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segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

Vladimir Nabokov / Dom Quixote

 

Vladimir Nabokov


Alcir Pécora

LIVRO TRAZ AULAS DE NABOKOV 

SOBRE "DOM QUIXOTE" EM HARVARD

[RESUMO] Anotações de Vladimir Nabokov para um curso sobre "Dom Quixote" são reunidas em livro lançado recentemente no Brasil. A leitura do autor de "Lolita" a respeito do clássico romance de Miguel de Cervantes tem achados significativos, como refutar a concepção sentimental sobre a obra então em voga nas universidades americanas, e impressiona por sua análise minuciosa, mas peca por aplicar um método evolucionista datado, que repreende "Quixote", do século 17, por não ter as características do romance moderno.

sábado, 4 de janeiro de 2020

Morre Sue Lyon / A Lolita de Stanley Kubrick



Lolita
Pascal Abadie


Morre Sue Lyon, a Lolita de Stanley Kubrick

O autor do romance, Vladimir Nabokov, considerava que a atriz, falecida na última quinta-feira aos 73 anos, era a única que podia interpretar a personagem na telona


Gregorio Belinchón
Madri, 28 Dec 2018

Sue Lyon, que aos 14 anos deu vida a Lolita no filme homônimo de 1962 de Stanley Kubrick, morreu na noite da última quinta-feira aos 73 anos em Los Angeles (Estados Unidos). A causa da morte não foi divulgada, mas a saúde da atriz vinha piorando nos últimos anos, como revelou seu amigo Phil Syracopoulos. Embora seu papel mais conhecido seja o de Lolita, ela esteve na ativa desde 1959, quando estreou na série The Loretta Young Show (na qual Kubrick a descobriu), até 1980, com Alligator – O Jacaré Gigante.

Sue Lyton

Não demorou para que aquela imagem de uma adolescente de biquíni com óculos escuros em forma de corações, na beira de uma piscina e chupando pirulito (o cartaz do filme, de Bert Stern, imagem que não aparecia no longa), ou deixando-se pintar as unhas dos pés por um transtornado Humbert Humbert —encarnado por James Mason—, marcasse o inconsciente de uma geração de cinéfilos, que se lembrarão de como o pedófilo Humbert pronunciava com pausas seu nome: “Lo-Li-Ta”. Seu grande papel veio após um casting exaustivo, do qual mais de 800 atrizes participaram. O autor do romance original, Vladimir Nabokov, considerava que ela era a única que podia interpretar a jovem na telona. “A ninfa perfeita”, foi o apelativo que o escritor usou para se referir a ela, embora dizendo que também teria gostado se a personagem fosse interpretada pela francesa Catherine Demongeot. Stanley Kubrick evitou problemas com a censura ao escolher uma atriz com mais idade (14 anos, embora na tela fosse dito que Lolita tinha 15) que a da ninfeta do livro (12).


Para Suellyn Lyon, foi o princípio e o fim, a virtude de encontrar um papel que a lançaria ao estrelato e interpretá-lo à perfeição, e a condenação de que nenhum espectador a esqueceria, por mais que crescesse na frente e atrás das câmeras. Nascida em Davenport (Iowa), Lyon começou a atuar ainda criança. Caçula de cinco filhos, seu pai morreu quando ela tinha apenas 10 meses. Com a mudança da família para Los Angeles, Lyon trabalhou como modelo para catálogos da rede de lojas J. C. Penney e apareceu em alguns comerciais na TV. Antes de Lolita, só tinha participado de produções para a telinha, como a série Dennis the Menace e a citada The Loretta Young Show.

Sue Lyton


Depois de sua primeira incursão no cinema, que lhe valeu o Globo de Ouro de 1963 na categoria “Atriz revelação”, trabalhou em The Night of The Iguana (1964), sob a direção de John Houston. Naquele mesmo ano se casou, numa breve união, com o roteirista Hampton Fancher III. No cinema ela não se deu muito melhor, com trabalhos em Sete Mulheres (1966), de Ford; Um Magnífico Farsante (1967), de Irvin Kershner; e o Tony Rome (1967), com Frank Sinatra. Warren Beatty quase a escolheu para estrelar com ele Bonnie e Clyde, mas se decidiu por Faye Dunaway, enquanto Lyon se casava com o fotógrafo afro-americano Roland Harrison em 1971. Desse casamento nasceu sua filha, Nona, em Los Angeles, antes do divórcio do casal, em 1972. Lyon atribuía alguns de seus comportamentos mais erráticos ao fato de ser maníaco-depressiva, condição tratada com lítio.

Sue Lyton
Um bom exemplo é seu terceiro casamento, que em 1973 a uniu com um detento de uma prisão de Denver, Gary Adamson, condenado por roubo e assassinato. Lyon conseguiu que a pena dele fosse reduzida, trabalhou como garçonete perto da penitenciária e se divorciou em 1974, quando Adamson voltou a roubar. Ela se casaria outras duas vezes.

