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quinta-feira, 9 de junho de 2022

Margaret Atwood / Variações da palavra dormir


Margaret Atwood

Margaret Atwood

Variações da palavra dormir

Queria te ver dormindo,
o que talvez não aconteça.
Queria te ver ver,
dormindo. Queria dormir
contigo, entrar
no teu dormir enquanto a suave onda escura dele
desliza pela minha cabeça

e andar contigo por aquela luminosa
floresta oscilante de folhas azuis-esverdeadas
com seu sol aguado & suas três luas
em direção a caverna em que deves descer,
em direção ao teu maior medo

Queria te dar o galho prateado,
a pequena flor branca, a exata
palavra que irá te proteger
do luto no meio do teu
sonho, do luto
no meio, eu queria te seguir
pela longa escadaria
de novo & me tornar
o barco que te levaria de volta
cuidadosamente, uma chama
entre mãos em concha
aonde teu corpo descansa
do meu lado, e enquanto retornas
a ele tão fácil quanto inspirar

queria ser o ar
que te habita apenas por um
instante. Queria ser tão imperceptível
& tão essencial quanto.

Margaret Atwood


Variation on the word sleep 

by Margaret Atwood

I would like to watch you sleeping,
which may not happen.
I would like to watch you,
sleeping. I would like to sleep
with you, to enter
your sleep as its smooth dark wave
slides over my head

and walk with you through that lucent
wavering forest of bluegreen leaves
with its watery sun & three moons
towards the cave where you must descend,
towards your worst fear

I would like to give you the silver
branch, the small white flower, the one
word that will protect you
from the grief at the center
of your dream, from the grief
at the center I would like to follow
you up the long stairway
again & become
the boat that would row you back
carefully, a flame
in two cupped hands
to where your body lies
beside me, and as you enter
it as easily as breathing in

I would like to be the air
that inhabits you for a moment
only. I would like to be that unnoticed
& that necessary.


quinta-feira, 17 de março de 2022

Margaret Atwood / “As utopias voltarão porque precisamos imaginar como salvar o mundo”


Margaret Atwood
David Levine



Margaret Atwood: “As utopias voltarão porque precisamos imaginar como salvar o mundo”

A escritora canadense, autora da trilogia ‘MaddAddam’ e ‘O conto de Aia’, reflete sobre as reações que vêm após as conquistas sociais e sobre seu talento para a biologia

 

LAURA FERNÁNDEZ
Barcelona - 


Ela diz que cresceu no norte do Canadá, onde as mulheres nunca foram concebidas como um enfeite. “Quando eu precisava de um pouco de lenha, saía e cortava com meu próprio machado”, conta. Hoje, revela que possui uma motosserra. Não se pode entender sua literatura, afirma Margaret Atwood (Ottawa, 81 anos), sem essa igualitária ― e ao mesmo tempo alienante ― visão do mundo. Porque ela olhava ao redor e não era isso que via. A obra de um escritor, dizia Ray Bradbury, é feita daquilo que ele teme quando apaga a luz de noite. E o que Atwood teme é o que acontece quando alguém assume o comando e decide que as coisas serão melhores se forem feitas à sua maneira.


Digamos que alguém decide que o planeta estará melhor sem o ser humano e provoca uma pandemia que acaba com 99% da população mundial, como acontece em sua obra recentemente resgatada Oryx e Crake (Rocco), ponto de partida de uma trilogia que neste outono boreal será finalmente concluída em espanhol.


Sente-se uma visionária? “Oh, não, não acredito que esta pandemia tenha sido intencional. Mas nunca se sabe, a vida sempre nos dá surpresas”, responde, com humor.


Atwood está em sua casa em Toronto. Lembrou-se milagrosamente da videochamada quando arrancava ervas daninhas no jardim. Está agora em um quarto repleto de livros e marcos emoldurando o que parecem ser pequenos quadros e fotografias. Ajeita o cabelo branco rebelde e lembra que “talvez não tenha dado a atenção que devia [a essas obras] porque era uma adolescente, e as adolescentes só pensam no que vão fazer na noite de sábado. Mas é certo que meus pais eram cientistas, biólogos, e que se reuniam em casa com amigos e falavam de como tudo acabaria mal se continuássemos assim, mas também de descobertas de todo tipo”. “Oh, e eu deveria ter sido bióloga. Meu irmão nunca me perdoará. Eu era melhor em biologia do que em inglês. Tinha um monte de erros de ortografia. Ele também queria ser escritor, mas acabou sendo biólogo. Lê meus livros como um professor leria uma prova. Tenho que ser rigorosíssima!”, diz.


