segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Keith Richards / Ficar velho é um assunto fascinante / 30 frases

Keith Richards
Poster de T.A.


Keith Richards

"Ficar velho é um assunto fascinante"

30 frases que demonstram que Keith Richards é um fenômeno da oratória

Suas palavras são lições de vida


Keith Richard em um show dos Rolling Stones em Berlim, em 2014. / CORDON
Keith Richards (Dartford - Reino Unido, 1943), guitarrista e alma dos Rolling Stones, aproveita uma parada na atividade da banda britânica para lançar seu primeiro disco solo desde 1992. O álbum,Crosseyed Heart, traz alguns bons argumentos para receber a primavera com ânimo: rock de matriz acústica, essência negra,reggae, letras sugestivas (evocando também seus históricos desencontros com a polícia) e um dueto com Norah Jones.
Como se ouvir o disco de Richards (o que recomendamos a você sem paliativos) não fosse suficiente, sugerimos aqui algumas frases para suportar a volta do calor infernal. Recordamos trinta pérolas históricas saídas da boca do guitarrista. Palavra de Keith. Assinamos embaixo.
1. “Durante dez anos, fui o primeiro da lista de quem seria o próximo a morrer. Fiquei decepcionado quando caí no ranking. (...) Um médico me disse que me restavam 6 meses de vida, mas fui ao enterro dele. Os obituários me interessam muito ultimamente. Mas não confio nos médicos. Não digo que não haja alguns bons, mas em geral não confio neles.”
2. “O trabalho mais difícil de todos é ser vagabundo. Mas não se pode fazer da preguiça uma profissão; é preciso trabalhar nisso de verdade.”
3. “Para ser sincero, eu nunca tive problema com as drogas; só com a polícia”.
4. “Se você vai dar uma porrada na cara da autoridade, melhor que seja com os dois pés”.
5. “Só há uma doença fatal: a hipocondria. Fora essa, eu tenho todas as outras”.


Keith Richards e Anita Pallenberg em sua casa de Londres em 1969. / GETTY IMAGES
6. “Plantei um carvalho inglês enorme para espalhar as cinzas do meu pai em volta. Quando estava abrindo a tampa da caixa, uma nuvem de cinzas muito leve foi parar em cima da mesa. Não podia afastá-la sem mais, então recolhi com o dedo e cheirei o resto. Pó é de pai para filho”.
7. “A música é uma necessidade. Depois da comida, do ar, da água e do calor, a música é a próxima necessidade da vida”.
8. “Nunca tive uma overdose no banheiro de outra pessoa.Acho que é o cúmulo da falta de educação”.
9. “Os amigos de verdade são difíceis de encontrar; mas você não procura, eles te acham. Um cresce dentro do outro. (...) A maior parte dos caras que conheço são uns babacas. Tenho vários bons amigos que também são, mas esse não é o caso. A amizade não tem nada a ver com isso. Dá pra ficar e conversar sem a sensação de distância? A amizade diminui a distância entre as pessoas. Para mim, é uma das coisas mais importantes do mundo”.
10. “Sou sagitário: metade homem, metade cavalo. Tenho licença para cagar na rua.
11. “Uma das melhores coisas da minha infância foi ser escoteiro. (...) Queria saber como me localizar no meio do mato, como cozinhar no chão... Por alguma razão, precisava aprender habilidades de sobrevivência. Como depenar uma ave. Como estripar e limpar vários bichos. E sobretudo era uma oportunidade para sair por aí correndo com uma faca na cinta, mas só depois de ganhar várias insígnias. No fim de não mais do que 3 ou 4 meses me fizeram líder da patrulha. Tinha a camisa cheia de insígnias! (...) Um ano ganhamos a competição de construir pontes: nessa noite tomamos uísque até cair e acabamos brigando na barraca. Foi ali que quebrei meu primeiro osso”.


