segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Estanque / A proposição de Angelo Gonçalves

Estanque, exposição (proposição) de Angelo Gonçalves


Estanque

A proposição de Angelo Gonçalves

28 SETEMBRO 2020, 

 

Pois a arte – e afinal não vejo outra definição que englobe todas as demais – é uma atividade que consiste em produzir relações com o mundo, em materializar de uma ou outra forma suas relações com o tempo e o espaço.

(Nicolas Bourriaud)

Dificilmente resisto à tentação de procurar sentidos nas palavras, para além daqueles que elas contêm. O escritor argentino Julio Cortázar dizia que as palavras eram um mistério que ele gostava de desvendar, de penetrar, para criar novas relações, e revelações, mesmo, e sobretudo, nas palavras banais do quotidiano:

Yo parezco haber nacido para no aceptar las cosas tal como me son dadas.

Angelo Gonçalves é um artista que, como o escritor argentino, não aceita as coisas como lhe são dadas – usa os objetos (palavras) banais do quotidiano e com eles cria a sua arte. Uma arte que está em processo desde que ele começou a explorar, de forma mais densa e consciente, as camadas de significação que se ocultam sob os tetos das palafitas, das casas provisórias, da impermanência do que devia ser permanente e sólido. Mas, ao contrário de diversos artistas contemporâneos, que agem sobre os objetos artísticos anteriores, que habitam, e tomam para si, as artes de outros e atuam sobre elas, num processo a que o Nicolas Borriaud chama de pós-produção, Angelo Gonçalves atua sobre o real, sobre a materialidade dos objetos que são, quase sempre, restos e sobras da sociedade de consumo.


Estanque, exposição (proposição) de Angelo Gonçalves

Estanque é uma exposição e uma proposição – estancar é conter o curso dos líquidos, e é também esgotar-se, chegar a um ponto fixo, do qual não se consegue sair. O que não traduz o fluxo irreprimível do artista que apresenta, nessa exposição, 2 pinturas, 2 fotografias e 2 instalações construídas in situ. Nenhuma delas está estanque, pois são dialogantes – entre si mesmas e entre outras exposições do artista. Há, no entanto, um elemento comum: a água que está contida, representada através das palavras e das imagens, insinuada pelos recipientes que compõem os objetos, pelas manchas nas pinturas mas, efetivamente, ausente. A fragilidade das instalações corresponde à fragilidade da escultura fotografada que foi escolhida, pelo próprio artista, como a imagem desta exposição: uma palafita, com seus pilares à mostra, como desnudados pela água que parece rarear.


Estanque, exposição (proposição) de Angelo Gonçalves

Há outra fotografia, que acompanha esta imagem, que mostra o manancial seco, com a casa/palafita no meio, perdida entre as margens que se estendem e tomam o lugar outrora ocupado pela água. Em galego, estanque é o nome que se dá a uma barragem, a um tanque artificial. Como aquelas que estancam os rios que deveriam fluir.


Estanque, exposição (proposição) de Angelo Gonçalves

Como disse, mais que uma exposição, Angelo Gonçalves apresenta-nos uma proposição que é antagônica à ideia de estancar, de cortar o fluxo, de chegar a um ponto, aparentemente, final. Marcel Broodthaers afirmou que “desde de Duchamp, o artista é o autor de uma definição”. O artista, como Cortázar, define a função dos objetos nas suas criações, afastando-os da sua aparente banalidade e criando novos sentidos que podem estar estagnados num tempo e espaço definidos, mas que continuam o seu percurso para além do momento exato, e estanque, da sua criação.

MEER





sexta-feira, 25 de setembro de 2020

“Já não sou eu” / Os últimos dias de Robin Williams


Robin Williams em uma foto promocional tirada em 2013, um ano antes de sua morte.
Robin Williams em uma foto promocional tirada em 2013, um ano antes de sua morte.

