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terça-feira, 14 de janeiro de 2025

Anúncio de indicados ao Oscar é adiado novamente por incêndios

CINEMA

Anúncio de indicados ao Oscar é adiado novamente por incêndios

Brasil vive expectativa por nomeação de 'Ainda Estou Aqui'

Por CADERNO B
Publicado em 14/01/2025 às 10:28
Alterado em 14/01/2025 às 10:28

A Academia de Ciência e Artes Cinematográficas de Hollywood anunciou na noite da última segunda-feira (13) que decidiu adiar novamente as indicações do Oscar 2025, devido aos incêndios florestais que atingiram a região de Los Angeles, nos Estados Unidos.



Desta vez, a divulgação da lista de nomeados ao prêmio passará de 17 de janeiro para o próximo dia 23.

Com a nova data, o período de votação dos indicados será encerrado no dia 14 de fevereiro, enquanto que a cerimônia permanece programada para 2 de março.

"Estamos todos devastados pelo impacto dos incêndios e pelas profundas perdas sofridas por tantas pessoas na nossa comunidade. A Academia sempre foi uma força unificadora na indústria cinematográfica e estamos empenhados em permanecer unidos em relação às adversidades", declarou o CEO da Academia, Bill Kramer, e a presidente, Janet Yang, em uma nota.

A expectativa pela revelação dos indicados está grande entre os brasileiros, tendo em vista que o país tem sua maior chance de voltar a disputar na categoria de melhor filme internacional com o longa "Ainda Estou Aqui", de Walter Salles, cuja protagonista Fernanda Torres faturou o Globo de Ouro.Além do anúncio, inúmeros eventos de Hollywood também foram adiados ou canceleados, como o Critics Choice Awards, o jantar do prêmio do American Film Institute, o almoço dos indicados, agendado para 10 de fevereiro, bem como a cerimônia de entrega dos prêmios científicos e técnicos, no dia 18 do próximo mês. 


JORNAL DO BRASIL


sexta-feira, 28 de julho de 2023

‘Barbie’ (que não é um filme para crianças) pretende ser algo mais do que é

 


Crítica - ‘Barbie’ (que não é um filme para crianças) pretende ser algo mais do que é. E fica no meio do caminho

Cotação: duas estrelas

Por TOM LEÃO
Publicado em 21/07/2023 às 10:55
Alterado em 21/07/2023 às 10:55


‘Barbie’, de Greta Gerwig (roteirizado por ela e por seu marido, o cineasta Noah Baumbach, de ‘Frances Ha’), é uma ‘cinebio’ da boneca da Mattel; na verdade, uma ‘crítica’ a tudo o que ela representa (a mulher linda, de corpo impossível, embora fútil), mas sem pegar muito pesado (afinal, não podem falar mal do produto, ficam bem em cima do muro). Na trama, de um dia para o outro, Barbie (Margo Robbie, como a Barbie básica, a mais estereotipada - existem outras no filme) entra numa crise existencial e passa a pensar em coisas como morte e sobre o que existe além de seu lindo e perfeito Barbieworld.

Daí ela dá defeito e, para consertar, precisa vir ao nosso mundo descobrir onde aconteceu a falha (geralmente, é alguém que já brincou com a boneca de forma diferente). Então, após uma primeira parte muito divertida e multicolorida, entra em cena a jornada da boneca em busca de seu ‘eu’ -- numa Los Angeles estranhamente cinza e escura, onde as pessoas só usam preto. O empoderamento feminino entra na pauta e o mundo masculino é questionado. Ok. Mas, na parte final, a diretora perde o pé e vira chororô chato e antiquado, com direito a discurso da criadora da boneca, Ruth Handler, com sua criatura (supostamente inspirada em sua filha, Barbara).

