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segunda-feira, 11 de julho de 2016

António Lobo Antunes / “Fernando Pessoa me aborrece até a morte”




António Lobo Antunes: “Fernando Pessoa me aborrece até a morte”

O eterno candidato português ao Nobel publica no Brasil ‘Não É Meia-Noite Quem Quer’


JAVIER MARTÍN
Lisboa 24 SET 2015 - 14:10 COT



O escritor António Lobo Antunes, em sua casa de Lisboa na passada semana. JOÃO HENRIQUES

Os livros devoram as paredes. “Já não cabem. Tenho que mudar para um apartamento maior”. E por que não joga fora algum? “Nunca. A maioria é muito ruim, mas não consigo. Tenho muito respeito pelos livros”. Um dos quartos do apartamento de  (Lisboa, 1942) é preenchido apenas com as traduções dos cerca de trinta livros que publicou. No estúdio escreve um professor canadense especializado em sua obra. Na Holanda, seu livro Caminho Como uma Casa em Chamas está na quarta edição, e no Brasil será publicadoNão É Meia-Noite Quem Quer (Alfaguara, com previsão de lançamento em 19 de outubro), um retrato da condição humana ambientada na guerra de libertação de Angola. Como em cada uma de suas obras, quando Lobo Antunes escreve, dói; e quando fala, também.

Pergunta. Obrigado por receber-nos em sua casa em Lisboa, a cidade de Pessoa.
Resposta. Não sou um fã de Pessoa.
P. Caramba! O Livro do Desassossego...
R. O livro do não sei o quê me aborrece até a morte. A poesia do heterônimo Álvaro de Campos é uma cópia de Walt Whitman; a de Ricardo Reis, de Virgilio. Eu me pergunto se um homem que nunca fodeu pode ser um bom escritor.
P. Também não há nada de novo em Portugal?
R. Não é um problema de Portugal ou da Espanha. O problema é que hoje não há grandes escritores na Europa — na Irlanda, talvez —, mas não na Inglaterra ou na França, que no século passado teve dois gênios, Proust e Céline. No século XIX você tinha 20 ou 30 gênios na Europa.

O livro do não sei o quê [de Fernando Pessoa] me aborrece até a morte”

P. E nem na América?
R. Na América Latina existem; nos Estados Unidos, não; embora eu goste de Cormac McCarthy. É um problema geral, é só ver quem ganhou os últimos prêmios Nobel.
P. O senhor é que não foi.
R. Não, nunca o ganharei, embora eu sempre apareça nas apostas, como os cavalos. Eu ganhei quase todos os prêmios, mas o que me interessa neles é o dinheiro.
P. É verdade, quando lhe comunicaram que tinha ganho o Juan Rulfo, o senhor respondeu: “Quanto?”.
R. Fiquei mal. Deram-me a notícia em uma videoconferência ao vivo, e os jornalistas mexicanos começaram a rir. Foram 100.000 euros.
P. E o prestígio do prêmio não lhe importa?
R. O prestígio do prêmio é dado pelos escritores, não o inverso.
P. Dedicado à psiquiatria, o senhor é um escritor tardio; até os 37 anos, comMemória de Elefante (1979), não havia começado a publicar.

Não há grandes escritores na Europa. Na Irlanda, talvez”

R. Ninguém me queria; nem em Portugal ou em lugar algum; mas um editor americano, que não tinha lido o livro, o publicou. Foi capa de The New York TimesLos Angeles Times e The Washington Post e se você tem esses jornais, tem o mundo. O primeiro que me chamou da Espanha foi Jacobo [Martínez de Irujo], da [Editora] Siruela, com quem comecei a publicar. Passei semanas escrevendo na casa dele em Ampurdán.
P. Aquele livro se baseava em suas experiências como psiquiatra, Comissão das Lágrimas vem do seu passado militar em Angola.
R. Não me interessa escrever romances de guerra por respeito aos mortos. Estou interessado em pessoas em circunstâncias extremas. Eu queria desertar quando estava lá, mas meu capitão me disse: “Não vá, que a revolução se faz por dentro, não nos cafés de Paris”.
P. E ele estava certo.
R. Sim, não há nada mais difícil do que uma guerra. Aos 18 anos decretei que seria um gênio, mas você chega à guerra e isso desaparece imediatamente; você é um entre muitos. Há duas coisas magníficas do espetáculo da guerra: a beleza da coragem física e o mais horrível, a covardia. Depois de 60 anos você continua com pesadelos por causa das coisas horríveis de que participou. O que proponho é por que não se sente culpa, por que é tão fácil matar e morrer.
P. A crítica diz que Comissão das Lágrimas trata das torturas a Virinha, a capitã do Movimento de Libertação de Angola.
R. Não foi bem compreendido, na verdade é sobre a morte de Jonas Savimbi em um atentado cometido pelos órgãos de inteligência portugueses, israelenses e norte-americanos, que o localizaram pelo celular.
P. A vida sempre em alerta.

Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia”

R. Quase sempre. Quando o Benficajogava, escutávamos as partidas no rádio e virávamos os alto-falantes para o lado de fora. Durante 90 minutos não nos disparavam um único tiro. Os guerrilheiros eram do Benfica, como nós.
P. O senhor torce pelo Benfica?
R. E pelo Atlético de Madri, dois times do povo. Estou muito feliz que El Niño [o atacante Fernando Torres, do Atlético de Madri] voltou. Não é o que foi, mas demonstrou ser homem de palavra, que já é coisa rara nos homens.
P. Compromisso, coragem, covardia... O senhor repara muito nos valores básicos das pessoas.
R. E honestidade. Ao escrever, é preciso ser honesto. Mario Vargas Llosa, por exemplo, é um escritor honesto e um prêmio Nobel bem dado. Frank Sinatra dizia: “Posso ser um canalha, posso ser um mafioso, mas quando canto sou completamente honesto”.
P. O senhor gosta muito de música.
R. Eu gosto muito, mas já não ouço os agudos; não ouço os violinos.
P. Diga-me que o senhor gosta de fado.
R. Não me interessa muito. Depois de ouvir dois, acaba sendo muito monótono.
P. E o flamenco?
R. Ah! Isso sim, muitíssimo. Essa sensualidade, essa beleza; Jacobo [Martínez de Irujo] costumava me chamar quando descobria um novo cantor para que fôssemos ouvi-lo juntos. Aprendi mais com alguns saxofonistas de jazz, como John Coltrane e Charlie Parker, do que com escritores.

O que me interessa dos prêmios literários é o dinheiro”

P. O que o senhor aprendeu?
R. O fraseado, a musicalidade do fraseado. No fim das contas eu sou um ladrão, um homem que está sempre procurando coisas no lixo. Meus livros nascem do lixo.
P. E não encontrou um livro que lhe mudasse a vida?
R. Sim. Na minha juventude, não sei como, caiu em minhas mãos Nueve novísimos poetas españoles (José María Castellet, 1970). Eu o li e compreendi que não podia continuar a escrever a merda que escrevia. Cada um dos nove era melhor do que eu. O prólogo já era maravilhoso. Como poderia me comparar àOde a Venecia ante el mar de los teatros, de Pere Gimferrer.
P. E agora, o que salvaria de sua obra?
R. Nunca falo dos livros que acabei. Não leio as provas nem a edição. Quando os entrego, eu esqueço. Acabou. Não pense mal de mim, mas tenho orgulho da minha obra.
P. Não lê as críticas?
R. Eu sei o que eu escrevo. Não preciso lê-las. Nem as de Harold Bloom, embora nesse sentido me pareça mais importante Steiner, o maior gênio que existe. Você sabia que ele tem o piano de Darwin em casa? Muitas vezes confundimos nossos gostos com nossas paixões. Borges é bom, mas eu não gosto; Roberto Bolaño é bom, mas não compreendo o fenômeno, talvez porque ele morreu jovem, talvez eu não goste porque o conheci. Esse é o problema da crítica. Se ela corresponde aos seus gostos, é bom; se não, é ruim.
P. O senhor escreveu 30 livros em 37 anos. Não vai parar?
R. O que posso fazer? Quando não escrevo não me sinto bem, sinto como uma angústia; uma coisa física difícil de explicar. Tenho a impressão de que me fizeram para escrever.



quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

António Lobo Antunes candidato ao Prémio Nobel da Literatura 2014


António Lobo Antunes candidato ao Prémio Nobel da Literatura 2014
Por André Meireles

Tem António Lobo Antunes possibilidades de alcançar o Prémio Nobel de Literatura? Em  2014, em 2015, em 2016? Não consigo ler António Lobo Antunes - mas não conseguir ler seja quem for ou o que for, considero-o, por princípio, defeito meu - aparte as crónicas, de que gosto, e provavelmente os primeiros romances, que nunca tentei ler, pois comecei pelo meio da sua obra, se considerarmos Manual dos Inquisidores (1996) o meio, e depois de ter deixado Manual dos Inquisidores a meio, fui deixando as suas obras seguintes cada vez mais cedo, até desistir por completo quando cheguei ao Arquipélago da Insónia (2008). É verdade que os títulos ficaram cada vez mais bonitos; mas não menos verdade é serem emprestados. Do resto da obra, a que está antes e depois destas duas, apenas li os títulos. Nas críticas literárias - James Joyce, Virginia Woolf, Tchekov, Deus, e o Diabo - já todos foram convocados para se compararem a Lobo Antunes, e todos saíram derrotados do duelo de titãs, como não podia deixar de ser, pois nem sempre David vence Golias, que acertar-lhe sempre com a pedra no sítio exacto não é questão de pontaria, mas de acaso ou assistência divina - que frequentemente anda distraída noutros afazeres.