“Já não sou eu”: os últimos dias de Robin Williams, um gênio que estava se quebrando por dentro

O ator se suicidou apenas seis meses depois de começar a notar os sintomas da demência com corpos de Lewy, uma doença que ele nunca soube que sofria. Um novo documentário nos apresenta os últimos dias de um dos comediantes mais brilhantes da história




Juanjo Villalba
22 sep 2020

Você pode imaginar a dor que ele deve ter sentido quando percebeu que sua mente estava se desintegrando? E além disso, devido a algo desconhecido", diz Susan Schneider Williams, viúva de Robin Williams, no novo documentário que narra os últimos meses de sua vida, Robin’s Wish (“o desejo de Robin”), dirigido por Tylor Norwood.

Na manhã de 11 de agosto de 2014, Susan se levantou logo e, como sempre, esperava encontrar Robin já de pé, andando pela casa e disposto a praticar uma hora de meditação. Já fazia meses que era evidente que algo não estava bem na cabeça de seu marido. Williams tinha dificuldades para atuar, para lembrar suas falas, para se relacionar com seus amigos e sair de casa, dormia muito mal, seu braço esquerdo não respondia, e ficava obcecado com coisas absurdas —como uma noite em que se convenceu de que um de seus melhores amigos, o comediante Mort Sahl, ia morrer antes do amanhecer e ligou insistentemente para ele, com o consequente desespero porque não obtinha resposta. Mort continua vivo; naquele dia, estava dormindo.

A meditação era uma das poucas coisas que o ajudavam a se sentir melhor. “Meditávamos juntos todas as manhãs. Quando me levantei e vi que a porta do quarto dele ainda estava fechada, pensei: ‘Meu Deus, está dormindo! É um ótimo sinal’”, conta Susan no documentário. “Então chegou o assistente dele, porque tinham trabalho a fazer e já era hora de sair, e eu lhe disse: ‘Mande-me uma mensagem quando ele acordar’. Logo depois, recebi uma que dizia: ‘Ainda não se levantou, o que devo fazer?’”, prossegue. “Aí vi que tinha algo errado, muito errado. Respondi: ‘Acorde-o imediatamente e me chame’. Ele me chamou e…”.

Robin Williams se enforcou durante aquela noite em um armário do quarto em que dormia sozinho devido a seus problemas de insônia e ao fato de que, por sua doença, tinha alucinações que o faziam gritar de madrugada. Quando a notícia foi divulgada, o bairro tranquilo em que viviam no norte de San Francisco, onde Williams gostava de se comportar como qualquer outro morador, foi tomado por jornalistas, câmeras de televisão, caminhões com antenas enormes e até um helicóptero que fazia imagens aéreas da área. Nas semanas seguintes, a mídia não parou de especular sobre as causas do suicídio: drogas, depressão, transtorno bipolar e bancarrota.

Desde a morte de Robin Williams, sua viúva, Susan Schneider Williams, promove ações de conscientização sobre a demência com corpos de Lewy.
Desde a morte de Robin Williams, sua viúva, Susan Schneider Williams, promove ações de conscientização sobre a demência com corpos de Lewy. 



Ninguém tinha razão, mas ainda há pessoas que pensam que essas coisas tiveram algo a ver. O documentário não se detém muito nas especulações da mídia após a morte de Williams. Enfoca o que ocorreu alguns meses depois, em outubro de 2014, quando Susan recebeu o resultado da autópsia e descobriu que, na verdade, a causa de tudo aquilo foi a demência com corpos de Lewy.

“A demência com corpos de Lewy é uma doença devastadora”, resume no documentário o médico Bruce Miller, diretor do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia em San Francisco, que tratou pessoalmente do caso do ator. “É letal e evolui rapidamente. Analisando como afetou o cérebro de Robin, descobri que foi o caso mais agressivo de Lewy que já vi em todos os meus anos de carreira. Praticamente todas as áreas de seu cérebro tinham sido afetadas. É realmente surpreendente que pudesse se mover e caminhar”. Ele finaliza: “As pessoas com cérebros excepcionais, que são incrivelmente brilhantes, costumam resistir e tolerar melhor as doenças degenerativas do que as que têm um cérebro normal. Isso demonstra que Robin Williams era um gênio”.