Já se esperava que Gerwig (que até agora dirigiu filmes apenas ok, como ‘Ladybird’ e ‘Adoráveis mulheres’) não fosse fazer algo banal. Tanto que não é ‘censura’ livre, para crianças. Ela expõe questões um pouco mais adultas (ma non tropo) no roteiro e sugere certas coisas nas entrelinhas. Mas Gerwig perdeu a chance de fazer algo muito mais legal, usando dos mesmos expedientes, como já vimos em outros filmes que tocam no tema criador vs criatura. O terço final é bem entediante (números musicais bastante longos e chatos com os Kens, cujo Ken principal é feito por Ryan Gosling), e dá a impressão de que o filme condena a felicidade. Afinal, Barbie (que, vale lembrar, é apenas uma boneca, fruto de sua época, mas se atualizou com outros modelos) é feliz por viver num mundo onde nada do que nos preocupa, ‘do lado de cá’, interessa. Não era preciso faze-la virar ‘uma de nós’ e acabar com a sua felicidade. Ela era feliz. E sabia.

Mas as mulheres (sobretudo, adolescentes) vão adorar. E, no fim, a Mattel, também, pelo mega comercial gratuito da boneca.

JORNAL DO BRASIL

sexta-feira, 22 de outubro de 2021

Almodóvar libera o mamilo / As pistas para decifrar o provocativo cartaz de ‘Madres paralelas’

 


Almodóvar libera o mamilo. As pistas para decifrar o provocativo cartaz de ‘Madres paralelas’

A imagem, criada por Javier Jaén, de um peito envolto no formato oval de um olho consegue o mesmo que as lágrimas no cinema: unir o interior e o exterior do corpo, tornar visível o invisível




Endika Key
9 ago 2021


Mais de 80 anos atrás, John Steinbeck decidiu ceder o protagonismo dos últimos parágrafos de As vinhas da ira a um peito nu. O retrato do seio não continha nenhuma conotação erótica, mas estava relacionado à maternidade. Por sua vez, o conceito de família deixava de estar atrelado ao biológico para se aproximar do social. O peito e o leite representavam como a luz se aproxima do ser humano mesmo nos momentos mais sombrios, embalando-o e acariciando-o: não há nada que defina melhor a nossa condição do que o fato de dois corpos se aproximarem e darem alimento e calor um ao outro. Era de alguma forma o final perfeito para o livro, que John Ford compreensivelmente omitiu em sua adaptação para o cinema de 1940, apesar de o monólogo final do filme —”We’ll go on forever, Pa, ‘cause we’re the people”(Continuaremos para sempre, porque somos o povo) —manter essa mesma ideia de esperança.

Nesta segunda-feira a produtora El Deseo deu à luz o primeiro cartaz de Madres paralelas (mães paralelas), o novo filme de Pedro Almodóvar, e a porta de entrada responde a uma ideia semelhante: um seio em preto e branco com um mamilo escorrendo leite no centro absoluto, emoldurado pela forma de um olho que parece chorar, em um depurado fundo vermelho e com uma fonte tipográfica grossa e cor-de-rosa. Tudo isso nos dá as boas-vindas ao novo trabalho do cineasta, mas, apesar dos elementos, não há sinal de paixão aqui e estamos quase mais próximos do manual de anatomia que Juan Gatti desenhou para o primeiro cartaz de A pele que habito (2011) do que do traseiro com lábios e em forma de coração que Iván Zulueta idealizou para Labirinto de paixões (1982).

Ainda não assistimos a Madres paralelas, mas é justamente aí que reside a importância dessa carta de apresentação: cada cartaz cria no público um imaginário mental que busca levá-lo às salas de cinema, e também um que determina a leitura do filme. Neste caso, o significante não pode ser mais poderoso: sabemos que Almodóvar volta a falar da maternidade, mas parece que a abordagem terá uma força inusitada e singular, direta e sem pudor, iluminada, mas com claro-escuros. Só poderemos comprovar em 10 de setembro, dia da estreia na Espanha, mas também não nos interessa porque, se o cinema de Almodóvar nos ensinou alguma coisa, é que os seus cartazes falam por si mesmos, como ramificações impossíveis que dirigem o olhar e gradualmente convertem o exterior das salas em parte de seu mundo.