Isso ajuda a explicar por que a trilogia MaddAddam, iniciada por Oryx e Crake, tenha antecipado, por exemplo, os coelhos fluorescentes inventados em 2013 e que aparecem uma década antes no romance, que retrata de forma certeira a velocidade do mundo de hoje e a exploração sem escrúpulos do meio ambiente ― a ponto de animais serem criados para que simplesmente contenham órgãos humanos sobressalentes. Isto sem falar de um retorno a uma espécie de Idade Média, uma desigualdade social que transforma os proprietários de grandes corporações em senhores feudais, cujos complexos são rodeados de vilarejos onde os camponeses desse futuro vivem em más condições até que esse futuro também se acaba. “Crake acredita que o mundo está melhor sem nós e nos substitui pelos crakers, seres que nem sequer precisam da agricultura porque comem folhas, que não sentem inveja, mas que não podem evitar querer saber de onde vêm”, conta.


Aqui está um dos eixos da narrativa de Atwood: a criação do mito. Suas primeiras coleções de poemas, diz, foram dedicadas a “reexaminar mitos e contos de fadas”, algo que continua fazendo ― O Conto da Aia (Rocco) não deixa de ser a criação de um mito, um passado inconcebível do ponto de vista de uma sala de conferências do futuro ― e que MaddAddam completa no terceiro volume, chamado justamente de MaddAddam, inédito em espanhol e português, expondo de que forma é constituída a verdade histórica após mostrar a realidade nos dois títulos anteriores, Oryx e Crake The Year of The Flood. “A única razão pela qual vou ao futuro para contar minhas histórias é que não quero ter que ir embora do planeta Terra, e é no futuro que posso controlar todo o relato, sempre que seja coerente e plausível”, afirma. Na adolescência, ela lia as distopias de George Orwell e Aldous Huxley e se perguntava por que não havia mulheres escrevendo-as.


“Claro que toda distopia fala do presente. Orwell falava de 1948 e Huxley falava dele mesmo chegando a Hollywood nos anos trinta, após passar pela Grande Depressão e ao se deparar com o sexo livre e as comidas exóticas. No século XIX foram escritas milhares de utopias. É lógico. Houve tantas melhorias materiais, tantas invenções, que só podiam imaginar um mundo melhor. O XX foi um século de distopias porque foi um século de guerras e totalitarismos. Ficou claro que essa ideia da sociedade perfeita implicava um massacre. Você tinha que matar todos os que discordassem de você para instaurar sua utopia. Toda distopia contém uma utopia e vice-versa”, explica. E, apesar de tudo, acredita que neste século XXI “as utopias voltarão”. Por quê? “Teremos que descobrir como nos organizar para que o planeta permaneça habitável. As utopias voltarão porque precisamos imaginar como salvar o mundo”, responde.


Os romancistas não são pensadores, ressalta, embora possam encenar o mundo, “como um diretor de cinema”. Desenhar um mapa. “É preciso ter cuidado, sempre que falamos do futuro, porque sempre podem acabar acreditando na história. O que aconteceu com a utopia de Vril, o poder da raça futura?do romancista inglês Edward Bulwer-Lytton? Até Hitler acreditou nela ― e mandou uma equipe de exploradores à Noruega para procurar a caverna da qual Bulwer-Lytton falava, onde se escondia uma perfeita sociedade do futuro”, afirma. O mesmo ocorreu com O Conta da Aia. “Alguns começaram a se perguntar como implementar essa loucura. Por isso, é preciso ser cuidadoso. E considerar que o que para você é uma distopia pode ser uma utopia para outras pessoas”, acrescenta. E não esquecer. Como não foi esquecido nos anos cinquenta, “quando foi feito um esforço unitário, que incluiu princesas da Disney, para levar a mulher de volta ao lar, pois não pertencia àquele lugar”, diz.


