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sábado, 22 de julho de 2017

Nabokov rejeitou parte da adaptação de Kubrick para Lolita

Nabokov rejeitou parte da adaptação de Kubrick para Lolita

POR  EM 19/12/2012 ÀS 09:10 PM
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O diretor de cinema Stanley Kubrick (1928-1999) adorava literatura. Ou, pelo menos, adaptar obras literárias para o cinema. Um de seus filmes mais conhecidos, “Laranja Mecânica”, de 1971, foi baseado no livro do escritor inglês Anthony Burgess. Este não gostou muito do filme, mas admitiu que não é dos piores. “Laranja Mecânica” permanece cult. A esquerda brasileira o adora, menos pela linguagem, e sim pela denúncia do totalitarismo estatal. É incrível: um joyciano de esquerda!
Outra grande adaptação de Kubrick — um diretor de qualidade, mas superestimado, como quase todo “cult” — é “Lolita”, de 1962. A adaptação foi feita pelo próprio autor do romance, o russo-americano (talvez um sem-lugar) Vladimir Nabokov, um grande escritor às vezes desvalorizado pelas modas. Depois de edições desleixadas da Record, com as versões de Pinheiro de Lemos, editoras de qualidade, como a Companhia das Letras e a Alfaguara, redescobriram sua prosa — na qual há uma mescla, intencional, de traços antiquados e inventivos (talvez a intenção de Nabokov tenha sido “inovar” o romance russo do século 19). O complexo romance “Fogo Pálido”, uma das histórias mais inventivas da literatura universal, ganhou tradução precisa de Jorio Dauster e Sérgio Duarte. Mas o autor das orelhas é no mínimo descuidado. Em vez de Kinbote, com “n”, como está no livro, escreve Kimbote, com “m”.
Mas, seguindo os diretores que se acreditam autores (“O Gênio do Sistema — A Era dos Estúdios em Hollywood”, de Thomas Schatz, demole a “teoria” de “cinema de autor”), Kubrick mexeu no roteiro. O texto “Nabokov duela com seus críticos e afirma que só há a escola do talento” mostra a insatisfação do escritor. É possível discordar de Nabokov e, claro, de Kubrick.


O filme, nos seus longuíssimos 152 minutos, pode até ser chato e modificar a “poesia” do texto original, mas, como cinema, é belo, não parece inatual e continua universal. A arte não raro esbarra no moralismo ao relatar comportamentos, por assim dizer, socialmente inadequados, como o de Humbert. O moralismo é necessário, mas não é útil para compreender fenômenos humanos, ainda que sejam anomalias condenáveis, como a pedofilia.
Claro que não é fácil comparar livro e filme. São linguagem diferentes e a invenção formal não é possível de ser adaptada por intepretações (fica incompreensível ou chatíssima) e imagens. Portanto, difíceis de comparar com argumentos simplistas — tipo: “O livro é superior”. Óbvio que, para quem gosta de literatura, o melhor está no livro. Porém, para os amantes de cinema, o filme interpreta bem o essencial do romance. Bem adaptado ou não, o filme sustenta-se em pé e não faz feio. O que, no fundo, deve ter desagradado Nabokov é que a película “roubou” parte da fama do livro. “Lolita” tornou-se, por assim dizer, mais de Kubrick do que de Nabokov.