Cartaz promocional de ‘A pele que habito’ (2011), desenhado por Juan Gatti e parte de sua série ‘Ciências Naturais’.
Cartaz promocional de ‘A pele que habito’ (2011), desenhado por Juan Gatti e parte de sua série ‘Ciências Naturais’.EL DESEO
O arrojo do teaser-cartaz de Madres paralelas é ainda mais pronunciado considerando a época atual em que vivemos. Já não estamos nos anos quarenta e sofrendo com o código Hays, mas em pleno 2021 ressignificar um peito provoca mais hoje do que há 20 anos. A regulamentação da maioria das redes sociais em pleno 2021 continua a impedir que seja mostrado o da mulher (e não o do homem) nas suas plataformas. E da norma sobre a sexualidade à sexualidade normativa há um passo.

Com este cartaz, El Deseo e Almodóvar parecem fazer uma grande declaração de intenções: aderem ao movimento feminista #FreeTheNipple ao mesmo tempo em que se arriscam a uma, possivelmente já prevista, censura. Javier Jaén, o criador do cartaz, parece pensar a mesma coisa: ele compartilhou o cartaz em sua conta do Instagram, mas sua atualização anterior é a de uma vaca com os úberes pixelizados, no que é um editorial claro sobre como tende a ser ridículo vencer o algoritmo.

Para além da estratégia publicitária, o cartaz de Madres paralelas não poderia ser mais coerente com um cineasta que nunca deixou de provocar —pelo menos aquela parte do público que quer ser provocada—, desde a anarquia underground incomensurável de suas origens até sua atual fase de estilização e depuração. E Almodóvar é um agitador cultural já em seus cartazes.

É sabido que a filmografia de Pedro Almodóvar dá continuamente pistas sobre a sua própria obra, passada e futura. Assim, em A flor do meu segredo (1995) acessamos a uma prévia de Dor e glória (2019) ou descobrimos que, no último romance de Amanda Gris, uma mulher escondia o cadáver do marido em uma geladeira horizontal em Volver (2006). Em Má educação (2004) havia cartazes visíveis de projetos como A avó fantasma ou Os amantes passageiros (2013) dirigidos por Enrique Goded, seu protagonista. E em Abraços partidos (2009), a história de um cineasta que não enxerga, já havia um pôster de Madres paralelas.

Cartaz de ‘Labirinto de paixões’, criado por Iván Zulueta em 1982.
Cartaz de ‘Labirinto de paixões’, criado por Iván Zulueta em 1982.

Mas se naquele cartaz fictício o que ganhava importância era a ideia do acaso e do ninho vazio, com um desenho um tanto inócuo, aqui se remete à visibilização e ao preenchimento com algo que pede um posicionamento. De forma semelhante à estratégia seguida pelo artista José María Cruz Novillo em seus já clássicos cartazes para Ana e os lobos (1973), O espírito da colmeia (1973), A prima Angélica (1974) e Cría cuervos (1976), onde eram as formas geométricas que permitiam descobrir a imagem, aqui o mamilo se converte em íris e pupila. De um jeito também próximo à coragem da escola polonesa de designers de cartazes dos anos sessenta e setenta, em que a alegoria incômoda estava sempre acima da representação, aqui o peito choroso remete a uma maternidade dolorosa. No auge das narrativas seriais, onde o audiovisual é vendido principalmente com base no enredo, esse cartaz vende um conceito.

Se tivéssemos que ficar com algumas dessas antecipações, sem dúvida seria com aquela gota prestes a sair de seu enquadramento e inundar o título. À semelhança daquele momento em Ninfomaníaca (2013) em que Lars Von Trier constrói uma imagem em que as pernas de sua protagonista choram com secreção vaginal, aqui o leite se torna, antes de tudo, um soluço visível que brota do corpo. Gonzalo de Lucas falava das lágrimas no cinema como se fossem uma imagem-ponte entre o interior e o exterior do corpo, como forma de tornar visível o invisível e, talvez, seja isso que pretende este teaser poster. Pode ser que se refira a alguma sequência de Madres paralelas onde Penélope Cruz, Milena Smith ou Aitana Sánchez-Gijón sofrem por seus respectivos filhos. Ou talvez possa se referir a todas essas mulheres que se sentam no banco mais afastado possível e se cobrem para dar o peito ao filho.

