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sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Angelo Venosa, escultor


Angelo Venosa. Sem título, 1992. Chumbo e cera de abelha


Angelo Venosa, escultor


Casa Roberto Marinho abre a primeira exposição póstuma do escultor Angelo Venosa, falecido precocemente aos 68 anos, em outubro do ano passado.

Angelo é um dos protagonistas da Geração 80. Nascido em 1954 na capital paulista, em 1973, com 19 anos, Angelo participa da Escola Brasil – uma iniciativa dos artistas José Resende, Carlos Farjado, Luiz Baravelli e Frederico Nasser que promovia a discussão e a experimentação artística. Em 1974, muda-se para o Rio de Janeiro voluntariamente, onde cursa a Escola Superior de Desenho Industrial [ESDI]. Forma-se em 1977 e no início dos anos 1980 ingressa no ateliê livre da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio, quando já não era considerado um iniciante, dada a comprovada bagagem teórica e experimental que trazia.

No ano de sua formatura na ESDI, Angelo se casa com Sara Grossman, que vem a se tornar o mais sólido pilar em sua vida, e com quem tem dois filhos, Daniel e Bárbara. Recém-formado e casado, o futuro artista procurou trabalho como designer –profissão que exerceu como atividade paralela até poucos anos antes de seu falecimento e da qual pouco falava. Certamente essa “outra parte” será motivo de pesquisa e paralelos, porque integra o corpo da obra do artista.

Os anos de capista e designer conferiram a Angelo certo domínio das artes gráficas digitais, que lhe foram de grande valia para suas obras iniciais, de natureza marcadamente experimental. O artista retornaria a esta fase mais artesanal em seus últimos anos de vida.

Conheci Angelo em meados dos anos 1980, à ocasião de minha primeira visita ao ateliê de Daniel Senise, com quem ele compartilhava um belo, porém deteriorado, casarão, à rua Sílvio Romero, na Lapa, no Rio. Foi impressionante meu primeiro contato com as esculturas de Angelo. Todos aqueles “seres”, vertebrados, invertebrados, marinhos, me deixaram extasiado, não só por seu mimetismo sutil, mas pela proporção que ganharam no ateliê sombrio.. Essa foi considerada, pela crítica e por estudiosos, a primeira fase do artista. Esse conjunto de obras não dialogava com o retorno ao figurativismo, um dos postulados da Geração 80, nem tampouco com a tradição construtivista que começou a imperar no Brasil, em meados dos anos 1990. Sem precedentes nem pares, você aceita, ou não, uma dada obra. Eu aceitei, como muitos.

Angelo usava ousadas e inventivas construções de madeira que eram revestidas com resina e fibra de vidro. Eram elaboradas como alegorias de Carnaval, frágeis, transitórias e deslumbrantes. (Mais tarde vim a saber que o pai de Angelo trabalhava como marceneiro em produções de teatro.) A ossatura evidenciada daqueles seres, a estrutura substancialmente desnuda, era o que mais me intrigava no artista. E acredito que, nestas quase quatro décadas de trabalho, Angelo Venosa tenha se movido no sentido de descarnar visceralmente suas obras. A baleia, instalada na praia do Leme, no Rio de Janeiro, pode ilustrar este comentário.

Não quero com isso reduzir a obra de Venosa à cadência do dentro-e-fora, ou do aberto-e-fechado. Longe disso. Nos quarenta anos seguintes, Venosa teve uma trajetória sólida e repleta de “altos”, sempre nos surpreendendo com novos caminhos e possibilidades abertos por sua obra embrionária.

Embora diagnosticado com esclerose lateral amiotrófica (ELA) em 2019, anos antes Angelo já sofria a ação da doença. De alma lhana e espírito sereno, dedicou-se disciplinadamente à sua arte nos últimos anos. Sempre com o apoio de sua solidária Sarinha – que compôs variações de seu sensível Réquiem para um vivo a seu amado.

