou de ser uma maldição para virar uma tortura que aflige até os mais fanáticos. Não é raro acabarmos chafurdando em conversas cheias de lamentações sobre o pouco tempo que temos para nos atualizar, como se estar em dia com os lançamentos fosse não mais um prazer, e sim uma exigência.
A pergunta é evidente: esse vício está nos destruindo? Já cansados da Igreja, do futebol e dos programas de celebridades, nós, da imprensa, temos de vez em quando a mania de coroar o novo ópio do povo. Fazemos isso inclusive literalmente, a tal ponto de que uma vez por ano costuma haver uma febre de artigos surpreendendo-se com a volta da heroína às ruas. Pode ser que meter As Séries — assim mesmo, com as devidas maiúsculas — nessa roda-gigante de clichês seja um absurdo, mas não é demais questionarmos o lugar que dedicamos a elas em nossas vidas.
Pensemos.
Você sai para trabalhar. Pega o transporte público. Senta-se. Pronto, em meia hora chegará ao seu destino. Enquanto revira a bolsa ou a mochila em busca daquele livro com o qual pretende se distrair no trajeto, as luzes do ônibus ou do metrô lhe parecem escassas para a leitura, o que o deixa indignado, porque você se sente no direito de exigir uma iluminação digna para ler esses míseros dois parágrafos obrigatórios antes de cochilar. E, olha, que indignação a sua! A alienação da vida moderna faz com que você dedique uma grande importância a esses dois parágrafos de vida interior zumbi. É um placebo de cultura leprosa que se desfaz na sua cabeça como um comprimido efervescente; a armadilha de acreditar que você dá sentido aos momentos mortos da rotina, que um minuto depois acabam se necrosando em uma sesta.





Assim como os ‘junkies’, mentimos para nós mesmos quando vemos que esse novo vício assume o controle das nossas vidas. “Bom, pelo menos é cultura”, dizemos para nós mesmos.

Depois você chega em casa. E aí? Vai reabrir o livro? Ah, bem poderia. Mas não seria melhor deixá-lo para logo antes de ir dormir? Ler na cama, essa quimera. Se você já pega no sono por aí, nas esquinas do transporte público, o que espera que aconteça quando se posicionar entre lençóis cada vez menos frios e mais aclimatados ao seu corpo alquebrado? O que você faz ao chegar em casa não é ler. O que você faz é preparar quatro tranqueiras para o jantar e se colocar na frente desses serviços de streaming tão legais que você contratou por um preço ridículo. Todas as séries do mundo por menos de 30 reais por mês.
E um filme? Quanto tempo faz que você não vê um filme em casa? Ah, você está bem cansado, não vai aguentar duas horas. Além disso, falaram bem dessa série que tem só dez capítulos por temporada e… puxa vida. Vicia. Tinha razão aquele colega, aquele thread do Twitter, aquele amigo da sua namorada, aquela matéria do EL PAÍS que havia botado a série nas nuvens. Você põe mais um capítulo. E mais um. Você não tinha tempo para dedicar sua atenção completa a uma história de 90 minutos, e de repente se vê, como um maníaco salivante, engolindo seis capítulos de 50 minutos cada um, todos eles repletos de subtramas absurdas.
É óbvio que há séries extraordinárias; e é óbvio também que muitas delas, como antes nas décadas de 1950 ou 80, se concentram numa espécie de época dourada, de momentum. A proliferação de plataformas digitais de conteúdo, dispostas a brigar com os serviços de TV cabo, está dando lugar a um excesso que acaba virando um hábito bulímico de consumo. Não é só algo que nos proporciona prazer; é algo que, além disso, nos dá certo status. Permite simular uma espécie de erudição portátil que preenche o papo do elevador, do escritório ou do balcão do bar, já que todos estamos vendo séries e, frequentemente, todos estamos vendo as mesmas séries.




'Twin Peaks: The Return'.
'Twin Peaks: The Return'.


