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quinta-feira, 14 de julho de 2022

Fernando Pessoa/ Livro do Desassossego



Fernando Pessoa

Livro do Desassossego

Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros 

na cidade de Lisboa


SINOPSE


«O que temos aqui não é um livro mas a sua subversão e negação, o livro em potência, o livro em plena ruína, o livro-sonho, o livro-desespero, o anti-livro, além de qualquer literatura. O que temos nestas páginas é o génio de Pessoa no seu auge». Estas são palavras da INTRODUÇÃO à primeira edição do Livro do Desassossego publicado pela Assírio & Alvim, em 1998. Com o presente volume, vamos na décima edição desta maravilhosa e sui generis obra, agora enriquecida por alguns inéditos e, sobretudo, por dezenas de melhoramentos na leitura dos originais manuscritos, redigidos numa caligrafia notoriamente difícil de decifrar.


Esta nova edição também apresenta uma articulação aperfeiçoada de alguns trechos e inclui profusas notas que vêm esclarecer praticamente todas as referências literárias e históricas. Mantém-se, no entanto, o carácter essencialmente hesitante e fragmentário do Livro, realçando assim o que o autor chamou de «o devaneio e o desconexo lógico» da sua «expressão íntima». Era, com efeito, o livro de um sonhador e para sonhadores. E era — vai sendo — muitas outras coisas para todos os que entram neste vasto e surpreendente universo escrito.

ASSÍRIO & ALVIM






sexta-feira, 6 de agosto de 2021

Fernando Pessoa / Um coleccionador de Eus

 


Pessoa. Um coleccionador de Eus

Porquê coleccionar?

MARIA ANTÓNIA JARDIM
11 MAIO 2014

Ao longo da vida encontramos pessoas que perseguem objectos que reúnem determinadas características relacionadas com os seus interesses pessoais. São objectos que possuem memória afectiva. São símbolos e por isso mesmo adquirem uma enorme importância para quem os colecciona.

Em cada objecto de uma colecção, o coleccionador encontra uma característica, uma peculiaridade, algo distinto e único que se torna ainda mais valioso porque extraído da grande figura de estilo da Vida: a Comparação!

Passamos a nossa vida a comparar coisas e pessoas.

Pessoa, esse Poeta Plural, preferiu incorporar vários tipos de pessoas dentro de si; tornando-se um grande coleccionador de “Eus”, de personalidades humanas, distintas umas das outras e isso fez dele um grande psicólogo com vários chapéus!!! Ele conseguiu pôr-se no lugar dos outros, experimentou os seus desassossegos, as suas paixões, as suas pequenas mortes…

E fez algo que é considerado o exercício básico de toda a Psicologia: o role playing.

Outros há que preferem colecionar pessoas, relações e entrarem num desfile social da moda do casa e descasa!

E ainda há aqueles que preferem andar em busca perpétua daquela peça, daquele objecto, daquele príncipe ou princesa, quais alpinistas insatisfeitos á procura da Terra do Nunca!

Seja como for, a Vida é simbólica e nela tudo é símbolo, como afirmou Pessoa. Logo, não é de estranhar a paixão dos humanos pelas colecções. É tudo uma questão de perspectiva. Os coleccionadores fazem Zoom, afunilam o olhar e detêm-se na presa a conquistar, especializam-se numa determinada caça com os seus olhos de lince!

Pessoa, também ele fez Zoom e se especializou na dupla função dos símbolos: revelar e esconder. Revelou vários “Eus”; toda uma pluralidade de rostos e escondeu-se por detrás de cada um deles, como se por detrás de cada biografia se encontrasse um biombo!

Assim é a Vida: feita de biombos e biografias, de símbolos, colecções e escolhas que constroem e destroem a nossa identidade, a cada passo…

Por isso, o grande lema do conhecimento poderia ser este: “Para conhecer é preciso ler dentro das coisas”!


WSI


quarta-feira, 9 de outubro de 2019

Fernando Pessoa / Mísia / Dança de mágoas


Fernando Pessoa
Dança de mágoas

Como inútil taça cheia 
Que ninguém ergue da mesa, 
Transborda de dor alheia 
Meu coração sem tristeza. 

Sonhos de mágoa figura 
Só para Ter que sentir 
E assim não tem a amargura 
Que se temeu a fingir. 