Lyon não conseguiu melhores papéis no cinema nem na TV. Sua carreira artística acabou em 1980 com Alligator – O Jacaré Gigante, com Robert Forster, e ela tornou pública a sua retirada em 1986. Durante muito tempo, a atriz renegou Lolita. Em 1997, quando estreou a nova versão de Adrian Lynne, ela disse à Reuters: “Estou horrorizada com a ideia de que querem ressuscitar o filme que causou minha destruição como pessoa”.




sábado, 23 de setembro de 2017

Nabokov / Lolita, luz da minha vida



LO - LI - TA, LUZ DA MINHA VIDA, LABAREDA EM MINHA CARNE!


Lolita, do russo Vladmir Nobokov, é um dos livros mais importantes do Sec. XX. Tornou-se sinônimo de juventude sem ingenuidade.
É uma obra universal e deve ser apreciada sem moderação, com um bom som e uma coca gelada!


Lolita, luz da minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, contra os dentes. Lo. Li. Ta
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Lânguida e provocante em seus olhares!
Por uma semana e meia também fui um cativo dessa ninfeta, com seus ares e olhares. Lolita é uma das obras mais conhecidas da literatura, fruto da imaginação doentia de Vladimir Nabokov, um russo que fugiu da URSS e foi-se refugiar no ocidente.
Humbert Humbert o narrador, fustigado pelos olhares languidos da ninfeta, é um homem perturbado pela sombra das ninfas, que nos conta como foi levado à ruína por uma garota de 14 anos e como a levou à degenerescência total. O narrador brinca ao nos apresentar suas memórias, às vezes pouco conexas; até se encontrar, em uma cidadezinha da Nova Inglaterra, no EUA, com os olhos de uma garota e seu pirulito – uma cena antológica onde as cores e sombras misturam-se em uma dança diáfana, quase fáustica. Eles levam-se mutuamente à perdição, em uma relação quase incestuosa.
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Era o europeu típico em seus modos e comportamentos, preso em um mundo de pessoas grosseironas, sem grande senso estético e com nenhuma cultura. O típico professor, que por trás de seus óculos de aro grosso observa os movimentos das pernas das alunas ou das crianças que brincam no parque.
Ao contrário do que o senso comum me levou a crer, a ninfeta nunca seduziu o homem de meia idade. Humbert Hulbolt Humboldt Hum – encantado com a jovem ninfa, decide alugar um quarto na casa e quem acaba por apaixonar-se, é a mãe da garota, Charlotte Haze. Tudo o que queria e pretendia era ficar próximo e observar a ninfeta de jeitos grosseiros, mal educada e respondona. Lô era uma jovem típica, adorava modismos, revistas, roupas novas, revistas em quadrinhos, romances, músicas, filmes e revistas de fofoca. Não largava seus chicletes!
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Para não se afastar de Lô, Humbert casa-se com Charlotte, uma a típica americana do american way of life em sua falta de gosto ou inteligência. Casa-se com ela – um verdadeiro flagelo – só para ter perto de si a ninfeta.
A história é um misto de tensão policialesca e angústia romântica, que faz com que o peito fique pesado e a respiração falhe; em certos momentos, a narrativa quase se confunde com um Road movie. A melancolia dos dias de infância é roubada e substituída pela sombra dos amores indistintos.
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Ao longo da narrativa, o sentimento que persiste é o de pena – pena pela triste sina do pobre Humbert, que teve que suportar toda a fúria destrutiva de sua filha/amante. A relação ambígua dos dois exaspera aqueles que seguem pelas linhas tortuosas do livro.
A sina da ninfeta está introjetada na cultura ocidental e “Lolita” tornou-se sinônimo de juventude sem ingenuidade. Lô era tudo menos uma garotinha indefesa; tinha suas garras!
Em 1962 o livro foi adaptado para as telonas por Stanley Kubrick – que conseguiu repassar toda a angustiante atmosfera do livro. Além de ter sido adaptado e readaptado ao longo das últimas décadas e de ser fonte de inspiração para muitos outras obras um sem fim de vezes.
É um livro que deve ser lido... É universal e deve ser aprecido sem moderação, com um bom som e uma coca gelada!

