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domingo, 28 de julho de 2019

'Grito muito, mas quero eco', diz Elza Soares sobre combate ao racismo





'Grito muito, mas quero eco', diz Elza Soares sobre combate ao racismo

Intérprete carioca defende o empoderamento feminino em novo álbum, que começa a gravar; em entrevista à BBC, conta que veio 'do planeta fome', trabalhou como doméstica e apanhou do ex-marido Mané Garrincha, trajetória que vai virar biografia e musical para o teatro; ela ainda diz que considera a situação do país 'trágica', mas afirma ter fé em 'um momento bom': 'Assim como veio para a Elza Soares, há de vir para o Brasil'.



Júlia Dias Carneiro
Da BBC Brasil no Rio de Janeiro
Parece que o fim do mundo está chegando pela janela do apartamento de Elza Soares, empoleirado sobre a Avenida Atlântica, de tão densa a névoa que cobre a Praia de Copacabana. Nem parece haver mar nem horizonte numa tarde abafada do verão carioca. Fim? Nem pensar. A protagonista de A Mulher do Fim do Mundo, álbum de 2015, continua criando, e se reinventando, aos 80 anos. Elza entra em estúdio na próxima segunda feira para começar a gravar o próximo álbum, que agora proclama no título: "Deus É Mulher"







"Eu olho para a frente. Eu olho o hoje" | Foto: Elza Soares
"Eu olho para a frente. Eu olho o hoje" | Foto: Elza Soares
Foto: BBC News Brasil

Elza tem recebido homenagens pelos 80 anos que completou em junho do ano passado, mas já teria 87 anos de acordo com um segundo registro de nascimento. Ela se recusa a falar qual está certo. "Esse negócio de idade... Não tem idade, cara. Sou atemporal.
O mote do novo disco segue a onda de protestos do trabalho recente da cantora, que levanta bandeiras contra o racismo, violência doméstica, homofobia, e agora foca no "empoderamento todo que as mulheres estão tendo, graças a Deus".
"Eu vim protestando com A Mulher do Fim do Mundo e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente", diz. "Mulheres podem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher."
Elza diz que o "grito" das mulheres já vem de muitos anos, mas está sendo mais ouvido agora.
"O momento é propício para o grito. Esse grito não pode ser silenciando. Tem que continuar gritando, e muito", afirma.
Elza recebe a BBC Brasil sentada com uma almofada firme nas costas, e permanece na mesma posição até irmos embora, reflexo dos problemas na coluna que a obrigam a fazer fisioterapia três vezes por semana e apresentar todos os shows também sentada. A cantora é avó e bisavó, com sete netos e quatro bisnetos.







Sobre como superou as dificuldades no começo da vida, Elza diz: 'Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar.' | Foto: Patricia Lino
Sobre como superou as dificuldades no começo da vida, Elza diz: 'Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar.' | Foto: Patricia Lino
Foto: BBC News Brasil

Com um medalhão dourado de São Jorge no peito, Elza fala sobre 
as lutas às quais empresta sua voz rouca e potente, reforçadas pela 
imagem "guerreira" de quem superou a pobreza, o preconceito, a morte 
de três filhos e a violência do ex-parceiro, o jogador Mané Garrincha

Cuando eram casados, Elza viveu desde os tempos áureos, 
com os títulos das Copas de 1958 e 1962, à derrocada do 
jogador para o alcoolismo no fim da carreira, quando começou 
a bater nela e chegou a quebrar seus dentes em um ataque.
Uma das músicas do último álbum virou um hino denunciando a violência contra mulheres. Maria da Vila Matilde conclama mulheres a ligar para o 180 e denunciar seus parceiros em casos de agressão, com as palavras de ordem: "cê vai se arrepender de levantar a mão pra mim".
Elza se separou após 17 anos de casamento - e diz gostar de pensar apenas nos bons momentos com Garrincha, sem querer remoer o sofrimento.
Batizada Elza da Conceição, a cantora nasceu em um sítio em Padre Miguel e cresceu em Água Santa em meio à pobreza. Casou-se aos 12 anos. Aos 13 anos, já mãe, perdeu um dos dois filhos para uma pneumonia. Aos 21 tornou-se viúva do primeiro marido, de quem herdou o sobrenome Soares.

A jovem Elza carregou caixa d'água na cabeça e foi doméstica, faxineira, empacotadora - tudo menos cantora. Apesar da inclinação que sentia desde criança, aquele caminho não era uma opção para a família. Quando os dois filhos pegaram uma pneumonia grave e não havia dinheiro para antibióticos, o desespero a levou a se inscrever escondida da família no programa de calouros de Ary Barroso na Rádio Tupi. Vestiu uma roupa larga demais da mãe e enfiou alfinetes onde sobrava pano. O visual ficou tão peculiar que Ary Barroso, ao vê-la, perguntou de que planeta ela vinha.