Ficção num palco sem tábuas 
Vestida de papel seda 
Mima uma dança de mágoas 
Para que nada suceda. 



Mísia
Dança de mágoas
Garras dos Sentidos, 1998




segunda-feira, 7 de outubro de 2019

Carolina Borges / A multiplicidade de Fernando Pessoa

Pessoa
David Levine

A multiplicidade de Fernando Pessoa

por Carolina Borges

É tarefa impossível escrever sobre vida e obra de Fernando Pessoa utilizando os padrões biográficos comuns. Só para começarmos a falar desse gênio da literatura é preciso ter em mente que não existe um único Fernando Pessoa, mas exatamente 127 heterônimos que vão muito além da ideia de se esconder ou se proteger atrás de um nome falso. Em se tratando de Pessoa, cada heterônimo possui escrita e personalidade próprias, além de uma história de vida única. Segundo o crítico literário Harold Bloom, sua obra pode ser considerada um “legado da língua portuguesa ao mundo”.

Formalmente sabemos que Fernando António Nogueira Pessoa, que deu vida a tantos outros seres, nasceu em Lisboa no dia 13 de junho de 1888 e morreu na mesma cidade em 30 de novembro de 1935, foi educado na África do Sul, onde aprendeu fluentemente o inglês (escrevendo poesia e prosa nessa língua também) e ao longo da vida trabalhou em várias firmas comerciais de Lisboa como, o próprio define, “correspondente estrangeiro”. Foi também empresário, editor, crítico literário, jornalista, comentador político, tradutor, inventor, astrólogo e publicitário, ao mesmo tempo em que produzia a sua vasta obra literária em verso e em prosa. Teve um longo relacionamento com Ophélia Queiroz, mas não chegou a casar-se nem ter filhos.

José Paulo Cavalcanti Filho tentou explicar essa trajetória no livro Fernando Pessoa – uma quase autobiografia (Editora Record) , o livro é fragmentado, misturado, recortado e costurado, assim como a própria obra do autor português. Não poderia ser de outra forma nessa “quase autobiografia” que tenta condensar e explicar essa obra descontínua (e genial), na qual poemas, prosa e personalidades se misturam como um fluxo de pensamento .

O próprio Fernando Pessoa, numa tentativa de elucidar (ou confundir ainda mais) as questões a respeito de quem seria o verdadeiro homem por trás do(s) escritor(es), escreveu em 1935 uma Ficha Pessoal, também referida como nota autobiográfica, intitulada Fernando Pessoa, dactilografada e assinada pelo escritor em 30 de março. Publicada pela primeira vez, muito incompleta, como introdução ao poema À memória do Presidente-Rei Sidónio Pais, editado pela Editorial Império em 1940, foi finalmente publicada em versão integral em1988, na obra Fernando Pessoa no seu Tempo(Lisboa, Biblioteca Nacional)


Alguns trechos da Ficha são bastante interessantes, por exemplo, ele define sua profissão como a de tradutor, mais especificamente de “correspondente estrangeiro” e afirma que ser poeta e escritor não constitui profissão, mas vocação. Além disso, ele define ser o sistema monárquico o mais próprio para Portugal, se declara um cristão gnóstico e “portanto inteiramente oposto a todas as igrejas organizadas e, sobretudo, à Igreja Católica”, também afirma ser anti-reaccionário, anti-comunista e anti-socialista. Como se não bastassem tantas informações sobre essa personalidade ímpar, na Ficha ainda descobrimos que Pessoa “tem íntimas relações com a Tradição Secreta em Israel (a Santa Kabbalah) e com a essência oculta da Maçonaria” além de se considerar um “partidário de um nacionalismo místico, de onde seja abolida toda a infiltração católico-romana”. Ele afirma ter como ídolo Jacques de Molay, Grão-Mestre dos Templários e, por fim, se compromete a sempre combater os assassinos de Molay: a Ignorância, o Fanatismo e a Tirania.