Sem o filme, feito apenas quatro anos depois da publicação do romance, a repercussão de Na­bokov seria muito menor. Então, há um probleminha que nunca vai chegar a ser um problemão: o cinema às vezes simplifica, reduz e até distorce uma obra literária — Henry James perde ambiguidade e ganha solenidade nos filmes adaptados de seus romances, principalmente “A Taça de Ouro” e “As Asas da Pomba” —, mas é visceralmente útil como peça publicitária pra divulgá-la para um público mais amplo. Não há dúvida que, se as pessoas continuam comprando e lendo romances, é certo que o índice de leitura caiu — o que é camuflado por leitores que o fazem para prestar concursos (ou exigência escolar, quando um livro se torna, não um objeto de prazer, e sim um cadáver), porém não têm interesse genuíno em romances, contos e poesia. Os “citadores” do Facebook e do Twitter descobriram os lugares certos para colher frases de efeito, extirpadas do contexto, e as republicam à exaustão (chega-se a confundir autores com personagens). Mas não sabem citar nem mesmo as obras de onde foram retiradas. As redes sociais reforçam a tradição bacharelesca do Brasil.
Com acertos e desacertos e choques de opiniões (de Nabokov e Kubrick), “Lolita”-filme enriquece a leitura de “Lolita”-romance. Evidente que o grande criador, o ponto de partida, continua sendo Nabokov e há histórias paralelas, detalhes enriquecedores, que não aparecem no filme (nem em 500 minutos seria possível adaptar tudo).
Vale acrescentar: “Lolita” não é a principal obra de Nabokov. O romance sobre a ninfeta que “faz” um homem de meia-idade ficar apaixonado — ou seria o velhusco que a teria seduzido — chamou atenção para sua obra e, ao mesmo tempo, criou aquela fama estranha, enviesada, de que Nabokov “é o autor de ‘Lolita’”. É mais apropriado sugerir que Nabokov é também autor de “Lolita”. Mas isto é filigrana.


quinta-feira, 20 de julho de 2017

Marilyn Monroe e JFK / O governo dos Estados Unidos passava pela cama

Marilyn Monroe

O governo dos Estados Unidos passava pela cama


POR EULER DE FRANÇA BELÉM 
EM 23/03/2009 ÀS 08:02 PM

Forestier ataca Marilyn Monroe e John Kennedy sem dó nem piedade. Os dois competiam, aparentemente, para ver quem transava com mais pessoas. Até onde li, Marilyn fez sexo com 15 homens, a maioria gente conhecida, como Elia Kazan, Sinatra, Marlon Brando, Yves Montand, mafiosos, maridos (Joe DiMaggio e Arthur Miller, cujos chifres impressionariam o mais talentoso dos bois da raça gir
Leio, entre divertido e cauteloso (com as informações históricas, pois, apesar de uma extensa bibliografia, o autor não exibe as fontes com precisão), o livro “Marilyn e JFK” (Objetiva, 214 páginas, tradução de Jorge Bastos), de François Forestier. Nada tem de acadêmico e, portanto, o estilo é direto e o crítico de cinema escreve bem.
Forestier ataca Marilyn Monroe e John Kennedy sem dó nem piedade. Os dois competiam, aparentemente, para ver quem transava com mais pessoas. Até onde li, Marilyn fez sexo com 15 homens, a maioria gente conhecida, como Elia Kazan (jurava que o sujeito era bicha), Sinatra, Marlon Brando, Yves Montand, mafiosos, maridos (Joe DiMaggio e Arthur Miller, cujos chifres impressionariam o mais talentoso dos bois da raça gir). As feministas protestaram, mas quem se liberou primeiro não foram elas, e sim Marilyn.
Jack Kennedy transou, até onde contei, com 13 mulheres, sem contar as dezenas de prostitutas anônimas. Na lista cabem, além da nazista Inga Arvad, a bela Gene Tierney, Lee Remick, Audrey Hepburn e, claro, Marilyn. Kennedy fazia o gênero quase-coelho, 15 minutos no máximo, entre preliminares e aquilo propriamente dito. Às vezes, era só 20 segundos.
Recolho um trechinho da história do malévolo Forestier: “Marilyn, uma noite, aborda a questão do casamento com JFK, que está passando a mão em sua coxa e constatando que ela está sem calcinha. Jack responde com clareza, com a mão sobre a origem do mundo: — Serei candidato à Presidência. Não posso me divorciar. Marilyn abaixa os olhos. Não está habituada a que lhe digam não. Veremos depois da eleição, é o que ela registra. Enquanto isso, resta uma única coisa a fazer. ‘Let’s make Love’” (façamos amor). Kennedy queria governar mais a cama do que o país. Mas foi forçado pelo pai a entender que, quanto mais poder, mais cama. Jack adorou.
Na parte séria, porém menos divertida, Forestier revela que as relações da família Kennedy, sobretudo do patriarca Joe, com a máfia eram mais profundas do que se costuma imaginar. A promiscuidade era total.