Keith Richards e sua mulher Patti Hansen na entrega dos prêmios GQ, no dia 8 de setembro em Londres. /CORDON
12. “As grandes regras das brigas de navalha são: a) não tente fazer em casa, b) o importante é jamais utilizar a lâmina. Ela está lá para distrair seu oponente. Enquanto ele olha para o aço reluzente, chute as bolas dele e acabou. Esse é o meu conselho”.
13. “Dei uma navegada na internet e li algumas entrevistas, mas prefiro deixar isso para os meus filhos. Simplesmente, não estou interessadono que pensam outros babacas do outro lado do mundo. Fora isso, não faz bem para o corpo nem para os olhos ficar sentado na frente do computador o dia inteiro.”
14. “Quando você está crescendo hádois locais institucionais que te afetam mais do que qualquer outro: a igreja, que pertence a Deus, e a biblioteca pública, que pertence a você.”
15. “Se você quer ser guitarrista, comece por um violão e aprenda bem até chegar na guitarra. Primeiro é preciso conhecer essa vadia.Ir para a cama com ela. Se não tiver uma garota por perto, durma com ela. Tem a forma perfeita”.
16. “Ficar velho é um assunto fascinante. Quanto mais velho você fica, mais velho quer ficar.”
17. “Aprendi a vomitar do jeito certo. Primeiro, se for possível, encontre um recipiente. Essa é a regra número um. Daí você despeja em cascata, como um bocejo Technicolor. Ao mesmo tempo, pode ser que você esteja dando uma cagada. O que é bem difícil. Se for capaz de fazer os dois ao mesmo tempo, vou te colocar no Cirque du Soleil.”
18. “Quando eu me drogava, tomava a melhor coisa que conseguia. Se fosse ópio, seria um bom ópio tailandês. Se fossecavalo, seria heroína pura de verdade, nada dessa merda da rua. Sempre escolhi, exceto quando estava desesperado.”
19. “John Lennon parecia estar concorrendo comigo no que se refere a drogas, e nunca entendi essa atitude.”


Mick Jagger e Keith Richards saindo do tribunal em 1967, acusados de posse de drogas. / CORDON
20. “As grandes músicas são escritas a sós. Elas te arrastam pelo nariz ou pelas orelhas. É importante não interferir demais nisso. Ignore a inteligência, ignore tudo; só siga-a onde ela te levar.”
21. “Eu diria ao gênio da lâmpada que fizesse alguma coisa pelos outros. Ajude os africanos, ajude quem se odeia entre si. Ajude-os a superar seu ódio. Eu não preciso de nada. Tenho o suficiente! Use meu desejo com os outros.”
22. “As pessoas não mudam. Mick Jagger mudou pouco ao longo dos anos. Bem, talvez sua roupa de baixo. Três vezes.”
23. “Para mim, a heroína é a grande questão. É uma droguinha muito impertinente. Pode te pegar pelo rabo antes de você notar. É realmente democrática: sou um puta superstar, mas, quando quero encrenca, estou na roda com todos os demais. Sua vida inteira se transforma em esperar o pico e falar com os caras sobre a qualidade da merda: ‘Não é tão boa quanto a última, né? Então não vou pagar!’. Mas os caras te apontam armas: ‘Me dá tudo!’, e tal. Você vira uma ruína. E é bem desagradável, de certa forma, mas, ao mesmo tempo, não posso dizer que me arrependo.”
24. “Aconteceu na Suíça. Alguém colocou estricnina na minha droga. Eu estava em coma, mas totalmente acordado. Conseguia ouvir todo mundo e diziam: ‘Está morto! Está morto!’. Mas não estava.”
25. “Se as garotas ainda gritam para mim no meio da apresentação? Sim, é verdade. Mas não quando estou no palco, e sim no meio da apresentação.”
26. “Você sabe por que o cachorro lambe o próprio saco?Porque consegue. Os Rolling Stones ainda tocam na nossa idade porque conseguimos.”

27. “Na noite em que Patti [Hansen, atual mulher de Keith] me apresentou a sua família, peguei a guitarra e toquei um pouco deMalagueña. Uma de suas irmãs me disse: ‘Acho que você bebeu demais para tocar isso’. Quebrou o clima, falei ‘chega!’ e quebrei a guitarra na mesa. Mas o surpreendente dessa família é que não se ofenderam. Pode ser que tenham ficado um pouco desconcertados, mas todo mundo estava um pouco alto.”
28. “Não acredito que os compositores de rock and roll tenham de se preocupar com a arte. Boa parte é só acaso, improvisação... No que me diz respeito, Art é só o diminutivo de Arthur.”
29. “No banco de trás daquele Bentley, em algum lugar entre Barcelona e Valência, Anita [Pallenberg, então noiva do guitarrista Brian Jones] e eu nos olhamos. A pressão foi tão bizarra que do nada ela começou a me chupar. A pressão acabou e de repente estávamos juntos.”
30. “As pessoas me perguntam, têm uma inquietação constante, como faço, por que faço. Mas eu digo, e você, que vai para o escritório todo dia? Comparado a isso, meu trabalho é simples.”

