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quinta-feira, 24 de julho de 2014

Gaza / Efeitos colaterais

Moradores correm em busca de refúgio na Faixa de Gaza. / Hatem Ali (AFP) / HATEM ALI (AFP)

Efeitos colaterais

A questão central é que Israel nunca permitiria um Estado palestino soberano


O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu afirma que o propósito da invasão de Gaza é destruir os túneis que ligam a Faixa com Israel, por onde escorregam os terroristas do Hamas. Por que, então, os 10 dias de bombardeios prévios à invasão terrestre? Por que o Hamas recusou um cessar-fogo que teria diminuído a carnificina? E, se isso tem sentido, quem sai ganhando ou perdendo com o massacre?
O grande perdedor só pode ser o povo palestino, que sofreu uma orgia de efeitos colaterais, ou seja, mulheres e crianças entre as várias centenas de mortos, milhares de feridos e detidos, inumeráveis casas destruídas, e a demolição total ou parcial de seus já exíguos serviços públicos.
A opinião israelense e de seu primeiro-ministro é sim, ao que parece, de confiança de ter ganhado, pelo menos no curto prazo. Netanyahu sabe que uma campanha assim produz uma união em apoio ao Exército, que com sua Operação Limite Protetor combate tanto a ameaça dos foguetes e as infiltrações do Hamas, quanto procura manter sob controle sua extrema direita, que pede a reocupação da Faixa e uma punição ainda mais exemplar, como se a matança não fosse suficiente. E, em uma estranha simetria, o Hamas pode pensar que ganha também porque, em comparação com a Autoridade Palestina de Mahmud Abbas, pode se ufanar de ser o único que enfrenta os invasores.
Há limites, no entanto, para tanta ganância. Ao establishment israelense não interessa a destruição completa do inimigo, se isso fosse possível, porque o vazio assim criado seria preenchido por uma dúzia de facções, a maioria divisões do Hamas, de um jihadismo ainda mais radical, enquanto que a organização que governa a Faixa cumpre com perfeição um útil propósito político: permite a Israel afirmar que não há negociação de paz possível com terroristas, condenados à destruição do Estado sionista.
Como destaca o jornalista libanês Rami G. Khouri, tanto quanto a destruição dos túneis, o que importa a Netanyahu é “cortar a grama” sob os pés da guerrilha, destruir a infraestrutura do Hamas, operação que, pelo visto, convém repetir por vários anos —a última vez foi em 2008-2009, com um saldo de 1.400 palestinos e 13 israelenses mortos— para impedir que a organização reconstrua seu aparato militar, ao mesmo tempo em que a mantém permanentemente na defensiva. Isso explicaria os 10 dias de bombardeios, antes do início da busca dos túneis.
Longe do teatro da ação aparece, no entanto, outro grande perdedor: Barack Obama, ou a viva imagem da impotência. A matança dispara e o presidente norte-americano expressa “sua preocupação” por telefone a Netanyahu, e quando este dê por finalizada a operação, até deverá agradecê-lo. A questão central, em qualquer caso, foi manifestada pelo primeiro-ministro israelense em uma entrevista coletiva, com a invasão já mediada, ao dizer que Jerusalém nunca permitiria a existência de um Estado palestino plenamente soberano. E sua justificativa chama-se Hamas.





domingo, 1 de dezembro de 2013

David Grossman / “Não se pode tolerar que invadamos diariamente a vida dos palestinos”



David Grossman: “Não se pode tolerar que invadamos diariamente a vida dos palestinos”

O escritor israelense, em um encontro com Vargas Llosa, fala da necessidade da paz com a Palestina para fazer de Israel “um lar”


Juan Diego Quesada
Guadalajara, 1 Dez 2013





Os dois escritores, durante o encontro na Feira Literária.
Os dois escritores, durante o encontro na Feira Literária. SAÚL RUIZ