obvious


DE OTROS MUNDOS

FICCIONES

DRAGON




sábado, 22 de julho de 2017

Nabokov rejeitou parte da adaptação de Kubrick para Lolita

Nabokov rejeitou parte da adaptação de Kubrick para Lolita

POR  EM 19/12/2012 ÀS 09:10 PM
publicado em 
O diretor de cinema Stanley Kubrick (1928-1999) adorava literatura. Ou, pelo menos, adaptar obras literárias para o cinema. Um de seus filmes mais conhecidos, “Laranja Mecânica”, de 1971, foi baseado no livro do escritor inglês Anthony Burgess. Este não gostou muito do filme, mas admitiu que não é dos piores. “Laranja Mecânica” permanece cult. A esquerda brasileira o adora, menos pela linguagem, e sim pela denúncia do totalitarismo estatal. É incrível: um joyciano de esquerda!
Outra grande adaptação de Kubrick — um diretor de qualidade, mas superestimado, como quase todo “cult” — é “Lolita”, de 1962. A adaptação foi feita pelo próprio autor do romance, o russo-americano (talvez um sem-lugar) Vladimir Nabokov, um grande escritor às vezes desvalorizado pelas modas. Depois de edições desleixadas da Record, com as versões de Pinheiro de Lemos, editoras de qualidade, como a Companhia das Letras e a Alfaguara, redescobriram sua prosa — na qual há uma mescla, intencional, de traços antiquados e inventivos (talvez a intenção de Nabokov tenha sido “inovar” o romance russo do século 19). O complexo romance “Fogo Pálido”, uma das histórias mais inventivas da literatura universal, ganhou tradução precisa de Jorio Dauster e Sérgio Duarte. Mas o autor das orelhas é no mínimo descuidado. Em vez de Kinbote, com “n”, como está no livro, escreve Kimbote, com “m”.
Mas, seguindo os diretores que se acreditam autores (“O Gênio do Sistema — A Era dos Estúdios em Hollywood”, de Thomas Schatz, demole a “teoria” de “cinema de autor”), Kubrick mexeu no roteiro. O texto “Nabokov duela com seus críticos e afirma que só há a escola do talento” mostra a insatisfação do escritor. É possível discordar de Nabokov e, claro, de Kubrick.


O filme, nos seus longuíssimos 152 minutos, pode até ser chato e modificar a “poesia” do texto original, mas, como cinema, é belo, não parece inatual e continua universal. A arte não raro esbarra no moralismo ao relatar comportamentos, por assim dizer, socialmente inadequados, como o de Humbert. O moralismo é necessário, mas não é útil para compreender fenômenos humanos, ainda que sejam anomalias condenáveis, como a pedofilia.
Claro que não é fácil comparar livro e filme. São linguagem diferentes e a invenção formal não é possível de ser adaptada por intepretações (fica incompreensível ou chatíssima) e imagens. Portanto, difíceis de comparar com argumentos simplistas — tipo: “O livro é superior”. Óbvio que, para quem gosta de literatura, o melhor está no livro. Porém, para os amantes de cinema, o filme interpreta bem o essencial do romance. Bem adaptado ou não, o filme sustenta-se em pé e não faz feio. O que, no fundo, deve ter desagradado Nabokov é que a película “roubou” parte da fama do livro. “Lolita” tornou-se, por assim dizer, mais de Kubrick do que de Nabokov.


Sem o filme, feito apenas quatro anos depois da publicação do romance, a repercussão de Na­bokov seria muito menor. Então, há um probleminha que nunca vai chegar a ser um problemão: o cinema às vezes simplifica, reduz e até distorce uma obra literária — Henry James perde ambiguidade e ganha solenidade nos filmes adaptados de seus romances, principalmente “A Taça de Ouro” e “As Asas da Pomba” —, mas é visceralmente útil como peça publicitária pra divulgá-la para um público mais amplo. Não há dúvida que, se as pessoas continuam comprando e lendo romances, é certo que o índice de leitura caiu — o que é camuflado por leitores que o fazem para prestar concursos (ou exigência escolar, quando um livro se torna, não um objeto de prazer, e sim um cadáver), porém não têm interesse genuíno em romances, contos e poesia. Os “citadores” do Facebook e do Twitter descobriram os lugares certos para colher frases de efeito, extirpadas do contexto, e as republicam à exaustão (chega-se a confundir autores com personagens). Mas não sabem citar nem mesmo as obras de onde foram retiradas. As redes sociais reforçam a tradição bacharelesca do Brasil.
Com acertos e desacertos e choques de opiniões (de Nabokov e Kubrick), “Lolita”-filme enriquece a leitura de “Lolita”-romance. Evidente que o grande criador, o ponto de partida, continua sendo Nabokov e há histórias paralelas, detalhes enriquecedores, que não aparecem no filme (nem em 500 minutos seria possível adaptar tudo).
Vale acrescentar: “Lolita” não é a principal obra de Nabokov. O romance sobre a ninfeta que “faz” um homem de meia-idade ficar apaixonado — ou seria o velhusco que a teria seduzido — chamou atenção para sua obra e, ao mesmo tempo, criou aquela fama estranha, enviesada, de que Nabokov “é o autor de ‘Lolita’”. É mais apropriado sugerir que Nabokov é também autor de “Lolita”. Mas isto é filigrana.


sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Nabokov / ‘Lolita’ ou o triunfo da liberdade e da beleza



‘Lolita’ ou o triunfo da liberdade 

e da beleza

Poetas, escritores e filósofos falam das portas que a grande e controversa obra de Nabokov abriu para a literatura