Voyerismo a La Guerra Fria
Agência Estado
Durante seis anos, o maior símbolo sexual dos Estados Unidos e o senador que se tornou presidente tentaram manter em segredo um relacionamento amoroso. O caso não se tornou público por conta de precauções da imprensa, mas um farto material foi coletado pela espionagem da máfia, FBI e da inimiga KGB. Afinal, a América vivia a insanidade da Guerra Fria, o que justificava o voyeurismo do Estado, as chantagens, manipulações, eleições compradas e dinheiro ilícito.
Forestier conta, logo na abertura do livro, que se valeu de um defeito crucial para ir fundo na pesquisa: uma má índole. De fato, o fel transborda em quase todas as páginas, na construção do retrato de um casal doentio. Nascida Norma Jeane, Marilyn era uma manipuladora da piedade. Conhecida por comédias memoráveis como "Quanto Mais Quente Melhor", ela era, na verdade, segundo Forestier, uma atriz egoísta, que não se importava com os colegas. Utilizava o sexo como forma de conquista, habitualmente acordando em lençóis estranhos. Também era viciada em remédios, que criavam um sono artificial e um universo fictício, que a levaram à morte.
Talhado para ser presidente da República pelo pai, Joe Kennedy, ele mesmo um homem racista e afundado em negócios sujos, John era um político que se esquivava de problemas importantes e se concentrava nas mulheres, inúmeras, que frequentavam sua cama, para sexo de, no máximo, 15 minutos. Terminou assassinado, caindo no colo da primeira-dama, Jacqueline, que suportava o adultério em troca da fama. Sobre essa face podre da América dos anos 1960, Forestier deu entrevista por e-mail.
Como um chefe de Estado mantinha relações sexuais com tantas mulheres, e, ao mesmo tempo, comandava uma nação?
FORESTIER - Naqueles dias felizes, todos os jornalistas e escritores estavam cientes do fato de que o presidente exagerava, traindo sua mulher como um louco. Mas eles se sentiam obrigados a não comentar nada. Quando um cidadão enviou fotos de JFK com outra mulher, nenhum jornal publicou. Quando Phil Graham, o chefão do jornal "Washington Post", declarou publicamente que o presidente colecionava affaires e amantes, nenhuma revista divulgou. Havia um consenso: a vida privada do presidente estava além dos limites. Mas, como Kennedy conseguia governar o país, é um mistério. Como vivia doente, ele funcionava adequadamente apenas algumas horas por dia, tirando uma soneca às tardes e divertidas sestas à noite... Alguém disse que JFK gastou metade do seu tempo perseguindo as mulheres, e a outra metade pensando nisso. Acho que ele era muito rápido, com certeza.
No prólogo, você confessa ter a má índole necessária para escrever tal livro. Era preciso tanto assim?
