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quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Admirado senhor Rivera, caro doutor Einstein

Admirado sr. Rivera; caro dr. Einstein

A Feira Internacional do Livro de Guadalajara mostra a relação entre o pintor e o cientista, com duas cartas de 1934 nunca antes exibidas

    MARI LUZ PEINADO Guadalajara (México) 7 DEZ 2013 - 16:33 BRST

    Carta de Diego Rivera a Albert Einstein
    Foto de Saúl Ruiz

    O homem das ciências escreveu a sua carta em 13 de fevereiro de 1934, a máquina, em alemão e sem emendas, no seu gabinete da Universidade de Princeton. O artista respondeu três semanas mais tarde, à mão e em francês, da sua casa no bairro de Coyoacán, na Cidade do México, depois de preparar um esboço que guardou entre seus papéis. O cientista – Albert Einstein – queria dizer ao artista – Diego Rivera – que uma das suas obras o havia comovido, e que o admirava. Rivera, no seu texto, expressou seu fascínio pelo trabalho do cientista de origem judaica. As cartas, que até agora nunca haviam sido exibidas, podem ser vistas atualmente na Feira do Livro de Guadalajara, onde Israel é o país convidado.
    A breve relação entre esses dois personagens parecia condenada ao esquecimento. “Nunca soube que tivessem tido contato, só que meu pai o admirava muito, e que o considerava uma das figuras mais importantes da história”, diz Guadalupe Rivera Marín, filha do muralista e da sua segunda esposa.
    Foi com a abertura do banheiro da Casa Azul, onde Rivera viveu com a pintora Frida Kahlo, que o assunto começou a se iluminar. O cômodo permaneceu fechado durante 50 anos, por desejo de Diego Rivera, que no seu testamento pediu que ninguém entrasse ali durante os 15 anos posteriores à sua morte. A colecionadora de arte Dolores Olmedo, executora do testamento, manteve o veto até morrer. Em 2007, esse banheiro foi aberto, e entre milhares de vestidos, fotos, quadros e cartas, apareceu o esboço da carta que Rivera dirigia a Einstein, como resposta a uma anterior.
    “Com a ajuda do arquivo Einstein, de Israel, foi possível reconstruir essa correspondência entre os dois intelectuais”, declarou na época a pesquisadora Ingrid Suckaer. Após descobrir o esboço, os curadores do arquivo do cientista, mantido no Centro Einstein da Universidade Hebraica de Jerusalém, mergulharam entre os mais de 30.000 documentos pertencentes a essa personalidade, doados por ocasião da sua morte. “Einstein guardou uma cópia da sua carta [a que enviou ao pintor], como fez com muitas outras, em seu arquivo particular”, diz Lior Haiat, porta-voz da delegação israelense na FIL. Em meio a todos aqueles papéis também foi localizada a carta original de Rivera, que ele afinal enviou depois de fazer o esboço que apareceu na Casa Azul.

    Imagem do mural da New Worker's School no que aparece Einstein (abaixo à esquerda). / © ARCHIVO DIEGO RIVERA Y FRIDA KAHLO, BANCO DE MÉXICO, FIDUCIARIO EN EL FIDEICOMISO RELATIVO A LOS MUSEOS DIEGO RIVERA Y FRIDA KAHLO.
    Os fac-símiles das duas cartas que estão expostas em Guadalajara refletem uma grande admiração entre dois dos personagens mais importantes do século XX. “Não poderia citar qualquer outro artista contemporâneo cujo trabalho tenha sido capaz de exercer sobre mim um poderoso efeito similar. Espero que o mundo perceba cada vez mais o que possui no senhor”, datilografou Albert Einstein. “É uma exposição pequena, mas significativa, além de inédita. Trata-se do intercâmbio epistolar de dois dos personagens mais importantes da sua época”, afirma o professor Hanoch Gutfreund, diretor do Centro Einstein e ex-reitor da Universidade Hebraica.
    Einstein louvava o talento de Rivera como muralista, mas foi uma obra em especial que o motivou a lhe escrever. Tratava-se de uma série de 21 painéis portáteis, chamada Retrato da América, que o mexicano pintou em 1933 para a New Worker’s School, de Nova York. Essa série de afrescos de Rivera era a continuação da obra inacabada do mexicano para o saguão do Rockefeller Center. Uma obra que afinal foi destruída porque o muralista nela incluiu um retrato de Lênin, o que não foi visto com muito bons olhos pelos integrantes de uma dinastia que é símbolo do capitalismo. Por isso, eles decidiram tampar o mural, primeiro, e depois mandaram destruí-lo. Rivera se vingou reproduzindo parte daquela obra na New Worker’s School e também no Museu de Belas Artes da Cidade do México, onde se pode ver a obra O Homem numa Encruzilhada.
    Nessa série de painéis, que representavam a história dos EUA, Rivera retratou Albert Einstein. Quando foram revelados os segredos que Diego e Frida escondiam na sua casa, dois livros do cientista foram achados entre os pertences do artista, outro dado que mostra a admiração que Rivera dedicava à figura de Einstein, como também fez constar em sua carta: “Agradeço-lhe por ter, de uma maneira tão valente, tomado partido das minorias espoliadas e dos homens perseguidos, e contra a atual profusão sobre a terra das forças obscuras que ameaçam fazer o mundo cair nos fundos mais baixos da barbárie”.
    Não consta que essas duas figuras tenham tido mais contato nas suas vidas além dessas duas cartas, que durante décadas estiveram perdidas entre milhares de documentos. Inclusive, o fogo apagou o retrato de Einstein, num incêndio que consumiu em 1969 os murais feitos para a New Worker’s School.