Em relação às obras publicadas, o próprio Pessoa é o mais indicado para nos apresentá-las, na Ficha Pessoal, ele preenche o tópico Obras que tem publicado, da seguinte forma : “A obra está essencialmente dispersa, por enquanto, por várias revistas e publicações ocasionais. É o seguinte o que, de livros ou folhetos, considera como válido: 35 Sonnets(em inglês), 1918; English Poems I-II e English Poems III (em inglês também), 1922; livroMensagem, 1934, premiado pelo Secretariado de Propaganda Nacional na categoria Poema. O folheto O Interregno, publicado em 1928 e constituído por uma defesa da Ditadura Militar em Portugal, deve ser considerado como não existente. Há que rever tudo isso e talvez que repudiar muito”.

Certa vez ouvi que Fernando Pessoa abandonou a faculdade de Letras para se tornar a própria faculdade de Letras, provavelmente ele achava que perdia muito tempo no mundo universitário ( e tinha certa razão). Hoje, ironicamente, ele é o um dos autores mais estudados e intrigantes, tanto para quem estuda as Letras, quanto para qualquer um que seja minimamente curioso e aprecie literatura. É simplesmente incrível ver escritas tão diferentes vindas da mesma pessoa e de pessoa alguma, os heterônimos Álvaro de Campos, Ricardo Reis e Alberto Caeiro (só para citar alguns dos mais famosos) se apresentam não como Fernando travestido de outros nomes, mas como autores completamente diferentes com biografias, temas e poética tão diversa como conflituosa, constantemente um heterônimo desmentia o outro, tomando posições e ideologias antagônicas.

Já que é impensável definir, e sendo assim acabar por limitar Fernando Pessoa, podemos certamente dizer que trata-se de um gênio que via a tumultuada transição do século XIX para o XX não de uma posição única que pressupunha a verdade absoluta mas, através dos heterônimos, pôde nos deixar uma vasta obra que abarca senão todos, a maior parte, dos aspectos e possíveis visões desse período, além, é claro, de uma literatura nova, reflexiva e, sobretudo, bela.



domingo, 6 de outubro de 2019

Fernando Pessoa / A tua voz




Fernando Pessoa
A tua voz


A tua voz fala amorosa...
Tão meiga fala que me esquece
Que é falsa a sua branda prosa.
Meu coração desentristece.

Sim, como a música sugere
O que na música não está,
Meu coração nada mais quer
Que a melodia que em ti há...

Amar-me? Quem o crera? Fala
Na mesma voz que nada diz
Se és uma música que embala.
Eu ouço, ignoro, e sou feliz.

Nem há felicidade falsa,
Enquanto dura é verdadeira.
Que importa o que a verdade exalça
Se sou feliz desta maneira? 


sábado, 24 de junho de 2017

Luiz Ruffato / Fernando e Clarice



Fernando e Clarice

Pessoa e Lispector têm um lugar quase inacessível ao comum dos artistas


LUIZ RUFFATO
10 DEZ 2013 - 18:44 COT


Recentemente, estive em Lisboa para participar, a convite da presidenta da Casa Fernando Pessoa, a escritora Inês Pedrosa, do terceiro congresso internacional sobre a vida e a obra do poeta português. Durante três dias, 210 estudiosos de oito países discutiram sobre a produção deste que talvez seja caso único na história da literatura mundial, um artista que, para sentir-se, precisou multiplicar-se: dependendo dos critérios da contagem, listam-se mais de 100 heterônimos usados nos cerca de 25 mil documentos escritos em português, inglês e francês atribuídos a Fernando Pessoa.
Os especialistas se debruçam com lupa sobre cada folha de papel manuscrita em uma caligrafia quase ilegível, buscando encontrar a verdadeira lição de um texto encontrado no mítico baú hoje sob a guarda da Biblioteca Nacional de Portugal, que pode ser um poema, um conto, uma consideração sobre filosofia, política, estética, turismo, economia, ou a montagem do “romance sem ação” Livro do Desassossego, do semi-heterônimo Bernardo Soares. Os debates chegam a ficar tão acalorados que não são incomuns os bate-bocas entre congressistas – afinal, antes de peritos, são homens e mulheres movidos pela paixão que Pessoa desperta.
Fernando Pessoa é um desses raríssimos fenômenos de autor que, embora sequestrado pelo discurso acadêmico, conversa de maneira direta com o leitor comum – e quando me refiro ao leitor comum, estou evocando aquele que não se guia por indicações ou sugestões de conhecedores, mas por seu próprio gosto pessoal. São milhares de exemplares vendidos todos os anos, em diversas línguas, principalmente de antologias de poemas assinados por ele mesmo e por seus mais conhecidos heterônimos Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Números que vêm aumentando de forma exponencial desde 2006, quando os direitos de sua obra caíram em domínio público e editoras passaram a oferecer publicações de cunho popular, seja pelo preço, seja pela acessibilidade (textos sem variantes, explicações ou contextualizações, por exemplo).