Um pôster com o título de ‘Madres paralelas’, em uma cena de ‘Abraços partidos’, de 2009.

Um pôster com o título de ‘Madres paralelas’, em uma cena de ‘Abraços partidos’, de 2009.

Não sabemos se este cartaz se refere à dor latejante que surge ao iniciar a amamentar, ou se a outro tipo de dor que só uma mãe pode compreender. Em qualquer caso, e como sempre, no primeiro dia e na primeira sessão, seremos os primeiros a verificar se o nosso imaginário e o de Almodóvar coincidem. We’ll go on forever, Pedro, ‘cause we’re the people.




Endika Rey é professor assistente da Faculdade de Filologia e Comunicação da Universidade de Barcelona. É especialista em estudos de cinema.




terça-feira, 3 de agosto de 2021

Ao Encontro de Mr. Banks / Biblioterapia e Cineterapia num só filme

 


Ao Encontro de Mr. Banks

Biblioterapia e Cineterapia num só filme

MARIA ANTÓNIA JARDIM
11 ABRIL 2014

Ao Encontro de Mr. Banks conta, não uma, não duas mas três histórias. A primeira narra o que esteve por detrás da produção do filme da Disney, Mary Poppins, e que teve a ver com uma promessa de Walt Disney às suas filhas. A segunda e fulcral narrativa deste filme é a verdadeira biografia de P.L. Travers, a autora de Mary Poppins; a terceira e não menos importante é contar visualmente ao espectador a catarse feita pela escritora dos seus próprios conflitos, traumas, dramas de infância, incluindo as suas relações de vinculação especial com o seu pai.

Ao mesmo tempo, assistimos ao desenvolvimento pessoal e ao processo harmónico e equilibrado que vai resultando dessa consciência em P.L. Travers (fantasticamente interpretada por Emma Thompson). Tudo isto se processa através da personagem interpretada por Tom Hanks, Walt Disney, que, cinematograficamente possibilita um desenvolvimento continuum de resolução de conflitos, plasmando assim no écran aquilo a que Paul Ricoeur chamava a pré-estrutura narrativa da própria vida. A heroína vai resolvendo os conflitos inscritos no seu livro, ainda reféns da dor e do luto, aqui resolvidos através da cineterapia, do filme que está a ser produzido e constantemente re-avaliado e re-interpretado.

Assim sendo, neste caso, biblioterapia e cineterapia andam de mãos dadas e Mary Poppins é um caso ilustrativo de biblioterapia enquanto processo terapêutico.

Ao ler e reler a obra de P.L. Travers, Walt Disney vai identificando os seus próprios problemas e avaliando a sua própria vida, resolvendo algumas questões do seu passado manejando esse espelho retrovisor. Enquanto Pamela, através da produção cinematográfica do seu livro, pôde igualmente curar e salvar a sua relação com o pai e com a sua tia Ellie.

Somos contadores de histórias e seja com a palavra, seja com a imagem, o ser humano exprime as suas contradições, desejos, medos…Arte é linguagem!

Aqui, duas Artes cruzam-se na tela deste maravilhoso filme e apoiam-se uma á outra, permitindo ao espectador/leitor ganhar consciência da hetero-ajuda que um livro ou um filme podem oferecer.