    domingo, 1 de dezembro de 2013

    David Grossman / “Não se pode tolerar que invadamos diariamente a vida dos palestinos”



    David Grossman: “Não se pode tolerar que invadamos diariamente a vida dos palestinos”

    O escritor israelense, em um encontro com Vargas Llosa, fala da necessidade da paz com a Palestina para fazer de Israel “um lar”


    Juan Diego Quesada
    Guadalajara, 1 Dez 2013





    Os dois escritores, durante o encontro na Feira Literária.
    Os dois escritores, durante o encontro na Feira Literária. SAÚL RUIZ


    David Grossman (Jerusalém, 1954) conversou com Mario Vargas Llosa sobre as leituras da sua infância e sobre o compromisso dos escritores com a palavra precisa. Mas, quando chegou o momento de falar de política, torceu a cara: “Precisamos arruinar uma linda manhã”. Foi só uma maneira de dizer, porque suas palavras tiveram a força e a integridade de um intelectual que navega a contracorrente da sua experiência vital. Grossman é o protagonista de um discurso de reconciliação, apesar de ter perdido a um filho na guerra, um episódio que teria levado muitos outros a hospedarem os sentimentos mais obscuros. A reticência inicial do autor de Fora do Tempo não reduziu o valor das suas poderosas palavras em torno da necessidade de obter um acordo de paz entre Israel e a Palestina. “Como judeu, isso vai me permitir ter um lar. As fronteiras de meu país mudaram tantas vezes que ele já não existe. É como viver em uma casa com paredes móveis e onde a terra treme de tempos em tempos”, expôs ele neste domingo perante um auditório lotado, na Feira do Livro de Guadalajara.
    Os judeus – havia explicado Grossman minutos antes – protagonizaram uma das grandes histórias da humanidade (“Somos um povo com um passado glorioso, enorme e eventualmente muito trágico”). Desde sua dispersão como povo, passando pelas expulsões que sofreram em alguns países na Idade Média, até desembocar no Holocausto e na criação do Estado do Israel. Uma existência maníaco-depressiva, observou o escritor, segundo o qual chegou o momento de abandonar esse caminho grandiloquente e de contínua tomada de decisões tremendamente dolorosas. Um momento, diz ele, “de ser um país como os outros. De começar a escrever uma história maravilhosa, como a dos mexicanos, e abandonar essa vida conflitivae inflamada”.
    Essa necessidade de paz e estabilidade, no caso de Grossman, não está focada apenas sob um ponto de vista egoísta. Existe a preocupação pelo outro. “Acredito que os palestinos devam ter seu próprio país livre, independente e soberano. Têm de ter privilégios, não mais como palestinos, como seres humanos. Eu lhes desejo uma vida normal, que não sejam humilhados. Definitivamente, não posso tolerar que invadamos diariamente suas vidas”, afirmou o escritor, alguém que já percorreu os territórios palestinos e olhou nos olhos dos seus vizinhos.
    Grossman e Vargas Llosa (Arequipa, 1936), dois dos mais celebrados escritores contemporâneos, inauguraram no âmbito da feira o Salão Literário Carlos Fontes, um encontro moderado pelo jornalista Juan Cruz. Uma vez acabado o debate, Silvia Lemus, viúva do escritor mexicano falecido no ano passado, homenageou com uma comenda os dois criadores, e estes fizeram o mesmo em relação ao autor de Aura ao falar de literatura.
    O Nobel recordou o que pressupôs para ele, sendo um menino, ler Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, de Pablo Neruda. Leu às escondidas, porque sua mãe o tinha proibido, e isso não fez senão despertar ainda mais sua curiosidade. “Li: ‘Meu corpo de lavrador selvagem te escava e faz saltar o filho do fundo da terra’. Não sabia exatamente o que dizia, mas, por algum motivo, comecei a associar a leitura com o pecaminoso, o secreto, o proibido”, disse o peruano. Depois, descobriu a importância das formas com o norte-americano Faulkner, a quem lia com papel e lápis.
    Cruz recordou a Grossman algumas palavras suas transcritas em 1990 pela revista Paris Review, nas quais dizia que escrevia para escapar da tristeza. O escritor israelense observou que tinha a impressão de se contradizer, mas que o que o faz se sentar e escrever tem mais que ver mais com a necessidade de se agarrar a uma forma de estar neste mundo. “A liberdade das pessoas consiste em escrever sua tragédia com suas próprias palavras. Tentam nos impor as palavras, mas é preciso se rebelar contra isso. O escritor se sente claustrofóbico nas palavras do outro”, salientou.
    Se Grossman tinha torcido a cara na hora de falar de política, Vargas Llosa já havia feito isso antes, ao recordar que recentemente, ao abrir o The New York Times, leu que os departamentos de humanidades das grandes universidades tendem a diminuir pela falta de interessados. “Cada vez se tende mais a pensar que a técnica e a ciência podem mudar o mundo, enquanto que as humanidades são para os ociosos. (…) Isso nos levaria a uma sociedade de autômatos sem espírito crítico, que conduziria a uma realidade totalitária”, lamentou o escritor peruano.
    Para concluir, Grossman – que já havia colocado o público no bolso – leu em hebraico um trecho de Fora do Tempo. Ninguém entendeu nada, nem era preciso. Todo mundo sentiu o que ele queria dizer.