EL PAÍS


PESSOA


domingo, 29 de novembro de 2015

‘Satisfaction’, dos Stones / Um grito de frustração e desejo



‘Satisfaction’, dos Stones: 

um grito de frustração e desejo

Como os Beatles ganharam rivais à altura das circunstâncias e com o oposto do seu otimismo



Os Rolling Stones. / MICHAEL OCHS ARCHIVES
Foi tão simples como juntar um riff com algumas frases. O riff era sujo, manchado pela distorção. As frases eram tão contundentes como o desenho da guitarra: I can't get no, satisfaction. Os dois elementos, unidos e pilotados pelos Rolling Stones, subiram a temperatura do verão de 1965. Satisfaction foi um dos primeiros sinais evidentes de que a música pop começava a ser algo reivindicativo.

Com a canção tocando nas rádios, os Beatles tinham agora rivais à altura das circunstâncias e com o oposto do seu otimismo juvenil. A inevitável competição entre as duas bandas tinha começado no início do ano, embora ainda não de modo oficial, quando os álbuns Beatles for sale e Rolling Stones 2 ocuparam o topo das listas. Os estilos dos dois grupos cresciam em meio à histeria coletiva que suas canções produziam. Os Stones não iam tão rápido como os garotos de Liverpool, nem eram ainda tão certeiros. Seu segundo disco mostrou uma pequena evolução em relação ao seu álbum de estreia. Com este segundo disco, e graças a músicas próprias como Off the hook, eles deixaram de ser simplesmente um grupo britânico fazendo rhythm & blues norte-americano.
Parte do mérito dessa mudança foi de Andrew Loog Oldham, o arguto empresário do grupo. A pedido seu, Mick Jagger e Keith Richards começaram a compor mais – às vezes sob o pseudônimo de Nanker Phelge, que englobava vários membros da banda –, e os títulos próprios foram ganhando terreno contra as versões de Chuck Berry, Muddy Waters, The Coasters e Buddy Holly com as quais forjaram o início do seu repertório. O esforço não demorou a dar frutos. No início de 1965, editaram The last time, líder de preferências e o primeiro de uma longa lista de singles coroados por canções originais que dariam solidez à personalidade musical do quinteto. Os Estados Unidos também receberam os Stones com entusiasmo, o que ficou evidente na primavera de 1965, quando eles compareceram de novo no Ed Sullivan Show e tiveram que improvisar um bis por causa da insistência do público. Essa mesma turnê acabou inspirando o primeiro clássico da dupla Jagger-Richards. Ali gravaram Satisfaction, seu primeiro sucesso internacional.
Richards acordou uma manhã cantarolando um riff. Tocou-o com uma guitarra acústica e o registrou no gravador que levava consigo. Jagger precisou de apenas 10 minutos para colocar letra numa canção que praticamente falava sozinha. Segundo o cantor, a frustração das turnês e o sufocante consumismo norte-americano fizeram fluir os versos, ainda que, na verdade, o que os Stones fizeram nesse caso foi dotar uma canção pop de um conteúdo sexual mais ou menos explícito.
Os Beatles continuavam levando vantagem sobre os Stones como fenômeno pop, agora também graças a Help!, que fomentava a sua faceta cinematográfica. Em dezembro, com o álbum Rubber soul, os garotos de Liverpool voltaram a mostrar uma vontade musical evolutiva que os Stones só explorariam plenamente a partir de 1966, com a publicação de Aftermath. Enquanto isso, seus singles intensificavam o grau de criatividade e adrenalina.Satisfacton, com aquele riff magnético que desafiava o de You really got me, do The Kinks, foi o disparador de algo enorme que logo ocorreria não apenas na carreira dos Stones, mas também no rock. Um grito de frustração e desejo que concedeu uma nova dimensão à recém-nascida música pop.



