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sexta-feira, 7 de agosto de 2020

Sobrevivente de Hiroshima / “Um exército de fantasmas veio até mim”




Hiroshima: los árboles que sobrevivieron a la bomba atómica y hoy ...
Hiroshima

Sobrevivente de Hiroshima: “Um exército de fantasmas veio até mim”

No 70º aniversário da bomba atômica de Hiroshima, sobreviventes revivem lembranças


Macarena Vidal Lyn
Hiroshima, Japão, 6 ag 2015


Na segunda-feira 6 de agosto de 1945, às 8h de uma manhã ensolarada em Hiroshima, Takashi Teramoto, de 10 anos, era o menino mais feliz do mundo. Sua mãe tinha se deixado convencer e o trouxera de volta para casa depois de passar meses recolhido a um refúgio infantil. Naquela noite, o garoto tinha dormido em sua casa pela primeira vez em mais de três meses. “Como me senti confortável! É uma de minhas lembranças mais intensas”, sussurra. Às 7h30, depois de ser acordado por um alarme antiaéreo, havia saído para brincar com dois amigos. Sua mãe o fez entrar às 8h10 para preparar-se para ir ao médico. Cinco minutos mais tarde, às 8h15, explodiu o inferno.

Hiroshi Hara.
Hiroshi Hara.M. V. L

Takashi nunca voltaria a ser completamente feliz. Em meio a um céu completamente limpo, o Enola Gay, um B-29 norte-americano pilotado por Paul Tibbets, havia lançado a primeira bomba atômica, chamada Little Boy.


Com cerca de três metros de comprimento e quatro toneladas de peso, carregava 50 quilos de urânio. A 600 metros de altura sobre o centro da cidade e 43 segundos depois de seu lançamento, sua explosão causou uma bola de fogo de 28 metros de diâmetro, com uma temperatura de 30.000 graus Celsius. Uma área de dois quilômetros de raio se tornou apenas terra queimada. Setenta mil dos cerca de 350.000 habitantes de Hiroshima, que até então não havia sido bombardeada na guerra, morreram imediatamente depois do ataque. Outras 70.000 pessoas morreram antes do fim daquele ano, vítimas de seus ferimentos ou da radiação.


“Vi de relance um grande clarão azul. E ouvi um grande estrondo. Depois não vi mais nada. A terra tremia e não paravam de cair coisas em cima de mim. Finalmente vi um pouco de luz e saí à rua”, onde uma vizinha se responsabilizou por ele. “Minha mãe ainda estava dentro da casa, eu não queria sair dali, mas os vizinhos me disseram que cuidariam dela. Quando começou a cair chuva ácida, gotas de água negra, a vizinha me protegeu com um pedaço de lata porque meu rosto ardia. Ela morreu meses depois, doente por causa da radiação. Estou convencido de que lhe devo minha vida”, lembra-se Teramoto.

Takashi Teramoto




Minoru Yoshikane também viu o clarão de relance. Aos 18 anos, estava terminando a escola secundária e aspirava a tornar-se professor de inglês, entusiasta que era da literatura e das canções nessa língua. Havia sido recrutado, como os demais estudantes da escola secundária, para trabalhar no esforço de guerra e encontrava-se numa fábrica esperando ordens. Quando explodiu a bomba, ele e seus colegas se refugiaram no sótão. “Duas horas mais tarde, um de nossos professores nos disse que a escola corria perigo e tínhamos que sair para oferecer ajuda, e então nos dirigimos ao centro.”

Nunca esquecerá o que viu. Não restavam casas em pé. Cerca de 90% dos edifícios de Hiroshima ficaram destruídos pela explosão e pelos incêndios que se seguiram. “Vi o que parecia ser um exército de fantasmas vindo até mim. Dezenas de feridos, queimados, com os rostos destroçados, não pareciam humanos. A pele caía em pedaços. Também havia mortos, muitos mortos. Fiquei muito assustado.”