WINSTON MANRIQUE SABOGAL
Madri 15 SET 2015 - 02:09 COT



“Lolita, light of my life, fire of my loins. My sin, my soul” (“Lolita, luz da minha vida, fogo da minha carne. Minha alma, meu pecado” – em tradução de Sergio Flaksman). São as palavras mágicas com que Vladimir Nabokov abre o mundo de Lolita, um dos romances mais perturbadores e cativantes da literatura, e um clássico universal. Uma obra cuja beleza aumenta com o tempo. Como aumentam as dúvidas sobre se hoje, sessenta anos depois de sua primeira edição, seria publicada em um mundo que parece retroceder em certos aspectos. Mas, o que a literatura teria perdido se Lolita não tivesse existido?

terça-feira, 17 de novembro de 2015

A Lolita de Nabokov es o imaginário masculino


A SEMÂNTICA DO TESÃO: A LOLITA DE NABOKOV E O IMAGINÁRIO MASCULINO


A Lolita de Nabokov e a genialidade criadora

Por Dante Donatelli

Vladmir Nabokov (1899 – 1977) um dos grandes, senão o maior, escritores do século XX legou a nós a obra prima do desejo, confissão mais contundente de que homens maduros desejam mulheres mais jovens, e que elas, em fim de contas, também os desejam, mesmo que em meio a estultice e o açodamento do querer mais que bem querer.
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Amar uma menina adolescente, para um homem de meia idade como o Humbert, de Nabokov, é na verdade como um libelo de libertação de tudo que possa haver de convencional e estabelecido para se dar vazão ao mais elementar dos instintos da condição humana, o desejo.
A beleza e perfeição da obra não estão somente no encontro entre um enredo perfeito e uma criatividade prodigiosa nas mãos de um gênio da palavra, é mais que isso, é a exposição das tensões típicas, e muitas não confessadas de um homem maduro. Dentre as muitas virtudes da obra, destaco incialmente seu salto para fora da teia conservadora e atrasada que permeava a sociedade norte-americana, a claustrofóbica condição de cidadão “visitante”, exilado, em um meio tomado por forte caráter moralista e religioso, no qual a castração e a sublimação eram parte da vida de todos. Nos anos 1950 o Macarthismo perseguia e desempregava artistas, jornalistas e críticos com extrema facilidade. E mesmo Hollywood era espezinhada há décadas por um rígido código de conduto moral, no qual até os casais apareciam dormindo em camas separadas e os beijos controlados. Não será por menos que Nabokov preferiu, quando pode viver e morrer na Suíça.
Quando Nabokov escreve as memórias de seu personagem ele põe à mostra as evidências da modernidade já depurada pelo freudismo e a liberação total do sentimento de culpa, impingindo pelos séculos de catequização cristã e castração dos instintos mais humanos. O texto é ao mesmo tempo memória e fluxo de consciência de um homem em vias de morrer, na qual a tradição literária russa e as experiências de construção textual de Joyce e mesmo Zola aparecem na obra prima.
Humbert tem tesão por Lolita, tesão desmedido, tesão como todos, ao menos os mais normais, já sentiram por alguém um dia. Lo-li-ta, assim, desta forma se inicia a obra, como quem com sofreguidão fala e ao mesmo tempo sente, ainda, trazido pela memória bem assentada na razão se confunde com a lembranças deixadas pelo corpo, elas parecem se unir e em comunhão fazem Humbert contar sua história em um misto de melancolia e felicidade efusiva, e tudo que de melhor se possa ter para lembrar, uma pequena deusa de doze anos predisposta e disposta a ser sua, e somente sua.