Tudo começou com a exposição Penumbra, em 2018, no Museu Vale, em Vila Velha, no Espírito Santo, com curadoria e belo texto de apresentação de Wanda Klabin. Em 2019 esta exposição é reinstalada na Galeria Nara Roesler, em São Paulo, representante da obra do artista. Dois grandes grupos de “estruturas” descarnadas e encarnadas foram justapostas frente a frente. Angelo fez amplo uso da sombra, ao escurecer a luz artificial.

No mesmo ano, a memorial obra Catalina é exposta no Paço das Artes do Rio de Janeiro. A essa altura, o artista substitui a fibra de vidro e a resina pelo papel opaco e translúcido. Igualmente, os programas de computação lhe permitiram maior precisão e um resultado mais apurado, diferentemente das primeiras obras, que eram mais experimentais.

A grande emoção viria em 2021, com a exposição Quasi - ainda vivo, still life, natureza viva... Quasi foi uma exposição seminal e histórica: uma iniciativa inesquecível da Galeria Nara Roesler do Rio. Com a exceção de uma obra figurativa, uma cobra, a exposição é composta de fungos gigantes, muitos dos quais são ligados, um a outro, por espessas veias feitas de tubos de papel branco com estrutura de fios de metal. Muitos seres eram bi terminados e deixados sobre o chão. Quasi foi a última exposição concebida e executada pelo próprio artista. Nota-se que ela foi feita sob medida para a arquitetura da Galeria.

Angelo Venosa. Sem título, 2019
Divulgação

Em Quasi, muitos como eu se despediram de Angelo. As obras brancas sobre o branco da Galeria pediam silêncio e emanavam serenidade. Foi um beijo, um abraço que ele deu a todos os amigos, na cidade que ele amava, o Rio de Janeiro.
Ainda em 2021, O Museu de Arte Contemporânea de São Paulo realizou, a partir de seu acervo pessoal de obras dos anos 1980, um diálogo deste acervo com a produção dos últimos anos. Infelizmente o artista não pode estar à abertura da exposição.

Sempre que falamos de Angelo Venosa, o nome do Parque Lage e de certos artistas, como Beatriz Milhazes, Daniel Senise, Luiz Zerbini, Leda Catunda, Leonilson, Sarinha, vem à baila. À guisa de complemento, sempre dizem que ele foi o único artista de sua geração a se dedicar à escultura.
Esse comentário é impreciso, e não faz jus a uma série de outros artistas que, como Angelo, despontaram, como escultores, nos anos 1980, tais como Sergio Romagnolo, Frida Baranek, Beth Jobim, Nelson Felix, Barrão, Ivens Machado, entre outros. Deduzo que o problema resida na falta de um fio condutor na produção escultórica realizada no Brasil. Não vejo afinidade da obra de Angelo com seus pares, nem tampouco dos pares entre si. Isso pode ter tornado, nessa década, algo solitário, a prática da escultura, já um tanto sufocada pela proeminência que a pintura conquistara nos anos 1980. Sim, neste caso, Angelo seria um dos poucos, mas não o único escultor.

Depois de Maria Martins e Miró, é louvável que a Casa Roberto Marinho tenha aberto suas portas para um escultor ultracontemporâneo como Angelo Venosa, sobretudo com a curadoria de Paulo Venâncio Filho, profundo conhecedor da obra do artista e autor de vários textos sobre ele. Penso também que, de tanto eu ter enfatizado o início e o fim, e suas similitudes, da produção do artista, acabei por negligenciar trinta anos de exposições surpreendentes cujas obras estarão propiciamente presentes em Angelo Venosa, escultor.


SERVIÇO:

ANGELO VENOSA, ESCULTOR
Abertura pública: 25 de agosto de 2023, das 12h às 18h
Encerramento: 12 de novembro de 2023

Instituto Casa Roberto Marinho
Rua Cosme Velho, nº 1105 - Rio de Janeiro | RJ
Tel: (21) 3298-9449
Visitação: de terça a domingo, das 12h às 18h
(Aos sábados, domingos e feriados, a Casa Roberto Marinho abre a área verde e a cafeteria a partir das 9h.)

Ingressos à venda exclusivamente na bilheteria:
R$ 10 (inteira) / R$ 5 (meia entrada)
Às quartas-feiras, a entrada é franca para todos os públicos.
Aos domingos, “ingresso família” a R$ 10 para grupos de quatro pessoas.