Existe nesta quarta onda do feminismo mais esperança que nas anteriores? “Tudo está em processo. Quando você empurra, sente a resistência do outro. A eleição de Obama foi um impulso; a de Trump, uma reação contrária. Sempre que há uma mudança de paradigma, há quem deseje que as coisas voltem a ser como antes. Você sempre pode esperar conseguir melhorias, e, se houver uma reação contrária, aguentar até onde havia chegado, manter o terreno e inclusive voltar a pressionar para conseguir o que tinha, como ocorreu nos anos cinquenta”, responde. Hoje em dia, em qualquer caso, diz ela, “não se trata somente da igualdade de gênero. Trata-se também da desigualdade na riqueza, que atingiu proporções inéditas desde o antigo regime francês, desde Henrique VIII e, claro, da mudança climática, algo que teremos que resolver se quisermos continuar sendo uma espécie deste planeta.”


EL PAÍS

quinta-feira, 10 de março de 2022

Livros para quebrar o mar gelado em nós


13 LIVROS PARA QUEBRAR 

O MAR GELADO EM NÓS


Publicado por Valter Nascimento

Franz Kafka via a leitura como um processo sem fim de redescoberta. Para ele, os livros deveriam ser incômodos, diretos, genuínos. Esta é uma lista de alguns livros que me ajudaram a quebrar o gelo das leituras banais, me oferecendo uma experiência para além do mero entretenimento.


Em 1904 Kafka escreveu a seu amigo Oskar Pollak: “No fim das contas, penso que devemos ler somente livros que nos mordam e piquem. Se o livro que estamos lendo não nos sacode e acorda como um golpe no crânio, por que nos darmos ao trabalho de lê-lo? [...] Precisamos é de livros que nos atinjam como o pior dos infortúnios, como a morte de alguém que amamos mais do que a nós mesmos, que nos façam sentir como se tivéssemos sido banidos para a floresta, longe de qualquer presença humana, como um suicídio. Um livro tem de ser um machado para o mar gelado de dentro de nós. É nisso que acredito”.
Eis alguns livros (uns mais conhecidos, outros malditos ou esquecidos do grande público), que considero capazes proporcionar ao leitor uma experiência simbólica e inesquecível:
O conto da Aia, de Margareth Atwood.

Num futuro distópico, sem liberdade de expressão, livros ou jornais, a concubina Offred narra a vida das mulheres escravizadas pela sociedade patriarcal. Eu sei, parece bem atual, e é. Na visão sombria criada pela autora canadense, mulheres são apenas objeto de uso para a reprodução dentro de uma sociedade cristã que derrubou o Estado e impôs leis religiosas a todos os cidadãos. Um livro que reflete sobre a condição da mulher, sobre os poderes que conferimos aos religiosos e de como o futuro pode ser pior do que pensamos.
O nariz, de Nikolai Gogol

As aventuras de um nariz que foge de seu dono e luta para ser uma pessoa independente. Apesar do mote surreal, beirando a comédia escrachada, O nariz é uma pequena grande história sobre poder, individualidade e hipocrisia. Uma crítica feroz a sociedade russa da época, ao governo corrupto e a superficialidade do indivíduo, avaliado sempre pelo que aparenta ser, e não pelo o que é, mesmo que seja apenas um nariz.

Ambientado na África do Sul pós-apartheid, Desonra narra a vida de um professor de literatura que se envolve com uma de suas alunas, dando início a um círculo trágico que revela as diferenças culturais, raciais e políticas do país. Escrito com uma prosa limpa, carregado de poesia e cenas horrendas, este é um livro sobre humanismo sem concessões ou sentimentalismo barato.
Justine, ou Os sofrimentos da virtude, do Marquês de Sade

