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sábado, 13 de janeiro de 2018

Ferocidade / Redes de crime e opressão


Ferocidade. Violência e submissão

Ferocidade

Redes de crime e opressão

4 JUNHO 2015, 
VERA FELICIDADE DE ALMEIDA CAMPOS

Ferocidade é característica de feras e também de seres humanos que se tornam violentos, desumanizados e ferozes. É rápido tornar-se feroz e é também fácil reduzir um ser humano a suas dimensões biológicas, às suas necessidades. É eloquente o depoimento abaixo e mostra como a interseção entre sistemas econômicos e sociais é uma regra de ouro, mantida entre opressores e oprimidos:
“ ‘Oito semanas’, recomeça o soldado barbudo, ‘oito semanas e tudo o que existe de humano no ser humano desaparece. Os Kaibiles descobriram uma maneira para anular a consciência. Em dois meses, pode ser extraído de um corpo tudo o que o diferencia dos animais. O que faz com que ele distinga maldade, bondade, moderação. Em oito semanas, você pode pegar são Francisco e transformá-lo em um assassino capaz de matar animais a dentadas, sobreviver bebendo só mijo e eliminar dezenas de seres humanos sem sequer se preocupar com a idade das vítimas. Bastam oito semanas para aprender a combater em qualquer tipo de terreno e em qualquer condição atmosférica, e para aprender a se deslocar rapidamente quando atacado pelo fogo inimigo.’ ” … “… kaibiles são o esquadrão de elite antissubversão do Exército guatemalteco. Nascem em 1974, quando é criada a Escola Militar que se tornaria o Centro de Adestramento e Operações Especiais Kaibil. São os anos da guerra civil guatemalteca, anos em que as forças do governo e paramilitares, apoiadas pelos Estados Unidos, se veem enfrentando primeiro guerrilheiros desorganizados e, depois, o grupo rebelde Unidade Revolucionária Nacional Guatemalteca. É uma guerra sem trégua. Nas malhas dos Kaibiles caem estudantes, trabalhadores, profissionais liberais, políticos da oposição. Qualquer um. Aldeias maias são arrasadas, os camponeses são trucidados e os seus corpos, abandonados para que apodreçam sob o sol inclemente.” - Zerozerozero de Roberto Saviano, Ed. Companhia Das Letras, pag.90-91
Sobreviver em regiões sócio-econômicas onde a desigualdade, tirania e medo predominam, é a sobrevivência limitada e determinada pelos sistemas opressores. Uma das maneiras de fugir da opressão maciça é trabalhar para o sistema, é ajudar as máquinas opressoras (tornando-se delator, torturador, etc). Outra maneira é arregimentar condições para violências pseudo reparadoras: roubar, matar, supliciar os que dispõem de dinheiro (não importa quanto), formando esquadrões e gangues de violência.
Para se manterem, as sociedades opressoras usam clandestinos, criam ferozes; foi assim, por exemplo, nos anos das ditaduras brasileira, argentina, uruguaia, chilena, com a formação de torturadores, tanto quanto agora é este mesmo suporte residual que se vê no tráfico de drogas, armas e sexo. Qualquer olhar atento para favelas, comunidades de baixa renda, revela este mosaico. Da mesma forma, no Leste europeu (ex União Soviética e seus satélites), após a Perestroika, vemos antigos dirigentes e líderes políticos, “promissores quadros do partido”, organizando bilionárias operações: redes de tráfico de armas, drogas e mulheres. Para realizar estas operações é preciso esvaziar o humano e fazer surgir feras capazes de manter os negócios. A mídia contribui e é fundamental na geração e manutenção dos desejos: a boa comida, a boa roupa e todos os fetiches de consumo e estilo divulgados e propagandeados.
Toda vez que não se aceita limites e restrições do que está acontecendo no presente, da condição socio-econômica, se fica reduzido à sobrevivência, à satisfação de necessidades e assim são criados complexados, pessoas que se sentem inferiorizadas por não serem ricas, não terem tido os brinquedos anunciados na TV, não morarem em apartamentos como os que possuem mais dinheiro. É um início de estruturação de ferocidade, posteriormente aprimorada, efetivada por variáveis de opressão estabelecidas pelos sistemas, pelas familias.
Este processo de não aceitação estabelece metas, desejos de realização, que também são responsáveis por retirar os pés do chão (sair do presente) e se agarrar aos desejos (metas), se agarrar em ilusões de melhora e a qualquer coisa considerada salvadora, desde exercer torturas para manter a ordem social vigente, à venda de drogas e armas para conseguir amealhar o primeiro milhão de dólares. É o esvaziamento humano gerado pela sedução do prazer, paraísos prometidos e nirvanas criadores de feras, tanto quanto de mártires (os que se explodem com bombas), esvaziamento mantido e ampliado por sistemas e situações opressoras.


quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

Joan Faus / A Colômbia é o país mais promissor da América Latina





“A Colômbia é o país 

mais promissor da América Latina”

Ruchir Sharma, responsável pelo departamento de mercados emergentes do banco de investimento Morgan Stanley, há anos analisa a evolução dos países emergentes



Ruchir Sharma, de Morgan Stanley
Ruchir Sharma, responsável pelo departamento de mercados emergentes do banco de investimento Morgan Stanley, analisa há anos a evolução dos países emergentes. Em 2012, ele publicou o livro Breakout Nations, atualizado em abril passado com um novo epílogo. Nesta entrevista concedida por telefone desde Nova York, ele analisa os desafios que a América Latina enfrenta.
Pergunta. Qual a sua opinião sobre a volatilidade econômica que alguns países emergentes viveram nas últimas semanas?
Resposta. A última década foi realmente uma década excepcional para os países emergentes, fruto de uma combinação nada usual de preços de matérias primas em alta pela demanda da China, muita liquidez e um custo de capital de risco muito baixo. Os países emergentes tiveram uma década muito pobre nos anos 80 e 90, portanto havia espaço para a recuperação. E logo veio o boom da última década, mas muitos não compreenderam esse boom e pensaram que permaneceria por um longo período de tempo. Em países como o Brasil todo o foco se afastou das reformas e se centrou mais em como gastar o dinheiro. As prioridades mudaram e o que vemos agora é que o boom das matérias-primas está chegando a uma espécie de fim.
P. E como essa volatilidade afeta a América Latina, por exemplo, a instabilidade do peso argentino?
R. Não acho que estejamos às portas de outra crise nos países emergentes, o que vemos é que há mais diferenciação. Na América Latina, a última década foi realmente do Brasil, mas agora o Brasil não está acertando e há muito otimismo sobre o México em Wall Street. A Venezuela é um país esquecido. É muito difícil dizer que a Argentina seja um grande problema porque é demasiado pequena para ter peso no mundo emergente.
P. O senhor vê um enfoque muito diferente nas receitas econômicas do México e do Brasil?
R. O foco em termos da ortodoxia econômica é bem diferente. O Peru, a Colômbia e o México têm bancos centrais muito independentes, um bom sistema de pensões, assim como o Chile. Acreditam mais no livre comércio, acabam de assinar um acordo nesse sentido com a Aliança do Pacífico. Esses países têm mais tecnocratas e menos interferência política nos assuntos centrais das decisões de política econômica. A disciplina fiscal também foi melhor. No caso do Brasil, houve uma deterioração na inflação e no déficit orçamentário; e há muito mais interferência do governo no setor privado. De um ponto de vista simplista, no lado esquerdo do continente estamos vendo as boas decisões de política econômica, enquanto no direito, as más.
P. Qual país latino-americano o senhor acha que tem melhores perspectivas de futuro?
R. Para mim a Colômbia é o que tem um futuro mais brilhante. É o mais promissor na América Latina porque no México o processo também parece brilhante, mas as expectativas são muito altas e o México terá que cumpri-las. Já na Colômbia as expectativas não são tão elevadas. As perspectivas parecem melhores do lado esquerdo, o que eu chamo da nova costa do ouro da América Latina, que são essencialmente o México, o Peru e a Colômbia.
P. O que acha que o Brasil deveria ter feito para evitar que sua economia perdesse velocidade?
R. O problema é que o gasto público é muito elevado em termos de percentual do PIB. Muito desse gasto não é em infraestrutura, mas em ter uma burocracia demasiado grande ou um estado de bem estar expansivo. Todo país deve ter gasto governamental, mas no caso do Brasil o percentual é o mais elevado entre todos os emergentes do mundo. E tudo isso contribui para que tenha impostos elevados, o que torna difícil fazer negócios.
P. O senhor acha que alguns desses países ganharão peso como atores políticos internacionais?
R. Terão que se concentrar muito mais em seus esforços econômicos internos. O Chile, o Peru, o México e a Colômbia parecem mais próximos entre si, por exemplo, com a assinatura dos acordos de livre comércio; já o Brasil, a Argentina e a Venezuela estão cada vez mais isolados na região.
P. Com o desenvolvimento econômico as classes médias foram se ampliado nesses países. O senhor teme que isso possa gerar protestos como os que vimos no Brasil em 2013?
R. Pode acontecer, mas não acho que seja uma questão de classes médias e sim fruto de uma insatisfação com os líderes políticos que estão no poder há um longo tempo. Em países como o Chile ou o México houve mudanças de governo. Os países mais vulneráveis acho que são os que têm um partido político que está no governo há muito tempo e não há perspectiva de mudança.
P. O senhor alertou sobre a enorme dificuldade dos países em desenvolvimento convergirem com os avançados...
R. No caso da América Latina foi preciso o típico: preços de matérias primas elevados para um crescimento rápido. Mas as matérias primas costumam subir durante uma década e nas duas seguintes tendem a cair. A América Latina tem que impulsionar mais sua base manufatureira e reduzir sua dependência das matérias primas, mas por ora não vemos muito disso.
P. Acredita que a retirada dos estímulos da Reserva Federal dos EUA afetará negativamente os países latino-americanos?
R. Eu me surpreenderia se fosse um grande problema para os emergentes. O grande risco é o crescimento da China se desacelerar, esse país comprar menos matérias primas e os preços caírem. Esse é um risco muito maior para a América Latina.
P. E um crescimento menor da China afetaria toda a região da mesma e maneira?
R. O Brasil é um candidato de risco, mas na verdade são todos porque a maioria das exportações de quase todos os países, com exceção do México, é de matérias primas. A Colômbia está numa situação um pouco melhor porque depende mais do petróleo e o consumo chinês de petróleo não é tão elevado.