A Casa Roberto Marinho respeita todas as gratuidades previstas por lei e é acessível a pessoas com deficiência física.

Estacionamento gratuito para visitantes, em frente ao local, com capacidade para 30 carros.


JORNAL DO BRASIL




sexta-feira, 21 de novembro de 2014

As gigantes emoções de Ron Mueck

Ron Mueck / Mask II

As gigantes emoções de Ron Mueck

Obras do artista australiano chegam à Pinacoteca de São Paulo

Os trabalhos encantam pela simplicidade em proporções guliverianas

       

    'Casal sob o Guarda-Sol', obra de Ron Mueck / N. DOCE (REUTERS)
    Rugas, dobras e marcas de expressão em bonecos que reproduzem formas humanas, em proporções guliverianas. Não é exagero dizer que o impacto proporcionado pelo trabalho do artista australiano Ron Mueck é do tamanho de suas obras. Filho de fabricantes de bonecos, Mueck se notabilizou mundialmente pelo hiperrealismo de suas esculturas, construídas em seu ateliê em Londres, com resina, fibra de vidro, silicone e acrílico. Hoje é considerado um dos artistas contemporâneos mais importantes da Grã-Bretanha e referência mundial.
    Parte dos seus trabalhos estão expostas desde quinta-feira naPinacoteca de São Paulo. Depois de 20 anos desenvolvendo bonecos e marionetes para programas de TV e cinema – ele integrou a equipe de Labirinto, por exemplo, filme de animação dos anos 80 - Mueck decidiu transpor seu talento para o mundo das artes plásticas.
    Ron Mueck / Woman with Shopping, 2013

    A lógica do australiano era simples. Em escalas maiores, suas esculturas também trariam um impacto emocional e psicológico muito maior. “Elas permitem perceber o todo de um modo que um objeto em proporções normais não deixariam”, disse ele certa vez numa de suas raras entrevistas. Quem vê seus trabalhos, de fato, garante que poderia ficar horas observando os detalhes. Os poros, o suor, a expressão de obras, como Mulher com galhos, de 2008, e a Máscara II, de 2002, que vieram para a Pinacoteca, depois de encantar os cariocas, durante a exposição no Museu de Arte do Rio de Janeiro. Máscara é um auto-retrato do artista, uma cabeça deitada com a boca semi-aberta.
    É nas imperfeições humanas retratadas em suas peças que se encontram o maior reconhecimento do hiper-realismo do artista. Isso é visível na obra mais recente, Casal debaixo do guarda-sol, construída no ano passado, e que também está na Pinacoteca. As dobras da barriga da mulher, que observa seu parceiro, que tem a cabeça apoiada em uma de suas pernas, são o exemplo dessa preocupação de Mueck pela humanidade. O homem, por outro lado, olha para o infinito com o braço apoiado na própria testa, enquanto mantém as pernas dobradas. Uma posição tão casual, e que ao mesmo tempo expõe o enorme desafio de reproduzir o prosaico na forma de uma obra de arte.

    Ron Mueck / Woman with sticks

    “Não penso nos meus trabalhos como simples manequins. Por um lado, tento criar uma presença crível. E por outro, eles precisam ser objetos. Não são pessoas vivas, embora seja bacana ficar em frente a elas e duvidar se são reais ou não”, comentou Mueck certa vez. Para cumprir seu objetivo, o artista trabalha os detalhes ao extremo, buscando a verossimilhança para captar o espectador. Cabelos, sobrancelhas, cílios, músculos, barrigas um pouco flácidas. São essas características que levar o espectador a se emocionar, ao se ver refletido em personagens tão parecidos com ele.Em uma de suas obras mais conhecidas, Dead Dad, de 1996, feita em homenagem à memória do seu pai, Mueck aplicou amostras dos seus próprios cabelos.
    A exposição na Pinacoteca de São Paulo fica até fevereiro. Os visitantes poderão assistir, ainda, a um documentário que mostra o artista trabalhando em seu ateliê, na Inglaterra.