WSI





segunda-feira, 24 de fevereiro de 2020

Parasita /um canto de amor ao cinema


Parasita, um canto de amor ao cinema

Bong Joon-Hu dirige um filme que é comédia, tragédia grotesca, noir e história de terror. Não perca este filme, alheio a uma sutileza de prestígio, direto e quase lindamente literal

Marta Sanz
7 de noviembre de 2019


Não é minha intenção usurpar o posto de nenhum crítico de cinema do EL PAÍS. Deus me livre. No entanto, toda vez que encontro um tempo para o “lazer” –sempre escrevo e pronuncio entre aspas–, libertando-me de um cotidiano alienado, hiperconectado e medroso em relação ao trabalho, descubro excelentes filmes no escurinho dos cinemas. O que eu digo não nasce do deslumbramento de uma garota abduzida pelo desejo desmaterializador de aproximar o dedo da tela para desintegrá-lo em moléculas coloridas de luz ou, inversamente, para encarniçar imagens sempre fantasmagóricas.

Estremeci com Parasitafilme que ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cannes e que foi eleito melhor filme na Mostra de Cinema de São Paulo, dirigido pelo coreano Bong Joon-Hu. Primeiro, por causa do vício hitchcockiano de me sentir desafiada por filmes que começam parecendo uma coisa e acabam sendo outra e outra e outra. Como em Psicose: começamos fugindo ao lado de uma bela delinquente e acabamos em um porão aterrorizante. Vejo Parasita e descubro pelo menos três ou quatro filmes que convergem em um que me interessa por causa de sua maneira de se conectar com Hitchcock, Losey, Chabrol, com o picaresco e a servidão de canino retorcido de Tom Jones, de Henry Fielding. Como eu gosto dos retratos dessa gente do serviço que, em vez de dedicar suas vidas aos patrões –os bonzinhos de Downton Abbey–, os suplantam e se banham em bolhas de sabão que não lhes tiram o cheiro de roupa fervida nem a rusticidade de seus modos. Como eu gosto daquelas criadas que furtam e vão aos programas de fofocas para revelar as intimidades daqueles que as exploram. A ardente quebra de confidencialidade, comprada com uns trocados, me excita.


Bong Joon-Hu dirige um filme que é comédia, tragédia grotesca, noirhistória de terror e da desiludida fosforerita, denuncia as relações de poder –familiares, sexuais, educacionais, trabalhistas– que definem a convivência na Coreia do Sul. Com A Vegetariana, o excelente romance de Han Kang, escritora também sul-coreana, entendemos até que ponto a fusão Ocidente-Oriente, através da roda-viva da globalização, acaba sendo grosseira e selvagem: uma simulação sempre destrutiva e paródica de famílias felizes à moda norte-americana. Simulações de ricas que se liberam comprando. Crianças com traumas de Illinois. Professores de inglês. Churrascos. Abaixo, no subsolo, a realidade dos percevejos e piolhos nos quais repousam as riquezas, o perigo de que detone um explosivo rancor de classe.

A lógica do capitalismo enfrenta o espírito criativo e empreendedor dos patrões com a preguiça e as emanações etílicas de motoristas e empregadas domésticas. Os professores fazem parte do serviço e cada capricho se compra com dinheiro. Os de cima, estadosunidenizados mais do que ocidentalizados, não toleram os que de baixo “passem dos limites”. Para os de cima, os de baixo cheiram mal, por mais que precisem deles; os de baixo lutam entre si e sublimam sua merda –as águas fecais entre as quais literalmente vivem– com a fantasia cômica de seus privilégios em relação ao grande monstro norte-coreano. E até aí posso ler. Não perca este filme, alheio a uma sutileza de prestígio, direto, quase lindamente literal e ao mesmo tempo um canto de amor ao cinema. Eu, que tento servir sem ser serva, me sinto infectada por esses parasitas. A infecção se relaciona com o mundo em que vivemos e com minha propensão a pegar piolhos no cinema quando era pequena.

