domingo, 29 de junho de 2014

James Rodríguez / O herdeiro do ‘Pibe’ Valderrama


COPA DO MUNDO 2014

James, o herdeiro do ‘Pibe’ Valderrama

O atacante colombiano, de 23 anos e artilheiro do torneio com dois gols contra o Uruguai, transforma-se na referência do time de Pekerman



James Rodríguez celebra o segundo gol contra o Uruguai. /PAOLO AGUILAR (EFE)
Não é a primeira vez que James Rodríguez (Cúcuta, Colômbia, 23 anos) bate um recorde. O meio-campista que fez o Maracanã explodir com dois gols que permitiram à Colômbia passar às quartas de final pela primeira vez em sua história já está acostumado com isso. Neste sábado, ele se transformou no maior goleador do torneio, com cinco gols, e também no jogador colombiano que mais vezes marcou em uma Copa do Mundo. Ele marcou 10 gols desde 11 de outubro de 2011, quando vestiu pela primeira vez a camisa da seleção da Colômbia. Por isso são muitas as vozes que o classificam como melhor jogador da Copa de 2014, incluindo o técnico Oscar Tabárez, do derrotado Uruguai. Nas redes sociais, já circula uma comparação: “Messi, cinco gols em três Copas; Cristiano Ronaldo, três gols em três Copas; James, cinco gols em uma Copa”.
Muitos previam isso, e agora é uma realidade. James é o substituto do genial Carlos El Pibe Valderrama, um dos melhores meias que a Colômbia teve em sua história. Seu temperamento não se compara ao que ele é dentro de campo. James é um jovem simples e muito tímido. Até há pouco tempo, suas respostas eram monossilábicas. Pouco a pouco ele foi ganhando confiança frente às câmeras e ao assédio dos jornalistas. E nunca nega um autógrafo. James sempre gostou de salsa, mas sempre disse que não sabe dançar. Claro, quem vê as comemorações de gol não pensa assim. Quando marcou o segundo contra a Costa do Marfim, ele foi até o banco para que Armero guiasse a equipe na coreografia, que é ensaiada nos quartos de hotel da concentração.

sábado, 28 de junho de 2014

Vargas Llosa / O fracasso de Ortega y Gasset


Mario Vargas Llosa

O fracasso de Ortega y Gasset

O filósofo quis democratizar a Espanha, torná-la europeia mediante a persuasão; nisso consistia seu liberalismo. Mas a desilusão com a República e o levante fascista enterraram seu projeto



FERNANDO VICENTE
Eu gostaria de ter ouvido uma palestra de Ortega y Gasset, ou melhor ainda, de ter acompanhado algum dos seus cursos. Todos os que o ouviram dizem que falava com a mesma elegância e inteligência com que escrevia, em um espanhol rico e fluente, muito seguro de si, com certos desplantes de vaidade que não ofendiam ninguém, pela enorme cultura que exibia e pela clareza com que era capaz de desenvolver os temas mais complexos. A doutora Margot Arce, que foi sua aluna, me contava em Porto Rico, meio século depois de tê-lo ouvido, sobre o silêncio reverencial e extático que sua palavra impunha ao público. Posso imaginar muito bem; mesmo quando o lemos – e eu o li bastante, sempre com prazer – temos a sensação de ouvi-lo, porque em sua prosa clara e frondosa há sempre algo de oral.
A biografia que Jordi Gracia (Taurus) acaba de publicar mostra um Ortega y Gasset muito menos robusto e firme em suas ideias e convicções do que se pensava, um intelectual que, de quando em quando, experimenta crises profundas de desânimo que paralisam essa energia que, em outros momentos, parece inesgotável e o faz escrever, estudar e meditar sem trégua durante semanas e meses, produzindo artigos, ensaios, uma correspondência imensa, dando aulas e palestras e desenvolvendo ao mesmo tempo um trabalho editorial que deixava uma marca importante na cultura de sua época. Mostra, ainda, que esse trabalhador incansável era, como um Isaiah Berlin, praticamente incapaz de planejar e terminar um livro orgânico, apesar de ter a intuição premonitória de muitos de que nunca chegaria a escrever, porque a dispersão o vencia. Por isso foi, acima de tudo, um escritor de artigos e ensaios curtos, e seus livros, todos eles, com exceção do primeiro –Meditações do Quixote –, são recompilações ou inconclusos. Nada disso empobrece nem diminui a originalidade do seu pensamento; pelo contrário, como acontece com os textos quase sempre curtos de Isaiah Berlin, os artigos de Ortega são geralmente algo muito mais rico e profundo do que costuma ser um artigo jornalístico: análises, exposições e críticas que muitas vezes abordam temas de altíssimo nível intelectual, carregadas de sugestões por vezes deslumbrantes e, no entanto, sempre acessíveis ao leitor não especializado.