Sade é mais conhecido pelo grotesco 120 de Sodoma, mas em Justine ele combina o seu espírito libertino com doses de poesia, filosofia e política. A jovem Justine é boa, dona de qualidades invejáveis. É religiosa, amável, solidária, humilde e honesta; mas um livro de Sade não é um livro sobre o lado bom da vida. A cada boa ação de Justine a vida lhe dá justamente o oposto. Nenhuma heroína que eu conheça jamais sofreu como Justine. A graça (e o horror) deste livro, ferozmente avançado para o seu tempo (Justine apareceu pela primeira vez em edições clandestinas em 1791), reside na visão cínica da vida que não recompensa os justos, e se não há justiça na Terra, para que devemos ser bons?
A vida e as opiniões do cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne

A proposta do livro é uma biografia de um nobre do século XVIII, mas o que lemos é uma confusão maravilhosa. Capítulos faltando, críticas contra toda e qualquer instituição social e um protagonista que não aparece quase nada. O tal Tristram é um pretexto, sua história nunca é contada por inteiro e o leitor tem a sensação de que qualquer coisa pode acontecer na página seguinte. Este é o primeiro grande romance experimental moderno e há quem ache que Tristram Shandy seja maior que o Dom Quixote.
Matadouro 5, de Kurt Vonnegut

Alienígenas abduzem soldado da Segunda Guerra transformando-o num homem “livre do tempo”, capaz de analisar a saga humana de um ponto de vista privilegiado. Eis o principal tema deste romance feroz e cheio de sagacidade, sem paralelo na literatura mundial. Para Vonnegut, que conheceu de perto a rotina das tropas, a máquina da guerra, o horror da morte e a insignificância da vida são tão irracionais quanto qualquer história de ficção científica, e sob este ponto de vista, alienígenas cruzando o espaço e o tempo não parece uma coisa tão difícil de se acreditar.
O tambor, de Günter Grass

Confinado num sanatório, acusado de um crime que não cometeu, Oskar Matzerath escreve suas memórias como forma de se manter são. Entre suas inúmeras habilidades desenvolvidas ainda na infância, ele se orgulha de poder quebrar vidros com um grito agudo e de ter parado de crescer aos 4 anos, tornando-se assim anão por conta própria. Sua história como anão de circo durante a Segunda Guerra se confunde com a história da Polônia e da Alemanha, a ascensão de Hitler e do nazismo e flerta com o realismo fantástico como forma de escape perante o horror.
Reparação, de Ian McEwan

A primeira parte deste livro se passa no verão de 1935 quando Briony, com então 13 anos, presencia uma cena que julga ser algo sexualmente inapropriado entre sua irmã e o filho da governanta. Eis o estopim para um dos mais belos e tocantes livros da literatura moderna, que usa com maestria o conceito de metalinguagem, pondo uma história dentro da outra, para entregar ao leitor um final terno e amargo. Um livro sobre o poder da interpretação, amores não vividos e de como a literatura pode ser a mais sublime forma de redenção.
Budapeste, de Chico Buarque

Chico Buarque é, além de um dos maiores compositores brasileiros, um romancista e dramaturgo de talento irretocável. Mas nenhum de seus romances tem a graça, o frio na barriga e o desaforo de Budapeste. A história fala das peripécias de José Costa, um ghost-writer que se vê por acaso em Budapeste, uma cidade que conhece apenas dos guias de viagens. A cidade real e a inventada, o homem real e o imaginado. Chico usa a profissão nada nobre de escritor de encomenda para brincar com os limites do indivíduo e questionar o que é o real, o que é a linguagem e de fato o que é escrever.
Diário de um ladrão, de Jean Genet

A vida de Genet foi um festival de desgraças. Filho de uma prostituta, abandonado pela mãe e criado num orfanato. Com os meninos de rua ele aprendeu a arte de roubar, sendo preso diversas vezes por isso. Em Diário de um ladrão, Genet narra sua vida de delinquente, homossexual despudorado e profundo conhecedor dos segredos do submundo. Este é um livro que tira poesia da desgraça, que rasga pudores e fala abertamente de temas que ninguém quer falar, por isso mesmo honesto e contundente.
O senhor das moscas, de William Golding