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A brincadeira de soletrar silabicamente o nome da amada, com a pertinência de lembrar como se comporta foneticamente a boca, a língua ao pronunciar seu nome, denota toda intensidade e prazer que teceu o amor e o tesão de Humbert e Lolita. É possível imaginar a boca na boca, a língua com a língua, as mãos em contornos leves em devaneio e estupor pelo corpo sensível, jovial e teso de Lolita, se sente a ereção contida pelas mãos quase infantis em desalinho, as mãos são de uma Lolita e corpo parece padecer ao avivar memórias de tanta felicidade vividas e sentidas.
A maravilha do livro é que nas suas mais de trezentas páginas não há uma descrição objetiva e direta de qualquer ato, mas, estão todos lá narrados, revelados em minúcias e com precisão tal que o leitor se arrepia e se deixa tomar pela sensação de desejo e prazer de Humbert e Lolita, sim, a doce e sensual Lolita se deleita com seu amor da mesma forma que o castiga e envolve nos seus jogos, marchas e contramarchas típicas das relações amorosas e sexuais.
Em outro livro estupendo Fala, Memória (Alfaguara, 2014) onde Nabokov expõe as suas memórias até a fuga, dele e de toda sua família da Rússia da Revolução Soviética, nele a certa altura ele narra a sua primeira experiência sexual, ela se dá com uma adolescente um pouco mais jovem que ele, mas é tudo tão delicado, sensível, tocante como em Lolita, está tudo lá e não há nada além de beleza e suavidade. A semântica do tesão. O personagem Humbert não é o homem Nabokov, mas o homem “empresta” ao personagem a destreza sublime da palavra como meio de chegar a verdade e a exposição honesta de “tudo que Humbert sentiu e, ainda sente”, da mesma forma que o homem sentiu e conosco compartilhou em Fala, Memória.
Há em Lolita um amor pungente, desencarnado de convenções e clichês, tão presentes no senso comum e nas artes menores que abundam na modernidade, é a declaração ao amor e não de amor, que se deixe claro, Humbert ama amar porque ele lhe traz um tesão e um desejo de viver como nunca antes sentira, é um amar maduro em vivido em meio a contradição da imaturidade condenada pela sociedade e pelos valores culturais, mas é amor, poucos podem e sabem amar assim, em quase desamor por si, diria que Nabokov troca o fardo da existência enfadonha por um sentimento e sensações legitimadoras desta vida deprimente e vazia imposta a nós.
O prazer da obra, se contrasta com a anacrônica constatação das limitações impostas pelas regras e normatizações sociais, pois a percepção semântica do tesão por uma lolita, (sinônimo hoje de adolescente sensual) é vedada a qualquer homem, ao menos neste mundo ocidental de cultura judaico-cristã, o peso do texto, entre outras coisas, é perpetrar no leitor um outro olhar sobre as lolitas a nossa volta. E neste momento a solidão leitora se amalgama ao olhar silencioso, quase envergonhado, se adentra a realidade e enleva o leitor a condição de executor fantasioso de sua própria obra.
nabokov.jpgÉ inevitável não buscarmos as lolitas ou Lolita e traze-las ao nosso imaginário criador e criativo. Ler Nabokov, longe de nos fazer sentir culpados ou indispostos com a nossa imaginação, somos compelidos a dividir a dor da narrativa e seu desfecho, mas também, a enorme inveja de Humbert. Ele pôde fazer e fez. Será que eu também poderia? Não pode, e nos frustra saber a verdade.
Ler Lolita é um desafio e um prazer, palavras, palavras, verbos, adjetivos e substantivos se avolumam em uma prosa na qual o leitor, cúmplice de Humbert, suponho que fosse este um dos desejos de Nabokov ao escrever o livro, transformar os homens em cumplices de seu personagem, nos fazendo solidário, ao menos com seu desejo irrefreável e amoroso. As sentenças que inventam e criam a obra, nos dispõe a um patamar no imaginário no qual a maioria de nós não se permitiu chegar, mas com Lolita chegamos, com a tranquilidade plácida de um senhor de meia idade cônscio, sabedor, de tudo que ainda não fizemos, mas que ainda podemos fazer. Ao menos no imaginário.