Essa doença se caracteriza pelo acúmulo de uma proteína em determinadas áreas do cérebro, formando placas (os chamados corpos de Lewy) bastante semelhantes às que podem ser observadas nas doenças de Alzheimer e de Parkinson, ambas com sintomas muito similares. Esses acúmulos fazem com que o cérebro não funcione corretamente. “Quando li os sintomas: mudanças de humor, problemas de movimento, depressão, medos, ansiedade, alucinações, problemas de sonho, paranoia…”, comenta Susan sobre esse momento em que percebeu que tudo se encaixava. “Se simplesmente tivéssemos sabido o nome da doença que Robin tinha, só isso já teria lhe dado um pouco de paz”. Mas esse tipo de demência só pode ser diagnosticado depois da morte do paciente.

“Ele estava muito frustrado. Lembro que me disse: ‘Já não sou eu. Não sei o que está acontecendo comigo. Já não sou eu’”, conta Shawn Levy, diretor de Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba, seu último filme, que foi um inferno para o ator. “Quando estávamos com um mês de rodagem, era evidente que algo estava acontecendo com ele. Sua mente já não funcionava com a mesma velocidade. Sua chispa tinha se apagado. Tivemos de reformular algumas cenas para que pudesse gravá-las, foi mais trabalhoso para mim, mas faria qualquer coisa por Robin”.

“Ele sofreu muito durante a filmagem”, continua Levy. “Telefonava às dez da noite, às duas, às quatro da manhã, perguntando: ‘O que gravamos hoje poderá ser usado? Estou indo bem?’. Eu tinha de tranquilizá-lo o tempo todo, dizia-lhe: ‘Você continua sendo você, todo mundo sabe. Não se esqueça disso, por favor’”.

O legado do ator

O legado de Robin Williams é vasto e vai muito além dos filmes e de seu trabalho como ator. Desde o começo de sua carreira, dedicou-se a visitar hospitais (não parece coincidência que tenha interpretado o médico Patch Adams), organizou eventos beneficentes em favor da alfabetização e dos direitos das mulheres, e viajou ao Afeganistão, ao Iraque e a outros 11 países para animar as tropas americanas enviadas para lá.

Para o grande público, entretanto, Williams será lembrado por suas interpretações como o gênio de Aladdin, o professor de Sociedade dos Poetas Mortos, O Pescador de Ilusões e Uma Babá Quase Perfeita. “Acompanhei Robin por dois dias nas sessões de dublagem de Aladdin e vê-lo trabalhar fazendo todos aqueles personagens foi incrível”, conta o ator Stanley Wilson, amigo de Williams. “Estava fora de si, estava tão feliz! Dizia aos técnicos: ‘Espere, vamos fazer outra tomada. Tenho uma ideia e acho que o posso fazer melhor’. ‘O que você quer dizer com isso de que pode fazer melhor?’, respondiam eles, chorando de tanto rir”.

“Algumas das coisas mais divertidas dos filmes Uma Noite no Museu são ideias que Robin teve na hora. Havia muita improvisação”, destaca Shawn Levy. “Às vezes, Ben Stiller e eu nos olhávamos alucinados por estar vendo Robin Williams em todo seu esplendor. Essa espécie de loucura, incrivelmente criativa, um poço sem fundo de ideias, essa capacidade, era como um superpoder”.

Depois que soube a causa real da morte de Robin, sua mulher, Susan, percorreu os estúdios de televisão mais importantes dos Estados Unidos para contar a verdade sobre a morte de seu marido e também para conscientizar o grande público sobre a demência com corpos de Lewy, uma tarefa à qual continua dedicando todos os seus esforços e que também é um dos motivos fundamentais da gravação deste documentário, filmado em colaboração com várias associações médicas dos EUA.