Um grupo de meninos presos numa ilha. O que começa como uma tentativa de sociedade justa e natural se torna aos poucos numa alegoria sobre os impulsos primitivos e a crueldade. É um livro belo e bárbaro, repleto de personagens memoráveis como Porquinho, Ralph e O Bicho. A ideia de que o homem é naturalmente bom é posta em debate. O senhor das moscas é visto como um contraponto a Robinson Crusoé, o náufrago que impõe os valores humanos a uma ilha selvagem. A selvageria de Golding é de caráter humano, o que faz da obra uma das mais influentes de todos os tempos.
A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares

Bioy Casares é, ao lado de Jorge Luiz Borges e Julio Cortázar, um dos três grandes nomes da literatura argentina, e também o menos conhecido pelo grande público. Neste livro, considerado por Borges como o “romance perfeito”, um preso político se refugia numa ilha infectada por uma doença mortal. Lá passa a observar os turistas que frequentam uma parte específica do lugar. Sua observação o leva a descobrir que os visitantes sempre se comportam da mesma maneira, repetindo seus gestos e falas, dando a entender que o real não é verdadeiro, e que alguma coisa comanda, secretamente, as leis do lugar. O resto você tem que ler e se preparar para a surpresa.
Triângulo das águas, de Caio Fernando Abreu
Composto por três novelas de prosa fluída e pessoal, este é um livro que demoramos a digerir. Em Dodecaedro diversos personagens entram em cena numa composição que capta o passar do tempo de maneira inusitada. Em O marinheiro, pra mim uma das coisas mais bonitas já escritas em língua portuguesa, a saudade e a expectativa de um encontro são desenhados de maneira sutil e melancólica. Em Pela noite, a história com os mais típicos elementos da prosa do autor, dois personagens se perdem entre discos, bebidas e atos de amor.


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VALTER NASCIMENTO

Já atuei como produtor, diretor cultural e cineclubista. Atualmente sou livreiro, escritor e possuo grande interesse sobre o universo dos livros e seus leitores. Escrevo ainda para o site Medium e nas horas vagas sou gamer inveterado e cinéfilo compulsivo.
Mais em: www.valternasco.wordpress.com



segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

Três séries baseadas em livros

 

Margaret Atwood


Três séries baseadas em livros

Os melhores filmes e séries, talvez sejam os que são baseados em livros. Há muitos clássicos da literatura que foram para a tela ou para os palcos, tal como várias obras da literatura moderna ou contemporânea. Vou contar um pouco sobre três séries que vi recentemente:

  1. Outlander

Outlander (“Forasteira”, 1991), é baseada numa saga com o mesmo nome, da escritora americana Diana Gabaldon (1952). Já são oito livros. No Reino Unido, foi publicado como “Cross Stitch”, no Brasil, como “A viajante do tempo” e em Portugal, “Nas asas do tempo”. Tratam- se de romances históricos sobre a guerra entre a Escócia e a Inglaterra, mas com muitos outros elementos: romance, aventura e o fantástico.

A série, aviso, é tremendamente violenta. Nos primeiros capítulos a coisa é mais suave, mas com o desenrolar da história, as cenas ficam tremendas. Confesso que fechei os olhos em alguns momentos e em outros, até me revirou o estômago. Cenas fortes e duras. Você vai se afeiçoando aos personagens e vê- los sofrer vai ficando difícil. Apesar de não ser apta para pessoas muito sensíveis, é uma excelente história baseada em fatos reais.

A paixão entre a inglesa Claire Randall, viajante no tempo, e o escocês Jamie Fraser, é o tipo de romance incondicional que povoa a cabeça dos românticos sonhadores. Claire introduz o elemento místico, misterioso, inexplicável da história: ela é uma bruxa branca. E de forma inesperada, ela entra em uma espécie de portal que a transporta do ano 1945 ao 1743, quando havia uma rebelião na Escócia, pois os ingleses haviam destituído o rei e imposto a coroa inglesa.

Claire é casada, em 1945, com um homem que tem ancestrais escoceses em 1743. Essa é a parte que eu mais gosto, o círculo da vida, onde nada acontece por acaso, é causa e consequência. Mesmo Claire conhecendo a história passada, não consegue modificá- la para evitar tragédias, como se as coisas realmente fossem pré- determinadas.

