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segunda-feira, 13 de dezembro de 2021

Eufémia / Mulheres, teatro e identidades' denuncia violência sistémica

 


Eufémia: Mulheres, teatro e identidades' denuncia violência sistémica

Espetáculos, mesas redondas e debates sobre perspetivas de género constam do programa da primeira edição do Festival 'Eufémia: Mulheres, Teatro e Identidades', a decorrer nos próximos dias 26 a 31, em vários espaços de Lisboa.


11:32 - 21/10/21 POR LUSA
CULTURA 
LISBOA

Promovido pelo grupo Eufémias, o primeiro a representar, em Portugal, o Magdalena Project -- Rede Internacional de Mulheres no Teatro Contemporâneo, o certame inclui ainda uma componente formativa através da realização de mesas redondas destinadas a promover o debate sobre as perspetivas de género e a construção de identidades nas artes cénicas, segundo a organização,

O nome do certame, a realizar em espaços como a biblioteca de Marvila, o auditório da Escola Secundária Camões e a Faculdade de Ciências Sociais e Humanas (FCSH) da Universidade Nova de Lisboa (UNL), "remete para as mulheres trabalhadoras, as suas lutas, as denúncias contra as diferentes violências do sistema patriarcal - heteronormativo-branco, a força e a vulnerabilidade das que são mães, o direito e o dever de falar e o direito e o dever de dizer não", acrescenta uma nota da organização.

Idealizado e construído a partir da questão das perspetivas de género, que denuncia a captura da identidade nas redes de poder-saber patriarcais e aponta a necessidade de um novo tipo de ação feminista através das artes cénicas, os espetáculos "procuram configurar a prática artística/cénica como prática política, e, como tal, transformadora do social", refere a mesma nota da organização do certame.

Protagonizado, sobretudo, por mulheres, o festival promove práticas destinadas a todas as pessoas, numa perspetiva multicultural, com o objetivo de contribuir para a formação de artistas locais, o enriquecimento mútuo das artistas e comunidades envolvidas pela troca de experiências, reflexões e saberes entre pessoas de culturas diversas, histórica e socialmente ligadas.

A violência contra as mulheres, a violência de género, as diferentes formas de opressão pós-colonialista, as identidades e a sua relação com a memória histórica ligada às ditaduras, a desigualdade no mercado do trabalho, as novas masculinidades, o racismo, a discriminação e a homofobia são temas a abordar na iniciativa.

Um concerto do grupo musical português CRUA, composto por seis mulheres e outros tantos adufes, assinalam a abertura do festival, no dia 26, na biblioteca municipal de Marvila, seguido de "Silêncios persistentes", uma performance de Joana Craveiro pelo Teatro do Vestido, sobre os segredos de famílias.

No dia seguinte, no mesmo local, A Corda Teatro representará "Epopeia" (dia 27).

Um dia depois é a vez da artista brasileira Tita Maravilha, com "Tita no país das maravilhas".

A estreia do novo trabalho da coreógrafa e bailarina Marisa Paulo, "(In)visível", sobre o corpo da mulher africana na diáspora, um concerto pelo grupo cabo-verdiano Batuko Ramedi, composto por nove mulheres (ambos no dia 29), e o espetáculo "Semillas de memoria", da atriz argentina Ana Woolf, no dia seguinte, 30, completam a lista de espetáculos a apresentar naquela biblioteca em Lisboa.

"Mulheres em rede: O legado e a transmissão através do Magdalena Project", "Arte, política e memória como estratégia de resistência", "Feminismos, interseccionalidade e a desconstrução de estereótipos de género-raça-classe" e "Artes, corporalidades e Construção de Identidade" são os temas dos quatro debates, a realizar ao ritmo de um por dia, entre dias 27 e 30, na FCSH-UNL e no auditório da Escola Secundária de Camões.

Quatro ações de formação, a ministrar por atrizes e formadoras como a argentina Ana Woolf, a portuguesa Joana Pupo, a francesa Brigitte Cirla e a australiana Jaime Mears, no Mercado de Culturas de Arroios e na Escola Secundária de Camões, constam também do programa.