FORESTIER - Sim. Se tentar dizer a alguém que Marilyn não era uma santa, mas uma mulher suja e manipuladora, você é olhado como louco. Se falar algo sobre a imoralidade de JFK, a mesma reação. Assim, para trazer a verdade, é preciso enfrentar preconceitos. E mau humor é um instrumento necessário. Sem isso, o jornalismo é possível. Meus melhores amigos são mal-humorados.
Marilyn Monroe tinha fama de ser uma mulher inteligente.
FORESTIER - Não concordo. Ela era uma mulher astuta, mas para usar as pessoas, provocá-las, deixá-las enfeitiçadas por ela. Marilyn também não era profissional, deixava a equipe de filmagem esperando, não decorava suas falas e era totalmente inacessível. Não tinha respeito pelos colegas de trabalho. Fez também estranhas exigências para a Twentieth Century Fox e, quando se tornou produtora, foi péssima. Sua inteligência era um mito. Além disso, ela era mentalmente insana e, como atriz, logo decaiu. Acredito que, se vivesse mais alguns anos, Marilyn acabaria internada em uma clínica, como sua mãe.
Por seis anos, JFK e Marilyn se relacionaram. Era apenas sexo? A relação era sincera?
FORESTIER - Acredito que, no início, era apenas sexo. Eles se conheceram quando JFK era um senador (casado) e Marilyn, uma starlet. Kennedy era incapaz de amar e Marilyn, incapaz de sustentar uma relação. Ambos eram carentes de amor. Em todo caso, descobriram uma forma de relacionamento. Ela lhe deu sexo, que foi seu melhor presente uma vez que era frígida (ela disse isso a seu analista); ele retribuiu com um sopro de energia e de esperança. Os dois eram desiludidos. De alguma forma, encontraram um raio de luz, algo que, por breves momentos, pareceu ser amor. Talvez eles tenham tido, durante um segundo apenas, uma verdadeira história de amor.
Seu livro traz alguma novidade sobre a morte de Kennedy?
FORESTIER - Não, nenhuma. Mas traz novidade sobre sua vida: era um homem cuja moralidade era inexistente. Ele foi criado por um homem crente que o dinheiro podia comprar tudo e que seus filhos eram de uma casta superior. Um pai simpatizante do nazismo, além de gângster. Ele legou valores desvirtuados aos filhos. E suas filhas não eram nada. Quanto à morte do JFK, penso que houve uma diabólica aliança entre os exilados cubanos e a plebe. No mês anterior, houve dois atentados contra a sua vida, com o mesmo modus operandi: um atirador com experiência cubana e, à sombra, um grande chefão da máfia, provavelmente Carlos Marcello.
A política atual é diferente?
FORESTIER - Sim. Pense no escândalo Clinton-Lewinsky. E Clinton não fez nem uma fração do que JFK estava acostumado. Estranhamente, os americanos se preocupam com a vida privada de seus líderes. Quando pararem com isso (como acontece na França, onde ninguém dá atenção com quem Mitterrand ou Sarkozy dormiram), então, a era dos escândalos sexuais estará sepultada. Quanto às "relações políticas", no sentido político, não, nada mudou. Eles serão sempre políticos - nada confiáveis para cuidar de seu cão por uma noite