David Grossman (Jerusalém, 1954) conversou com Mario Vargas Llosa sobre as leituras da sua infância e sobre o compromisso dos escritores com a palavra precisa. Mas, quando chegou o momento de falar de política, torceu a cara: “Precisamos arruinar uma linda manhã”. Foi só uma maneira de dizer, porque suas palavras tiveram a força e a integridade de um intelectual que navega a contracorrente da sua experiência vital. Grossman é o protagonista de um discurso de reconciliação, apesar de ter perdido a um filho na guerra, um episódio que teria levado muitos outros a hospedarem os sentimentos mais obscuros. A reticência inicial do autor de Fora do Tempo não reduziu o valor das suas poderosas palavras em torno da necessidade de obter um acordo de paz entre Israel e a Palestina. “Como judeu, isso vai me permitir ter um lar. As fronteiras de meu país mudaram tantas vezes que ele já não existe. É como viver em uma casa com paredes móveis e onde a terra treme de tempos em tempos”, expôs ele neste domingo perante um auditório lotado, na Feira do Livro de Guadalajara.
Os judeus – havia explicado Grossman minutos antes – protagonizaram uma das grandes histórias da humanidade (“Somos um povo com um passado glorioso, enorme e eventualmente muito trágico”). Desde sua dispersão como povo, passando pelas expulsões que sofreram em alguns países na Idade Média, até desembocar no Holocausto e na criação do Estado do Israel. Uma existência maníaco-depressiva, observou o escritor, segundo o qual chegou o momento de abandonar esse caminho grandiloquente e de contínua tomada de decisões tremendamente dolorosas. Um momento, diz ele, “de ser um país como os outros. De começar a escrever uma história maravilhosa, como a dos mexicanos, e abandonar essa vida conflitivae inflamada”.
Essa necessidade de paz e estabilidade, no caso de Grossman, não está focada apenas sob um ponto de vista egoísta. Existe a preocupação pelo outro. “Acredito que os palestinos devam ter seu próprio país livre, independente e soberano. Têm de ter privilégios, não mais como palestinos, como seres humanos. Eu lhes desejo uma vida normal, que não sejam humilhados. Definitivamente, não posso tolerar que invadamos diariamente suas vidas”, afirmou o escritor, alguém que já percorreu os territórios palestinos e olhou nos olhos dos seus vizinhos.
Grossman e Vargas Llosa (Arequipa, 1936), dois dos mais celebrados escritores contemporâneos, inauguraram no âmbito da feira o Salão Literário Carlos Fontes, um encontro moderado pelo jornalista Juan Cruz. Uma vez acabado o debate, Silvia Lemus, viúva do escritor mexicano falecido no ano passado, homenageou com uma comenda os dois criadores, e estes fizeram o mesmo em relação ao autor de Aura ao falar de literatura.
O Nobel recordou o que pressupôs para ele, sendo um menino, ler Vinte Poemas de Amor e uma Canção Desesperada, de Pablo Neruda. Leu às escondidas, porque sua mãe o tinha proibido, e isso não fez senão despertar ainda mais sua curiosidade. “Li: ‘Meu corpo de lavrador selvagem te escava e faz saltar o filho do fundo da terra’. Não sabia exatamente o que dizia, mas, por algum motivo, comecei a associar a leitura com o pecaminoso, o secreto, o proibido”, disse o peruano. Depois, descobriu a importância das formas com o norte-americano Faulkner, a quem lia com papel e lápis.
Cruz recordou a Grossman algumas palavras suas transcritas em 1990 pela revista Paris Review, nas quais dizia que escrevia para escapar da tristeza. O escritor israelense observou que tinha a impressão de se contradizer, mas que o que o faz se sentar e escrever tem mais que ver mais com a necessidade de se agarrar a uma forma de estar neste mundo. “A liberdade das pessoas consiste em escrever sua tragédia com suas próprias palavras. Tentam nos impor as palavras, mas é preciso se rebelar contra isso. O escritor se sente claustrofóbico nas palavras do outro”, salientou.
Se Grossman tinha torcido a cara na hora de falar de política, Vargas Llosa já havia feito isso antes, ao recordar que recentemente, ao abrir o The New York Times, leu que os departamentos de humanidades das grandes universidades tendem a diminuir pela falta de interessados. “Cada vez se tende mais a pensar que a técnica e a ciência podem mudar o mundo, enquanto que as humanidades são para os ociosos. (…) Isso nos levaria a uma sociedade de autômatos sem espírito crítico, que conduziria a uma realidade totalitária”, lamentou o escritor peruano.
Para concluir, Grossman – que já havia colocado o público no bolso – leu em hebraico um trecho de Fora do Tempo. Ninguém entendeu nada, nem era preciso. Todo mundo sentiu o que ele queria dizer.