Como atividades complementares, o Festival propõe ainda exibições de trabalhos artísticos em curso, a exibição do filme de Raquel Freire "As mulheres do meu país", e uma "Parada final", de Ana Woolf e Brigitte Cirla, com intervenções artísticas dos participantes do Festival Eufémia, aberta à comunidade, a realizar no último dia do certame, em espaços públicos em Arroios.

O grupo Eufémias tem o nome inspirado na ceifeira alentejana Catarina Eufémia, mãe de três filhos, assassinada grávida, com um deles ao colo, aos 26 anos, em 1954, pelos algozes da ditadura de Oliveira Salazar enquanto protestava junto com outras trabalhadoras rurais.

As Eufémias são Catarina Sobral, Elsa Maurício Childs, Mafalda Alexandre, Maria Catarina Amaral, Poliana Tuchia e Stefania Macua.

O festival é inspirado no Magdalena Project -- Rede Internacional de Mulheres no Teatro Contemporâneo, uma rede multicultural dinâmica fundada em 1986, no País de Gales, e que atualmente reúne grupos de teatro de mulheres dos continentes europeu e americano, e de países como Austrália, Nova Zelândia e Índia.

CULTURA AO MINUTO


segunda-feira, 13 de abril de 2020

Como Portugal mantém o coronavírus mais controlado que países europeus mais ricos


Horácio cria suas ovelhas na aldeia de Santa Margarida da Serra, no Alentejo (Portugal).
Horácio cria suas ovelhas na aldeia de Santa Margarida da Serra, no Alentejo (Portugal).
Foto de FRANCISCO JAVIER MARTÍN DEL BARRIO

PANDEMIA DE CORONAVÍRUS

Como Portugal mantém o coronavírus mais controlado que países europeus mais ricos

Precauções sanitárias, planos de controle oportunos e união política controlam a epidemia melhor que em outros lugares com mais recursos econômicos


Javier Martín del Barrio
Lisboa, 12 de abril de 2020


Não faz muito tempo, o presidente português disse que seu país era a Suécia do sul. Ainda que o popular Marcelo Rebelo de Sousa tenha se referido na época às conquistas diplomáticas, a definição poderia ser estendida hoje à luta contra o coronavírus. Portugal contorna a pandemia com um índice de casos por milhão de habitantes que é a metade do sueco. Embora o mundo continue boquiaberto olhando para o norte, britânicos, suíços, holandeses e alemães poderiam aprender alguma coisa mais ao sul, com o latino Portugal, onde o coronavírus avança sob controle.

O cordeirinho que ainda exibe cordão umbilical não sabe, mas nasceu com um estrela. Graças a estes tempos de calamidade, não acabará em alguma churrasqueira nesta Páscoa. “Foi parido esta manhã”, confirma o pastor Horácio. O animal quase não pode se manter de pé ao lado dos outros filhotes, alguns dias mais velhos que ele, todos indultados pelo coronavírus. “Hoje é este bicho e não há demanda, amanhã será a seca e não haverá pasto. Em 10 anos não haverá nada nem ninguém por aqui.” Horácio cria as ovelhas numa aldeia do Alentejo, uma região do tamanho da Catalunha onde o coronavírus não conseguiu matar. Um caso excepcional dentro do exemplo já excepcional que é Portugal.

Em 2 de março foram descobertos os primeiros casos positivos em Portugal, praticamente o último país infectado da Europa Ocidental, e por causa de importações da Itália e da Espanha. Embora a autoridade sanitária tivesse considerado a Covid-19 uma “gripe forte” dias antes, as previsões mais pessimistas apontavam para um milhão de contagiados, 10% da população do país. Quarenta dias depois, existem apenas 16.000 casos e 470 mortes. Numa guerra sem fim, os profissionais de saúde portugueses abrem mão das medalhas. “Não somos melhores que os italianos nem que os espanhóis”, afirma o pneumologista Filipe Froes. “São etapas diferentes. Estamos três semanas atrás da Itália e uma ou duas atrás da Espanha. É cedo para avaliar Portugal.”

Até agora, os dados portugueses são muito mais encorajadores que os da França, Reino Unido, Alemanha, Holanda, Bélgica e Suíça, estereótipos da suposta eficácia, disciplina e racionalidade do norte da Europa.