A impotência o levou ao silêncio. Mas nunca traiu o seu próprio ideal
Por isso, Jordi Gracia fez muito bem ao rastrear como um sabujo toda a trajetória dos artigos de Ortega y Gasset; é a forma mais segura de se aproximar da sua intimidade de pensador e escritor, de averiguar como fluía nele sua vocação de filósofo e literato. Tudo começava com uma ideia ou uma intuição que despejava em um artigo (às vezes em vários). A partir daí, esse embrião passava pela prova de uma aula ou palestra pública e, enriquecido, ganhava corpo em um ensaio. Embora muitas vezes tivesse a ideia de estendê-lo em um livro, em geral não chegava a fazê-lo, porque outra intuição, descoberta ou invenção genial o desviava para outro artigo que, então, seguindo o mesmo percurso, acabava desembocando em um desses ensaios – com frequência excelentes, não raro soberbos –, que são a espinha dorsal de sua obra e que ocuparam boa parte de sua vida.
Jordi Gracia também mostra que, em Ortega, a vocação política foi tão importante quanto a intelectual. Na sua juventude, assim como na idade madura, ambas as vocações se fundiam em uma; queria ser um grande pensador e um grande escritor para mudar radicalmente a Espanha, torná-la europeia, modernizá-la, democratizá-la, o que para ele – como para os intelectuais que atraiu para o Agrupamento a Serviço da República – significava deixar o país ser governado por seus filhos mais cultos, inteligentes e decentes, em vez da classe política que despreza como medíocre, desprovida de ideias e criatividade, acomodada e cínica. Dedica boa parte do seu tempo a tentar formar um movimento que materialize esse projeto, pois está convencido de que se trata de uma ação cultural, da disseminação de ideias novas e férteis, e isso explica que se entregue à tarefa jornalística em jornais e revistas, convencido de que esta é a melhor maneira de mudar a política vigente, espalhando entusiasmo com ideias e valores que devem chegar ao público da mesma forma que chegavam aos seus alunos: através da persuasão. Nisso consistia o que ele chamava de liberalismo, embora, muitas vezes, acrescentasse a palavra socialismo, para indicar que essa revolução cultural da vida política não estaria isenta de um forte conteúdo social. A República lhe pareceu ser o regime mais propício para a transformação política da Espanha.
No entanto, aqueles não eram tempos para a saudável controvérsia das ideias, como queria Ortega, e sim para os fanatismos em que insultos e pistolas rapidamente substituíam os debates e diálogos entre adversários. Este será o grande fracasso de Ortega, a absoluta inoperância daquela pacífica revolução cultural que propunha e que seria enterrada por mais de meio século pela violenta experiência republicana, seguida pelo levante fascista e pela guerra.