sexta-feira, 27 de novembro de 2015

1965 / O ano que mudou o pop

The Rolling Stones

1965: o ano que mudou o pop

O disco ‘Rubber Soul’, dos Beatles, fez do LP o principal suporte

O folk-rock difundia mensagens e James Brown inventava o funk


A banda britânica The Rolling Stones se apresenta no programa ‘Thank Your Lucky Stars’, do Reino Unido, em 1965. / DAVID FARRELL (REDFERNS)
Saiu em fevereiro um livro ambicioso e provocador, intitulado 1965: The Most Revolutionary Year in Music (“1965, o ano mais revolucionário da música”). Seu autor, Andrew Grant Jackson, californiano especialista em Beatles, argumenta que 1965 foi o ano da maioridade do pop, quando a criatividade artística estava magicamente sincronizada com as mudanças sociais e políticas que viriam a definir o resto daquela década.
Ok, 1965 foi um ano de vacas gordas. Os Rolling Stones emplacaram seu primeiro clássico inoxidável, uma canção insolente e sexual chamada (I Can’t Get No) Satisfaction. Estimulado pelo nascente folk-rock, Bob Dylan voltou aos instrumentos elétricos da sua juventude e gravou Like a Rolling Stone, que dinamitava as convenções sobre a linguagem, o tom e a duração de um single de música pop. E o The Who lançou um hino desafiador, My Generation.
De repente, o pop era a nova fronteira, onde fortunas podiam ser ganhas. Andy Warhol se transformava no produtor oficial de um sisudo grupo nova-iorquino, o The Velvet Underground. Andy não tinha a menor ideia de como produzir um disco, mas Andrew Loog-Oldham também tinha essa deficiência, e isso não o impedira de catapultar os Stones para a fama. Aos olhos da sociedade bem-pensante, era escandaloso que aqueles fedelhos extravagantes ganhassem tanto dinheiro —vide The First Tycoon of Teen, o perfil de Phil Spector escrito por Tom Wolfe.
Discretamente, em 1965 se manifestam rupturas que viriam a transformar o perfil sonoro. A música indiana surgia em faixas dos Yardbirds (Heart Full of Soul) e The Kinks (See My Friend); o sitar e outros instrumentos do subcontinente apareciam também na trilha sonora instrumental deHelp!, segundo filme dos Beatles. Em pleno esplendor de selos como Motown e Stax, James Brown corria por conta própria e inventava o funk com Papa’s Got a Brand New Bag, transformando todos os seus instrumentistas em máquinas de ritmo. B.B. King desdobrava sua magia comunicativa em Live at the Regal, que seria seu cartão de visitas para o público branco. No outro extremo, o jazzista John Coltrane introduzia uma espiritualidade hipnótica com A Love Supreme.

‘Satisfaction’, ‘Like a Rolling Stone’ e ‘My Generation’ viraram hinos de uma época
É espantoso que, viajando constantemente para suas turnês, os principais artistas tenham tido tempo e energia para gravar dois LPs por ano. Foi assim em 1965 com os Beatles, Otis Redding, Stones, Donovan, Byrds, Kinks, Johnny Cash e Temptations; as Supremes e os Beach Boys chegaram a lançar três discos. Claro que semelhante produtividade musical tinha os dias contados. Só James Brown não deu bola: em 1966, lançaria nada menos do que meia dúzia de álbuns!