Isto, por um lado, é positivo. A democratização da cultura derruba barreiras e enriquece as pessoas. Fenômenos populares como a seriefilia facilitam novas vias de conversação, de debate e inclusive de trolagem. E, sim, é verdade que ver muitas temporadas de algo (o que quer que seja) nos tira tempo para outras coisas, como ler, mas até que ponto queixar-se disso não é um sinal de esnobismo classista? Pretender que duas obras de arte sejam vistas por cima do ombro é puramente um exercício estúpido. As séries ruins são tão ruins quanto os romances ruins, e o mesmo acontece com as séries e romances (e filmes e discos) medíocres ou brilhantes.
Agora, a histeria viral que acompanha a seriefilia se torna repelente quando nivela o critério para enfrentar a linguagem. Não vemos séries, as seguimos. A cineasta Lucrecia Martel disse recentemente que as séries eram “um passo atrás”. Guillermo del Toro afirmou, em outra declaração recente à imprensa, que recordava muitos grandes momentos televisivos, mas pouquíssimas imagens indeléveis. É verdade que, na era da TV paga e da ficção por streaming, os roteiristas são os autênticos autores; e quase parece que, ouvindo esses cineastas, a realização dos roteiros fica nas mãos de vários operários que têm diante de si a tarefa quase industrial de traduzir suas arrevesadas e complexas tramas em uma sucessão de beabás visuais. Como se a profundidade aristotélica fosse sistematicamente passada pelo moedor do campo/contracampo.
Há muitas exceções; cada vez mais, aliás. Von Trier, Soderberg e Fukunaga se puseram à frente de temporadas inteiras (para não falarmos de Lynch e a odisseia inabarcável de Twin Peaks: O Retorno). Mas, deixando de lado esse ponto de vista meio territorial dos próprios cineastas, várias séries que seguem a linha de trabalho de alternar diretores revelaram momentos visuais comoventes ou belíssimos. Better Call SaulHannibal e The Leftovers são alguns exemplos em que a realização é tão importante quanto o roteiro. Então por que nos custa reter essa beleza? Talvez pelo excesso; o costume de ir às séries como o menino guloso vai às bolachas da avó. Colocamos a mão em um frasco de cultura e a levamos à boca com um furor doce e animal.



Quantas vezes você adiou o trabalho daquele projeto pessoal “por um capítulo a mais”? Quantos antissistema se derretem com maratonas de ‘Mr. Robot’?

Por isso, ao chegarmos moídos em casa seguimos as recomendações da nossa plataforma de streaming. Com a fé de encontrarmos um novo dínamo emocional, procuramos desconectar não mais por duas horas, e sim por duas temporadas. Ou quatro. Ou seis. Assim como os junkies, mentimos para nós mesmos quando vemos que esse novo vício assume o controle das nossas vidas. “Bom, pelo menos é cultura”, dizemos para nós mesmos, quando, com triste frequência, o que ativamos em nossas telas é um protetor de tela inteligente que reproduz os mesmos argumentos-clichês que já haviam nos prendido alguma vez (Isto explicaria o sucesso narcótico de Ozark entre os órfãos de Breaking Bad).
Quantos casais dissimulam esses últimos meses anteriores à separação em meio ao espesso nada do binge-watching? Quantas vezes você adiou o trabalho daquele projeto pessoal “por um capítulo a mais”? Quantos antissistema, desses que rimam “televisão” com “manipulação”, se derretem com maratonas de Mr. Robot?
A cultura mais desafiadora é a que nos dá aquilo que não sabemos que queremos, ao passo que as séries, inclusive as melhores séries, vivem por natureza de cumprir uma expectativa que alimentam constantemente. Por esse ralo deixamos que se perca, em espiral, o que há de cinza em nossa rotina. E nos sentimos, isso sim, mas descolados, mais cultos e mais felizes.

quinta-feira, 13 de junho de 2019

Regresso ao futuro de ‘Black Mirror’ / Pior do que a tecnologia, apenas os humanos



Regresso ao futuro de ‘Black Mirror’: pior do que a tecnologia, apenas os humanos

A quinta temporada da série chega à Netflix com três novos episódios sobre inovações tecnológicas