EL PAÍS


sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

‘Parasita’ / O cheiro dos pobres



O cheiro dos pobres

‘Parasita’, vencedor do Oscar, se inscreve na tradição literária e cinematográfica do arrivista como expoente da luta de classes


Ana Useiros
14 Feb 2020

A notícia cinéfila da semana é que Parasitaum filme sul-coreano, ganhou o maior prêmio cinematográfico dos Estados Unidos. Comentou-se à saciedade que é a primeira vez que uma produção com diálogos em um idioma diferente do inglês derrotou os pesos-pesados da indústria mais poderosa do mundo. Ainda é cedo para saber se será um fato isolado ou um sintoma de uma nova tendência, bem como saber de que tendência estamos falando, embora certamente tenha algo a ver com a nova hegemonia propiciada pelas plataformas globais de produção e distribuição por streaming. No ano passado, outro filme “estrangeiro” (agora mudou oficialmente a denominação do filme “internacional”), Roma, centrado em uma empregada doméstica submissa e sofredora, subjugada pela família rica à qual serve, quase ganhou esse prêmio. É tentador apontar o paralelismo e forçar ligeiramente a metáfora, já que os personagens de Parasita têm acesso ao cobiçado universo da classe alta (Hollywood?) pela porta de serviço, embora o façam com uma atitude completamente oposta.


Essa atitude, esse descaramento, é sem dúvida uma das razões pelas quais, ao contrário do filme de Cuarón, ao falar de Parasita a crítica mencione não apenas a enorme desigualdade social e a divisão de classes, mas essa expressão quase proscrita: “luta de classes”. E, no entanto, Parasita pouco tem a ver com a reivindicação coletiva de um mundo diferente, e tem muito a ver, por outro lado, com outra venerável tradição social, com esse impulso individual(ista) por prosperar, por integrar-se a uma classe social superior e desfrutar de seus privilégios, o que sempre se chamou de arrivismo.

A coincidência de uma sociedade industrializada e de uma cultura obcecada não apenas pela classe social, mas pelos sinais externos de pertencimento a essa classe, levou que a figura do arrivista tivesse sua representação mais sólida na literatura anglo-saxã a partir da segunda metade do século XIX. A inquietação social produzida pela revolução industrial teve primeiro em Dickens um cronista do movimento inverso, de deixar de pertencer a uma classe, da súbita queda na pobreza por razões fora do controle de seus personagens (David CopperfieldA Pequena Dorrit, os protagonistas de A Casa Soturna). Quando Dickens retrata um arrivista, como Pip em Grandes Esperanças, o faz com tal ternura que mal ousamos dar esse nome a ele, e sua ascensão na escala social está tão fora de seu controle quanto a descida na mesma escada dos outros personagens. Totalmente oposto é o outro grande personagem arrivista do início da era vitoriana, o Barry Lyndon de W. M. Thackeray, este sim, cínico e calculista.



À medida que os exércitos de mão de obra assalariada invadem os cinturões urbanos, o medo de se contaminar pela irrupção dessa humanidade que a classe alta conceitua como impenetrável e animal adota várias formas literárias, desde o mito de Frankenstein (que Franco Moretti diz simbolizar o medo da burguesia em relação ao proletariado) até o romance policial, que nasceu como um gênero naquela época. E o fascínio, surgido do medo e da curiosidade, alimenta a figura do arrivista, um homem do povo com talentos excepcionais (é claro, todo talento de um proletário, camponês etc., será excepcional por definição), que aspira ocupar um lugar o que não lhe corresponde por nascimento (como Judas, O Obscuro, de Thomas Hardy).

Esse fascínio é muitas vezes codificado como erótico: o arrivista ingressa na classe alta por meio de um relacionamento sexual com uma mulher à qual seduz, não por sua adaptação aos novos códigos, mas por seus “erros”. O exemplo clássico é Uma Tragédia Americana, de Theodore Dreiser, que nos lembra que o romance norte-americano herda esse tema do arrivismo e o restitui na grande burguesia industrial, no lugar da aristocracia.


Nesse mundo incerto, no qual um órfão como Heathcliff pode acabar sendo dono do Morro dos Ventos Uivantes, as marcas culturais do pertencimento a uma classe são continuamente vigiadas. Os arrivistas estão em risco permanente de serem descobertos, ridicularizados ou expostos. São traídos pela pele morena, as maneiras ásperas, as agressões à gramática (o protagonista homônimo de Martin Eden), a pronúncia incorreta do alemão (Leonard Bast em Howards End), a roupa gasta ou inadequada.