América Latina

Brasil
Os problemas do Brasil são profundos. Não vejo nenhuma mudança de rumo cedo no Brasil, há muitos assuntos por resolver, a moeda tem que se desvalorizar. Seu setor de manufatura e a produção industrial seguirão com problemas, não vejo um futuro muito brilhante para Brasil nos próximos anos em termos econômicos.
México
Tem feito reformas econômicas mas agora temos que ver que as expectativas se convertam em resultados concretos. Há muita expectativa com o novo presidente [Enrique Peña Nieto] e as reformas, mas por hora o crescimento econômico foi decepcionante. O que a gente está olhando agora é que neste ano se consiga o crescimento econômico, há uma boa oportunidade de que assim seja mas estou preocupado pelo crescente otimismo no México.
Colômbia
A situação política é muito estável, parece que há uma vontade de reeleger o [o presidente Juan Manuel] Santos e ele está muito centrado em conseguir o acordo de paz com a FARC. Tem um plano muito ambicioso de construção de infraestruturas. As possibilidades de que Colômbia seja uma nação de sucesso são bastante elevadas.
Peru
Também aparece bem mas a situação política é um pouco mais instável. Teve um alívio com [o presidente Ollanta] Humala mas persiste a incerteza de se poderia fazer algo mais populista e abandonar a ortodoxia econômica. Não acho que o faça mas o risco persiste. Além disso, Peru é bem mais vulnerável aos preços das matérias-primas que a Colômbia, que é mais dependente em petróleo.
Chile
A perspectiva do Chile não é tão boa, não porque esteja indo mau, mas porque parece que alcançou um nível de rendimentos per capita relativamente alto e é difícil saber qual será o seguinte impulso a seu crescimento. A economia chilena ainda depende largamente das matérias-primas, não têm outros setores que estejam tão bem. A investigação, o desenvolvimento e a inovação são fatores que impulsionam o crescimento e Chile não está fazendo muito nessas frentes. Apesar de o Chile ter sido um ótimo modelo para América Latina nas últimas duas décadas, não acho que esteja fazendo muito mais agora para o fazer melhor.