Patricia Tubella
Londres 5 Jun 2019

"Tecnofobia? O vilão dos episódios de Black Mirror não é a tecnologia, mas as pessoas", garante Charlie Brooker, criador da série que percorre o lado mais sombrio da era digital e nossa dependência de uma multiplicidade de dispositivos dos quais até nos tornamos reféns. Produção inclassificável, dado seu incansável trânsito por gêneros e formatos, a quinta temporada (5 de junho, na Netflix) tem apenas uma trilogia de episódios, com tons muito diferentes e um elenco estelar, incluindo a ex-estrela pop Miley Cyrus.
Brooker nunca seleciona um tema específico que permita distinguir cada temporada da série. "Mas, talvez, neste caso, um elo comum seria a solidão do indivíduo", opina a produtora Annabel Jones sobre as três histórias que compõem esta temporada: um thriller claustrofóbico, um drama com uma mudança imprevisível e uma história muito mais acessível para todos os públicos sobre a obsessão de uma adolescente solitária por uma jovem cantora. Dito de forma mais detalhada: um descontrolado motorista de um serviço de táxi grudado no celular, um casal de amigos loucos por videogames que são atraídos para um insólito triângulo (contar mais seria incorrer no spoiler) e a réplica de uma celebridade musical com formas de robô inteligente. Contar mais seria também spoiler, mas uma coisa pode ser deduzida: todos falam de alienação humana.
"Tentamos apontar para diferentes direções e gêneros, mas sempre procuramos aquele prazer tão particular de Black Mirror que engloba uma realidade desconfortável mesmo nos episódios mais leves e engraçados", enfatiza Brooker. Parte sempre daquele ponto de vista distópico e perturbador que a série tem mostrado desde a sua estreia em 2011: como a tecnologia transformou todos os aspectos de nossas vidas. Mas, acrescenta Brooker, "queremos que cada capítulo tenha personalidade própria. E essa individualidade é o que consegue atrair atores e diretores de primeira linha".
Ele se refere aos grandes nomes desta temporada. Há Anthony Mackie, um dos protagonistas do universo cinematográfico Marvel, que no episódio Striking Vipersinterpreta um pai enredado em sua busca de novos e arriscados horizontes tecnológicos. Ou o irlandês Andrew Scott, conhecido dos telespectadores como o Moriarty da série Sherlock, e recentemente, mas talvez com mais frequência, como o padre sexy de Fleabag, que encarna no episódio Smithereens (cacos) o papel do taxista que acredita ser refém das redes sociais.







E também Miley Cyrus, com quem Brooker e Jones nem sequer sonhavam porque ela deveria fazer uma parada em sua agenda para estrelar uma sátira sobre a indústria da música. Mas Cyrus disse sim, atraída pelo tom sarcástico da história. "Miley é muito subversiva, anárquica e tem um grande senso do absurdo", comentam sobre a transformação da antiga estrela da fábrica Disney em uma artista que fez da provocação sua bandeira.
A personagem de Cyrus, segura de si diante de uma plateia adolescente submissa, tem na intimidade outra faceta, a de uma garota muito vulnerável, que se sente engaiolada pela fama e a avidez dos que a rodeiam. "Queríamos tirar a artista do pedestal", foram as intenções do casal de criadores na hora de narrar a estranha conexão tecnológica que uma pequena fã estabelece com sua adorada cantora. Rachel, Kack e Ashley Too é o título dessa história de fundo nebuloso, mas com um formato muito claro, longe dos finais desconcertantes que a série vem cultivando. “Fracassaríamos se todos os episódios tivessem o mesmo tom e agradassem a todos", argumenta Brooker sobre um dos episódios mais complacentes de Black Mirror.
Embora a série tenha começado há oito anos no britânico Channel 4, sua transferência para a Netflix em 2016 lhes deu licença para experimentar formatos e a duração irregular dos episódios, sem "ter de depender toda semana dos índices de audiência”, como nas emissoras generalistas. E para desafiar os limites da ficção televisiva, como ficou demonstrado em dezembro com um episódio interativo (Bandersnatch) em que o público pôde decidir os rumos do enredo e a sorte do protagonista.
Brooker também alude à "difícil promoção" na grade de televisão convencional de uma série sem continuidade do enredo entre os capítulos e, portanto, sem desfechos em suspenso que levem o público a voltar a se envolver com o próximo episódio. "No Channel 4 éramos muito livres", reconhece, porém, Brooker. A série estreou com um episódio devastador sobre um primeiro-ministro britânico forçado a fazer sexo com um porco em troca da libertação de uma popular princesa sequestrada. Esse título, The National Anthem, é curiosamente o que despertou maior divisão entre os espectadores durante toda a trajetória de Black Mirror, lembra Brooker, com orgulho. Sua principal ambição — acima da tirania da audiência — continua sendo a capacidade que a série tem de provocar debate sobre as incertezas da sociedade tecnológica.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