sexta-feira, 7 de julho de 2017

Euler de França Belém / Meio século sem William Faulkner



Meio século sem William Faulkner


Euler de França Belém
09/08/2012 ÀS 07:16 PM


O autor de “O Som e a Fúria” visitou São Paulo, em 1954, bebeu muito e, segundo a lenda, teria perguntado o que estava fazendo em Chicago

Nem todos os romances de Faulkner são de alta qualidade, mas “O Som e a Fúria”, “Enquanto Agonizo” (o preferido de Harold Bloom), “Luz em Agosto” e “Ab­salão, Absalão” merecem figurar em qualquer lista de melhores livros de todos os tempos.

William Faulkner
William Faulkner morreu em julho de 1962. Ele tinha 64 anos e, em termos literários, parecia tão esgotado quanto Scott Fitzgerald e Ernest Hemingway. Em 1954, esteve no Brasil, quase sempre bêbado. Certo dia, segundo uma das versões, teria perguntado: “O que estou fazendo em Chicago?” A história de sua visita ao Brasil, quatro anos depois de ter recebido o Nobel de Literatura, é contada, de modo romanceado, no livro “Dias de Faulkner (Imprensa Oficial, 124 páginas), de Antônio Dutra. Ao ser apresentado à escritora Lygia Fagundes Telles, apontada como “contista”, teria dito: “Se os seus contos forem tão bonitos quanto os seus olhos, a senhora certamente é uma grande escritora”. A autora do belo romance “As Meninas” disse que levou o criador de “Enquanto Agonizo” para ver cobras no Ins­tituto Butantã. “Segurava as cobras e gritava: ‘Sou um fazendeiro, um fazendeiro’. Ele chegou meio fora de órbita a São Paulo. Queria ver cobras e o Cruzeiro do Sul. Um dia, pegou-me pelo braço e apontou para o céu, querendo ver as estrelas. Ficou doido com essa história de Cruzeiro do Sul. E estava sempre com o cabelo molhado. Creio que se molhava para ficar desperto, devido ao excesso de álcool. Não era um homem bonito. Era baixo, mas tinha um rosto muito forte”, contou Lygia à “Folha de S. Paulo”. Queria mas não conseguiu visitar uma fazenda de café e Mato Grosso.

O brasileiro Raduan Nassar, autor de “Lavoura Arcaica” e “Um Copo de Cólera”, lembra, não vagamente, Liev Tolstói e Faulkner. Tolstói, anarquista cristão, tentou viver de acordo com suas pregações, mas, nobre e rico, jamais o conseguiu integralmente. Tentou educar a plebe, escreveu até cartilha para os filhos dos mujiques, mas acabou desistindo de tudo, e, com mais de 80 anos, fugiu de casa, morrendo numa estação de trem — célebre como, mais tarde, Gandhi, uma espécie de tolstoiano (que deu certo) da Índia. Faulkner era um escritor notável, mistura de James Joyce e Guimarães Rosa, mas passou a vida sugerindo que era apenas um fazendeiro do Mississippi. Na verdade, embora não fosse um scholar, era um homem culto, leitor frequente da Bíblia e de outro William, o britânico Shakespeare. Quando saía para passear, diz sua biógrafa Monique Nathan, levava alguma obra do bardo inglês no bolso do casaco. Raduan escreveu uma obra pequena e refugiou-se numa fazenda, em São Paulo, tornando-se um próspero produtor rural — e não apenas um criador de galinhas, como divulgaram alguns jornais. Agora, aproximando-se dos 80 anos, doou a fazenda para uma universidade pública, dividiu parte dos bens com seus funcionários e mudou-se para uma fazenda menor, a Retiro Feliz. Meio faulkneriano. Meio tolstoiano.

Nem todos os romances de Faulkner são de alta qualidade, mas “O Som e a Fúria”, “Enquanto Agonizo” (o preferido de Harold Bloom), “Luz em Agosto” e “Ab­salão, Absalão” merecem figurar em qualquer lista de melhores livros de todos os tempos. Mesmo romances menores, como “Os Invictos” (delicioso), a trilogia Snopes (“A Aldeia”, “A Cidade” e “A Mansão”; a energia narrativa faulkneriana, a maldição sulista, às vezes aparece nesses romances crepusculares) e “Sartoris” (a história fragmentária de um dos mais poderosos personagens do escritor, o coronel John Sartoris — inspirado em seu bisavô William C. Falkner, sem “u” — que migra de um livro para outro, como de “Sartoris” para “Os Invencidos”) superam, de longe, a literatura beat — a que fez mais dieta de qualidade nos Estados Unidos (palermas adoram a “datilografia” empolada de Jack Keroauc, possivelmente por desconhecer a “escrita automática” dos surrealistas). Não são, evidentemente, obras escritas por um fazendeiro... comum.