Uma saudável competição sonora

Era the British invasion. A imprensa norte-americana caracterizava a chegada dos Beatles em termos militares, como se a guerra de 1812 continuasse. Entretanto, não houve animosidade entre os músicos dos dois lados do Atlântico.
Bob Dylan iniciou os Beatles na maconha. Mais decisivo, porém, foi o exemplo dylaniano de exploração do espaço interior e sofisticação literária. Bob, por sua vez, observava o impulso que um arranjo eletrificado dava ao cancioneiro ancestral, como em The House of the Rising Sun na versão dos The Animals.
Os Reis do Iê, Iê, Iê (A Hard Day’s Night), primeiro filme dos Beatles, converteu muitosfolkies norte-americanos ao rock. David Crosby e Jim McGuinn, do The Byrds, devolveram o favor em uma festa em Los Angeles, onde se consumiu LSD e se falou do virtuoso Ravi Shankar.
Antes da Internet, as mensagens iam e vinham nos discos. Depois de devorar Rubber Soul, Brian Wilson decidiu que os Beach Boys deveriam crescer e concebeu seu deslumbrante Pet Sounds. Lennon e McCartney foram ao lançamento do álbum em Londres; depois de ouvirem-no, compuseram Here, There and Everywhere como resposta aos californianos.
Essa atividade febril era resultado da necessidade de aproveitar ao máximo os recursos dos estúdios, que hoje pareceriam incrivelmente primitivos, com gravações em dois, três ou quatro canais. A equalização era feita com a extraordinária eficiência dos técnicos e, se fosse necessário, com músicos de aluguel. Nada de experimentar: no estúdio, entrava-se para matar. O álbum Otis Blue foi gravado em 24 horas, um prodígio de sintonia e suor —Otis Redding nunca tinha escutado os Rolling Stones, mas gravouSatisfaction com um ardor que nem Mick Jagger e Keith Richards poderiam imaginar.
Ao mesmo tempo, os Beatles se esqueciam do taxímetro do estúdio e instauravam um novo paradigma.Rubber Soul oferecia 12 canções originais, abundantes em audácias, que serviam para proclamar: “Agora somos assim, e aqui estamos”. Exibiam flexibilidade —a tal alma de borracha— e retratavam indiretamente a troca de guarda no país de Elizabeth II. Depois de 12 anos sob Governo conservador, ascendia uma juventude educada e consumista, com dinheiro novo nos bolsos, ciosa das suas liberdades sexuais e curiosa quanto às possibilidades oferecidas pelas drogas.
Os Beatles e seus seguidores (ou seja, todo o resto do universo pop, dos espanhóis Los Brincos aos uruguaios Los Shakers) tinham arrogância suficiente para exigir que sua expressão se desse por intermédio dos LPs. Podiam gravar compactos de duas canções para não perder o contato com os fãs mais juvenis, mas o jogo para valer era jogado nos discos maiores. Ray Davies afirmava: “Eu giro a 33 rpm”. Pete Townshend especulava compondo óperas-rock, obras que narrariam uma história complexa e que exigiam, que barbaridade!, LPs duplos.


O grupo britânico The Who, com John Entwhistle, Roger Daltry, Keith Moon e Pete Towhshend, em show diante da Torre de Londres, em 1965. / RUE DES ARCHIVES (CORDON PRESS)
Nos Estados Unidos, o dilema entre o LP e o single não era tão dramático: o padrão de vida permitia que os adolescentes comprassem rotineiramente discos longos (aliás, a Capitol, editora dos Beatles, cortava as edições britânicas para roubar referências exclusivas para o mercado americano). Além disso, muitos músicos de ponta, dos Byrds ao Lovin’ Spoonful, procediam do mundinho folk, que funcionava à base de LPs, seguindo o modelo conceitual da Folkways Records.
A coroação do LP era uma má notícia para produtores pop como Phil Spector. Para ele, um álbum equivalia a “dois sucessos mais dez lixos de recheio”. Esse cinismo era compartilhado secretamente na indústria fonográfica, mas revelava uma perigosa incapacidade de adaptação. A técnica do Wall of Sound (muro sonoro) foi explorada por antigos artistas seus, como os Righteous Brothers, e por Johnny Franz e Ivor Raymonde, que criaram em Londres dramas esmagadores para os Walker Brothers. Produtores e compositores inteligentes encontraram outros filões. Foi o caso de Tom Wilson, cúmplice de Dylan, que acrescentou fundo elétrico a The Sound of Silence sem avisar seus autores, Simon & Garfunkel. Ou Serge Gainsbourg, cantor e compositor fracassado que descobriu o mercado pop com suas canções para France Gall.
Entretanto, será que cabe mesmo afirmar que 1965 foi o ano mais revolucionário da música popular, como proclama Andrew Grant Jackson? Isso é perfeitamente defensável, inclusive razoável. Mas espere os próximos anos, até ver hipérboles semelhantes serem atribuídas a 1966, 1967, 1968…



quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Keith Richards anuncia novo álbum dos Rolling Stones