As páginas na Internet dedicadas a divulgar a obra de Fernando Pessoa somam-se aos milhares. Suas palavras, na íntegra ou em retalhos, são usadas para sublinhar estados de ânimo, conquistar amores, desfazer relações, consolar, convencer... Todo mundo recorre, em algum momento da vida, às reflexões contidas nessa espécie de vade-mécum moderno. Para arrepio de muitos pessoanos, Fernando Pessoa tornou-se uma pitonisa e seus livros oráculos...
Só conheço um caso parecido na literatura de língua portuguesa, a de autor considerado, sem restrições, como alta literatura pelo mundo acadêmico, e abraçado e amado pelo leitor comum: Clarice Lispector. Em maio deste ano, participei da 39ª Feira Internacional do Livro de Buenos Aires, e, no encerramento do evento, convidaram-me para compor uma mesa em homenagem à escritora brasileira. Um público entusiasmado lotava o anfiteatro: as poltronas não foram suficientes e havia pessoas de pé e sentadas pelos degraus.
Notícias chegam de várias partes do mundo. Na Feira de Frankfurt deste ano, na qual o Brasil foi o país homenageado, brilhava o rosto magnífico de Clarice. No verão novaiorquino, Clarice. Na França, onde é publicada desde a década de 1950, reina absoluta Clarice. No Brasil, o interesse por Clarice Lispector ultrapassa os limites do literário. Além de sua bibliografia clássica, composta por romances, contos e crônicas, e de biografias e ensaios críticos que esmiúçam sua trajetória pessoal e profissional, os leitores contam com um amplo cardápio que busca abarcar os mais diversos interesses da autora. Os pesquisadores encontraram, não em um baú como o de Fernando Pessoa, mas em jornais e revistas, material suficiente para inundar o mercado com compilações, correspondência, aconselhamentos, entrevistas, traduções, pinturas... Além disso, milhares de páginas na Internet reproduzem frases, pensamentos e citações de Clarice, incorporada ao gosto popular como autoridade em questões do cotidiano, particularmente no que tange ao universo feminino.
Fernando Pessoa e Clarice Lispector alcançaram um lugar quase inacessível ao comum dos artistas: estabelecer diálogos distintos com estudiosos e leitores comuns, e ser venerados por ambos...


sexta-feira, 12 de agosto de 2016

O mais belo autógrafo de Fernando Pessoa

Fernando Pessoa, 1928

O mais belo autógrafo de Fernando Pessoa

Um poema do escritor português é descoberto na última página do diário de um intelectual


Javier Martín
Lisboa 14 jun 2016

No baú de Fernando Pessoa não cabe tudo de Fernando Pessoa. Um poema escrito em 1918, quando o escritor tinha 30 anos, foi descoberto no Brasil, segundo o jornal Folha de S. Paulo. Como muitas vezes acontece com as histórias do escritor, o breve poema interessa mais por suas circunstâncias do que pelo texto literário, já publicado, embora em uma versão, como pode ser verificado agora, menos definida.
O advogado brasileiro José Paulo Cavalcanti, maior colecionador de objetos e textos de Pessoa, recebeu de um antiquário uma oferta com um diário de viagens que, em sua última página, incluía um poema de Pessoa. Cavalcanti, autor de Fernando Pessoa, Uma Quase Autobiografia (Editora Record, 2011), o adquiriu para sua coleção sem avaliar a transcendência do poema e se a letra era ou não do genial escritor.
Cada palavra dita é a voz de um morto”, começa Pessoa. “A verdade é que esse poema é como um sinal do destino, um tiro na consciência”, diz Antonio Sáez Delgado, professor da Universidade de Évora e especialista nas obras de Pessoa.
Em 1913, com 13 anos, o futuro intelectual português José Osório de Castro e Oliveira estava viajando no transatlântico König Wilhelm II, do Rio de Janeiro a Lisboa. Para se distrair durante a travessia, pedia aos viajantes que escrevessem em em seu livro de autógrafos. Era 1913, mas a última página, escrita à mão por Pessoa, data de 1918.
Naqueles tempos, os mares não eram atravessados por muitos navios; de fato, em 1901, Pessoa havia embarcado no mesmo König Wilhelm II para se deslocar da África do Sul a Portugal. Por isso, esse barco e os tempos mais tranquilos tornaram possível que o caderno reunisse depoimentos de vários anos. Também não eram frequentes reuniões de intelectuais, de modo que Osório e Pessoa coincidiram em muitas delas, descobriram que haviam viajado juntos no König e acabaram se tornando bons amigos.