sábado, 21 de maio de 2016

Moisés Naím / Venezuela em ruínas

Para comprar alimentos é preciso fazer longas filas nos supermercados, como neste caso, em Caracas.  Reuters

Venezuela em ruínas

O país vive um tipo de implosão que quase nunca acontece em uma economia de renda média



MOISÉS NAÍM
FRANCISCO TORO
17 MAI 2016 - 06:48 COT


Quando um empresário venezuelano que conhecemos abriu um negócio no oeste da Venezuela, há 20 anos, nunca imaginou que um dia enfrentaria uma pena de prisão por causa do papel higiênico nos banheiros de sua fábrica. No entanto, a Venezuela sabe transformar o inimaginável do passado no cotidiano do presente.
O calvário de Carlos teve início há um ano, quando o sindicato da empresa começou a insistir no cumprimento de uma estranha cláusula de sua convenção coletiva, segundo a qual os sanitários da fábrica tinham de ter papel higiênico o tempo todo. O problema era que, dada a crescente escassez de todo tipo de mercadoria (de arroz e leite a desodorante e preservativos), encontrar um único rolo de papel higiênico era praticamente impossível na Venezuela. Quando Carlos finalmente conseguiu uma quantidade suficiente, seus empregados, como é compreensível, o levaram para casa: para eles, encontrar o produto no mercado era tão difícil quanto para Carlos.
O roubo de papel higiênico pode soar como uma piada, mas para Carlos é um assunto sério: se ele não recolocar o produto infringe a convenção coletiva, o que expõe sua fábrica ao risco de uma greve prolongada, que por sua vez poderia levar à nacionalização da empresa pelo Governo de Nicolás Maduro. Então, ele recorreu ao mercado negro, onde encontrou uma aparente solução: um fornecedor capaz de entregar, de uma só vez, papel higiênico para vários meses. O preço foi alto, mas ele não tinha escolha: sua empresa estava em perigo. Infelizmente, conseguir o suficiente de papel higiênico não acabou com o calvário de Carlos.
Assim que a carga chegou à fábrica, a polícia secreta entrou em cena. Apreenderam o papel higiênico e afirmaram ter desbaratado uma grande operação de armazenamento, parte da “guerra econômica”, apoiada pelos Estados Unidos que, de acordo com o Governo de Maduro, é a principal causa da escassez. Carlos e três dos seus principais diretores enfrentam um processo criminal e uma possível sentença de prisão. E tudo por causa do papel higiênico.
Carlos é uma das pessoas reais por trás dessas histórias engraçadas do tipo “não existe papel higiênico na Venezuela”, que se valem da crise do país para provocar risos e cliques. Mas para nós, venezuelanos, a virada sinistra que o país deu não tem um pingo de graça. O experimento do “socialismo do século XXI” proposto por Hugo Chávez, o autodenominado paladino dos pobres que jurou distribuir a riqueza do país entre as massas, foi um fracasso cruel.


ampliar fotoFarmácias como esta, em Caracas, sofrem com a falta de medicamentos essenciais Miguel Gutiérrez Efe
Os países em desenvolvimento, assim como os adolescentes, são susceptíveis de ter acidentes. Dir-se-ia que quase esperamos que tenham uma crise econômica, uma crise política, ou ambas, com alguma regularidade. As notícias que chegam da Venezuela – como a escassez de produtos básicos e, mais recentemente, os distúrbios provocados por apagões, a imposição de uma semana de trabalho de dois dias para os funcionários públicos, supostamente para economizar energia, e umacampanha para expulsar o presidente que ganha cada vez mais força – são tão funestas que é fácil dizer que são mais um desses episódios recorrentes.
Mas isso seria um erro. O que o nosso país está vivendo é algo monstruosamente único nos tempos que correm: nem mais nem menos do que o afundamento de um país grande, rico, aparentemente moderno e democrático, a apenas três horas de avião dos Estados Unidos.
Nos últimos dois anos, a Venezuela viveu esse tipo de implosão que quase nunca acontece em um país de renda média a menos que haja uma guerra: a taxa de mortalidade disparou; os serviços públicos desmoronam um após o outro; a inflação de três dígitos colocou mais de 70% da população em situação de pobreza; uma onda de criminalidade incontrolável obriga as pessoas a ficarem trancadas em suas casas; os consumidores têm de fazer quatro ou cinco horas de fila para comprar; os recém-nascidos, e também os idosos e os doentes crônicos, morrem por falta de medicamentos e de aparelhos simples em hospitais. Agora há uma verdadeira epidemia de fome no país.