Cantora cresceu em Água Santa, no Rio de Janeiro, em meio à pobreza | Foto: Patricia Lino
Cantora cresceu em Água Santa, no Rio de Janeiro, em meio à pobreza | Foto: Patricia Lino
Foto: BBC News Brasil

A resposta de Elza, que pesava "30 e poucos quilos", cortou os risos debochados do auditório. "Do planeta fome", rebateu. Ela saiu do programa com um prêmio em dinheiro, correu para a farmácia e medicou os filhos. Um deles reagiu, mas o outro morreu poucos dias depois.
Neste ano, sua história de vida vai virar uma biografia escrita pelo jornalista Zeca Camargo (Ed. Leya) e um musical para o teatro. Um filme também está em fase de planejamento, com a atriz Taís Araújo vivendo a protagonista.
Elza se mostra avessa a perguntas que tematizem o passado e a velhice. Medo da morte? "Nunca conversei com ela não. Deixo ela distante."
Uma mesa na sala reúne alguns dos muitos prêmios acumulados pela cantora, que ganhou o Grammy Latino na categoria de melhor disco de música popular brasileira por A Mulher do Fim do Mundo, em 2016

Elza Soares foi casada durante 17 anos com o jogador de futebol Mané Garrincha | Foto: Agência O Globo
Elza Soares foi casada durante 17 anos com o jogador de futebol Mané Garrincha | Foto: Agência O Globo
Foto: BBC News Brasil
"Eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. É o que eu digo sempre, my name is now", afirma, repetindo o bordão ("meu nome é agora") que deu nome a um documentário sobre sua trajetória, lançado em 2015.
"Deus É Mulher" será lançado ainda neste ano, e a cantora continua em turnê com o show A Voz e a Máquina - uma boa metáfora desse corpo que, esteja com 80 anos ou 87, segue enfileirando um projeto atrás do outro. "Meu futuro está aí. Deixa o futuro vir. O passado já foi."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC Brasil - Elza, existe um conflito sobre a sua data de nascimento. Qual é a verdadeira?
Elza Soares - Não comento. Não se pergunta sobre idade a mulher. Esse negócio de idade... não tem idade, cara. Sou atemporal.
BBC Brasil - Você teve um ressurgimento surpreendente depois do lançamento de A Mulher do Fim do Mundo. Como é se tornar um ícone pop na sua idade?
Elza Soares - Gente, eu não sei sobre esse negócio de idade, o que que tem idade, idade... Você tem o tempo, a matéria, o espírito, entendeu? Acho que quando você resiste, você está bem, aguentando tudo, é maravilhoso. Eu vejo meninos aí não aguentando nada, meninas não aguentando nada.
BBC Brasil - Então como você se sente na fase de vida em que está hoje?
Elza Soares - Completamente bem, fantástica, maravilhosa, trabalhando, viajando muito. Sucesso absoluto. Feliz.
BBC Brasil - O que inspirou a escolha do nome Deus É Mulher para o novo disco? Em que sentido você quer dizer que Deus é mulher?
Elza Soares - Com A Mulher do Fim do Mundo a gente veio denunciar tudo que não presta. Como os problemas não tiveram fim, aliás, é muito difícil acabarem, a gente volta agora com Deus É Mulher. Acho que as mulheres, com o empoderamento todo que têm agora, graças a Deus, elas podem muito bem liderar e pode haver Deus dentro de cada uma de nós. Por que não? Por que Deus não pode ser mulher? Deus é mulher.
Eu vim protestando com A Mulher do Fim do Mundo e volto com o mesmo protesto, mas dando mais força às mulheres. Pondo mais a mulher na frente. Nós mulheres sabemos que podemos ficar à frente. Acho que é por aí.

BBC Brasil - Você já passou por muitas dificuldades na vida. Como a sua trajetória influenciou a sua carreira e o seu jeito de cantar?
Elza Soares - Garra. Vontade. Entendeu? Acreditar. Tudo isso você tem que ter contigo. Eu acredito. Eu tenho garra. Eu tenho persistência. Eu acho que isso faz acontecer.
BBC Brasil - Em seu último disco você toca em temas sensíveis, e um deles é violência doméstica, com a música Maria da Vila Matilde, que virou uma espécie de hino pela causa. Você sofreu esse problema no passado - o que fez com que, em 2015, você quisesse falar no assunto?
Elza Soares - Eu já vinha falando sobre isso há muito tempo. Eu falo de política desde que comecei a cantar. De ser mulher, de ser negra. De ser mulher negra.
A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente. É triste que você ainda tenha a necessidade de fazer músicas falando da violência contra a mulher, que é uma coisa horrível. Isso você vai ter que falar a vida toda? É um câncer, né?
A gente fala da negritude, tem que falar da cor de pele, que é uma coisa absurda, né, tem que estar toda hora gritando, "olha!", "olha!", como um pregão, sempre.
BBC Brasil - Como você vê o movimento atual do feminismo, com tantas mulheres quebrando o silêncio sobre violência sexual e gerando um efeito-dominó de denúncias de assédio?
Elza Soares - Acho que valeu o passado. Acho que para esse presente de agora, valeu o passado. Porque tudo se copia, né? Eu acho que essa cópia aí é maravilhosa, porque as mulheres estão podendo falar mais, estão podendo gritar mais.
Mas isso já vem de um passado em que as mulheres vinham gritando, queimaram sutiãs, foram queimadas. Então você vê que a mulher já vem com um grito de muitos anos. Talvez sejamos ouvidas agora. Agora. Mas esse grito já vem de longe. Acho que o eco está sendo agora, mas o grito vem de longe.