The Handmaid’s Tale’ / Pisotear as mulheres em nome do futuro e de Deus




Pisotear as mulheres em nome do futuro e de Deus

A aterradora ‘The Handmaid’s Tale’, depois de uma temporada impactante e outra decepcionante, precisa recuperar o tino


Elsa Fernández-Santos
Madri 7 JUN 2019 - 07:53 COT




Depois de uma primeira temporada impactante e uma segunda decepcionante, The Handmaid’s Tale acaba de estrear sua terceira temporada cercada de incógnitas sobre o rumo de sua ficção —mas também de alarmantes certezas de que a aterradora teocracia puritana imaginada pela romancista Margaret Atwood não deixa de se aproximar da atualidade, e que certas liberdades não são tão inalteráveis como pensávamos. Nos Estados Unidos, o Estado da Geórgia proíbe o aborto; em outros países, como na Espanha, a baixa taxa de natalidade reabre um mal intencionado debate sobre a interrupção das gestações indesejadas; a gestação sub-rogada apresenta complexos dilemas éticos; na Argentina, a maré verde a favor do aborto divide o país, e em todas as partes o avanço da nova onda feminista desperta uma perigosa rejeição, unida a um não menos preocupante oportunismo. Em tempos assim, The Handmaid’s Tale, com sua indesejável sociedade onde as mulheres são exploradas como meros corpos reprodutivos, tornou-se um símbolo, e a capa vermelha e a touca branca que distinguem as criadas-escravas são um emblema recorrente nas manifestações de mulheres de todo o mundo. A série, entretanto, tem uma última oportunidade de recuperar o tino.
Margaret Atwood


















Apoiada no romance homônimo que Atwood publicou em 1985, a primeira temporada deixou uma marca profunda após sua estreia, em 2017. Com seu argumento já muito longe do livro original, apresentou sua segunda leva de episódios como um beco sem saída, que esticava o chiclete da sua fórmula bem-sucedida (uma distopia com o feminismo, a mudança climática, o sexo e a maternidade como pano de fundo), explorando de forma insuportável a atrocidade de seu relato. O excesso de desgraça gratuita não funcionou, e seus criadores tomaram nota. O roteirista Bruce Miller disse que a brutalidade da história diminuiu, e a atriz Elisabeth Moss, sua magnífica protagonista, acrescentou que a palavra chave desta terceira temporada é "esperança". Resta ver se essas declarações são apenas chamarizes publicitários, ou se realmente a série encontrou um caminho verossímil e menos atroz.
Recordemos: a série se passa em um país imaginário, Gilead, vizinho do Canadá. Nele, um regime de religiosos fundamentalistas formado apenas por homens chegou ao poder amparado pelos desastres ambientais e a baixa natalidade. Fechar as fronteiras e voltar à pureza (lembra algo?) é o mantra desses líderes, que condenam as mulheres (impuras profissionais liberais acostumadas a viver como querem) a limpar, cuidar e procriar. A protagonista, June Osborne, rebatizada como Defred por seu amo e senhor, o Comandante Waterford (Joseph Fiennes), é uma ex-editora, filha de uma ativista dos direitos civis, cujo único atrativo para esta nova sociedade é sua fertilidade. Se a primeira temporada se apresentava como um angustiante manual de sobrevivência doméstica, em que o estupro e a tortura física e psicológica eram a norma, a segunda acrescentava ao terror caseiro uma ação desnorteada, com excessivo apreço pelas execuções e mutilações. Basicamente, esticou-se em excesso o argumento para dar voltas em torno da mesma coisa.
A segunda temporada foi carregada de flashbacks que faziam referência, por um lado, à infância da protagonista, criada por uma mãe feminista, e a como se forjou a chegada ao poder da elite de brancos extremistas que agora negam seus direitos. A conscientização de Serena (Yvonne Strahovski), a esposa do Comandante Waterford, levou a um desenlace dramático. A temporada terminou exatamente onde começam os 13 episódios da terceira, com June entregando sua recém-nascida filha Nicole a Emily, uma de suas melhores amigas-criadas, castigada de forma assombrosa por causa da sua homossexualidade. Emily e o bebê fugirão para o Canadá, enquanto a protagonista decide regressar à boca do lobo para recuperar sua filha mais velha, adotada por uma poderosa família de Gilead. Ou seja, outra vez nossa heroína nessa ratoeira de preciosas casas senhoriais ao estilo da Nova Inglaterra, onde os homens pisoteiam as mulheres em nome do futuro e de Deus. Isso sim, o novo lar da rebelde criada será o do Comandante Lawrence, principal intelectual e ideólogo do regime, em cuja psicopatia e dilemas morais parece se centrar a tensão dos novos capítulos.
Como ocorreu nas temporadas anteriores, além de sua ambientação verossímil e seu elenco afinado, o principal trunfo da série volta a ser sua atriz principal, Elisabeth Moss. Seu olhar e sua voz em off são a espinha dorsal de um relato onde loucura e resistência andam de mãos dadas. “Houve um tempo em que as mulheres podíamos escolher. Era uma sociedade agonizante, diria a tia Lydia, com muito para escolher…”, ouvimos a protagonista pensar em um momento da nova temporada. “Mãe, você queria uma cultura de mulheres. Pois agora já tem uma, e embora não seja o que você imaginava, ela existe”, acrescenta sua voz, tão doce quanto enérgica, enquanto mais uma vez volta a cravar esse olhar, entre desafiador e perdido, a espectadores que só graças a ela ainda não se deram totalmente por vencidos.