O principal cenário são as highlanders escocesas, com seu modo de vida e costumes. Um povo duro, violento e com seus códigos de honra particulares. No quesito crueldade, os ingleses e franceses também não ficam atrás. A história contemporânea tem que viver na base do perdão e ter consciência do passado para não repetir os mesmos erros.

O elenco é espetacular, fotografia e caracterização, idem, impecáveis. Menção especial ao escocês protagonista Sam Heughan, que dá vontade de levar pra casa. Ele usa peruca, porque tem cabelos loiros e o personagem Jamie Fraser é ruivo de cabelos cacheados.

Inclusive o ator lançou um livro, com audiobook também, junto a outro ator da série, Graham McTavish, chamado “Clanlands”. Os dois saíram pelas highlands escocesas em uma van, mostrando as paisagens da série e costumes escoceses. Sabia que os kilts, as típicas saias escocesas com tecido xadrez, foram proibidos pelos ingleses durante 100 anos?

Recomendo a série, mas aviso que não é apta para gente sensível ou para crianças. Eu estou vendo na Netflix.

2. Anne com “E”, de Lucy Maud Montgomery

Quem viu esta série na Netflix?

Amybeth McNulty na pele da encantadora Anne Shirley

Baseada no livro “Anne of green Gables” (1908), da canadense Lucy Maud Montgomery (1847-1942), também é uma obra que virou uma série apta para todos os públicos. Aliás, virou série, filme, desenho animado, um grande sucesso. Anne Shirley é uma orfã de 11 anos, que vive numa fazenda com dois irmãos solteiros. Anne é encantadora, tagarela, sonhadora, bondosa, solidária e…incompreendida. A vida não é fácil e Anne tem que enfrentar muitos obstáculos, como o bullying na escola e o desprezo social, e também conviver com as tristes lembranças do orfanato.

Primeira edição de Anne with E, ela está sendo vendida por quase 35 mil dólares.

O que aconteceu com o livro foi curioso: apesar por de ter sido escrito no Canadá por uma canadense, só foi publicado 35 anos depois no país. A primeira edição foi americana, com muito sucesso. Parece mesmo que a prata da casa nunca é valorizada.

Uma história bonita e que te vai emocionar em muitos momentos. Recomendo!

3. The Handmaid’s Tale, de Margaret Atwood

Livro que deu origem à série

Esta história é assustadora. Assombra, porque apesar de ser ficção em um mundo distópico, fiquei com a sensação de algo muito real, que pode acontecer no futuro (não muito distante).

Um ataque terrorista simulado pelo próprio governo para enganar a população, acabou com a Constituição e a democracia. Esse governo culpou mulheres e homossexuais pelo caos social. Gays são executados e as mulheres, devido à baixa natalidade, são retiradas dos seus trabalhos e de suas vidas, para procriar, escravas sexuais. Tudo em nome de Deus. Em nome de Deus e da moral, foi gerada uma sociedade cuja barbárie prevalece, pior que na Idade Média.

As músicas do nosso tempo me fizeram pensar que esse mundo estranho, ditatorial, está bem próximo de nós: The Smiths, Bob Marley, Jay Reatard…

Não posso deixar de pensar em Bolsonaro e seus milhares de pensamentos irresponsáveis, indecentes, criminosos e anti- constitucionais. Jair Bolsonaro seria um líder perfeito para este cruel mundo distópico de Margaret Atwood. A coletânea de frases infelizes deste homem, já ultrapassou todos os limites do que é bom, saudável, decente, legal e normal. Relembrando o que disse para Preta Gil:

“EU NÃO VOU DISCUTIR PROMISCUIDADE COM QUEM QUER QUE SEJA. EU NÃO CORRO ESSE RISCO. MEUS FILHOS FORAM MUITO BEM EDUCADOS E NÃO VIVERAM EM UM AMBIENTE COMO, LAMENTAVELMENTE, É O SEU”. (VEJA)

Mas não, ele é líder eleito do Brasil. Tal como essa epidemia do COVID-19, Jair Bolsonaro me provoca espanto, estranheza e sensação de incredulidade, igual quando você tem um pesadelo ruim. Às vezes, penso que viajei para a Idade Média, uma total involução.