domingo, 15 de novembro de 2015

Italo Lobo / Cinema, Literatura e Lolitas

CINEMA, LITERATURA E LOLITAS

Até que ponto é possível - ou não - comparar o que se vê nos livros e nos filmes?

Por Italo Lobo

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Literatura x Cinema
Por mais que as diferentes artes possam, às vezes, estar interligadas, compará-las é uma tarefa praticamente inútil. Literatura e Cinema que o digam. Historicamente, grande parte dos roteiros cinematográficos é baseada em livros. E não há problema algum nisso. O problema é outra coisa.
A tão conhecida frase de Stanley Kubrick “tudo que pode ser escrito pode ser filmado” deve ter sido um dos poucos erros do brilhante cineasta. Claro, o que ele fez filmando 2001 é um caso isolado, uma exceção em qualquer aspecto que lhe seja válido seja em termos de adaptação, já que foi um dos diversos livros dos quais se diziam infilmáveis, ou em termos de perfeição técnica cinematográfica, que até hoje não foi igualada na relação de proporção entre recursos tecnológicos/qualidade do resultado.
E alguém ainda duvida que a frase de Kubrick não deve ser levada muito a serio? Enumerando apenas alguns pontos: 1- Livros são feitos para atiçar a imaginação de quem lê. Os detalhes, por mais minúsculos que sejam, são essenciais. Filmes são o contato visual, onde a imagem, o som, já vêm prontos para nossos sentidos. 2- Nos livros, várias vezes são apresentados os pensamentos de cada personagem, ou a descrição de cada detalhe de cada metro cúbico do lugar em que a trama se encontra. Nos filmes, o cara que dirige não vai ficar pausando a cena toda hora nem para inserir o que a personagem sente ou pensa nem para indicar com uma seta a cor do tapete, a quantidade de lâmpadas do lustre ou a vestimenta do vilão. E tem gente que reclama que o filme muda o corte de lugar no corpo do mocinho. 3- Livros não têm padrões de páginas ou tempo para ler. Filmes não variam muito sua duração entre 80 e 150 minutos.
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Deveria estar claro para todos, mas parece não estar: não dá para comparar os dois: livros sempre serão mais detalhistas, e os filmes sempre serão mais mastigados e resumidos, e nunca 100% fiéis a nada. Aliás, tocando nesse ponto, e ainda mais por serem dois segmentos artísticos tão diferentes, um filme não fica melhor ou pior por não ter sido mais ou menos fiel a seu livro ou história em quadrinhos de origem. Se assim fosse, os filmes Cinegibi da Turma da Mônica seriam todos obras-primas...
Não existe "o livro é melhor que o filme". O ideal é dizer "gostei mais de ler o livro do que de assistir ao filme", ou "as qualidades do livro são melhores", ou algo que o valha.
Avaliando e julgando um filme somente baseado naquilo que se vê
Vi O Iluminado. Mas não li o romance escrito por Stephen King. Sem problemas. Não preciso lê-lo para concluir se gostei ou não do filme.
Vi A Morte do Demônio recentemente, quando foi lançado. Mas não vi o de Sam Raimi. Tudo bem. Não preciso ver o original para concluir se gostei ou não do remake/reboot.
A graça do Cinema é essa. Um filme pode ter relação com vários outros, mas não precisa destes para ser avaliado. Ele pode muito bem ser desnecessário, como os remakes ou continuações desgastadas, mas isso já é outra história.
424650_800wc1.jpg Por que esta imagem? Nem eu sei direito.
Agora mudando um pouquinho de assunto, tem uma situação a qual sou contra: 3D. Vi Premonição 4 e 5 e achei ambos uma merda, e toscos graficamente até não poder mais. Ao mesmo tempo em que já li que ver aquelas mortes no cinema em 3D é uma sensação bacana. O mesmo se diz sensorialmente de Avatar, que ainda não vi.
É isso que acho errado. Defendo que um filme deve ser apreciado igualmente em qualquer circunstância. É claro que ver em tela grande é melhor e mais prazeroso do que em um monitor de 16 polegadas. Mas mesmo vendo no PC, posso reconhecer que o filme seja magnífico.
Agora outra situação: não li Lolita, de Vladimir Nabokov, mas vi as duas versões cinematográficas. Convém compará-las? Sim. Por que não?
Lolita x Lolita
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Repetindo: não li o livro. E nada me importa que a versão de Adrian Lyne seja mais fiel a ele. Darei agora os motivos que me fazem considerá-la um aborto cinematográfico. Se tais motivos apresentados por mim forem inválidos e retratam exatamente o que a obra quis passar, ninguém pode julgar-me.
Aliás, acho que não há um ser humano que veja um filme original e remake sem compará-los. São independentes entre si? São. A ruindade de um compromete a qualidade do outro? Não. Mas acredito que seja necessário notar o que um difere do outro. Pode ser para tentar compreender porque alguém quis fazer uma nova versão (será que fulaninho quer acrescentar seu estilo ou algo que sicraninho não fez?), ou até se Haneke fez alguma outra coisa diferente em seu Violência Gratuita - Made in USA que não seja poupar os pobres espectadores estadunidenses de terem que ler legendas.