Considero ter sido um grande erro de sua parte retornar à Espanha em plena ditadura
O livro de Jordi Gracia descreve em pormenores e com admirável objetividade a experiência traumática que significou para Ortega o desmoronamento de todos os seus anseios políticos. Primeiro, a desilusão com a República que não se parecia em nada com a ilustrada coexistência na diversidade que havia previsto, e depois o levante militar e a Guerra Civil. A impotência o levou ao silêncio. Mas nunca traiu o seu próprio ideal, embora admitisse que, nessa circunstância, fosse simplesmente impraticável, desprovido de qualquer realidade. O silêncio que manteve em tantos anos de exílio na França, em Portugal e na Argentina desprestigiou Ortega aos olhos de muitos. Creio ter sido um ato de grande coragem tentar se manter à margem, sem tomar partido, diante de duas opções que lhe pareciam igualmente inaceitáveis: o fascismo e uma república muito pouco democrática, dominada por extremismos sectários.
Considero ter sido um grande erro de sua parte retornar à Espanha em plena ditadura, acreditando ingenuamente que o regime se abriria com o pós-guerra; e a verdade é que pagou caro, pois, como mostra Jordi Gracia com riqueza de detalhes, enquanto era continuamente atacado (e silenciado) com ferocidade pelo nacional-catolicismo, determinados sectores falangistas tentavam apropriar-se dele, semeando a confusão ao seu redor, a ponto de seguidores tão fiéis como María Zambrano chegarem a acreditar que havia traído seus antigos ideais. Nunca os traiu; até o fim de seus dias foi laico e ateu, defensor de uma democracia liberal marcada pela tolerância. Ao mesmo tempo, apesar do desconforto político permanente em que passou seus últimos anos, sua vitalidade intelectual nunca deixou de se manifestar, em ensaios e artigos que às vezes retomavam o vigor expressivo e a riqueza criativa do passado. O reconhecimento que teve nos últimos anos foi no exterior, sobretudo na Alemanha, mas também na Inglaterra e nos Estados Unidos. Na Espanha, por outro lado, até hoje nunca foi totalmente reabilitado porque, para alguns, é uma figura ambígua e reticente, que manteve durante a Guerra Civil e o subsequente pós-guerra um silêncio covarde que constituía uma discreta cumplicidade com os fascistas, ou um conservador inveterado e irremediavelmente indisposto com a modernidade.
Um dos grandes méritos do livro de Jordi Gracia é o balanço que faz, sem desculpar nenhum de seus equívocos e erros políticos, nem deixar de observar como, por vezes, a vaidade o cegava e o levava a exagerar em seus rompantes: Ortega y Gasset é um dos grandes pensadores de nosso tempo e, precisamente no momento em que vivemos – não no que ele viveu –, suas ideias políticas têm sido amplamente confirmadas pela realidade. Lê-lo agora não é uma tarefa arqueológica, mas uma imersão em um pensamento brilhante, muito útil para examinar a problemática atual, ao mesmo tempo em que se desfruta do prazer sofisticado que produz um escritor que pensava com grande liberdade e originalidade e expressava suas ideias com a beleza e a precisão dos melhores prosadores do nosso idioma.

EL PAÍS




PESSOA


sexta-feira, 27 de junho de 2014

Morre o ator Eli Wallach, estrela do filme ‘Três Homens em Conflito’

Morre o ator Eli Wallach, 

estrela do filme ‘Três Homens em Conflito’

Nascido em Nova York, morreu aos 98 anos depois de participar em mais de 150 filmes e séries

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Wallach, na estreia de 'Wall Street 2', em 20 de setembro de 2010. / LUCAS JACKSON (REUTERS)
Ele nasceu no Brooklyn, em uma família judia, mas já foi vaqueiro, mafioso, ladrão, bandoleiro mexicano, velho encantador… É apenas uma parte do que ele já foi, porque Eli Wallach, que faleceu hoje aos 98 anos, nunca deixou de trabalhar, de enfrentar personagem secundário após personagem secundário, para acabar se convertendo, depois de atuar em mais de 150 filmes e séries de televisão, em um mito do cinema, homenageado em 2010 com um Oscar Honorário mais do que merecido. Só com seu Tuco de Três Homens em Conflito e seu dom Altobello em O Poderoso Chefão III terá um lugar reservadona glória cinematográfica. Wallach soube fazer carreira com um rosto singular, com suas atuações e com uma grande sabedoria na hora de escolher projetos enquanto envelhecia.

quarta-feira, 25 de junho de 2014

A escritora Ana María Matute morre aos 88 anos

A escritora Ana María Matute morre aos 88 anos

Vencedora do Prêmio Cervantes em 2010 e acadêmica, ela foi uma das grandes autoras do pós-guerra e conquistou o Nadal e o Planeta


A escritora Ana María Matute, Prêmio Cervantes 2010, em Barcelona. / JOSEP LAGO (AFP)
A escritora Ana María Matute, vencedora do Prêmio Cervantes em 2010, acadêmica e uma das grandes autoras do pós-guerra, morreu nesta quarta-feira em sua casa, em Barcelona, a um mês de completar 89 anos. Há apenas alguns meses, ela foi encarregada de entregar a última edição do prêmio Nadal em sua cidade, onde havia nascido em 26 de julho de 1925.
A literatura realista, fantástica e infantil foram as três vertentes que caracterizaram sua obra com um estilo de aparente simplicidade que escondia a complexidade do ser humano. Matute havia acabado de entregar à editora Destino sua nova novela: Demônios familiares, com lançamento previsto para setembro.

terça-feira, 24 de junho de 2014

segunda-feira, 23 de junho de 2014

Rose Marie Gebara Muraro / O Pássaro de Fogo


Rose Marie Gebara Muraro
11/11/1930 - 21/06/2014
O Pássaro de Fogo

Tu vieste como um pássaro
E pousaste no meu ombro
E eu fui habitada
Pela paixão da entrega.