FALANDO EM LITERATURA


segunda-feira, 10 de junho de 2019

The Handmaid’s Tale’ / Pisotear as mulheres em nome do futuro e de Deus




Pisotear as mulheres em nome do futuro e de Deus

A aterradora ‘The Handmaid’s Tale’, depois de uma temporada impactante e outra decepcionante, precisa recuperar o tino


Elsa Fernández-Santos
Madri 7 JUN 2019 - 07:53 COT




Depois de uma primeira temporada impactante e uma segunda decepcionante, The Handmaid’s Tale acaba de estrear sua terceira temporada cercada de incógnitas sobre o rumo de sua ficção —mas também de alarmantes certezas de que a aterradora teocracia puritana imaginada pela romancista Margaret Atwood não deixa de se aproximar da atualidade, e que certas liberdades não são tão inalteráveis como pensávamos. Nos Estados Unidos, o Estado da Geórgia proíbe o aborto; em outros países, como na Espanha, a baixa taxa de natalidade reabre um mal intencionado debate sobre a interrupção das gestações indesejadas; a gestação sub-rogada apresenta complexos dilemas éticos; na Argentina, a maré verde a favor do aborto divide o país, e em todas as partes o avanço da nova onda feminista desperta uma perigosa rejeição, unida a um não menos preocupante oportunismo. Em tempos assim, The Handmaid’s Tale, com sua indesejável sociedade onde as mulheres são exploradas como meros corpos reprodutivos, tornou-se um símbolo, e a capa vermelha e a touca branca que distinguem as criadas-escravas são um emblema recorrente nas manifestações de mulheres de todo o mundo. A série, entretanto, tem uma última oportunidade de recuperar o tino.
Margaret Atwood


















Apoiada no romance homônimo que Atwood publicou em 1985, a primeira temporada deixou uma marca profunda após sua estreia, em 2017. Com seu argumento já muito longe do livro original, apresentou sua segunda leva de episódios como um beco sem saída, que esticava o chiclete da sua fórmula bem-sucedida (uma distopia com o feminismo, a mudança climática, o sexo e a maternidade como pano de fundo), explorando de forma insuportável a atrocidade de seu relato. O excesso de desgraça gratuita não funcionou, e seus criadores tomaram nota. O roteirista Bruce Miller disse que a brutalidade da história diminuiu, e a atriz Elisabeth Moss, sua magnífica protagonista, acrescentou que a palavra chave desta terceira temporada é "esperança". Resta ver se essas declarações são apenas chamarizes publicitários, ou se realmente a série encontrou um caminho verossímil e menos atroz.
Recordemos: a série se passa em um país imaginário, Gilead, vizinho do Canadá. Nele, um regime de religiosos fundamentalistas formado apenas por homens chegou ao poder amparado pelos desastres ambientais e a baixa natalidade. Fechar as fronteiras e voltar à pureza (lembra algo?) é o mantra desses líderes, que condenam as mulheres (impuras profissionais liberais acostumadas a viver como querem) a limpar, cuidar e procriar. A protagonista, June Osborne, rebatizada como Defred por seu amo e senhor, o Comandante Waterford (Joseph Fiennes), é uma ex-editora, filha de uma ativista dos direitos civis, cujo único atrativo para esta nova sociedade é sua fertilidade. Se a primeira temporada se apresentava como um angustiante manual de sobrevivência doméstica, em que o estupro e a tortura física e psicológica eram a norma, a segunda acrescentava ao terror caseiro uma ação desnorteada, com excessivo apreço pelas execuções e mutilações. Basicamente, esticou-se em excesso o argumento para dar voltas em torno da mesma coisa.
A segunda temporada foi carregada de flashbacks que faziam referência, por um lado, à infância da protagonista, criada por uma mãe feminista, e a como se forjou a chegada ao poder da elite de brancos extremistas que agora negam seus direitos. A conscientização de Serena (Yvonne Strahovski), a esposa do Comandante Waterford, levou a um desenlace dramático. A temporada terminou exatamente onde começam os 13 episódios da terceira, com June entregando sua recém-nascida filha Nicole a Emily, uma de suas melhores amigas-criadas, castigada de forma assombrosa por causa da sua homossexualidade. Emily e o bebê fugirão para o Canadá, enquanto a protagonista decide regressar à boca do lobo para recuperar sua filha mais velha, adotada por uma poderosa família de Gilead. Ou seja, outra vez nossa heroína nessa ratoeira de preciosas casas senhoriais ao estilo da Nova Inglaterra, onde os homens pisoteiam as mulheres em nome do futuro e de Deus. Isso sim, o novo lar da rebelde criada será o do Comandante Lawrence, principal intelectual e ideólogo do regime, em cuja psicopatia e dilemas morais parece se centrar a tensão dos novos capítulos.
Como ocorreu nas temporadas anteriores, além de sua ambientação verossímil e seu elenco afinado, o principal trunfo da série volta a ser sua atriz principal, Elisabeth Moss. Seu olhar e sua voz em off são a espinha dorsal de um relato onde loucura e resistência andam de mãos dadas. “Houve um tempo em que as mulheres podíamos escolher. Era uma sociedade agonizante, diria a tia Lydia, com muito para escolher…”, ouvimos a protagonista pensar em um momento da nova temporada. “Mãe, você queria uma cultura de mulheres. Pois agora já tem uma, e embora não seja o que você imaginava, ela existe”, acrescenta sua voz, tão doce quanto enérgica, enquanto mais uma vez volta a cravar esse olhar, entre desafiador e perdido, a espectadores que só graças a ela ainda não se deram totalmente por vencidos.