CADA PALAVRA DITA É A VOZ DE UM MORTO...


FERNANDO PESSOA
Cada palavra dita é a voz de um morto.
Aniquilou-se quem se não velou
Quem na voz, não em si, viveu absorto.
Se ser Homem é pouco, e grande só
Em dar voz ao valor das nossas penas
E ao que de sonho e nosso fica em nós
Do universo que por nós roçou
Se é maior ser um Deus, que diz apenas
Com a vida o que o Homem com a voz:
Maior ainda é ser como o Destino
Que tem o silêncio por seu hino
E cuja face nunca se mostrou.

Sáez acrescenta uma coincidência: “Osório era filho de Ana de Castro, republicana e feminista, e um dos contatos mais próximos em Lisboa de Carmen de Burgos, cujo pseudônimo era Colombine, e de Ramón Gómez de la Serna. Na verdade, Colombine também aparece no caderno. Carmen de Burgos publicou uma série de artigos em 1920 e 1921 na revistaCosmópolis, de Madri, dedicados à nova literatura portuguesa e escreve, em As Escritoras, de 1921, sobre Ana de Castro Osório. Um novo elo que coloca Pessoa e os escritores espanhóis no mesmo contexto”.




“Há três ou quatro versões, mas este verso é mais bonito, mais definitivo”, destaca o especialista Joaquín Pizarro

Desvendada a história do livro de autógrafos, resta saber a importância literária. Joaquín Pizarro, autor da versão mais recente de O Livro do Desassossego, organizado em ordem cronológica, confirma a autenticidade do texto e da caligrafia, mas esclarece que não é inédito.
O poema foi publicado pela primeira vez em 2005, pela Casa da Moeda, emVolume de Poesia 1915-1920, que compila 300 poemas. “É uma nova versão, diferente, mais completa, que resolve problemas de leitura, e isso para mim é importante”, destaca Pizarro, que está em Lisboa para dar um seminário na fundação do escritor. “Há três ou quatro versões, mas este verso é mais bonito, mais definitivo.”
Os primeiros dois versos do texto descoberto são iguais aos já publicados, mas os 10 restantes sofreram uma grande mutação, ao ponto de alterar o sentido geral do poema.



“Haverá mais inéditos. A família ainda tem muito material; nem tudo foi leiloado em 2008; estimo que há 800 documentos e alguns estão sendo vendidos por debaixo do pano”

Pizarro afirma que não era raro Pessoa escrever em objetos de outras pessoas. “Por isso utilizava muito os livros de autógrafos. Já temos dois ou três casos, como o livro de assinaturas de Moutinho-Almeida, onde trabalhou, ou em bilhetes com os quais pagava suas águas-ardentes nos bares.”
O colombiano é um dos grandes especialistas em pessoalogia, atualizando edições com base em descobertas nesse baú de originais de Pessoa, que parece infinito. Pizarro revolucionou a pesquisa sobre o escritor ao organizar seus textos de forma cronológica, e não por assunto ou pseudoautores. Nesta semana, Pizarro apresenta nas livrarias de Lisboa sua versão de Obra Completa de Alberto Caeiro, um dos heterônimos nos quais Pessoa se transfigurava.
“Já vejo a descoberta com outra perspectiva”, disse Pizarro, “porque ainda há milhares de inéditos”. “Seria possível publicar um por dia; mas este é interessante por pertencer a uma época em que Pessoa escrevia muito.”
Pizarro anuncia mais novidades sobre Pessoa: “Haverá mais inéditos. A família ainda tem muito material; nem tudo foi leiloado em 2008; embora recentemente tenha doado 80 volumes, estimo que ainda existam mais 800, e alguns estão sendo vendidos por debaixo do pano”.