Auxiliados pela tecnologia moderna e pela permeabilidade moderna dos costumes, os protagonistas de Parasita são praticamente infalíveis e não cometem nenhum dos erros de seus antecessores. Apenas seu odor corporal os trai, o “cheiro de pobre”, como é definido de forma sucinta no filme, sem nenhuma referência às conotações de doença, falta de higiene, amontoamento. Não é apenas um “erro” impossível de corrigir, mas é provavelmente o único erro que jamais será instrumento de sedução. Impedirá a perfeita integração dos perfeitos arrivistas, o que não desencadeará uma luta de classes, mas um massacre coletivo.



Enraizado na tradição literária e cinematográfica do arrivista ou do alpinista social, Parasita se afasta de filmes claramente aparentados com ele, como O Criado, de Joseph Losey, porque não se trata de um “alpinista”, mas de várias. O fato de todos os membros da família se juntarem um por um à trama é uma das chaves do humor do filme e do desconforto que suscita. Parece que poderiam se multiplicar até o infinito, que qualquer pessoa, parente ou não, poderia participar da farsa com a mesma destreza. E talvez seja esse o aspecto o mais subversivo e inovador do filme. No relato clássico, um arrivista individual tenta alcançar uma posição que admira. Para isso, ele deve imitá-la com seu talento e essa imitação é o melhor elogio e legitimação possível da ordem social. A sorte do arrivista se justifica por uma meritocracia que, por sua vez, ratifica os valores que sustentam a hierarquia. Bem dizia Orwell que não acreditaria em ninguém que dissesse admirar a classe operária até vê-lo adotar as maneiras do proletariado à mesa.

Se qualquer um pode imitar o objeto de desejo e se a diferença entre o original e a cópia é algo tão intangível quanto um cheiro que apenas os privilegiados percebem, a exclusividade e a aura são desvalorizadas. Isso poderia levar, como sonhava Walter Benjamin, a uma radical mudança social. Mas, por mais que a crítica a invoque, se a luta de classes não estiver presente, essa desvalorização pode ser apenas mais um sintoma da nova hegemonia audiovisual.

Ana Useros é crítica de cinema e tradutora.

Leituras
Grandes Esperanças, Charles Dickens
Judas, O Obscuro, Thomas Hardy
Uma Tragédia Americana, Theodore Dreiser
Martin Eden, Jack London
A Mansão, E. M. Forster
O Criado, Robin Maugham

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

25 anos depois, alguém mente sobre a cruzada de pernas de ‘Instinto Selvagem’




25 anos depois, alguém mente sobre a cruzada de pernas de ‘Instinto Selvagem’

O diretor do filme, Paul Verhoeven, e Sharon Stone acusam um ao outro de mentir sobre os meandros da cena


Juan Sanguino
20 mar 2017

Lá se vão 25 anos, e alguns ainda não se recuperaram. A cruzada (ou, tecnicamente, descruzada) de pernas que fez o mundo prender a respiração não envelheceu nada. A suspeita de assassinato Catherine Trammell (interpretada por uma Sharon Stone de 34 anos) se submete a um interrogatório, mas é ela que acaba submetendo os policiais. O rato e o gato nunca estiveram tanto no cio. É Catherine a única que tem prazer com a situação.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Michael Haneke / “O mundo submergiu em águas turbulentas”

Michael Haneke
Rupert Smissen

70 FESTIVAL DE CANNES

Michael Haneke: “O mundo submergiu em águas turbulentas”

O cineasta austríaco apresenta ‘Happy End’, com que pode ganhar sua terceira Palma de Ouro