Hiroshi Hara, de 13 anos, estava numa ilha próxima procurando comida para seu tio doente quando ocorreu a explosão. No dia seguinte, tentou chegar à escola, no centro de Hiroshima. “O rio estava cheio de corpos. Muitos feridos, queimados, com as orelhas derretidas. Imploravam por água, alguma coisa para beber. Ao verem que eu era estudante, perguntaram para que escola estava indo, se conhecia seus filhos e filhas. No momento da explosão, muitas crianças, agrupadas por idade e escola, estavam no centro trabalhando em fábricas ou construindo abrigos... Milhares e milhares deles morreram.”

Minoru Yoshikane.M. V. L.

Na sua fuga até o campo, o pequeno Takashi também havia encontrado outros desses feridos graves, que escapavam como podiam. Reconheceu um deles, com o rosto queimado e que caminhava com os braços estendidos à frente, para evitar que a pele que saía em tiras tocasse no chão: era um dos amigos com que estivera brincando antes da explosão e que morreria em poucos dias. O outro morreu imediatamente, ele saberia depois.

Três dias mais tarde, 9 de agosto, às 11h02 da manhã, outro B-29, Bockscar, lançava outra bomba, desta vez de plutônio, contra Nagasaki. O Fat Man, que tinha uma onda explosiva muito maior –equivalente a 22.000 toneladas de trinitrotolueno, contra as 15.000 do Little Boy— caiu sobre um bairro da periferia. Cerca de 70.000 pessoas morreram de imediato ou nos meses que se seguiram até o fim do ano. Em 15 de agosto, o Japão capitulou. Nesse mesmo dia, a mãe de Takashi morreu em decorrência de ferimentos.




Hiroshi Hara


O inferno não tinha acabado para as vítimas. Takashi, como muitos outros residentes, viu como perdia o cabelo por efeito da radiação. Sangrava pelas gengivas e pontos negros irrompiam na pele. Teve que ficar de cama até dezembro. Ele conta que ver as pessoas vomitar sangue se tornou algo normal naqueles meses. Seu irmão acabou morrendo depois de um câncer que ele crê ter sido causado pela bomba. “Muita gente continua sofrendo ainda hoje.”

Para os hibakusha, como são conhecidos no Japão os sobreviventes da bomba atômica, “foi um caminho difícil” desde então, como afirma Yasuyoshi Komizo, da Fundação para a Cultura da Paz de Hiroshima. Tiveram que viver sob a censura oficial dos EUA a respeito dos bombardeios e sob a discriminação dos próprios compatriotas, que temiam os possíveis efeitos da radiação. Alguns negavam que tinham estado ali. “Como qualquer ser humano, no início o que sentiam era ódio e vontade de vingança. Não mudaram de opinião facilmente. Mas com o tempo concluíram que continuar com ódio não faz sentido, que a paz é algo que cabe a cada ser humano, e querem dar seu testemunho para que nunca mais se repita um ataque nuclear.”



quinta-feira, 6 de agosto de 2020

75 anos após a bomba de Hiroshima, a ameaça nuclear ressurge em um novo tabuleiro geopolítico


Manifestantes com máscaras de Trump e Putin posam sobre duas bombas falsas durante protesto contra armas atômicas em Berlim, na Alemanha.
Manifestantes com máscaras de Trump e Putin posam sobre duas bombas falsas durante protesto contra armas atômicas em Berlim, na Alemanha.FABIAN SOMMER 

75 anos após a bomba de Hiroshima, a ameaça nuclear ressurge em um novo tabuleiro geopolítico

Enquanto Trump e Putin desmantelam a rede de tratados de controle de armas nucleares, o surgimento de novas potências como a China desenha um cenário mais instável para o planeta


PABLO GUIMÓN
|MARÍA R. SAHUQUILLO

Washington / Moscou - 06 AGO 2020 - 07:54 COT

Há exatamente 75 anos os Estados Unidos se tornaram o primeiro e único país do mundo a atacar um inimigo com uma arma nuclear, com o bombardeio da cidade japonesa de Hiroshima, durante a Segunda Guerra Mundial. Hoje, o tabuleiro geopolítico mudou significativamente, mas permanecem as tensões e incertezas sobre como garantir que nenhum país volte a usar novamente as armas atômicas. O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, afirma que ele e seu colega russo, Vladimir Putin, trabalham juntos para reduzir a ameaça de uma guerra nuclear, mas a verdade é que ambos passaram pelo menos os últimos três anos e meio desenvolvendo armas nucleares e destruindo tratados destinados ao seu controle. Embora a o governo norte-americano reconheça que considerou retomar os testes nucleares interrompidos há quase três décadas, ninguém descarta uma nova corrida armamentista com a Rússia e, agora, com a China.