keith Richards
Tiago Hoisel

Keith Richards anuncia 

novo álbum dos Rolling Stones

Será o primeiro álbum da emblemática banda de rock em uma década


Keith Richards na apresentação de seu documentário em Toronto. / TAYLOR HILL (FILMMAGIC)
 Keith Richards anunciou que os Rolling Stones têm planos “definitivos” para gravar um novo álbum de estúdio nos próximos meses. Em uma entrevista à radio iHeartRadio, o guitarrista britânico afirmou que a banda acertou a gravação de seu 25° trabalho, o primeiro em uma década, durante uma reunião recente de seus integrantes em Londres.
O guitarrista, que já havia sugerido a possibilidade de voltar a gravar com o cantor Mick Jagger e o resto do grupo durante a promoção de seu terceiro disco solo, Crosseyed Heart, também falou dessa possibilidade à revista Rolling Stone.
Um novo álbum “parece estar mais próximo. Ainda não sei onde e quando. Tivemos uma pequena conversa. Simplesmente dissemos ‘precisamos entrar no estúdio, não? Certo, muito bem rapazes, tudo combinado’”, disse Richards.
Em 2015, Jagger já havia comentado que os Stones tinham novo material pronto para um potencial álbum, o primeiro desde A Bigger Band (2005). “Seria ótimo. Tenho muitas canções novas que escrevi durante os últimos dois anos. Gravei boas ‘demos’ de todas elas e gostaria de gravá-las. De modo que espero que aconteça”, disse Jagger em abril à revista Rolling Stone.
Richards está promovendo seu terceiro trabalho solo, o primeiro em 23 anos, depois de Talk is Cheap (1988) e Main Offender (1992).

EL PAÍS


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terça-feira, 24 de novembro de 2015

O que seu gosto musical diz sobre você

O que seu gosto musical diz sobre você

A psicologia experimental conclui que basta saber o ‘estilo de pensamento’ de alguém para adivinhar quais músicas emocionam-no


John Coltrane em Amsterdã, em 1962. / CORBIS
Há algo mais pessoal que o seu gosto musical? Essas canções que alcançam sua alma ou o deixam excitado, que alcançam o centro geométrico da sua emoção e alteram, sem intermediários, seu estado de ânimo não são o produto mais destilado da sua eleição consciente? Bem, em uma única palavra, não. Os psicólogos experimentais de Cambridge demonstraram que os nossos gostos musicais são bastante previsíveis. Basta conhecer o estilo de pensamento de uma pessoa – se tende a simpatizar ou a sistematizar – para adivinhar qual música ela gosta. E os detalhes são muito interessantes, continue lendo.
A questão não é se alguém gosta de jazz, do tango, de música clássico, de calipso, de rock ou de pop. Essas são questões não apenas mais abrangentes, mas ultrapassadas: o tipo de pergunta cuja resposta não serve para nada. A questão é muito mais sutil e interessante: se dentro do jazz, você prefere Billie Holiday ou John Coltrane; se como ouvinte de música clássica, prefere Mozart ou Bartok; se ao escutar pop, ouve Beatles ou Rolling Stones, e quais canções dos Beatles ou dos Stones. O diabo mora nos detalhes, como sempre.

Os simpatizantes preferem o rythm & blues, o rock suave – ninguém compôs baladas mais profundas que as feras do heavy metal -, a canção melódica e os cantores.
David Greenberg e seus colegas da Universidade de Cambridge mostraram empiricamente no PLoS ONE que a música que uma pessoa gosta pode ser facilmente deduzida a partir do seu estilo de pensamento, um parâmetro psicológico que divide os humanos em duas grandes categorias: os simpatizantes, que baseiam seu comportamento em avaliar e responder às emoções dos outros (e, portanto, são mais Mozart); e os sistematizadores, que se dedicam mais a descobrir as pautas e regularidades que o mundo esconde (e ficam com Bartok). Essa teoria deve-se ao psicólogo de Cambridge, Simon Baron-Choen, que assina o trabalho como segundo autor.
Um número cada vez maior de investigações psicológicas e sociológicas utilizam as redes sociais como matéria prima, e a de Greenberg e seus colegas é a última delas. Recrutaram 4.000 participantes pelo aplicativo myPersonality do Facebook, que pede aos voluntários que se submetam a uma série de perguntas psicológicas. Alguns meses depois, os cientistas pedem a esses mesmos voluntários escutarem 50 músicas e classificá-las por notas. As canções pertencem a 26 gêneros e subgêneros musicais, para garantir que o gênero não importa e que são as preferências dentro de cada gênero que serão levadas em conta.
Os resultados são estatisticamente nítidos: os simpatizantes preferem o rythm & blues, o rock suave – ninguém compôs baladas mais profundas que as feras do heavy metal -, a canção melódica e os cantores. Os sistematizadores preferem o rock pesado, o punk, o jazz de vanguarda e outras construções melódicas complexas e sofisticadas, o tipo de música que nunca se ouve em um elevador. Com certeza o leitor já sabe em qual dos grupos está situado.
O cérebro e primeiro autor do trabalho, David Greenberg, não apenas é um doutorando em psicologia, mas também formou-se em saxofone em Nova York. "Seria possível", afirma ao EL PAÍS, "olhar os likes que uma pessoa dá no Facebook, ou sua lista de músicas no iTunes, e prever o seu estilo cognitivo, o estilo de pensamento". Não cabe a menor dúvida de que isso será interessante aos empresários do setor. Que, certamente, obterão essa informação grátis de Greenberg e PLoS, enquanto eles não liberarão nem metade.