Em 1922, Faulkner foi demitido porque não parava de ler em serviço. Em 1924, com a intenção de se tornar jornalista, migrou para Nova Orleans, deixando sua amada Oxford, e recebeu dicas literárias de Sherwood Anderson. Na revista “The Double-Dealer”, indicado por Anderson, publicou artigos e poemas. Em 1925, de volta a Oxford, trabalha para publicar a edição de seus livros. Em 1929, aos 32 anos, publica “Sartoris”, que dá origem ao ciclo de Yok­napatawpha (a região inventada pelo escritor), e seu romance mais refinado, “O Som e a Fúria”. Um ano depois, lança “Enquanto Agonizo”. Apesar da importância posterior de “O Som e a Fúria”, que o tornou o Joyce americano, só fez sucesso com “Santuário”, em 1931. Com  “Luz em Agosto”, em 1932, e com “Absalão, Ab­salão”, em 1936, praticamente concluiu sua obra mais importante. Depois, lançou “Os invencíveis”, em 1938, “Pal­meiras Selvagens”, em 1939, e “A Aldeia”, em 1940.

O livro “Os Escritores — As Históricas Entrevistas da Paris Review” (Companhias das Letras, 327 páginas) exibe um Faulkner às vezes surpreendentes e às vezes nem tanto. “Sou um poeta fracassado. Talvez, primeiro, todo romancista queira escrever poesia, descobre então que não consegue e tenta o conto, que é a forma mais exigente depois da poesia. E, fracassando nisso, só aí começa a escrever ro­mances.” Verdade. Talvez não, mas a formulação é no mínimo curiosa.

Jean Stein pergunta se há uma fórmula para se tornar um bom romancista. Faulkner: “Noventa e nove por cento de talento... noventa e nove por cento de disciplina... noventa e nove por cento de trabalho. Não se deve estar nunca satisfeito com o que se faz. (...) Um ar­tista é uma criatura arrastada por demônios. (...) É totalmente amoral. (...) A única responsabilidade do escritor é para com sua arte. (...) Se um escritor tiver que roubar a sua mãe, não hesitará; a ‘Ode a uma urna grega” [de John Keats, 1795-1821] vale mais do que qualquer punhado de velhas”.

Faulkner cutuca aqueles que dizem não publicar grandes obras porque não têm tempo, ou porque precisam trabalhar para sobreviver: “O escritor não precisa de liberdade econômica. Tudo de que precisa é lápis e papel. Eu nunca soube que algo bom em literatura tivesse se originado da aceitação de uma oferta gratuita de dinheiro. O bom escritor nunca pede auxílio a uma instituição cultural. (...) Nada pode prejudicar a literatura de um homem se ele for um escritor de primeira classe”.

A relação escritor-leitor não interessa a Faulkner: “Não tenho tem­po de pensar em quem está lendo minha obra”. De repente, corta: “Se eu reencarnasse, gostaria de voltar como um urubu. Nin­guém o odeia ou inveja nem o quer ou precisa dele. Ele nunca se vê importunado ou em perigo, e pode comer qualquer coisa”.

Embora seja filho de Édouard Dujardin e Joyce, com ou sem mo­nólogo interior ou fluxo de cons­ciência, Faulkner diz que “um escritor seria um louco se seguisse uma teoria. Deve aprender com seus próprios erros; as pessoas só aprendem errando. O bom artista acredita que ninguém é bom o bastante para lhe dar conselhos”.

“O Som e a Fúria” foi o livro que “mais dor e angústia” causou a Faulkner. “É o livro pelo qual sinto mais carinho. Não pude abandoná-lo, e nunca consegui contar a história direito, embora tentasse ao máximo, e gostaria de tentar de novo, embora provavelmente fracassasse ainda outra vez.”

O entrevistador pergunta: “Quanto de sua literatura é baseada na experiência pessoal?” Faulkner responde, possivelmente meio irônico: “Não sei dizer. Nunca fiz as contas. (...) Um escritor precisa de três coisas, experiência, observação e imaginação, sendo que duas dessas, às vezes até mesmo uma, podem suprir a falta das outras. Comigo, uma história geralmente começa com uma ideia ou memória ou imagem mental. Escrever a história é apenas uma questão de ir construindo esse momento, de explicar por que aconteceu ou o que provocou a seguir”.