Michael Haneke passeia pelo Festival de Cannes como se fosse sua casa. Na realidade, poderia ser sua segunda residência. Toda a sua carreira está ligada à competição. Desde seus primeiros filmes, O Sétimo Continente e O Vídeo de Benny, que participaram da Quinzena dos Diretores, aos dois últimos, A Fita Branca e Amor, que ganharam a Palma de Ouro. Ele ri. Não é homem de muitas palavras. Prefere que sejam os filmes a contar suas próprias histórias. E em Happy End mostra a queda de uma família da alta burguesia francesa, um grupo com seus divórcios, suas solidões, seus filhos abandonados... e rodeados pela última onda de refugiados, já que vivem em Calais.
Esta é a quarta vez que Haneke filma com Isabelle Huppert, e a segunda com outra lenda do cinema francês, Jean-Louis Trintignant, que, aos 86 anos, discorreu sobre sua felicidade de ter atuado com o cineasta: “Sempre é um prazer trabalhar com Michael. Ele é muito bom na exploração psicológica. É um diretor muito preciso”. Sobre o final, aberto, no qual acaba submerso no mar, o ator explicou: “Filmamos a cena em três dias, e é muito ambíguo. Michael decidiu que seria assim, e, por isso, eu também estou contente”. E começa a rir. A seu lado, Haneke completa a descrição. “A água estava fria, o mar o congelava e não estávamos seguros de que tínhamos alcançado sua força visual”. Ao que o ator respondeu: “Pedi aos produtores que gravássemos o final já em Cannes, onde o tempo estaria melhor, e assim já ficaríamos por aqui”.
Haneke fez algumas descrições mais detalhadas de sua maneira de trabalhar. Por exemplo, com a violência, e com o fato de no filme haver diferentes momentos explosivos e um grande acidente laboral: “Nos meus filmes sempre há tomadas longas. Não gosto de mostrar a violência em primeiro plano. Para mim, a distância é a maneira mais correta de mostrá-la”. Em Happy End há uma presença constante das redes sociais, que o cineasta explica assim: “O mundo mudou muitíssimo nos últimos 20 anos. Submergiu em águas turbulentas. Não se pode descrever o mundo atual sem as redes sociais, mas não é esse o assunto do filme”. Mas em seguida destacou: “As redes sociais não são a vida real. Sua superficialidade marca as relações atuais”.


Curiosamente, quando acabou Amor, o diretor escreveu um roteiro que estava mais relacionado com as novas formas de comunicação, Flashmob. “Perdi dois anos nesse filme e decidi não fazê-lo, não tinha ele claro na cabeça. É verdade que alguns detalhes daquele roteiro estão neste”. O diretor escreve seus roteiros rapidamente e logo teve um novo: “Decidi olhar para a frente. Junto os personagens e suas vivências, e crio a trama. Não é tão fácil quanto parece porque na realidade não há grandes surpresas nem artifícios em Happy End. Mas, sim, queria que ficassem claras as linhas que sobrevoam o argumento. Minha aposta é mostrar o menos possível para que seja a imaginação do espectador que complete o filme”.
Essas lacunas a serem preenchidas pelos espectadores são o que levam Haneke a rejeitar muitas perguntas. Quando lhe pediram que aprofundasse a sequência na qual um grupo de refugiados subsaarianos acaba comendo em uma festa familiar, cortou a questão: “Não quero responder sobre os imigrantes, porque é você quem tem que responder a essa pergunta. Eu coloco pistas para o espectador e ele tem que encontrar suas respostas”. Fez o mesmo quando o moderador pediu a uma atriz que comentasse seu personagem, pouco delineado na tela: “Não descreva sua personagem. Essa é uma pergunta horrorosa que nunca se deve fazer”. O elenco completo, que o rodeava na entrevista, incluindo Isabelle Huppert, Mathieu Kassovitz e Toby Jones, tampouco trouxe à conversa mais do que um “Que prazer trabalhar com Michael, sempre estarei a postos quando ele me chamar de novo”.
Michael Haneke falou mais de seu trabalho com o diretor de fotografia, e após um longo discurso, resumiu, voltando à sua famosa precisão: “Em uma filmagem gosto que os atores me surpreendam, e não os aspectos técnicos”.