Por último: antes mesmo de alguém saber a minha idade, o nome de minha mãe ou o número de meu tênis, este alguém saberá que Stanley Kubrick – de novo ele – é o meu diretor predileto. Aí você pode concluir: “claro que ele prefere a versão de 1962. Ela é do Kubrick.” Mas não sou estúpido (não a esse ponto). Afinal de contas: não idolatro Lolita por este ter o nome de Kubrick na direção, mas idolatro Kubrick por ter feito Lolita (e Laranja Mecânica. E 2001. E Nascido para Matar. E Glória Feita de Sangue. E O Iluminado. E Dr. Fantástico).
Vale citar também que se trata de um dos meus 5 ou 10 filmes preferidos. Logo, as chances que haviam de eu gostar mais da versão de 1997 eram as mesmas de você já ter assistido a The Movie Orgy, de Joe Dante. Mas nem mesmo o pior de meus pessimismos imaginava que eu pudesse sentir tanta repulsa.
SPOILERS - A partir daqui, é preferível que leia somente se você já viu pelo menos a versão de Kubrick. Se assim for, adorarei induzir-te como se você fosse Alex de Large; eu, o tratamento Ludovico; e a versão de Lyne, a boa e velha ultraviolência. Mas sem a volta de Alex a seu estado inicial, claro.
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Embora ambas as versões tenham uma duração parecida, aqui é tudo muito atropelado. Junte a isso o fato de todos, TODOS os personagens e atuações serem indiscutivelmente inferiores a sua versão antecessora. Se em 62 Humbert foi se degradando aos poucos, assim como o sentimento progressivo por Dolores Haze, aqui desde o primeiro contato com a moça ele já demonstra toda uma cara de velho-babão, que permanece até que apareçam os créditos finais. Charlotte aqui só faz gritar como uma louca. Sorte que a sua morte também é bem mais rápida. E Lolita, pobre garotinha, retratada como uma dama por Sue Lyon, aqui é uma adolescente incrivelmente irritante e estúpida, que passa boa parte do filme fazendo barulhos com a boca e mastigando botões(?). Eu entendo que é, ou pelo menos deveria ser, essencial que emanasse dela certa sensualidade. Mas não há. Nem mesmo com as roupas bem mais curtas e pele bem à mostra.
Outro problema com relação ao original é a falta de algumas situações importantes. Aqui não há a tal da festa na qual somos apresentados a Clare Quilty. Depois da festa, naturalmente Lolita iria dormir na casa da amiga enquanto Charlotte e Humbert teriam a casa só para eles. Essa passagem servia perfeitamente para fortalecer tanto o sentimento de Humbert para com Lolita quanto o de Charlotte para com Humbert. Nesta nova versão, tudo soa artificial demais.
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E a versão de Kubrick era engraçada. Mas engraçada mesmo, sem ofender o espectador. Humbert lia a carta de declaração de amor de Charlotte soltando uma bela risada a cada asneira. Sem contar na cena pós-morte de Charlotte, na qual ele está lá todo sossegadão e sorridente na banheira, enquanto os parentes da agora falecida esposa estão desesperados e preocupados com a saúde emocional do recente viúvo.
Mas, meus amigos, se tem um ponto que desequilibra totalmente a favor do original, este atende pelo nome de Clare Quilty. O que Peter Sellers fez foi fenomenal, interpretando com astúcia um homem onipresente, se fazendo passar por médico e conselheiro com todos nós, espectadores, cúmplices de suas artimanhas. O Quilty de Langella é ausente, um total desconhecido para nós até os últimos 10 minutos de filme. Antes, são só aparições nas quais a única coisa nítida é sua voz. Parece até que saiu do desenho Tom & Jerry, no qual dos adultos só víamos as pernas.
lolita.jpeg A cara de Sue Lyon, ao dizerem a ela que o Lolita mais recente é melhor.
Engraçado mesmo são as comparações feitas com as duas versões no quesito de escândalo, teor pedófilo, sexualidade. E é lamentável que ainda haja quem comente isso. Em 1962, o mundo era diferente. A censura era predominante. É óbvio que na versão de Lyne tudo é explícito, enquanto na de Kubrick não. É óbvio que na versão de Kubrick não é mostrado sexo. É óbvio que na versão de Kubrick, no hotel, eles dormem em locais separados, enquanto na nova, na mesma cama. É óbvio que na versão de Kubrick só há abraços ternos entre padrasto e enteada, enquanto na de Lyne há agarrões e beijos de língua.
Com isso termino, caro leitor. E peço perdão. De repente, todos os fatos que me incomodaram no filme de 1997 sejam qualidades na obra de Nabokov. Talvez por isso senti necessidade de desenvolver uma espécie de prefácio falando de literatura/cinema/remakes, assuntos que acho que valem a pena serem falados e discutidos.