domingo, 9 de junho de 2019

O terrível pesadelo da maravilhosa série ‘The Handmaid’s Tale’


Elisabeth Moss

O terrível pesadelo da maravilhosa série ‘The Handmaid’s Tale’

Os olhos de Elisabeth Moss são tudo nesta que já é uma das séries do ano


Natalia Marcos
9 Jul 2017

Os olhos de Elisabeth Moss são tudo. Já eram em Mad Men e são ainda mais em The Handmaid’s Tale, série do serviço de streaming Hulu, ainda não disponível no Brasil. Com seu olhar, Moss faz você sentir o medo de se ver privada, do dia para a noite, de todos os direitos fundamentais que consideramos adquiridos, separada da família, usada como gado com a única finalidade de servir como veículo para a reprodução do casal que te determinam dentro de um regime misógino e fundamentalista. O desespero grita por meio dos olhos dela. Mas o olhar de Elisabeth Moss transmite muito mais. Inteligência, coragem e determinação. Porque Offred (June, em uma vida passada), não está disposta a se render.

The Handmaid’s Tale já é uma das séries do ano. Essa adaptação do romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood, escrito em 1985 (e, no entanto, assustadoramente atual) é apavorante em sua essência, nessa proposta de um mundo que não tem por que estar tão longe do atual e que, dependendo de quem detiver o poder, poderia acontecer a qualquer momento. Mas, ao mesmo tempo, aproveita essa essência terrível, de pessoas sem futuro e mulheres escravas sexuais, para abrir caminho à rebelião e à esperança. A história, contada através dos olhos de Offred/Elisabeth Moss, mas também pelos de outras mulheres (a dura e quase impenetrável Serena Joy, a frágil Janine, a rebelde Ofglen ou a corajosa Moira), é mostrada na tela com uma aposta estilística que dá identidade visual à série, com um cuidado detalhado na luz e nas cores.
Estamos diante de uma história de horror, feminista, uma história política e reivindicativa, e tudo a partir da mais profunda desesperança de não ver saída à situação à qual se chegou. Uma história que não se recusa a mostrar a violência extrema e o sexo mais terrível. Pode surpreender que, na ficção, se chegue a uma situação assim num curto período de tempo, mas quem sabe o que os radicalismos podem fazer em questão de meses.
Felizmente, existem alguns vislumbres de esperança. Offred os têm em seu olhar. Porque os olhos de Elisabeth Moss são tudo.