As dimensões da decadência se retroalimentam, criando um ciclo para o qual não há solução

Mas por quê? Não é que o país não tenha dinheiro. Sentado sobre as maiores reservas de petróleo do mundo, o Governo dirigido primeiro por Chávez e desde 2013 por Maduro recebeu mais de um trilhão de dólares (cerca de 3,5 trilhões de reais) em receitas de petróleo ao longo dos últimos 17 anos e não teve de enfrentar nenhuma restrição institucional sobre a forma de gastar essa bonança sem precedentes. É verdade que o preço do petróleo está caindo faz algum tempo – um risco que todos previam, e contra a qual o Governo não se preparou –, mas isso dificilmente pode explicar o que aconteceu: a implosão da Venezuela começou muito antes. Em 2014, quando o petróleo continuava a ser vendido por 100 dólares o barril, os venezuelanos já estavam enfrentando uma importante escassez.
O verdadeiro culpado é o chavismo, a filosofia imperante em honra a Chávez e perpetuada por Maduro e sua assombrosa propensão à má gestão (o Governo desperdiçou fundos estatais em investimentos absurdos), a destruição institucional (primeiro Chávez e depois Maduro tornaram-se mais autoritários e paralisaram as instituições democráticas do país); as decisões políticas sem sentido (como os controles de preços e de câmbio) e o roubo puro e simples (a corrupção proliferou entre inúmeros governantes, seus familiares e amigos).
Um bom exemplo é o controle de preços, que se aplica a mais e mais produtos: alimentos e medicamentos vitais, sim, mas também baterias de automóveis, serviços médicos, desodorantes, fraldas e, é claro, papel higiênico. O objetivo aparente era controlar a inflação e tornar os produtos acessíveis aos pobres, mas qualquer pessoa com um conhecimento básico de economia poderia ter previsto as consequências: quando os preços são fixados abaixo do custo de produção, os vendedores não podem se permitir reabastecer as prateleiras. Os preços oficiais são baixos, mas é uma miragem: os produtos desapareceram.
Quando um país está em pleno processo de afundamento, as dimensões da decadência se retroalimentam, criando um ciclo para o qual não há solução. Os presentes populistas, por exemplo, fomentaram o ruinoso flerte da Venezuela com a hiperinflação e o Fundo Monetário Internacional prevê que os preços subam 720% neste ano e 2.200% em 2017. O Governo praticamente dá a gasolina: segundo as taxas de câmbio do mercado negro, com uma nota de 100 dólares é possível comprar combustível suficiente para dar a volta ao mundo 11 vezes a bordo de um Hummer H1. É o mesmo tipo de política absurda que mergulhou o Estado numa crônica escassez de fundos, forçando-o a imprimir cada vez mais dinheiro para financiar seus gastos, estimulando ainda mais a inflação. Mais útil do que o debate teórico sobre as forças profundas que destruíram a economia da Venezuela, destroçando sua sociedade e arrasando suas instituições, é oferecer algumas histórias que ilustram a crise humanitária pela qual ninguém se responsabiliza.
Quem matou Maikel Mancilla?
Aos 14 anos, Maikel Mancilla lutava contra a epilepsia havia seis. Sua doença estava mais ou menos controlada graças ao Lamotrigina, um anticonvulsivo comum para o qual é necessário ter receita médica. Consegui-lo era, já faz um tempo, uma luta para sua família, mas com o aumento da diferença entre o custo real do remédio e o preço máximo que as farmácias poderiam cobrar, tornou-se impossível encontrá-lo.
Em 11 de fevereiro, a mãe de Maikel, Yamaris, deu o último comprimido de Lamotrigina que havia em seu armário de remédios; nenhuma das farmácias que procurou tinha o anticonvulsivo. Yamaris recorreu às redes sociais – que atualmente na Venezuela estão cheias de pessoas desesperadas em busca de remédios que estão escassos –, mas não teve sorte. Durante os dias seguintes, Maikel sofreu uma série de ataques epilépticos cada vez mais graves, diante dos olhos impotentes de sua família. Em 19 de fevereiro, à 1h15, morreu de insuficiência respiratória.