segunda-feira, 11 de julho de 2016

António Lobo Antunes / “Fernando Pessoa me aborrece até a morte”




António Lobo Antunes: “Fernando Pessoa me aborrece até a morte”

O eterno candidato português ao Nobel publica no Brasil ‘Não É Meia-Noite Quem Quer’


JAVIER MARTÍN
Lisboa 24 SET 2015 - 14:10 COT



O escritor António Lobo Antunes, em sua casa de Lisboa na passada semana. JOÃO HENRIQUES

Os livros devoram as paredes. “Já não cabem. Tenho que mudar para um apartamento maior”. E por que não joga fora algum? “Nunca. A maioria é muito ruim, mas não consigo. Tenho muito respeito pelos livros”. Um dos quartos do apartamento de  (Lisboa, 1942) é preenchido apenas com as traduções dos cerca de trinta livros que publicou. No estúdio escreve um professor canadense especializado em sua obra. Na Holanda, seu livro Caminho Como uma Casa em Chamas está na quarta edição, e no Brasil será publicadoNão É Meia-Noite Quem Quer (Alfaguara, com previsão de lançamento em 19 de outubro), um retrato da condição humana ambientada na guerra de libertação de Angola. Como em cada uma de suas obras, quando Lobo Antunes escreve, dói; e quando fala, também.

Pergunta. Obrigado por receber-nos em sua casa em Lisboa, a cidade de Pessoa.
Resposta. Não sou um fã de Pessoa.
P. Caramba! O Livro do Desassossego...
R. O livro do não sei o quê me aborrece até a morte. A poesia do heterônimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Whitman; a de Ricardo Reis, de Virgilio. Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.
P. Também não há nada de novo em Portugal?
R. Não é um problema de Portugal ou da Espanha. O problema é que hoje não há grandes escritores na Europa — na Irlanda, talvez —, mas não na Inglaterra ou na França, que no século passado teve dois gênios, Proust e Céline. No século XIX você tinha 20 ou 30 gênios na Europa.

O livro do não sei o quê [de Fernando Pessoa] me aborrece até a morte”

P. E nem na América?
R. Na América Latina existem; nos Estados Unidos, não; embora eu goste de Cormac McCarthy. É um problema geral, é só ver quem ganhou os últimos prêmios Nobel.
P. O senhor é que não foi.
R. Não, nunca o ganharei, embora eu sempre apareça nas apostas, como os cavalos. Eu ganhei quase todos os prêmios, mas o que me interessa neles é o dinheiro.
P. É verdade, quando lhe comunicaram que tinha ganho o Juan Rulfo, o senhor respondeu: “Quanto?”.
R. Fiquei mal. Deram-me a notícia em uma videoconferência ao vivo, e os jornalistas mexicanos começaram a rir. Foram 100.000 euros.
P. E o prestígio do prêmio não lhe importa?
R. O prestígio do prêmio é dado pelos escritores, não o inverso.
P. Dedicado à psiquiatria, o senhor é um escritor tardio; até os 37 anos, comMemória de Elefante (1979), não havia começado a publicar.

Não há grandes escritores na Europa. Na Irlanda, talvez”