“O cérebro é uma glândula extraordinária. Quando você acha que conseguiu entendê-lo, ele surge com algo novo”, diz Robin Williams em uma das entrevistas que aparecem no documentário. Em vários outros momentos do filme, aparecem fragmentos nos quais o comediante fala de uma ou outra forma sobre cérebro, sobre como nos surpreende, como nos deslumbra. É como se o assunto o obcecasse, e o fato é que, desde que a doença começou a lhe causar sérias dificuldades até o momento em que decidiu acabar com a própria vida, passaram-se apenas seis meses. Seu cérebro era sua ferramenta, seu superpoder, e Williams não conseguiu suportar que parasse de funcionar como sempre.

EL PAÍS





quinta-feira, 17 de setembro de 2020

Martin Luther King, um líder moral ou um adúltero mentiroso

 

Martin Luther King



Martin Luther King, um líder moral ou um adúltero mentiroso

Documentário ‘MLK/FBI’, que estreou no Festival de Toronto, expõe a campanha de difamação contra o ativista realizada pelo FBI com o apoio da Casa Branca


Irene Crespo
Madri, 17 sep 2020

Em 28 de agosto de 1963, o movimento pelos direitos civis nos EUA deu o grande salto. Tomou Washington em uma marcha histórica que tirou a luta das cidades do sul e a tornou uma exigência nacional e internacional. Martin Luther King fez seu famoso discurso I have a dream naquele dia, e enquanto isso, não muito longe dali, era observado com muito receio. J. Edgar Hoover, que foi diretor do FBI durante 48 anos, há muito temia o aparecimento de “um messias negro” e naquele dia isso se cumpriu.

O braço direito de Hoover, chefe da inteligência nacional, William C. Sullivan, declarou e deixou por escrito na época que Martin Luther King Jr. “era o homem negro mais perigoso da América”. “Temos que usar todos os nossos recursos para destruí-lo.” A máquina do FBI foi colocada em funcionamento e teve início uma campanha de descrédito contra o ativista, uma perseguição que começou grampeando seus telefones e os de seus aliados, continuou colocando microfones onde quer que fosse e acabou com uma longa rede de confidentes de seu círculo mais íntimo, entre eles seu fotógrafo Ernest C. Withers. “A tal ponto que no dia em que o assassinaram já não estavam mais grampeando seus telefones porque tinham uma cobertura de informantes muito boa”, explica Sam Pollard, diretor do documentário MLK/FBI, que estreou no Festival de Toronto. O filme expõe esse obscuro episódio da inteligência norte-americana apoiando-se em documentos desclassificados recentemente, que confirmaram a obsessão pessoal de Hoover por King.

Apresentado por meio de material audiovisual de arquivo, incluindo imagens nunca vistas, como algumas da histórica marcha ou pessoais da vida de King, o documentário quer ser, nas palavras de seu diretor, “uma chamada de atenção”. É uma apresentação de duas faces dos Estados Unidos: a de Hoover e a de King. Dois homens que se projetavam como heróis e líderes morais, que representavam duas formas de entender a liberdade e o que significava e significa ser americano. Uma mensagem que ressoa hoje em meio ao novo ressurgimento do Black Lives Matter em conflito com o Governo Trump.

“O filme é extremamente oportuno, mas eu diria que sempre o será no zeitgeist americano, porque os problemas raciais nunca irão embora”, diz Pollard. “Somos um país que está sempre lutando contra problemas raciais porque está fundado nas costas de escravos negros”.


Em plena Guerra Fria, em sua luta aberta contra o comunismo, o primeiro ponto fraco que encontraram contra Martin Luther King foi seu amigo e assessor, o advogado Stanley Levison. O próprio procurador-geral dos EUA, Bobby Kennedy, que em público defendia o ativista, aprovou as escutas telefônicas para revelar essa possível motivação comunista no movimento pelos direitos civis. E seu irmão, o presidente John F. Kennedy, também estava ciente. Mas o que nenhum dos dois sabia é que graças a essa instalação de espionagem logo tiveram que descartar a conexão comunista e encontraram outra suculenta fraqueza: a vida privada do pastor.