"A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente" | Foto: Patricia Lino

"A violência doméstica, por mais que você fale e tente combater, ainda é muito presente"
Foto: Patricia LinoFoto: BBC News Brasil


BBC Brasil - O que é diferente no momento atual? Acha que é 
um momento propício para o grito?
Elza Soares - O momento é propício para o grito, lógico. Esse grito não pode ser silenciado, tem que continuar gritando, e muito. Gritar mesmo, sem interrupção.
BBC Brasil - Você costuma dizer em seus shows que o Brasil é negro. O que você acha que falta para a sociedade encarar de frente a desigualdade racial?
Elza Soares - Deixa eu te contar. Eu recebi uma homenagem no Memorial (da América Latina) em São Paulo com uma orquestra sinfônica maravilhosa (a Jazz Sinfônica), grande maestro, grandes músicos, uma homenagem belíssima. No momento que eu vi a Sinfônica, senti uma coisa meio estranha. Não vi um negro nessa Sinfônica. Então eu pergunto, onde estão meus negros? O que eles estão fazendo? Por favor, lutem, busquem, porque vocês têm o direito também. Aliás, temos o direito.
Quando eu cantei "a carne mais barata no mercado é a carne negra" - não é a carne negra. Foi a carne negra, entendeu? Cantei (a música A Carne) e fui muito aplaudida quando falei que sentia falta de um negro naquela Sinfônica.
BBC Brasil - Sua história com o Garrincha teve momentos muito difíceis. É deles que você se lembra mais quando pensa nele?
Elza Soares - Eu penso nos momentos de amor. Procuro esquecer os momentos de ódio, porque a coisa pior do mundo é o ódio, né? Então penso no momento de amor, que foi lindo.
BBC Brasil - Você já disse que o futebol brasileiro morreu com ele. Foi isso que causou o 7x1 na Copa de 2014?
Elza Soares - Eu acho que morreu mesmo. É falta de Garrincha, né? Garrincha nunca ganhou dólar, nunca ganhou euro, era canela, pé, aquelas pernas tortas maravilhosas. E aquele menino brincando de jogar futebol, né? Brincando sério.







"Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra" | Foto: Patricia Lino
"Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra" | Foto: Patricia Lino
Foto: BBC News Brasil

BBC Brasil - Você viveu a ditadura e chegou a ir para o exílio com o Garrincha. Como você vê o momento político atual do país à luz do que viveu naquela época?
Elza Soares - Eu tenho muito medo da palavra ditadura. O Brasil não merece essa palavra. A gente tem que pensar muito antes de falar sobre política, porque está tudo tão conturbado. O momento pede consciência. Saber o que está acontecendo.
Dizem que a voz do povo é a voz de Deus. Quando o povo quer, a coisa acontece. Tem que ter consciência do momento que estamos atravessando. Por favor, a eleição vem aí, povo, por favor. Olha esse Brasil como é que está. Esse país que, lá fora, às vezes vira brincadeira, vira chacota. Você não quer ver teu país sendo falado dessa maneira tão triste.
Eu sou muito otimista. Eu acredito que isso é um momento que nós estamos atravessando, e vai passar. Acredito. Acredito nesse povo brasileiro sofrido, que isso vai passar. É um momento trágico, um momento ruim, mas acho que vai vir um momento bom para gente também. Assim como veio para a Elza Soares, há de vir para o Brasil.
BBC Brasil - É um momento difícil para o Rio também, com a crise e a onda de violência que o Estado está enfrentando.
Elza Soares - Ah, eu vejo esse Rio chorando. O Rio que é um Rio de alegria. A gente tem uma cidade tão maravilhosa. E passar por esses momentos cruéis assim. Eu vejo o Rio pedindo socorro, pedindo misericórdia, "help me". Assim eu vejo o Rio de Janeiro, pedindo socorro.
BBC Brasil - Quais são as coisas em que você se agarra para ter fé?
Elza Soares - Deus, lógico, primeiramente Deus. Acredito muito em Deus e me agarro nos meus santinhos maravilhosos. Nossa Senhora de Aparecida, São Jorge, sempre pedindo misericórdia. Não peço só para mim, não. Peço misericórdia para a nação.
BBC Brasil - Com toda essa rotina de shows, como é seu dia a dia, sua de cuidar da saúde?
Elza Soares - Eu sou muito tranquila. Cuido muito bem do meu corpo. Três vezes por semana tenho fisioterapia. Cuido da minha saúde, da minha alimentação, eu sei que preciso me cuidar. Por isso que eu digo, cuidem do Brasil porque o Brasil precisa se cuidar.







"Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo" | Foto: Erick Amarante

"Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo" 
Foto: Erick Amarante


BBC Brasil - As pessoas às vezes te associam a cirurgias plásticas, às intervenções que você fez. Como você vê a vaidade feminina e a imagem que você tem?

Elza Soares - Adoro um espelho. E para adorar um espalho adoro cirurgia plástica, adoro tudo. Acho que a mulher merece tudo, tem que ser linda, vaidosa. Mulher. Bons vestidos de seda, boas camisolas lindas, maravilhosas. Olhar no espelho e dizer, sou feliz comigo mesma. É muito bom.

BBC Brasil - Mas a mulher sofre uma objetificação muito forte, a ideia do corpo sarado, das capas de revista com mulheres perfeitas. Você acha que isso tem que ser questionado nesse novo movimento de feminismo?

Elza Soares - Não sei. Eu sei que eu gosto de mim, gosto de malhar, gosto de estar bem. Gosto de fazer uma cirurgia plástica se precisar. Eu não vou fazer mais.