Eu te amei antes que tu existisses
Como o deserto que tem sede de água
E as flores tem sede da luz
E te amei como a pedra ama a terra
Que lhe dá sua força.

Com teu bico colocaste na minha mão esquerda
A semente da morte
E na direita a semente da vida
Para que com as duas juntas
Eu fizesse a escolha de cada momento
Ligando o instante à sua profundidade eterna.

Pássaro de fogo
Capaz de queimar sem consumir
Estás dentro de mim.

Pássaro de fogo
Irei onde tuas asas me conduzirem
E meu caminho se tornou incandescente
Como teus olhos.




domingo, 22 de junho de 2014

Vargas Llosa / Esta realidade pode ser o inferno

Vargas Llosa
Javi Sepúlveda

“Esta realidade pode ser o inferno”

O escritor acha que a falta de transparência leva aos jovens à indiferença e ao desprezo pelo social



O desprezo dos jovens pela política surpreende Mario Vargas Llosa.
Pergunta. Que papel o senhor assume quando fala com jovens?
Resposta. O de um curioso. O abismo entre gerações é o maior da história. Os jovens gostam mais das telas, onde sua desenvoltura é imbatível. Nós continuamos sendo livrescos.
P. O que mais mudou?
R. Tornam-se adultos muito rápido. Em relação a sexo, por exemplo. É uma liberdade que os torna mais saudáveis do que nós fomos. Os tabus e as proibições fizeram com que o sexo fosse traumático.

Os países que viveram a utopia demonstraram que ela provocava mais injustiças do que as corrigia
P. O que o senhor entende agora e não compreendia quando era jovem?
R. A igualdade entre o homem e a mulher. Os jovens agora são mais conscientes disso, e nós éramos bastante cegos. O sexo os torna mais livres. Ainda que essa liberdade os faça perder, mais rápido, a inocência que pouco a pouco ia fomentando o amor e enriquecendo a relação sentimental.
P. Quando o senhor perdeu sua inocência?
R. Entre os 10 e os 11 anos. Eu não sabia como as crianças vinham ao mundo; que cegonhas as trouxessem me parecia algo fantasioso; não suspeitava do tipo de vida sexual que estava na origem da procriação.
P. E que outras descobertas naturais o comoveram?
R. O amor. Foi fundamental, e o descobri antes do sexo. Meu primeiro amor foi uma trapezista de circo. Eu era muito jovem; e os circos vinham para Cochabamba para o 6 de Agosto, dia da Bolívia. Havia uma equilibrista vestida de rosa. Foi meu primeiro amor.
P. E o primeiro beijo?
R. Talvez aos 12 anos. Fazíamos jogos maliciosos entre meninos e meninas. O prêmio era um beijo. O meu primeiro foi o de Teresita. Foi por isso que batizei com esse nome a protagonista do meu primeiro romance!
P. O senhor abraçou a utopia na juventude. Quando ela ruiu?
R. Quando os países que viveram a utopia demonstraram que ela provocava injustiças piores que as injustiças que nós queríamos corrigir com as medíocres democracias.
P. A realidade de hoje não é motivo para soltar fogos.
R. Esta realidade democrática não apenas não é o paraíso como pode chegar a ser o inferno. Há corrupção, falta de transparência, de vitalidade das democracias, e isso leva os jovens a aderirem à indiferença e ao desprezo pelo social e pelo político; o que acho muito grave. É uma realidade do nosso tempo.
P. O que o surpreende quando conversa com os jovens?
R. O enorme desprezo pela política e pelo compromisso; acham que é uma perda de tempo, que todos os políticos são corruptos. Essa atitude cínica que assumem tão rápido é perigosa para o futuro da democracia, da liberdade, de tudo que nos tirou da barbárie.
P. Consegue convencê-los do contrário?
R. É difícil fazê-lo, se o que tem a oferecer é viver em sociedades nas quais não há emprego, a não ser para uma minoria. A grande revolução tecnológica transforma o mundo e faz desaparecer, cada vez mais, oportunidades de trabalho.
P. O que o senhor não entende do que escuta?
R. Há um deslumbramento com a tecnologia como panaceia para resolver tudo. Uma utopia perigosa: ameaça a maior conquista da humanidade, a liberdade. É um pesadelo orwelliano que se tornou realidade.
P. Disse que imaginava a velhice junto com um dogue alemão, de frente para o mar. Acha que está longe?
R. Ha, ha, ha! Meu sonho é poder continuar lendo e escrevendo até o final. Se for assim, será uma morte feliz.
P. Um pai, quase da sua idade, deixa o lugar para alguém que pode seu filho, Vargas Llosa. Que futuro prevê para o novo Rei?
R. Acredito que seja um jovem muito bem preparado para enfrentar um futuro enormemente incerto e difícil.