O colapso do sistema de saúde e a escassez de medicamentos tiram vidas todos os dias

O caso de Maikel não é único. O colapso do sistema de saúde e a escassez de remédios tiram vidas todos os dias. Os pacientes psiquiátricos que sofrem de esquizofrenia devem se virar sem antipsicóticos. Dezenas de milhares de pacientes HIV-positivos só encontram os antirretrovirais com muito custo. Os pacientes com câncer não têm quimioterapia. Mesmo a malária – que tinha praticamente desaparecido da Venezuela há uma geração e pode ser tratada com remédios baratos – retornou com resultados mortais.
Piloto de corridas
Enquanto os venezuelanos estavam morrendo por falta de remédios básicos, seu Governo socialista radical gastou dezenas de milhões por ano para que seu compatriota Pastor Maldonado competisse no circuito mundial da Fórmula 1. Amigo das filhas do presidente Chávez, Maldonado só conseguiu ganhar uma única corrida em cinco anos de competição. Ainda assim, a empresa de petróleo estatal venezuelana, PDVSA, gastava mais de 45 milhões de dólares por ano para que Maldonado continuasse correndo com seu logotipo. Este ano, Maldonado, que acabou ganhando o apelido de Crashtor pelo hábito de bater em todas as corridas, foi forçado a deixar o circuito da Fórmula 1 quando a PDVSA não pôde patrociná-lo.
A generosidade de Chávez e Maduro com o petróleo venezuelano é lendária. Espalharam o dinheiro do petróleo por todo o planeta, desde os 18 milhões de dólares pagos a Danny Glover em 2007 para produzir um filme ideologicamente apropriado (que ainda não foi visto) aos milhões gastos para manter à tona a economia cubana ou financiar movimentos de esquerda, de El Salvador à Argentina, passando pela Espanha e outros lugares.
O roubo do almoço
Enquanto isso, o Governo venezuelano não consegue nem garantir o sistema de direito mais básico, o que transformou Caracas, a capital, em uma das cidades com mais assassinatos do mundo. Os traficantes de drogas dominam grandes áreas rurais. Nas prisões, os líderes de gangues têm armas militares e os ataques com granadas não são mais uma novidade. Até as crianças são roubadas. Na escola de Nuestra Señora del Carmen, em El Cortijo, um bairro pobre de Caracas, os fornecimentos da cantina escolar foram roubados duas vezes este ano. O segundo roubo fez com que a escola não conseguisse alimentar as crianças durante uma semana.
Em outros lugares, a cantina escolar parou de funcionar. Nas comunidades mais pobres, os pais optam por tirar seus filhos da escola: são mais úteis na fila nas portas de um supermercado do que sentados na escola, já que para se qualificar para porções adicionais para seus filhos, os pais precisam levar a criança pessoalmente à loja. O regime, há tempos, colocou a educação no centro da sua propaganda, mas a realidade atual é que uma geração de crianças carentes está sendo privada de educação por causa da fome.
Ao mesmo tempo, a Assembleia Nacional, controlada pela oposição, denunciou o roubo de cerca de 200 bilhões de dólares por meio de golpes na importação de alimentos desde 2003.
O aumento do crime alimenta o surto de Zika
A Venezuela enfrenta um dos piores surtos de zika vírus da América do Sul. O Instituto de Medicina Tropical da Universidade Central da Venezuela – eixo das respostas do país às epidemias tropicais – já foi saqueado 11 vezes, pelo menos, nos dois primeiros meses de 2016. Os dois últimos assaltos deixaram o laboratório sem nenhum microscópio. Por isso, é impossível que os pesquisadores façam seu trabalho. Além disso, as tentativas de reparar os danos são afetadas pelas mesmas disfunções que afligem o resto da economia: simplesmente não há dinheiro para substituir os caros equipamentos importados que os criminosos roubaram.
Outros aspectos do colapso do Estado também agravam a crise do zika vírus. A infraestrutura hidráulica das cidades venezuelanas está desmoronando depois de quase duas décadas de negligência. Este ano, além do mais, o fenômeno El Niño causou uma grave seca. As empresas públicas de água responderam à redução do nível das reservas com duras medidas de racionamento. Alguns bairros pobres passam dias e até semanas sem água corrente. A maioria das pessoas enche vários baldes quando o serviço é restabelecido, preparando-se para os períodos secos. E armazenar água em baldes é precisamente a última coisa a fazer quando se está enfrentando uma epidemia: os recipientes se tornam criadouros dos mosquitos que transmitem o zika vírus, o chikungunya, a dengue e até mesmo a malária.
Falta eletricidade e sobra impunidade
Viver sem água e sem eletricidade se tornou uma realidade diária. As empresas públicas têm problemas para manter água suficiente nas reservas para evitar um colapso total da rede elétrica. Não deveria ser assim. Desde 2009 foram destinados centenas de milhões de dólares para construir novas usinas de energia movidas por óleo diesel e gás natural, cujo objetivo era aliviar a pressão de uma rede hidrelétrica antiga. No entanto, grande parte da capacidade nunca chegou ao sistema e nunca houve uma prestação de contas do dinheiro, que foi desviado.
É um reflexo da impunidade que reina em todas as áreas do Estado. Em 4 de março, 28 mineiros desapareceram perto da fronteira com o Brasil, e as testemunhas falam de um massacre. Até agora, apenas quatro pessoas foram presas: são parentes das vítimas, que ousaram pedir justiça. No ano passado, dois sobrinhos da poderosa primeira-dama foram presos no Haiti por agentes da DEA, por tráfico de cocaína. A reação da primeira-dama foi acusar a DEA de sequestrar seus sobrinhos.
E o que aconteceu com Carlos, o nosso empresário que procurava papel higiênico? Depois de ser preso com acusações absurdas de “armazenamento”, percebeu que aquilo era apenas uma extorsão da polícia. “A oferta inicial deles era alta, da ordem de centenas de milhares de dólares”, diz. No final, os policiais retiraram as acusações em troca de umas dezenas de milhares de dólares.
Não é possível entender a Revolução Bolivariana e seu fracasso sem incorporar na análise o enorme impacto que teve o gigantesco saque do erário público por funcionários, oficiais militares e seus cúmplices do “novo setor privado”, a burguesia bolivariana ligada ao Governo. Na Venezuela, a cleptocracia disfarçada de ideologia socialista e amor pelos pobres destruiu o Estado. É urgente começar a reconstruir um país devastado.
Moisés Naím é distinguished fellow da Fundação Carnegie para a Paz Internacional. 
Francisco Toro é editor do CaracasChronicles.com