Mas faria cirurgia plástica maravilhosamente bem, não sei se precisa; se precisar, também faço. Eu acho que é por aí. Se o espelho me questionar, vou. Eu falo até para o espelho, pode esperar que eu volto amanhã para você.
BBC Brasil - Você casou com 12 anos. Como foi para você casar tão cedo, e como a sua sexualidade se desenvolveu ao longo da sua vida?
Elza Soares - Eu soltava pipa, jogava bola de gude, com filho no colo. Pegava balão, corria muito, brincava com eles. Foi assim que foi a minha vida. Era criança e mãe. Tanto que meus filhos me chamam de Conceição até hoje. Era como se fôssemos amigos.
BBC Brasil - Com tudo o que você sofreu, o que você diria se pudesse falar com a Elza do passado, ainda menina em Água Santa?
Elza Soares - Não sei. É muito gozado, eu não olho para trás. Eu olho para a frente. Eu olho o hoje. Eu digo sempre, my name is now ("meu nome é hoje"). Eu não gosto muito do passado. O passado já foi, já sei. O futuro não sei o que virá. Então, eu vivo hoje.
BBC Brasil - Como era a sua casa da infância em Água Santa?
Elza Soares - Era bem pobrezinha, mas tinha muita riqueza lá dentro. Tinha toda a minha família. Éramos seis irmãos.
BBC Brasil - Quando você se descobriu cantora? Seus pais eram contra?
Elza Soares - Eu sempre soube. Por incrível que pareça. Sempre gostei de cantar, desde pequenininha. Ser cantora na época era uma coisa pejorativa. Meu pai queria que eu estudasse muito, que não falasse em ser cantora, nada disso. Mas ele tocava violão e pedia para eu cantar com ele... Mas ele queria que eu fosse professora. Olha onde ele queria me jogar, professora. Eu não ia conseguir ser uma boa professora porque não iam me pagar, e eu ia brigar muito. Ia ficar essa coisa horrível de sempre ter uma greve.







"É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher." | Foto: Elza Soares
"É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher." 
Foto: Elza Soares
Foto: BBC News Brasil

BBC Brasil - Quando você era criança e adolescente, que música chegava 
aos seus ouvidos?
Elza Soares - Era só rádio, né? Eu me lembro de Orlando Silva, que chegava para a gente, e de Glenn Miller. O Brasil era todo americano. O Brasil não era Brasil, era Brasil americano.
O Brasil não gosta muito do Brasil. Eu não sei o que acontece. Você liga o rádio ainda hoje e escuta muito pouca música brasileira.
BBC Brasil - O que você acha que você representa como um símbolo musical?
Elza Soares - Cara, é porque eu grito muito, entendeu? Talvez seja pela minha luta, pelas minhas guerras, minhas buscas. Mas eu queria eco dos meus gritos. Pela raça, buscando, falando, brigando por eles. Brigando por nós, né?
BBC Brasil - Você tem medo da morte, Elza?
Elza Soares - Nunca conversei com ela não, entendeu? Deixo ela distante. Não tenho muita confiança com ela não. Deixa ela pra lá.
BBC Brasil - Você não para de fazer planos para o futuro.
Elza Soares - Não, lógico, meu futuro está aí. My name is now. E deixa o futuro vir. Como deveria ser. O passado já foi.
BBC Brasil - O que você diria que é a mulher do fim do mundo?
Elza Soares - É uma mulher que tem coragem de dizer, de lutar, de buscar. Uma mulher que luta, sozinha. Mulher

quinta-feira, 25 de julho de 2019

Aos 77 anos, Elza Soares homenageia Lupicínio em shows e dispara: “a velhice só existe em cabeça fraca”





ELSA SOARES



Aos 77 anos, Elza Soares 

homenageia Lupicínio em shows 

e dispara: “a velhice só existe 

em cabeça fraca”