R. Ninguém me queria; nem em Portugal ou em lugar algum; mas um editor americano, que não tinha lido o livro, o publicou. Foi capa de The New York TimesLos Angeles Times e The Washington Post e se você tem esses jornais, tem o mundo. O primeiro que me chamou da Espanha foi Jacobo [Martínez de Irujo], da [Editora] Siruela, com quem comecei a publicar. Passei semanas escrevendo na casa dele em Ampurdán.
P. Aquele livro se baseava em suas experiências como psiquiatra, Comissão das Lágrimas vem do seu passado militar em Angola.
R. Não me interessa escrever romances de guerra por respeito aos mortos. Estou interessado em pessoas em circunstâncias extremas. Eu queria desertar quando estava lá, mas meu capitão me disse: “Não vá, que a revolução se faz por dentro, não nos cafés de Paris”.
P. E ele estava certo.
R. Sim, não há nada mais difícil do que uma guerra. Aos 18 anos decretei que seria um gênio, mas você chega à guerra e isso desaparece imediatamente; você é um entre muitos. Há duas coisas magníficas do espetáculo da guerra: a beleza da coragem física e o mais horrível, a covardia. Depois de 60 anos você continua com pesadelos por causa das coisas horríveis de que participou. O que proponho é por que não se sente culpa, por que é tão fácil matar e morrer.
P. A crítica diz que Comissão das Lágrimas trata das torturas a Virinha, a capitã do Movimento de Libertação de Angola.
R. Não foi bem compreendido, na verdade é sobre a morte de Jonas Savimbi em um atentado cometido pelos órgãos de inteligência portugueses, israelenses e norte-americanos, que o localizaram pelo celular.
P. A vida sempre em alerta.

Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia”

R. Quase sempre. Quando o Benficajogava, escutávamos as partidas no rádio e virávamos os alto-falantes para o lado de fora. Durante 90 minutos não nos disparavam um único tiro. Os guerrilheiros eram do Benfica, como nós.
P. O senhor torce pelo Benfica?
R. E pelo Atlético de Madri, dois times do povo. Estou muito feliz que El Niño [o atacante Fernando Torres, do Atlético de Madri] voltou. Não é o que foi, mas demonstrou ser homem de palavra, que já é coisa rara nos homens.
P. Compromisso, coragem, covardia... O senhor repara muito nos valores básicos das pessoas.
R. E honestidade. Ao escrever, é preciso ser honesto. Mario Vargas Llosa, por exemplo, é um escritor honesto e um prêmio Nobel bem dado. Frank Sinatra dizia: “Posso ser um canalha, posso ser um mafioso, mas quando canto sou completamente honesto”.
P. O senhor gosta muito de música.
R. Eu gosto muito, mas já não ouço os agudos; não ouço os violinos.
P. Diga-me que o senhor gosta de fado.
R. Não me interessa muito. Depois de ouvir dois, acaba sendo muito monótono.
P. E o flamenco?
R. Ah! Isso sim, muitíssimo. Essa sensualidade, essa beleza; Jacobo [Martínez de Irujo] costumava me chamar quando descobria um novo cantor para que fôssemos ouvi-lo juntos. Aprendi mais com alguns saxofonistas de jazz, como John Coltrane e Charlie Parker, do que com escritores.

O que me interessa dos prêmios literários é o dinheiro”

P. O que o senhor aprendeu?
R. O fraseado, a musicalidade do fraseado. No fim das contas eu sou um ladrão, um homem que está sempre procurando coisas no lixo. Meus livros nascem do lixo.
P. E não encontrou um livro que lhe mudasse a vida?
R. Sim. Na minha juventude, não sei como, caiu em minhas mãos Nueve novísimos poetas españoles (José María Castellet, 1970). Eu o li e compreendi que não podia continuar a escrever a merda que escrevia. Cada um dos nove era melhor do que eu. O prólogo já era maravilhoso. Como poderia me comparar àOde a Venecia ante el mar de los teatros, de Pere Gimferrer.
P. E agora, o que salvaria de sua obra?
R. Nunca falo dos livros que acabei. Não leio as provas nem a edição. Quando os entrego, eu esqueço. Acabou. Não pense mal de mim, mas tenho orgulho da minha obra.
P. Não lê as críticas?
R. Eu sei o que eu escrevo. Não preciso lê-las. Nem as de Harold Bloom, embora nesse sentido me pareça mais importante Steiner, o maior gênio que existe. Você sabia que ele tem o piano de Darwin em casa? Muitas vezes confundimos nossos gostos com nossas paixões. Borges é bom, mas eu não gosto; Roberto Bolaño é bom, mas não compreendo o fenômeno, talvez porque ele morreu jovem, talvez eu não goste porque o conheci. Esse é o problema da crítica. Se ela corresponde aos seus gostos, é bom; se não, é ruim.
P. O senhor escreveu 30 livros em 37 anos. Não vai parar?
R. O que posso fazer? Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia; uma coisa física difícil de explicar. Tenho a impressão de que me fizeram para escrever.