terça-feira, 12 de abril de 2016

Panama Papers, a inundação





Panama Papers, a inundação

Estamos falando de mais de onze milhões e meio de documentos, contratos, memorandos e correios eletrônicos ao longo de 40 anos de intensa atividade offshore

GUSTAVO GORRITI
4 ABR 2016 - 08:51 COT



No complexo mundo do offshore, a única coisa mais importante do que a eficiência é o segredo. Nos últimos anos, porém, várias investigações jornalísticas e fiscais, detonadas a partir de grandes vazamentos de informação, vem erodindo a confiança nesse mecanismo de ocultação de fortunas. O caso da subsidiária suíça do banco HSBC, cuja lista com dezenas de milhares de sonegadores de impostos entre seus clientes, obtida por Hervé Falciani, acabou por chegar não só às autoridades fiscais de vários países, mas também ao Le Monde e ao Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ na sigla em inglês), que empreendeu uma investigação internacional sobre o assunto, tem sido até o momento um dos mais fortes golpes –públicos e fiscais—contra a finança oculta.

segunda-feira, 11 de abril de 2016

Panama Papers / A lista dos principais citados nos ‘Panama Papers’



Pedro Almodóvar

A lista dos principais citados nos ‘Panama Papers’

Entre os nomes mais destacados do caso há mandatários internacionais, membros de casas reais, esportistas e cineastas