Inquirido sobre inspiração, Faulkner antecipa João Cabral de Melo Neto: “Não sei nada a respeito de inspiração, porque não sei o que é — ouvi falar a respeito dela, mas nunca a vi”.

Há quem diga que Faulkner tinha certa inveja de James Joyce, dado seu suposto maior alcance literário, sobretudo fama, apesar de não ter recebido o Nobel de Literatura. “Os dois grandes homens do meu tempo eram [Thomas] Mann e Joyce. Deveríamos nos aproximar do ‘Ulysses’, de Joyce, como o pregador batista analfabeto se aproxima do Antigo Testamento: com fé”, disse Faulkner. Inveja? Nem tanto. Ele elogia seu padrinho literário, Sherwood Anderson, Theodore Dreiser e Mark Twain. “Os livros que leio são aqueles que conheci e amei quando era moço e aos quais volto como se volta aos velhos amigos: o Antigo Testamento, Dickens, Conrad, Cervantes — ‘Dom Quixote’. Leio-os todos os anos, como alguns leem a Bíblia. Flaubert, Balzac — ele criou um mundo intacto, próprio, uma corrente sanguínea que flui através de vinte livros —, Dostoiévski, Tolstói, Shakespeare. Leio Melville ocasionalmente, e dos poetas Marlowe, Campion, Jonson, Herrick, Donne, Keats e Shelley. Ainda leio Housman. Já li esses livros tantas vezes que nem sempre começo na primeira página ou leio até o fim. Leio apenas uma cena, ou o tocante a uma personagem, assim como você se encontra e conversa com um amigo por alguns minutos. (...) Leio Simenon porque me lembra alguma coisa de Tchekhov.” O entrevistador não pergunta o quê, infelizmente, tem a ver Simenon com o escritor russo.

Personagens preferidos de Faulkner: Sarah Gamp, sra. Harris, Falstaff, Prince Hal, dom Quixote, Sancho Pança, Lady Macbeth, Bottom, Ofélia, Mercúcio, Huck Finn, Jim, Sut Lovingood (personagem de um livro de George Harris). “Nunca gostei muito de Tom Sawyer — um tremendo pedante.”

Sobre os críticos: "O artista nao tem tempo para escutar os criticos. Aqueles que querem ser escritores leem as resenhas, aqueles que querem escrever não têm tempo de ler resenhas. O crítico também está tentando dizer: 'Joãozinho esteve aqui'. Sua função não se dirige ao próprio artista. O artista está um degrau acima do crítico, pois está escrevendo alguma coisa que porá o crítico em movimento. O crítico está escrevendo alguma coisa que porá todo o mundo em movimento, menos o artista".

Sobre Freud, Faulkner disse, em tom jocoso: “Todo mundo falava de Freud quando eu vivia em Nova Orleans, mas nunca o li. Nem Shakespeare o leu. Duvido que Melville o tenha lido, e tenho certeza de que Moby Dick não o fez”.

Jean Stein diz que algumas pessoas leram seus livros três vezes e não entenderam. Faulkner recomenda: “Que leiam quatro vezes”.