“Todos os países aplicam as mesmas medidas, mas nós tivemos mais tempo de prepará-las”, diz Froes. “No início, a atividade do vírus foi mais brusca na Itália e na Espanha, agindo em mais focos geográficos e em instituições sensíveis, como hospitais e lares de idosos.”

Em 13 de março, o primeiro-ministro português, António Costa, decretou o estado de alerta e o fechamento dos colégios. Tomou a medida ao mesmo tempo em que a Espanha, com a diferença de que esta registrava 6.000 contágios e 132 mortos, e Portugal apenas 112 positivos, nenhum mortal. Naquele mesmo dia, foi detectado o primeiro caso de contágio local, um dado importante para frear a expansão do vírus, segundo a epidemiologista Inês Fronteira. Do primeiro caso importado ao primeiro entre locais, 11 dias haviam passado, ao contrário da Itália e da Espanha, que demoraram 23 e 28 dias, respectivamente, para localizá-los. Um estudo da professora de Saúde Pública da Universidade Nova de Lisboa indica que a reprodução do vírus em Portugal, nos primeiros 25 dias da epidemia, foi por isso a mais baixa da Europa, inclusive inferior às cifras da Coreia do Sul e da China.

Apesar da cautela dos especialistas portugueses, faz uma semana que os contágios duplicam a cada oito ou nove dias. “É verdade”, reconhece o pneumologista Froes, “que na fase de desenvolvimento do contágio ativamos a rede de atenção primária. Com isso, conseguimos uma resposta domiciliar ao paciente para seguir o tratamento em casa e uma melhor resposta ao doente grave nos hospitais”. Hoje, 82% dos contagiados continuam a recuperação em seus domicílios.

Os hospitais estão longe do colapso, e os de campanha nem foram capacitados. João Mota, chefe de proteção civil de Grândola, transformou um espaço de feiras num hospital temporário. “No momento ele não é necessário [há quatro casos na localidade], mas está preparado para que outros hospitais transfiram para cá pacientes com doenças não contagiosas”, afirma. Os 233 internados nas UTIs do país utilizam seis ventiladores por cabeça, e nesta semana chegarão outros tantos para completar um total nacional de 3.000 aparelhos.

A epidemia se concentra na Grande Lisboa e na região do Porto, com 90% dos casos positivos. No extremo oposto está a terra de Horácio, o Alentejo, com 0,5%. Com 33% da superfície do país continental, a região tem apenas 23 habitantes por quilômetro quadrado, como na Suécia. “A densidade populacional é um fator fundamental numa expansão epidemiológica”, diz a demógrafa Maria Filomena Mendes, da Universidade de Évora.

O coronavírus, longe de distanciar instituições e partidos, aproximou-os. O presidente, Rebelo de Sousa (Partido Social-Democrata, PSD), e o primeiro-ministro, Costa (Partido Socialista, PS), se complementam e publicamente escondem suas discrepâncias. Não há provas de que a unidade institucional cure epidemias, mas sim de que as brigas políticas estimulam o mal-estar da sociedade. Nas redes sociais portuguesas, é impossível encontrar vídeos de cidadãos insultando ou raivosos (tampouco engraçados). Nas ruas, a polícia não controla, “sensibiliza”; não multa, “recomenda”. Em abril, somente deteve – no sentido mais leve do termo – 74 pessoas por violar o confinamento. Empresas e lojas permanecem abertas – com a exceção de bares e restaurantes – enquanto o presidente já anuncia que o estado de emergência continuará até maio.

Seja pelos médicos, pelos políticos ou pelo povo, Portugal está lidando com a situação melhor do que muitos países, embora ela não seja a ideal. Faltam testes, máscaras e gel desinfetante. Os planos de prevenção se esqueceram dos lares de idosos, como reconhece o pneumologista Froes. “Tínhamos que ter sido mais rigorosos na avaliação do risco nessas instituições.”

Aos 70 anos, o pastor Horácio não tem medo do coronavírus. “Lutei na guerra de Moçambique, depois fui a Angola, depois ao Iraque... Se ele vier, aqui estamos. Você acha que o vírus se lembrará de nós?”.