Postado por Redação Donna
16-12-2014 às 12h25

* Por Rosangela Honor, Especial, Rio de Janeiro





Após alguns minutos do horário marcado para a entrevista, Elza Soares entra na sala do confortável apartamento em que mora, de frente para o mar de Copacabana, no Rio de Janeiro. De turbante coral, saia longa florida e blusa verde, ela caminha devagar: resultado da última das três cirurgias a que foi submetida nos últimos três anos para resolver problemas de coluna. A cantora que ganhou o título de a Voz do Milênio pela BBC de Londres se diz animada com a vida. Elza não transmite nenhuma mágoa por tudo o que enfrentou, desde os tempos em que era uma menina muito pobre, que mal tinha o que comer, até se transformar numa das vozes mais potentes do cenário musical brasileiro.
Na entrevista que concedeu a Donna, ela fala do show Elza Soares Canta e Chora Lupicínio, que fará em homenagem ao centenário do cantor, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, nesta terça e quarta-feira, dias 16 e 17, às 21h – para os quais resta apenas ingressos de galeria, a R$ 40. Diz que o cantor a tornou reconhecida como artista e como pessoa com a música Se Acaso Você Chegasse. Saboreando uma xícara de café, Elza relembra momentos tristes e marcantes da vida, como a perda dos filhos, o casamento precoce, aos 12 anos, a grande paixão por Garrincha e tudo o que enfrentou para conseguir viver esse amor. Separada há três anos, fala sobre o preconceito que enfrentou por namorar homens mais jovens e afirma que convive bem como o espelho: “A velhice só existe em cabeça fraca”.
Donna – Por que decidiu homenagear Lupicínio novamente?
Elza Soares - É uma felicidade imensa cantar Lupicínio, ele não só me fez reconhecida como artista como me fez ser reconhecida como gente, como pessoa, como mulher. Ser negra, pobre e mulher é muito difícil. Ele me fez superar não o complexo, porque nunca tive complexo por ser pobre ou negra, mas ele me tornou reconhecida. Sempre fui à luta, nunca precisei de espelho para saber a minha cor. Sempre passei por cima disso tudo com uma dignidade incrível. Deus me presenteou e me deu uma garganta que é o maior presente do mundo, um presente tão grande que o fato de ter sofrido por ser pobre e negra ficou esquecido. Não existe presente maior do que ser reconhecida por sua voz, por seu trabalho, por seu esforço. Meus filhos vão se lembrar de mim como uma uma mulher que nunca soube o que era ser negra e pobre. Eles vão lembrar de mim como um ser humano.
Donna – Você se identifica com o universo de Lupicínio?
Elza Soares - As canções do Lupi têm tudo a ver comigo, porque sou toda amor, toda paixão, sentimento. Já me doei toda, só não doei minha alma porque não tem como. Mas as doações que eu fiz ao longo da minha vida foram doações dolorosas, todas tinham um patamar de tortura, de um pagamento muito alto. E vou pagando do jeito que posso, vou cantando por aí a vida… Vou cantando tudo o que o Lupi escreveu com essa voz que Deus me deu.
Donna – Considera sua voz um presente divino diante de todas as adversidades da sua vida?
Elza -
 A minha voz é um presente de Deus, fui beneficiada, acho que Deus olhou para mim e disse: “Não se incomode com nada disso, não. Pode comer na sua latinha, pode dormir na sua esteira, pode ter goteira no teu barraco, porque você tem uma garganta que papai do céu te deu de presente. Fica calma porque o que é seu está reservado”.
Donna – Como foi superar tanta dificuldade, algum ressentimento?
Elza - Não, aprendi que a pancada ensina. Não é só o beijinho que faz feliz, não. Às vezes, as pancadinhas também te colocam pra cima. Quando fui cantar no programa de calouros do Ary Barroso, eu disse que vinha do Planeta Fome, só disse isso a ele para mostrar que eu não era uma neguinha qualquer, uma idiota, uma imbecil que não sabia falar. Quando ele me viu entrar no estúdio com duas marias-chiquinhas e o cabelo durão, com uma roupa horrorosa e uma sandália tô-na-merda, ele olhou pra mim. Todo mundo no estúdio estava rindo compulsivamente, mas eu não me abalei, pensei: “Pode rir, eu sei o que estou fazendo”. Quando ele me perguntou o que eu estava fazendo ali, eu disse: “Aqui é um programa de calouros, né, seu Ary, e eu vim cantar”. E ele me perguntou: “E quem disse que você canta?”. Eu respondi: “Eu sei que canto”. Ele me perguntou que música eu iria cantar e respondi: “Lama”. Ele indagou. “De que planeta você vem?”. Eu respondi: “Do mesmo planeta seu, seu Ary. O Planeta Fome”. Naquele momento, todo mundo parou de rir. Eu estava ali para salvar meu filho, que estava doente e desnutrido. Quando comecei a cantar e ele ouviu minha voz, percebi que ele pensava “o que é isso?”. Ele ficou meio assustado. Quando acabei de cantar, ele já estava abraçado comigo e dizendo: “Senhoras e senhores, neste momento nasce uma estrela”. Não entendi o que ele queria dizer, pensei que ia cair uma estrela em cima de mim.
Donna – Você passou por muitas perdas, muitas dores, mas nunca perdeu sua alegria de viver. Como conseguiu isso?
Elza - Não perdi a coragem e não perdi a fé. A dor chega e não escolhe, ela pisa, desgasta, maltrata, mas, se você der confiança ao que ela está fazendo, você se acaba. Eu sempre pensava: estou aqui por alguma razão, não vim aqui para ser essa pinta que carrego na boca, vim para ser uma mancha. Esta mancha não pode ser uma pintinha qualquer.