OBVIOUS


sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Lolita / Uma história proibida

LOLITA: UMA HISTÓRIA PROIBIDA



Toda a ousadia, intolerância, censura e proibição por trás do romance mais escandaloso do século XX.
    Por Marco Antonio Cruz
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A peça chama-se “Lolita”, um monólogo teatral adaptado do romance homônimo lançado em 1955. Em cena, o personagem Humbert Humbert leria sua dramática história para a plateia. Mas todas as exibições foram adiadas por três meses. O ator principal, Leonid Mozgovoy, 71 anos, recebeu cartas anônimas ameaçadoras. Logo depois, foi a vez do diretor da montagem ser alvo de hostilidades. A situação se complicou de verdade quando o produtor da peça, Anton Suslov, 24 anos, foi atacado na rua por três homens. Acordou de uma concussão cerebral, olhos inchados, para descobrir que um vídeo das agressões fora postado na internet. As imagens de celular são muito borradas para identificar os agressores, mas o áudio é limpo: “Pedófilo”, gritam eles. Ninguém foi preso.
Pedófilo. A palavra foi pichada nas paredes do Vladimir Nabokov House Museum, museu dedicado ao escritor russo em São Petersburgo. A cidade é a quarta maior metrópole da Europa, segunda maior da Rússia, a mesma onde a peça “Lolita” era encenada. O prédio também teve o vidro de uma das janelas estilhaçado por uma garrafa arremessada da rua. No seu interior, um bilhete alertava sobre a “ira de Deus” contra a imoralidade promovida no museu. Dezenas de cartas intimidadoras, cheias de ameaças e erros ortográficos grosseiros chegam à instituição, mês após mês, conta a diretora Tatiana Ponomaryova.
Estes eventos aconteceram no início de 2013 e amontoam-se à polêmica, intolerância, incompreensão e indignação que cerca a obra literária de Nabokov quase 60 anos após sua publicação. O romance é um dos mais escandalosos do século XX. Conta a história de um professor de meia-idade obsessivamente apaixonado por sua enteada, uma menina de 12 anos, e mostra os desdobramentos trágicos desta história proibida num relato autobiográfico ao mesmo tempo sensível e visceral.
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Desde o seu lançamento, ou ainda desde as suas primeiras linhas, “Lolita” causou uma forte impressão. Não só pela liberdade plena do autor em transgredir, através da literatura, a moral de sua época (e de épocas além, como confirmou o porvir), mas também pela perícia com que o faz. Passado o choque inicial causado pelo enredo, o que se vê é um profundo domínio da língua e da expressão, metáforas e jogos de palavras únicos, “acrobacias linguísticas” definiria o escritor Mário Vargas Llosa anos depois. Foi a tensão entre a liberdade ética e a primazia estética de Nabokov que fez do livro o que ele é. Não fosse o seu talento, “Lolita” poderia se tornar um romanceco pornográfico e fetichista, ou pior, acabar como um decadente elogio à pedofilia. H.H. é o único narrador da história. Ler seu relato é enxergar com seus olhos, compartilhar suas dores e, quem sabe, sua paixão ou sua loucura.
Inicialmente, o autor tentou publicar sob o pseudônimo anagramático e suspeito de “Vivian Darkbloom”, mas uma pequena multidão de editores recusou o manuscrito sob as mais diferentes razões. Quando Maurice Girodias da editora francesa Olympia Press aceitou Lolita, é possível que Nabokov soubesse, empolgado, que a editora já publicara James Joyce e Henry Miller, porém ignorasse que seus últimos títulos não passassem de romancecos pornográficos e fetichistas...
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O livro saiu com o nome real do autor numa tiragem de cinco mil cópias, que venderam tão rápido quanto se espalharam pela Europa. Ao cruzar o Canal da Mancha, o escritor inglês Graham Greene classificou o livro como um dos três melhores do ano, mas sua opinião não impediu a proibição do livro no país. O jornalista John Gordon escreveu no londrino Sunday Express que o livro era “o mais pervertido que já lera”, e sua voz encontrou eco nas ruas. Quando descobriu-se que o político e editor inglês Nigel Nicolson planejava publicar o livro, sua candidatura ao parlamento e carreira de homem público foram enterradas para sempre. Um ano após acolher a ninfeta, também a França bania Lolita por dois anos.
Mas a polêmica já tinha ocupado muitas colunas nos tabloides e despertara o interesse público. Assim, quando a G.P. Putnam’s Sons publicou o livro nos Estados Unidos em 18 de agosto de 1958 as vendas foram enormes. Foi o primeiro livro, depois de “E o vento levou” a vender 100 mil cópias cópias nas primeiras três semanas. Poucos dias após seu lançamento, já se encontrava na 3ª edição. E apesar do livro ocupar o centro de espinhosos debates literários, psicológicos e morais no país, o livro nunca foi proibido nos E.U.A.
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Lolita ganhou o mundo. Só em português existem três traduções, a primeira, de Brenno Silveira, é de 1959. Neste mesmo ano, os hermanos argentinos traduziram para o espanhol. Como Franco controlava o país e a língua na Europa, a primeira tradução espanhola só seria publicada após a morte do autor. Dinamarca e Suécia se anteciparam com as primeiras traduções oficiais ainda em 1957. Dentre as mais atrasadas, a China só libertou Lolita de qualquer censura prévia ou expurgo em 2006, com o trabalho de Zhu Wan na Casa de Publicação de Tradições em Xangai.
O livro também ganhou duas adaptações cinematográficas que conversaram longamente com a censura. A primeira delas, Stanley Kubrick em 1962, foi a mais prejudicada (How did they ever make a movie of Lolita?, dizia o pôster de divulgação). A montagem do filme foi muito alterada pelas pressões morais, mas apesar de não ocupar um lugar de destaque na filmografia de Kubrick, é considerada um ousado clássico. A versão de 1997, de Adrian Lyne, foi muito mais livre e deu um fôlego extra à ninfeta 20 anos após a morte de Nabokov.
“Lolita” é a primeira e a última palavra do relato de H.H. É tudo sobre Lolita. A triste e obsessiva paixão de um homem tardio e uma garota precoce que a revista Vanity Fair declarou ser “a única história de amor convincente do nosso século”. Seu nome se enraizou na cultura POP como um sex symbol juvenil, que caminha de pés descalços na tênue fronteira entre a inocência e a malícia.
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A ninfeta permitiu que Nabokov vivesse de literatura. O que exigiu em troca foi ofuscar toda a sua obra restante. O escritor parecia ciente de sua sina em entrevista à Paris Review em 1967. “Se tivesse que escolher um único livro pelo qual seria lembrado que livro escolheria? ‘O que eu estou escrevendo, ou melhor, pensando em escrever. Na realidade serei lembrado por Lolita e por minha tradução de Púchkin, Eugene Onegin’”. Mais a frente completa, “Lolita tem fama, eu não. Eu sou um romancista obscuro, duplamente obscuro, com um nome impronunciável.”
Muitos biógrafos tentaram levar mais luz ao obscurantismo de Nabokov. Decifrar, em que momento da história o escritor encontrou uma possível Lolita, que paixão o teria inspirado. Nabokov foi casado com uma única mulher por toda a vida. Para desgosto dos conservadores de São Petersburgo, jamais foi acusado de pedofilia. Apesar de H.H. compartilhar algumas semelhanças com o seu criador (ambos eram professores, escritores, expatriados, jogavam tênis), reduzir Nabokov à Humbert é diminuir sua vida e seu gênio. Lolita é repleto de verdade e vida humana, mas não necessariamente a verdade e a vida de Nabokov.