EL PAÍS




PESSOA


Picasso / O grande mestre do século XX

Pablo Picasso
Foto de Dora Maar

Picasso, o grande mestre do século XX


O labor dos escritores em relação a seu trabalho contribuiu à difusão de sua obra de uma maneira determinante


    'A oficina', 1955. Óleo sobre tela, 80,9 x 64,9 cm Tate: Apresentado/Apresento por Gustav e Elly Kahnweiler em 1974, acrescentado/acrescento à coleção em 1994. / © TATE, LONDON 2014 / SUCESIÓN PABLO PICASSO, VEGAP, MADRID, 2014
    Guillaume Apollinaire, Max Jacob, Gertrude Stein, Jean Couteau, Louis Aragon ou Michel Leiris são apenas uns poucos nomes dos muitos escritores com os quais Pablo Picasso teve uma estreita relação e que contribuíram a convertê-lo já em vida como um dos maiores artistas da história. A partir de sua morte, em um chuvoso domingo de abril de 1973, aos 91 anos, em Notre-Dame-Vie, em Mougins (França), as exposições dedicadas a Picasso não deixaram de acontecer em todo o mundo: antológicas, retrospectivas focadas em cada uma de suas múltiplas etapas ou temas, seus períodos azul, rosa ou branco e negro, seus retratos, sua relação com a tradição e a vanguarda, seus cadernos, suas máscaras, suas cerâmicas, suas viagens. Seu imenso talento junto à sua enorme produção alimentam ano após ano os projetos dos museus mais diversos do planeta.
    Maite Ocaña (Barcelona, 1947), uma das mais prestigiadas especialistas na obra do pintor malagueño, é a curadora da exposição dedicada às oficinas do artista. Ocaña começou a trabalhar no Museu Picasso de Barcelona em 1972 e pode dizer que quase toda sua vida profissional está unida ao pintor. Só nesse museu, 79 exposições foram dedicadas a ele durante seu meio século de existência. A especialista não participou de todas, mas atesta, com uma resposta entusiasmada, ser amante da arte.
    A que se deve esse interesse permanente por Picasso?. “É a figura central de toda a arte do século XX”, responde a especialista. “Sua capacidade de investigação unida a sua profunda admiração pelo passado o fazem único. Já foi importante para os artistas de sua geração. Os escritores colaboraram à difusão de sua obra de uma maneira determinante. Relacionou-se com muitos e os que não o conheciam pessoalmente, se interessaram por sua obra. Foi assim então e seguiu o sendo depois”.
    Ante o imponente Autorretrato com paleta (1906) com o que abre a exposição, propriedade do Museu da Philadelfia, Ocaña lembra que se trata de uma das peças mais importantes de seu período primitivista: rosto com forma de máscara ibérica e corpo volumétrico. “Tem quase forma arquitetônica, como o retrato que realizou de sua amiga Gertrude Stein, a escritora norte-americana que tanto ajudou na difusão de sua obra”.
    Ocaña está convencida de que por mesmo que várias exposições lhe sejam dedicadas, Picasso continuará sendo por muito tempo uma fonte inesgotável de novas propostas que seguirão interessando ao público. “Sua obra admite novas leituras, ensinos, comparações“. Não acha que, salvo exceções, seu nome seja utilizado em vão para atrair visitantes. “Há muito para se descobrir. Nesta exposição mostramos um alto número de obras nunca vistas porque são propriedade de particulares. Pode contemplá-las de perto uma vez na vida, é um bom pretexto para se aproximar e ver a exposição”.
    Sua cotação no mercado dos leilões, sempre nos primeiros postos há muitos anos, aumenta também no interesse dos museus por expor sua obra. Na semana passada no Sotheby’s de Londres, Picasso rompeu um novo recorde com Composition au Minotaure, comprado por 12,5 milhões de euros, o preço mais alto alcançado por uma obra sobre papel do gênio malagueño.