Donna – Você sempre teve a certeza de que seria uma estrela da música?
Elza - Não sei se sabia que seria uma estrela, mas quando eu estava naquele barraco, vendo a fome dos meus filhos, a dureza, eu tinha certeza que não seria uma lavadeira como a minha mãe, alguma coisa me dizia que sairia daquela vida. Eu seria até prostituta se tivesse que ser para cuidar dos meus filhos, mas ser pisada e humilhada eu não seria. As pessoas que têm uma cultura a mais olham para as outras com desdém; eu não nasci para ser desdenhada, cuspida ou humilhada por ninguém. Dentro do meu trabalho, sempre incentivo os negros e as mulheres e digo: “Não para, vai em frente, segue, você está aqui por alguma razão e não pode decepcionar os outros. Tem que aprender com os seus pés, com as suas próprias dores”.
Donna – Como foi ser obrigada a se casar aos 12 anos, sente que sua infância foi roubada?
Elza - É estranho, mas continuei a minha infância através dos meus filhos, continuei brincando com eles. Na verdade, acho que vivi minha infância através deles e nunca deixei me abalar. Acho que eu não sabia nem o que era infância. Eu sabia o que era carregar lata d’água na cabeça. Não me assustei porque não sabia o que aquilo queria dizer, não sabia de nada. O meu pai achava que estava zelando pela minha conduta quando me encontrou no meio do mato com aquele que viria a ser o meu marido, mas se ele tivesse me levado para fazer um exame ia saber que não tinha acontecido nada. Ele viu aquela cena, eu brigando com o cara dentro do mato por causa de um louva-a-deus, eu estava com minha boca sangrando, a roupa rasgada e a cara arranhada, então ele achou que tivesse acontecido alguma coisa. Eu era uma pestinha. Meu pai trabalhava numa pedreira e todo dia eu levava café para ele. Naquele dia, fui descendo com o louva-a-deus e com o café, gostava do barulho do bichinho, brincava com ele nas mãos. Naquele momento, um cara vinha subindo, eu me assustei e derrubei o café do meu pai – e quando derrubei o café eu parti pra cima dele. Meu pai viu essa cena e não entendeu. Ele me viu batendo no garoto e ele batendo em mim. E disse resultou um casamento.
Donna – E como se sentiu quando ficou viúva com apenas 18 anos?
Elza - Foi uma luta, mas, na verdade, minha luta já tinha começado cedo. Com essa idade eu já cantava escondida do meu pai em alguns programas. A morte do meu marido foi mais uma perda, mas, com aquela idade, eu já tinha perdido dois filhos. Ele morreu tuberculoso, naquela época não existia tratamento, o tratamento era separar as pessoas. Ele foi se tratar e não voltou. Eu tinha três filhos nesta época e continuei trabalhando para sustentar todos eles. Eu já estava acostumada com ele, mas não sabia o que era amor, não.
Donna – Você teve quantos filhos?
Elza - Tive nove filhos e hoje tenho cinco filhos vivos. Já perdi a conta do número de netos, mas todos são lindos de doer. Eles estão sempre aqui, comigo. Mas não me sinto avó, me sinto amiga deles. Eles me chamam de Elza, quando me chamam de vó eu levo um susto e pergunto: “O que é isso?”. A mesma coisa acontece quando me chamam de mãe. Pergunto logo: “O que aconteceu?”. Eles riem e respondem: “Ok, Elza, fica tranquila”. A gente é mais irmão do que filho. Somos uma família que briga, que fica de bem, família que diz não falo nunca mais. Tudo mentira, daqui a pouco vem todo mundo pra cá e fica tudo bem. Família que não briga pra mim não é família.
Donna – Quando descobriu-se cantora?
Elza - Eu parecia uma cigarra, cantava o tempo todo, ia para todo lugar cantando, incomodava as pessoas. Era chata, cantava o tempo inteiro. Eu tinha um irmão que era músico e ele dizia: “Se você canta mesmo, vai lá na escola, eles estão selecionando, quero ver se você passa”. Eu fui. As pessoas se encantavam com a minha voz, mas eu mesma não tinha essa certeza. Eu sei que é um vozeirão, que é uma voz de porte, uma voz única, mas até hoje me assusto.
Donna – Você foi uma mulher de muitas paixões. Quem foi a sua maior paixão?
Elza - O Mané (Garrincha) foi minha grande paixão, ele era o homem. Sabe aquelas coisas que você não entende o que acontece, você vira gueixa, vira boba, idiota. Ele sem dúvida foi minha grande paixão, mas uma paixão doída. Uma paixão que machucava.
Donna – Você enfrentou muita coisa por causa desse amor?Elza - As pessoas diziam que eu estava prostituindo o samba, que eu estava misturando samba com futebol. Hoje quantas mulheres estão ponderosas porque estão ligadas a alguém do futebol? Quando eu perdi meu grande amor, que era o Mané, ele estava paupérrimo e a ponderosa era eu. Eu já era Elza Soares quando comecei namorar o Garrincha, foi paixão mesmo. Hoje, quando você vê essas mulheres nas capas de revistas, é porque o jogador é poderoso, ele é o poder e ela vira logo capa de revista, vira modelo.
Donna – Essa paixão trouxe muitos problemas para você, não é?