Passo a passo, o sistema de segurança criado no período final da Guerra Fria por Washington e Moscou está se desintegrando. O fim, no ano passado, do histórico Tratado de Controle de Armas Nucleares de Alcance Intermediário (INF), assinado em 1987 por Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev, foi o início de uma nova era. Hoje, Washington e Moscou não limitam mais o armazenamento, teste ou implantação de mísseis terrestres de alcance intermediário ( entre 500 e 5,5 mil quilômetros).

Washington também decidiu abandonar o Tratado de Céus Abertos, que permitia voos de inspeção para fomentar a confiança entre os países. E o presidente Trump ainda indicou que não renovará o Novo START, o último grande tratado de controle de armas nucleares entre Washington e Moscou, a menos que a China também aceite se vincular às limitações impostas pelo acordo. Sem ele, não haverá tratado algum que controle os dois maiores arsenais nucleares do mundo. O acordo expira em fevereiro, pouco depois da posse do ganhador das presidenciais americanas marcadas para novembro.

A cidade japonesa de Hiroshima após o ataque nuclear de 6 de agosto de 1945.
A cidade japonesa de Hiroshima após o ataque nuclear de 6 de agosto de 1945. PRISMA BY DUKAS / UNIVERSAL IMAGES GROUP VIA GETTY


Trump fez da assinatura de um acordo nuclear com a Rússia e a China uma prioridade, mas Pequim até agora rejeitou os convites para participar do debate. A responsabilidade dos Estados Unidos de liderar o controle e a eliminação progressiva de armas nucleares, como primeiro e único país a tê-las usado, baseou a política nuclear de Washington desde o início. Durante mais de 60 anos, presidentes de ambos os partidos, de Eisenhower a Obama, tentaram reduzir o arsenal de armas nucleares e as possibilidades de serem utilizadas. Mas o presidente Trump, como em tantas outras áreas, rejeitou os vínculos históricos. Apenas dois meses atrás, Marshall Billingslea, o principal negociador norte-americano para acordos de controle armamentista, confirmou que a Administração estudou a realização do primeiro teste nuclear desde 1992. “A possibilidade de a Administração Trump retomar os testes de armas nucleares é tão temerária quanto perigosa”, disse Joe Biden, adversário democrata de Trump.

A evaporação destes tratados, combinada com o surgimento de novas potências nucleares como a China, desenha um cenário mais instável e com menos limites, no qual as novas armas tecnológicas desempenham um papel destacado. Robôs assassinos, mísseis hipersônicos e armas cibernéticas se juntam à corrida, como evidenciou o preciso ataque norte-americano com um drone que matou o general iraniano Qasem Soleimani em Bagdá nos primeiros dias deste ano.

Putin já anunciou novas armas hipersônicas, que viajam a pelo menos cinco vezes a velocidade do som, muito mais difíceis de rastrear e interceptar. Moscou garante que seu sistema estratégico Avangard, que descreve como uma de suas “armas invencíveis” e que é composto por um foguete balístico intercontinental equipado com ogivas que podem ser manobradas em planos verticais e horizontais e mudar de rumo “já está em serviço”. A Rússia afirma que pode voar em 15 minutos para o território norte-americano. Além disso, garante que já estão quase prontos seus mísseis de cruzeiro hipersônicos antitanque Zirkon, que podem ser implantados em navios de superfície, atualmente na fase final de testes, de acordo com o Ministério da Defesa. Assim como seu drone nuclear submarino Poseidon, projetado para ser transportado por submarinos, embora especialistas ocidentais tenham questionado o quão avançado está o desenvolvimento desse tipo de armas.

Também os EUA, China, Índia, Japão e outros países estão desenvolvendo mísseis hipersônicos. E a corrida armamentista tem um novo campo de batalha: o espaço, onde as duas históricas potências se acusam mutuamente de testar armas.