Foi na casa de um de seus colaboradores mais próximos, que também é um dos entrevistados no documentário, Clarence Jones. Seus telefones também tinham sido grampeados e lá descobriram a relação extraconjugal de King. Para Hoover aquilo desacreditava por completo a moralidade do líder pacifista e ampliou a perseguição: o observavam em quartos de hotel onde se encontrava com outras mulheres, o seguiam por todo o país, e os agentes federais que descobriam algo sobre sua vida adúltera eram recompensados.


No entanto, por mais que Hoover e seus homens mandassem relatórios a outros ativistas, à imprensa, nada vinha à tona. Nervosos, quando ganhou o Nobel da Paz chegaram a enviar-lhe uma carta ameaçadora, chantageando-o com a publicação de tudo se não saísse do caminho.

Hoover o chamou de “o maior mentiroso do mundo”, King se defendeu e a disputa pública acabou no único encontro físico que tiveram a portas fechadas. Nem as escutas telefônicas acabaram nem o ativista interrompeu sua luta. Mas uma pesquisa realizada na época sobre a popularidade de ambos os líderes deixou bem claro o conservadorismo reinante no país: Hoover alcançou 50% de apoio e MLK, apenas 15%. Era aquela ideia popularizada do FBI como herói e salvador dos EUA diante de um homem que queria revolucionar o país.

O FBI continuou tão empenhado em acabar com Martin Luther King que nunca cumpriu sua função protetora. Não o avisava das ameaças e inclusive, depois de seu assassinato, Hoover só concordou em fazer uma investigação depois de forte pressão. De fato, de acordo com os historiadores entrevistados em MLK/FBI, sua obsessão pessoal com o pastor reduz a credibilidade dos documentos oficiais.

Pollard encarou o documentário refletindo sobre se o surgimento das provas da vida adúltera de King, sua provável presença em um estupro, poderia alterar seu legado, sabendo que as gravações feitas pelo FBI poderão ser ouvidas em 2027. Isso mudará a ideia do autor de I have a dream? “Não existem seres humanos perfeitos, as pessoas são complexas e isso não tirará o valor de todas as coisas boas que fez”, responde no documentário James Comey, o diretor do FBI que durante sua gestão teve sobre sua mesa a petição original de Hoover a Kennedy para iniciar as escutas de King. Um lembrete do mau uso e abuso de poder.



quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Elena Ferrante / ‘A vida mentirosa dos adultos’



Leia trecho do novo livro de Elena Ferrante, ‘A vida mentirosa dos adultos’


Elena Ferrante, o pseudônimo sob o qual se esconde a enigmática autora dos quatro volumes da saga ‘A amiga genial’, volta a surpreender com um novo romance aclamado pela crítica


Elena Ferrante
4 Sep 2020



Segundo Angela, eu não contava mais nada de divertido sobre aquele assunto. Bem, era verdade que eu havia parado com as histórias desbocadas, mas só porque me parecia infantil exagerar minhas parcas experiências e também porque eu não tinha nenhum material mais concreto. Desde a consolidação do relacionamento com Roberto e Giuliana, eu havia mantido distante meu colega de escola, Silvestro, que, depois do episódio do lápis, grudara em mim e propusera um namoro secreto. Mas, sobretudo, eu havia sido duríssima com Corrado, que continuara com suas propostas, e cautelosa, mas firme, com Rosario, que em intervalos fixos aparecia na porta da escola e propunha que eu o acompanhasse ao seu apartamento na Via Manzoni. Aqueles três pretendentes pareciam pertencer a uma humanidade degradada da qual, por azar, eu fizera parte. Angela, por sua vez, parecia ter se tornado outra pessoa, traía Tonino e não poupava nem a mim nem a Ida dos detalhes das relações ocasionais que mantinha com colegas de escola e até com um professor de mais de cinquenta anos, tanto que ela mesma fazia caretas de asco enquanto falava a respeito.