Elza - Fui expulsa do país. Eu tinha uma casa no Jardim Botânico que foi alvejada por tiros, metralhada. Meu único crime foi gostar de um homem. As pessoas me acusavam de destruidora de lares. Quando eu entrava num restaurante, a primeira coisa que a mulher fazia era segurar o braço do marido para mostrar que aquele tinha dona. Eu dizia: “Pode segurar, esse é muito ruim, não quero pra mim”. Recebi um bilhete para sair do país em 24 horas – e eu e Mané tivemos que ir embora. Fomos para a Itália, e nossos maiores amigos lá foram o Chico Buarque e a Marieta Severo, que nos receberam de braços abertos. Ficamos quatro anos lá. Eu cantava e cuidava muito do Mané, porque você consegue imaginar um índio numa selva de pedra? Ele ficou sem trabalho, e eu louca para que ele conseguisse jogar. O presidente de um clube chegou a ir até ele para conversar, mas justo naquele dia ele estava bêbado. Tive que escondê-lo para que não vissem como ele estava, mas eles desconfiaram e não o contrataram.
Donna – O que separou vocês?
Elza - Foi a bebida, a bebida e o meu filho. Não queria que o meu filho visse aquilo. Mas não gosto de lembrar disso, sou feliz, graças a Deus, e não gosto de lembrar disso.
Donna – Mesmo assim valeu a pena viver esse amor?
Elza - Claro, sempre vale. Não adianta dizer que não vale porque você viveu aquilo, passou por cima daquilo tudo, teve a coragem de enfrentar. Então, sempre vale a pena. Estive casada com o Mané por muitos anos e hoje quem recebe a pensão é a outra, não sou eu. Não recebo nada dele. Outro dia pensei: “Queria buscar meus 17 anos de vida ao lado do Mané”. Fiquei sem emprego: não me deixavam cantar em lugar algum porque aonde eu chegava era ameaçada de morte. Tive uma vida difícil, mas não quero falar disso. Eu sou a Elza, mulher do Garrincha durante 17 anos. As pessoas me excluíam, sofri muito, até muros eu pulei, jogaram pedra no meu carro… Não queiram saber o que passei. Mas valeu, seu Mané é seu Mané.
Donna – Como foi tentar ajudá-lo a superar o álcool?
Elza - Essa foi uma parte muito dolorosa da minha vida, muito triste, de que não gosto de falar, mas gosto de fazer um alerta. Esta é a pior droga, é uma droga que está aí para qualquer um, em qualquer esquina. Qualquer criança de 14 ou 15 anos pode consumir. Ganhei uma estrela na minha vida, que era ele, e vi essa estrela ir diminuindo, se apagando, porque o álcool é uma desgraça, bicho maldito. Arrumei muitos inimigos, porque os amigos dele ficavam revoltados quando eu ia num bar tirá-lo da bebida. Quando eu sabia aonde ele estava, chegava de carro e dizia: “Mané, vamos embora”. Os amigos dele ficavam possessos, mas eu não me importava e o levava.
Donna – Você passou pelas perdas dos seus filhos, do Garrincha e do filho que vocês dois tiveram juntos. Como se faz para superar uma perda como a de um filho?
Elza - Você não consegue, você não supera, você convive com ela, com essa dor. Perdi outros filhos, mas o Garrinchinha foi com quem tive mais convivência. Tem hora em que sinto o cheirinho dele, converso com ele. Essa é a verdadeira dor de alma, você procura onde está a dor e ela está dentro, vem de uma maneira muito cruel. Mãe nenhuma se prepara para a morte de um filho. Muitas vezes, a minha alegria é em função dele. Eu acho que ele ficaria muito feliz se chegasse aqui e encontrasse uma árvore de Natal, ele gostava de montar árvore de Natal, a gente se sentava no chão e ria muito. Acho que todos esses enfeites que você está vendo na minha casa hoje são uma homenagem a ele.
Donna – Mas hoje você vive bem e com conforto?
Elza - Vivo muito bem, mas não tenho grandes manias, vivo de maneira simples. Gosto de receber amigos. Tenho muitos conhecidos e alguns amigos
Donna – E o seu namorado?
Elza - Não tenho mais namorado, me separei. Por enquanto estou apaixonada por mim, não sabia que eu era tão gostosa, se soubesse disso… (risos) Estou casada com a Elza Soares, estou me achando ótima, durmo comigo.
Donna – Mas não está sentindo falta de uma companhia, de um namorado?
Elza - Por enquanto, não, a coluna não está deixando… Ela não permite. (risos) Estou sozinha há três anos. Passei por muito preconceito, não só com este namorado, porque já namorei muitos homens mais jovens, mas não estou nem aí… Porque, quando chegava em casa, quem recebia o carinho era eu. Nunca liguei para isso, e quem estiver com inveja que arranje um também que eu vou dar parabéns.
Donna – Você foi casada quantas vezes?
Elza - Sabe que eu perdi as contas? Casada mesmo foram duas vezes, mas morar junto… Já perdi as contas. É como na música do Martinho da Vila, quando ele canta: “Já tive mulheres de todas as cores”, eu penso, essa sou eu. Já tive homens de todas as cores. Queria fazer essa versão, um dia ainda vou cantar isso, já tive homens de todas as cores. Mesmo que digam que sou uma prostituta eu não ligo, não sou uma mulher normal. Sou uma mulher que sente prazer e que tem muito prazer em viver. Por que os homens podem namorar várias mulheres e as mulheres não podem namorar vários homens? Estou mais aprimorada, mais sábia, mais elaborada, e essa gente não sabe de nada.
Donna – Considera-se uma mulher transgressora?
Elza - Completamente. Acho que a gente está aqui por algum motivo, então a gente tem que viver, passar. Eu não tenho idade, não tenho época, meu nome is now sempre, sou o agora. Nosso país é muito preconceituoso com tudo: com sexo, com cor, com idade, com tudo. Eu sou transgressora de verdade, a cada momento que passo fico melhor.
Donna – Como lida com o envelhecimento?