quinta-feira, 6 de julho de 2017

A guerra dos poderosos chefinhos Puzo e Sinatra



A guerra dos poderosos chefinhos Puzo e Sinatra


POR EULER DE FRANÇA BELÉM 
EM 04/07/2009 ÀS 10:10 AM


O livro “Confissões de Mario Puzo e Revelações Sobre o Chefão” do próprio Puzo, apesar do título estrambótico, conta os desencontros do escritor e do cantor-ator
Mario Puzo e Frank Sinatra  
Frank Sinatra é o cantor Johnny Fontane de “O Poderoso Chefão”, de Mario Puzo (livro) e de Francis Coppola (filme). Durante anos, a Máfia patrocinou o amigo Sinatra e, quando sua carreira caminhava para a decadência, mafiosos, como Sam Giancana, levantaram-na com elegância e, não menos importante, violência. Ao escrever o “Chefão”, Mario Puzo não hesitou e aproveitou a história de como Sinatra conseguiu um papel importante no filme “A Um Passo da Eternidade” (1953), dirigido por Fred Zinnemann. A Máfia “deu-lhe” o papel do simpático Angelo Maggio, um soldado rebelde. Sinatra ficou “p” da vida e prometeu vingança, a maior delas ignorar Puzo em encontros sociais.
O livro “Confissões de Mario Puzo e Revelações Sobre o Chefão” (Artenova, 271 páginas), do próprio Puzo, apesar do título estrambótico, conta os desencontros do escritor e do cantor-ator. A dona do Elaine’s de Nova York, Elaine, tentou apresentar Puzo para Sinatra. Perguntou se não havia problema, Puzo disse que não, mas Sinatra não quis conversa.
Noutra ocasião, ao participar do aniversário de um milionário, no Chasen’s, em Los Angeles, perguntaram a Puzo se queria ser apresentado a Sinatra. Escaldado, o escritor disse que não. Quando ia embora, o anfitrião e um “assecla” pegaram Puzo pelas mãos e o levaram para conhecer Sinatra.
O relato de Puzo: “O milionário fez a apresentação. Sinatra não ergueu os olhos do prato nem por um instante sequer.
— Gostaria de lhe apresentar o meu amigo Mario Puzo — disse o milionário.
— Pois eu não gostaria — retrucou Sinatra.
Diante disso comecei a me afastar. Aparentemente, contudo, o pobre milionário não havia percebido, continuando a insistir.
— Eu não quero ser apresentado a ele — repetiu Sinatra”.
Como Sinatra parece ter avaliado que Puzo pedira para ser apresentado, o autor de “O Poderoso Chefão” esclareceu: “Escute, a ideia não foi minha”. “Seguiu-se, então, a coisa mais espantosa”, relata Puzo. “Ele não entendeu nada. Imaginou que eu estaria me desculpando por causa de Johnny Fontane, o personagem do meu livro.” Sinatra perguntou: “‘Quem foi que lhe disse para botar aquilo no seu livro? O seu editor?’ — perguntou ele, com a voz quase amável”.
Puzo, que dizia não aceitar interferência de editores em seus livros, corrigiu: “Eu estava me referindo a nossa apresentação”. Ao perceber que a “arte” era mesmo de Puzo, “Sinatra pôs-se a vociferar. O pior termo que usou para me ofender foi cáften, o que de certa forma foi lisonjeiro para mim que jamais conseguira de uma namorada que aos menos espremesse os cravos das minhas costas, quanto mais que trabalhasse para mim. Lembro-me ter ele afirmado que, não fosse pelo fato de eu ser mais velho, me daria uma surra inesquecível. Acontece que eu era um garoto quando ele já cantava na Paramount. O que me magoou de verdade foi ver aquele italiano do Norte ameaçando a mim, um italiano do Sul, com violência física. Tipo da coisa que não se faz. Os italianos do Norte nunca se metem com os do Sul”. Quando Coppola foi escolhido para dirigir o filme, Sinatra disse-lhe: “Sabe, Francis, eu trabalharia em ‘O Chefão’ para você. Não o faria por aqueles caras da Paramount, mas por você, sim”. Muitos cantores foram sondados para fazer Johnny Fontane, mas a maioria não quis. O primeiro a se prontificar foi Al Martino, mas Vic Damone foi consultado primeiro. Aceitou e, depois, recusou, porque era “leal” a Sinatra ou porque a grana era curta. “Al Martino acabou conseguindo o papel e, na minha opinião, saiu-se muito bem”, conta Puzo.