Os sistematizadores preferem o rock pesado, o punk, o jazz de vanguarda e outras construções melódicas complexas e sofisticadas
Um dos parâmetros utilizados pelos cientistas de Cambridge é a "profundidade cerebral" de uma música. O que é isso? "Baseia-se na complexidade estrutural que só é escutada em gêneros de vanguarda", responde o psicólogo e músico de Jazz. "A estrutura harmônica de Giant Steps [o auge do período hard bop de John Coltrane] cumpre sem dúvidas essas características. Mas a música de Coltrane é tão interessante porque não tem apenas esse nível de profundidade cerebral, mas também uma grande profundidade emocional".
O psicólogo Greenberg jamais teria realizado essa experimentação não fosse pelo músico Greenberg. "Enquanto estudava jazz em Nova York, eu me dei conta que alguns dos meus professores ensinavam com um foco simpatizante e outros com uma estratégia mais sistematizadora. Isso me deu a pista de que os estilos cognitivos poderiam explicar as diferenças individuais com as quais as pessoas interagem com a música".
Se não gosta de se expor em público, melhor não colocar músicas em festas.




segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Quentin Tarantino / John Ford odiaria meus filmes

Quentin Tarantino

Quentin Tarantino

“John Ford odiaria meus filmes”

Cineasta apresenta seu novo filme, 'Os Oito Odiados'

Trata-se de um Western, rodado em formato panorâmico, que estreia em 25 de dezembro


O diretor norte-americano Quentin Tarantino. 
Quentin Tarantino (Tennessee, 1963) há anos faz o que quer. Quando era apenas o lanterninha de um cinema pornô, quando conseguia que os clientes de sua videolocadora alugassem o que ele dizia e agora, grande em uma Hollywood comercial onde os autores estão em vias de extinção. Sua mais nova aposta é Os Oito Odiados (The Hateful Eight), um western de 182 minutos que, na era dos filmes baixados pela Internet, foi rodada em 70 mm panorâmicos com as mesmas câmeras em que foi filmadoBen-Hur e, como os clássicos dos anos dourados de Hollywood, inclui abertura musical e intervalo. E, evidentemente, toda a sua violência e engenhosidade verbal. Harvey Weinstein, o produtor, deixou-o fazer apesar da crise que sua companhia atravessa, em meio de uma nova onda de demissões.
Como se não houvesse pressão suficiente, os policiais norte-americanos pedem para boicotar a estreia em 25 de dezembro depois dos protestos de Tarantino contra a brutalidade policial nos Estados Unidos. As feministas também levantam a voz contra um cinema como o seu, principalmente de homens e onde a única mulher (Jennifer Jason Leigh) apanha sem piedade. Em pouco mais de um mês a Academia de Hollywood dirá o que pensa do novo trabalho de Tarantino quando anunciar as candidaturas para o Oscar. Mas agora é sua vez. “Sei que agrada a 50%, então vamos começar com eles e depois falamos dos outros 50%”, inicia.

Pergunta. Em Os Oito Odiados você retorna ao western, um gênero em vias de extinção, com um filme que lembra No Tempo das Diligências. O que os mestres pensariam de sua interpretação?
Resposta. Não sou um apaixonado por John Ford. Mas adoro No Tempo das Diligências (Stagecoach, 1939), filme que foi um salto para o cinema moderno. Não acredito que nenhum daqueles diretores apreciaria o que faço. John Ford odiaria meus filmes. Muito sangrentos. Muitos juramentos. O mesmo diria de Ernst Lubitsch, Howard Hawks, George Cukor... São os diretores que amo. É algo de geração. Até Sam Fuller, que cheguei a conhecer e que gostava do meu cinema, tinha um problema com a linguagem. “Marty [Scorsese] também faz isso e é chato!”, dizia.
P. Além do sangue e da linguagem, o que o define como autor?

