Clarice Lispector
Devaneio e embriaguez de uma rapariga
Pelo quarto parecia-lhe estarem a se cruzar os eléctricos, a
estremecerem-lhe a imagem reflectida. Estava a se pentear vagarosamente diante
da penteadeira de três espelhos, os braços brancos e fortes arrepiavam-se à
frescurazita da tarde. Os olhos não se abandonavam, os espelhos vibravam ora
escuros, ora luminosos. Cá fora, duma janela mais alta, caiu à rua uma cousa
pesada e fofa. Se os miúdos e o marido estivessem à casa, já lhe viria à ideia
que seria descuido deles. Os olhos não se despregavam da imagem, o pente trabalhava
meditativo, o roupão aberto deixava aparecerem nos espelhos os seios
entrecortados de várias raparigas.