domingo, 9 de junho de 2019

O terrível pesadelo da maravilhosa série ‘The Handmaid’s Tale’


Elisabeth Moss

O terrível pesadelo da maravilhosa série ‘The Handmaid’s Tale’

Os olhos de Elisabeth Moss são tudo nesta que já é uma das séries do ano


Natalia Marcos
9 Jul 2017

Os olhos de Elisabeth Moss são tudo. Já eram em Mad Men e são ainda mais em The Handmaid’s Tale, série do serviço de streaming Hulu, ainda não disponível no Brasil. Com seu olhar, Moss faz você sentir o medo de se ver privada, do dia para a noite, de todos os direitos fundamentais que consideramos adquiridos, separada da família, usada como gado com a única finalidade de servir como veículo para a reprodução do casal que te determinam dentro de um regime misógino e fundamentalista. O desespero grita por meio dos olhos dela. Mas o olhar de Elisabeth Moss transmite muito mais. Inteligência, coragem e determinação. Porque Offred (June, em uma vida passada), não está disposta a se render.

The Handmaid’s Tale já é uma das séries do ano. Essa adaptação do romance O Conto da Aia, de Margaret Atwood, escrito em 1985 (e, no entanto, assustadoramente atual) é apavorante em sua essência, nessa proposta de um mundo que não tem por que estar tão longe do atual e que, dependendo de quem detiver o poder, poderia acontecer a qualquer momento. Mas, ao mesmo tempo, aproveita essa essência terrível, de pessoas sem futuro e mulheres escravas sexuais, para abrir caminho à rebelião e à esperança. A história, contada através dos olhos de Offred/Elisabeth Moss, mas também pelos de outras mulheres (a dura e quase impenetrável Serena Joy, a frágil Janine, a rebelde Ofglen ou a corajosa Moira), é mostrada na tela com uma aposta estilística que dá identidade visual à série, com um cuidado detalhado na luz e nas cores.
Estamos diante de uma história de horror, feminista, uma história política e reivindicativa, e tudo a partir da mais profunda desesperança de não ver saída à situação à qual se chegou. Uma história que não se recusa a mostrar a violência extrema e o sexo mais terrível. Pode surpreender que, na ficção, se chegue a uma situação assim num curto período de tempo, mas quem sabe o que os radicalismos podem fazer em questão de meses.
Felizmente, existem alguns vislumbres de esperança. Offred os têm em seu olhar. Porque os olhos de Elisabeth Moss são tudo.