Aquele asco me abalava, era genuíno. Eu o conhecia e tinha vontade de lhe dizer: você não consegue esconder, vamos falar a respeito. Mas nunca falamos, parecia que o sexo devia necessariamente nos entusiasmar. Eu mesma não queria admitir, nem para Angela nem para Ida, que preferia virar freira a voltar a sentir o fedor de latrina de Corrado. Além disso, eu não queria que Angela interpretasse aquela minha falta de entusiasmo como um ato de devoção em relação a Roberto. E também, vamos admitir, a verdade era difícil. O asco tinha suas ambiguidades, difíceis de pôr em palavras. O que me enojava em Corrado talvez não me causasse nojo em Roberto. Então eu me limitava a identificar contradições e dizia:

— Por que você continua com Tonino se faz essas coisas com outros?

— Porque Tonino é um bom rapaz e os outros são uns porcos.

— E você faz essas coisas com porcos?

— Faço.

— Por quê?

— Porque gosto do jeito como eles me olham.

— Faça Tonino olhar para você da mesma maneira.

— Ele não olha assim.

— Talvez não seja homem — disse Ida uma vez.

— Pelo contrário, é muito homem.

— E então?

— Não é um porco, só isso.

— Não acredito — disse Ida —, não existem homens que não são porcos.

— Existem — falei pensando em Roberto.

— Existem — disse Angela, e citou com expressões fantasiosas as ereções de Tonino assim que encostava nela.

Acho que foi enquanto ela falava, achando graça daquilo, que senti falta de uma discussão séria sobre o tema, não com elas, mas com Roberto e Giuliana. Roberto teria se esquivado? Não, eu tinha certeza de que teria respondido e encontrado, também naquele caso, uma maneira de tecer raciocínios muito articulados. O problema era o risco de parecer inoportuna aos olhos de Giuliana. Por que enfrentar aquele tema na presença do seu noivo? Afinal, tínhamos nos visto seis vezes, sem contar o encontro na Piazza Amedeo, e quase sempre por pouco tempo. Portanto, objetivamente, não tínhamos tanta intimidade. Embora ele tivesse a tendência de sempre dar exemplos muito concretos quando debatia grandes questões, eu não teria coragem de perguntar: por que, se cavamos um pouco, encontramos o sexo em qualquer coisa, mesmo nas mais elevadas; por que, para definir o sexo, um só adjetivo é insuficiente, são necessários vários — constrangedor, insosso, trágico, alegre, prazeroso, asqueroso —, e nunca um de cada vez, todos juntos; é possível um grande amor se privar de sexo, é possível que as práticas sexuais entre homem e mulher não estraguem a necessidade de amar e ser correspondido? Eu imaginava essas e outras perguntas, com um tom distante, talvez um pouco solene, para evitar, sobretudo, que tanto Giuliana quanto ele pudessem pensar que eu queria bisbilhotar a vida privada deles. Mas eu sabia que jamais as faria. No entanto, insisti com Ida:

— Por que você acha que não existem homens que não são porcos?


— Eu não acho, eu sei.


— Então Mariano também é um porco?


— Claro, ele vai para a cama com a sua mãe.


Tive um sobressalto, disse gelidamente:


— Eles se encontram de vez em quando, mas como amigos.


— Eu também acho que são apenas amigos — interveio Angela.


Ida balançou energicamente a cabeça, repetiu decidida: não são apenas amigos.


— Não beijo homens, me dão nojo — exclamou.


— Nem um homem bom e bonito como Tonino? — perguntou Angela.


— Não, eu só vou beijar mulheres. Querem ouvir um conto que eu escrevi?


— Não — disse Angela.


Olhei em silêncio para os sapatos de Ida, que eram verdes. Lembrei que seu pai havia olhado para o meu decote.

A vida mentirosa dos adultos, Elena Ferrante. Tradução de Marcello Lino. Intrínseca, 2020.