Elza - Não fiquei velha. A velhice só existe em cabeça fraca. Para quem tem cabeça, a velhice não existe, você continua sendo maravilhosa. Nunca tive crise alguma, aos 40 fui mãe. A crise não bateu a minha porta, ela passou e bateu à porta do vizinho. Essa questão nunca foi um problema para mim. Quando algo não me agrada, vou ao médico e digo: “Doutor, o espelho me pediu para tirar isso, dá uma olhada?”. Sei que já estou precisando ir ao médico novamente, o espelho já me disse isso, mas estou me segurando por causa da coluna. Mas logo que a coluna aguentar um pouco mais vou lá novamente.
Donna – Você parece ser muito vaidosa…
Elza - Sou muito, mas quando estou em casa gosto de estar à vontade, de andar nua, adoro não usar roupa, gosto da sensação de liberdade. Ninguém nasceu para estar fechada, trancada.
Donna – Você tem uma pele privilegiada. Quais são os seus cuidados para mantê-la bonita?
Elza - É a genética mesmo, a natureza. Eu não tenho uma celulite, uma estria, não tenho nada. Eu tenho uma dermatologista que uma vez por semana vem na minha casa, faço esfoliação para manter o corpo com a pele boa, mas é a minha genética que é boa mesmo e me dá essa pele ótima.
Donna – Você sempre se cuidou muito. Continua assim?
Elza - Até hoje malho muito, tenho um personal, o Miro, que já virou meu amigo. Tenho uma alimentação supersaudável, tenho as semanas das saladas, do verde, quem trabalha comigo já sabe. Faço musculação, aeróbica… Faço tudo. Sempre tive um corpo invejável, sempre tive pernas maravilhosas, um pernão que assusta todo mundo. Faço isso porque sou vaidosa e por uma questão de saúde. Agora não estou podendo mais correr por causa do problema da coluna, mas corria diariamente. Sou rata de academia. Sempre estive sadia. Agora, com esse problema na coluna, me deu uma calmaria. Foram três cirurgias pesadas. Na primeira delas, o médico disse que eu corria o risco de morrer, de ficar com a fala comprometida e de perder a voz. Eu disse que não ia operar, mas ele me convenceu. Quando saí da cirurgia dei um grito e vi que não tinha perdido a voz, mas foi um susto. Quando fiz a cirurgia da lombar corria o risco de ficar na cadeira de rodas, mas como não mexia com a minha voz eu disse: “Então vamos lá, não mexendo com a garganta da nêga está tudo bem”. Antes de me operar trabalhei muito de cadeira de rodas, e mesmo depois da cirurgia ia fazer shows na cadeira de rodas. Quando chegava no palco, saía da cadeira e sentava numa poltrona. Este show ainda estou fazendo sentada numa poltrona, mas me movimento.
Donna – Você sofreu muito com o racismo?
Elza - Sofri várias coisas. Até hoje nunca tive um patrocínio, e acho que isso é um racismo velado. Todo mundo diz: “Essa mulher é incrível, essa mulher tem uma voz maravilhosa”. Mas nunca ninguém disse: “Vou patrocinar essa cantora”. Eu me patrocino sempre, por isso posso dizer que sou dona de mim, trabalho muito. Gostaria de ter um grande patrocinador porque quero comprar um pedaço de terra e fazer uma casa para cada filho, o Cantinho Elza Soares. Eu teria a minha casa e cada um teria a sua. Quero ser bem patrocinada, ganhar bem para trabalhar mais e realizar esse sonho. A Bethânia uma vez disse que esse país me deve muito, acho que está na hora, porque já me proibiram de cantar e me proibiram de viver quando tive que sair daqui disfarçada.
Donna – Você faz quantos shows por mês?
Elza - Para janeiro de 2015 já tenho 10 shows fechados. Neste mês tenho nove. Eu não fico cansada, só fico cansada quando não saio para fazer meus shows. O palco é minha vida, meu passeio, meu descanso, no palco tenho as férias que preciso tirar. Adoro a minha casa, não gosto de rua, sou caseira.
Donna – Como você enfrentou este período em precisou fazer as cirurgias?
Elza - Eu saí daqui de Copacabana, do meu apartamento, e fui morar no Flamengo. Não queria que ninguém me visse mal, de cadeira de rodas. Fiquei praticamente três anos sem poder me mexer, só saía na cadeira de rodas para os shows. Só voltei (para casa) recentemente, quando melhorei. Foi um momento muito doloroso, amargo demais porque, quando a gente não está bem, tudo o que acontece em sua vida, o lado amoroso, o lado físico, intelectual fica ruim. Você fica meio desamparada, e o lado amoroso mingua nessa hora. Mesmo assim, a vida é uma delícia, a vida é show.
Donna – Qual o segredo para manter essa voz que já ganhou o título de Voz do Milênio?
Elza - Não sair de casa, dormir cedo, não tomar sorvete toda hora. Sempre tive esses cuidados com a minha voz. Não acreditei quando ganhei esse título, porque o Brasil não me deu a mínima bola. Mas não ligo, não. Não gosto de falar disso, mas acho que não tenho o reconhecimento que mereço – e, se dissesse o contrário, estaria brigando comigo mesma. Não tenho o reconhecimento de que gostaria, mas eu me reconheço, não tem problema.
Donna – Pensa em cantar até quando?
Elza - Até a hora que der. Eu brinco com a plateia e digo: “Gente, não vou me mexer muito senão vai começar a cair prego no chão”. São os pinos que eu digo que são pregos, são 17 pinos. Brinco dizendo que eu também fui crucificada.
Donna – Apesar de tudo, valeu a pena?
Elza - Valeu muito. É delicioso viver. Não é presunção, não sou melhor do que ninguém, mas gosto de abrir um bom champanhe, comer caviar e não sentir o cheiro da carne seca que eu comia. Comia feijão com feijão, feijão com farinha. Não estou pisando em ninguém, tudo o que conquistei foi presente de Deus. Adoro viver de maneira simples, mas confortável.