Mostrando postagens com marcador Les Murray. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Les Murray. Mostrar todas as postagens

sábado, 16 de julho de 2016

Les Murray / O instrumento

Foto de Mapplethorpe
Les Murray
O instrumento
Quem lê poesia? Não nossos intelectuais;
eles querem controlá-la. Não os amantes, não os combativos,
não os examinadores. Eles também roçam-na em busca de bouquets
e trunfos mágicos. Não os alunos pobres
que peidam furtivamente enquanto criam imunidade contra ela.
A poesia é lida pelos amantes da poesia
e ouvida por mais uns que eles levam ao café
ou à biblioteca local para uma leitura bifocal.
Os amantes de poesia podem somar um milhão
no planeta todo. Menos do que os jogadores de skat.
O que lhes dá prazer é um roçar nunca-assassino
destilado, principalmente versado, e suspenso em êxtase
calmo na superfície de papel. O resto da poesia
de que isso uma vez já foi parte ainda domina
os continentes, como sempre fez. Mas sob a condição hoje
de que seu nome nunca seja dito: construções, poesia selvagem,
o oposto mas também o secreto do racional.
E quem lê isso? Ah, os amantes, os alunos,
debatedores, generais, mafiosos, todos leem:
Porsche, plástica, Gaia, Bacana, patriarcal.
Entre as estrofes selvagens há muitas que exigem tua carne
para incorporá-las. Só a arte completa
livre de obediência a seu tempo pode te fazer dar piruetas
ao longo e através dos poemas maiores em que você está.
Estar fora de toda poesia é um vazio inalcançável.
Por que escrever poesia? Pelo estranho desemprego.
Pelas dores de cabeça indolores, que devem ser aproveitadas para atacar
por meio de seu braço que escreve no momento acumulado.
Pelos ajustes posteriores, alinhando facetas em um verbo
antes que o transe te deixe. Para trabalhar sempre além
de sua própria inteligência. Para não precisar se erguer
e trair os pobres para fazê-lo. Por uma fama não-devoradora.
Pouca coisa na política lembra isso: talvez
os colonizadores australianos reinventando o falso
e muito adotado voto secreto, no qual a deflação podia se esconder
e, como um portador do bem-estar, envergonhar as Revoluções da vala-comum.
Tão cortada a machado, tão cônsul-ar.
Foi essa uma brilhante vitória mundial da covardia moral?
Respirar em ritmo de sonho quando acordado e longe da cama
revela o dom. Ser trágico com um livro na sua cabeça.


quinta-feira, 14 de julho de 2016

Les Murray / Poesia e religião


Alexei Antonov
Les Murray

Poesia e religião

Religiões são poemas. Eles combinam
nossa mente em vigia e os sonhos, nossas
emoções, instinto, respiração e gesto nativo
em um só pensamento completo: poesia.
Nada é dito até ser sonhado em palavras
e nada é verdadeiro se estiver em palavras apenas.
Um poema, comparado com uma religião ordenada,
pode ser como o casamento curto de uma noite de um soldado
pelo qual viver e morrer. Mas essa é uma religião pequena.
A religião plena é o grande poema em amada repetição;
como todo poema, deve ser inexaurível e completa
com pontos onde perguntamos Mas por que o poeta fez aquilo?
Não se pode rezar uma mentira, disse Huckleberry Finn;
não se pode pô-la em verso, também. É o mesmo espelho:
móvel, insinuante, chamamos poesia,
fixado centralmente, chamamos religião,
e Deus é a poesia capturada em qualquer religião,
capturada, não presa. Pega como num espelho
que ele atraiu, estando no mundo como a poesia
está no poema, uma lei contra seu fechamento;
Haverá sempre religião enquanto houver poesia
ou falta dela; Ambas são dadas, e intermitentes,
como a ação daquelas aves – rola-de-crista, papagaio multicolorido –
que voam com as asas fechadas, depois batendo, e fechadas novamente.



LES MURRAY
Les Murray é um poeta australiano nascido em Nabiac, um povoado costeiro de New South West, e é considerado um dos escritores australianos mais importantes da atualidade.
Ao publicar seu primeiro livro, A árvore de Ilex (1965) ganha o Prêmio Grace Leven de Poesia e é convidado para o Festival de Poesia da Conferência de Artes da Comunidade Britânica, em Cardiff. Em sua primeira aparição no estrangeiro, a antologia Modern Australian Writing, recopilada por Geoffrey Dutton e editada em Manchester, em 1966, é publicado seu poema “Na Rodovia”, onde já se revela a sensibilidade e a estética que caracterizam toda sua obra. Em 1967, depois de um longo giro pela Europa, regressa a seu país.
Grande parte de sua obra aparece em verso livre e em outras utiliza estruturas mais clássicas. Em Os meninos que roubaram o funeral (1980), por exemplo, a anedota se constrói como um romance armado em cento e quarenta sonetos.
Alguns de seus livros de poesia são Poemas contra economistas (1972), A república vernacular (1976), Rádio étnica (1977), A roda idílica (1989), Poemas sub-humanos de pescoço vermelho (1996), Consciência e verbo (2000) e Poemas tamanho fotografias (2002), entre outros. Murray também tem publicadas várias coleções de crônicas e artigos, e é, também, um dos mais influentes críticos literários do país.

Adriana Santa Cruz