EL PAÍS
Madri 6 ABR 2016 - 17:02 COT



Um gigantesco vazamento de 11,5 milhões de documentos expôs a relação de importantes figuras mundiais – entre empresários, políticos, esportistas e personalidades culturais – com o escritório de advocacia panamenho Mossack Fonseca. Desde meados dos anos setenta, importantes bancos do mundo, como o suíço UBS e o britânico HSBC, trabalham ou trabalharam com esse escritório para administrar os ativos offshore (opacos) dos seus clientes. A seguir, alguns dos nomes mais relevantes que aparecem nesses documentos, aos quais o diário alemão Sueddeutsche Zeitung teve acesso, e que depois foram distribuídos para meios de comunicação do mundo todo – no Brasil, a divulgação foi feita pelo portal UOL, pelo jornal O Estado de S. Paulo e pela Rede TV!, através do Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, na sigla em inglês):

domingo, 10 de abril de 2016

“Venezuela” aparece em 241.000 documentos do vazamento do Panamá








“Venezuela” aparece em 241.000 documentos do vazamento do Panamá

Velásquez Figueroa, colaborador de Hugo Chávez, é um dos envolvidos nos 'Panamá Papers'

ALFREDO MEZA
Caracas 3 ABR 2016 - 21:28 COT


Adrián José Velásquez Figueroa, ex-chefe de segurança do palácio presidencial de Miraflores em Caracas em 2007, abriu uma conta na República das Seychelles quatro dias depois da vitória de Nicolás Maduro nas eleições presidenciais que elegeram o sucessor de Hugo Chávez. Ele vive agora na República Dominicana com sua esposa Claudia Díaz Guillén, a ex-chefa do Escritório Nacional do Tesouro e ex-enfermeira do falecido presidente Hugo Chávez.

sábado, 13 de junho de 2015

Zimbábue diz adeus às notas de 100.000.000.000.000 de dólares

Nota de 100 trilhões de dólares zimbabuanos.


Zimbábue diz adeus às notas 

de 100.000.000.000.000 de dólares

País tira moeda de circulação e dará 5 dólares dos EUA por 175 quatrilhões zimbabuanos

O tirano se diverte

EL PAÍS Madri 12 JUN 2015 - 18:07 BRT

Adeus aos dólares do Zimbábue. O Banco Central do país africano decidiu retirar sua moeda de circulação depois de ter perdido praticamente todo o valor como consequência de um processo de inflação galopante que levou à generalização das notas de trilhões de dólares zimbabuanos. Por meio de um comunicado publicado em sua página na Internet, o Banco Central do Zimbábue anunciou que vai iniciar o processo de desmonetarização do país.
Antes de que os dólares do Zimbábue deixem oficialmente de ter valor será aberto um período de troca que começa em 15 de junho, no qual serão convertidas as contas correntes no valor de até 175 quatrilhões de dólares zimbabuanos (sim: 175.000.000.000.000.000 de dólares) por 5 dólares dos Estados Unidos, em uma espécie de tarifa fixa. A partir dessa quantidade o câmbio será de um dólar para cada 35 quatrilhões. A troca de dinheiro em espécie é igualmente chamativa: por uma nota de 100 trilhões de dólares emitida em 2008 o portador receberá 40 centavos de dólar, a uma taxa de câmbio de 1 dólar norte-americano para cada 250 trilhões de dólares do Zimbábue.
O processo de desmonetarização começa na segunda-feira, 15 de junho, e se encerrará em 30 de setembro. É um passo para instalar um sistema de múltiplas divisas que foi anunciado em 2009.

Diferentes notas de vários bilhões de dólares do Zimbábue. / SAMUEL SÁNCHEZ
"A desmonetarização é o ato ou processo de eliminação da condição jurídica de uma unidade monetária. Em nosso caso, a unidade monetária que estamos desmonetarizando é o dólar do Zimbábue. A desmonetarização é necessária quando há uma mudança da moeda nacional”, afirmou o governador do Banco Central do Zimbábue, John Magudya, no comunicado.
Apesar de o processo de retirada da moeda começar agora, na prática há vários anos a maioria das transações já é feita em dólares dos Estados Unidos ou em randes da África do Sul.