A filmografia de um criador polêmico

My Best Friend's Birthday (1987)
Cães de Aluguel (Reservoir Dogs, 1992)
Pulp Fiction: Tempo de Violência (Pulp Fiction, 1994) – Oscar de melhor roteiro original
Grande Hotel (Four Rooms, 1995) – fragmentoThe Man from Hollywood
Jackie Brown (1997)
Kill Bill: Volume 1 (2003)
Kill Bill: Volume 2 (2004)
Sin City: A Cidade do Pecado (Sin City, 2005) – diretor convidado especial
Grindhouse: À Prova de Morte (Grindhouse: Death Proof, 2007).
Bastardos Inglórios (Inglourious Basterds, 2009).
Django Livre (Django Unchained, 2012) – Oscar de melhor roteiro original
R. Não cabe a mim pôr rótulos, mas sei que meus filmes são como minerais em que você pode encontrar diferentes veios. Coleciono temas. Bons atores. Farsas onde nada é o que parece. Temas raciais. Esses veios estão em todas eles.
P. A desconfiança e a traição são outros de seus temas. Esse foi seu sentimento quando o blog Gawkervazou o roteiro de Os Oito Odiados?
R. Não me escapa a ironia. Foi uma perfeita combinação de irritação, dor e indignação, por não dizer que me senti ludibriado. Pensei em não fazer o filme. Nunca tinha tido esse problema. Além disso, o roteiro não estava pronto. Mudou até o final. Zanguei-me com a permissividade com que Hollywood tolera esse tipo de comportamento. Vivemos uma cultura corrupta onde se fazem coisas simplesmente porque se pode, porque todo mundo faz e porque “qual é o problema?”. Pelo menos durante as semanas em que fiz um escândalo as pessoas que fazem essas sabotagens se sentiram mal por algo de que costumam se gabar.
P. Antes falava de um problema de geração. Quanto mudou a indústria e seu cinema desde que começou?

Um western de outra época

Os Oito Odiados (The Hateful Eight) estreia em 25 de dezembro. Conta com a trilha sonora de Ennio Morricone e um elenco estelar: Samuel L. Jackson, Kurt Russell, Jennifer Jason Leigh, Tim Roth e Bruce Dern, entre outros.
A trama, situada depois da Guerra Civil nos Estados Unidos, junta criminosos, caçadores de recompensas e caubóis que lutam para sobreviver. Em 2014 o roteiro vazou online e Tarantino pensou em cancelar o filme, mas acabou mantendo o projeto.
R. Desde que fiz Cães de Aluguel(Reservoir Dogs) em 1992 por 1,5 milhão de dólares (5,5 milhões de reais) houve uma evolução lógica. Hoje desfruto de uma grandiosidade em todos os sentidos: orçamento, tempo de filmagem… tudo. Mas o filme é muito similar. Tenho certeza de que sou melhor diretor. Não me refiro a ser melhor autor, mas ao ato de dirigir. Sei o que faço. Também vivemos em um momento de mudança no cinema onde ninguém sabe o que acontecerá nos próximos cinco ou dez anos. De algum modo o cinema desapareceu. Agora só vemos projeções digitais. Cada vez que faço um filme, durante esses três anos que em geral levo para preparar um projeto, vejo que a indústria se transforma. E tenho claro que não serei o velho do grupo. Vou me aposentar antes.
P. Falando agora da outra metade, a que ameaça sua estreia, o que diria a eles?
R. Se fosse uma feminista de 21 anos interessada em escrever um ensaio criticando meu filme com base na violência de gênero, teria um argumento. Mas como criador, escritor e artista, meu trabalho é escrever personagens interessantes em três dimensões. E não posso furtar às mulheres os elementos de surpresa e abuso a que também submeto os homens. Não posso colocá-las em um pedestal.
P. E sobre o boicote anunciado pelo sindicato de policiais?
R. Estão sendo semanas muito interessantes. Disse o que disse [falou de “terror policial” e de “assassinatos” por parte dos agentes, entre outras coisas] e tenho o direito de dizê-lo. Gosto de ser tachado como alguém que odeia a polícia quando sei que muitos são fãs? Não. De forma alguma. Mas eu gosto de dar meu apoio às famílias que perderam entes queridos em atos absurdos e totalitários. Sou um otimista que não gosta de se meter em política, mas, às vezes, entro no ringue porque permanecer calado é dar a razão a eles.