É verdade que a Ladbrokes nunca se esquece de o meter na extensa lista, com certeza para piscar o olho ao dinheiro dos Portugueses, povo que é mais dado a futebol, fado, e fátima, que a Literatura, mas como estas três excelentes razões se resumem numa, fé, é o suficiente para irem apostar em António Lobo Antunes, o que em caso de o Prémio Nóbel da Literatura lhe ser atribuído, até é uma excelente aposta: por cada libra apostada recebem cem. Não é menos verdade que nos últimos anos António Lobo Antunes aparecia muito melhor colocado nesta corrida especulativa ao Nobel, isto é, cada libra apostada rendia menos em caso de ser o galardoado. Mas também não é menos verdade que quando mais apostas houver num suposto candidato, mais o valor oferecido tende a descer, e como os Portugueses andam sem dinheiro, talvez esta seja a razão porque, neste momento, nem na corrida especulativa ao Prémio Nobel da Literatura, António Lobo Antunes, se encontra bem colocado. Não esqueçam, porém, a história de David e Golias, de que falei ali atrás: não é a colocação que interessa, é a pontaria.


terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

António Lobo Antunes / Ninguém escreve como eu. Nem eu mesmo

António Lobo Antunes, por André Meireles

António Lobo Antunes

“Ninguém escreve como eu. Nem eu mesmo”

O autor vivo mais importante da língua portuguesa publica na Espanha ‘Sôbolos Rios que Vão’

É uma transcrição literária, terna e terrível como toda sua obra, da doença que há alguns anos o deixou à beira da morte




António Lobo Antunes acende um cigarro na sala de sua casa de Lisboa, durante a entrevista. / FRANCISCO SECO
Lá fora, a tarde em Lisboa é cinzenta e fria, com um feio aguaceiro que parece não se cansar nunca de ameaçar. Dentro, em sua casa de bairro pobre, como ele diz, António Lobo Antunes (Lisboa, 1942), rodeado de livros por todas as partes, de frases de escritores anotadas na parede, fuma sem parar, sorri com frequência, brinca, convida para uma grapa e coloca a cinza, invariavelmente, no maço vazio do Marlboro light. Percebe-se que está contente. Há dois anos, o escritor português, candidato ao Nobel e autor de um punhado de obras-primas pelas quais qualquer romancista mataria —Fado Alexandrino, Esplendor de Portugal, A Ordem Natural das Coisas, Manual dos Inquisidores, Os Cus de Judas...— recebeu este correspondente na pequena mesa do canto onde se senta para trabalhar dia após dia, com o ânimo no chão pelo fato de que, segundo ele, provavelmente não iria terminar mais nenhum livro. Desde então escreveu dois romances ou, como diz com seu sorriso irônico, “duas coisas”. Daí o sorriso de quem não se concebe senão escrevendo. Na Espanha está sendo publicado agora Sôbolos Rios que Vão (No Brasil, publicado pela editora D.Quixote em 2010), em que narra sua passagem pelo hospital em 2007, para ser operado de um câncer que superou. A experiência, isso sim, está descrita da maneira alucinada, intensa e poética deste escritor dono de um universo próprio. Por isso, além de enfermeiras, médicos, aparelhos, comprimidos e um paciente chamado Lobo Antunes à mercê do destino e do tique-taque do relógio da morte, o protagonista soberano é a infância.
Pergunta. Então o senhor acabou superando a crise criativa.
Resposta. É que os começos dos livros são terríveis. Recomeçar, recomeçar... às vezes me entretenho a escrever ao modo de Scott Fitzgerald ou Gómez de la Serna ou copio páginas de outros para aprender. Copio, que sei eu, de Balzac. Assim aprendo.
P. Mas ainda precisa aprender? Ainda não está seguro com sua escrita?

Talvez um livro não seja mais do que uma eficaz, solitária e longa palavra”
R. Veja: eu depois dos cânceres já não minto. Eu sei que ninguém escreve como eu. Nem eu mesmo. O desafio é chegar a cada dia mais longe, a cada dia fazer melhor, chegar mais perto. Observe o teatro de Tchekhov: espanta que em poucas frases aparentemente simples, como “tenho frio” ou “finalmente cheguei”, possa transmitir gama tão grande de sentimentos. Tudo à base de trabalho: tenho fotocópias de seus manuscritos, e estão cheiíssimos de correções.
P. Neste Sôbolos Rios que Vão aparece, a par com a doença e a sombra da morte, a infância. Por que?
R. Minha intenção era… Bom, não tinha nenhuma intenção, só que não me apetecia falar da morte. Me apetecia falar da vida. Eu não sou crítico nem teórico da literatura, assim, pois, não posso responder bem a essa pergunta. Mas talvez seja por isso. Para mim a infância é a saúde, a vida, a alegria, a esperança... Mas não sei explicá-lo bem. Simplesmente tinha que ser assim. Quando escreves, tens a sensação de que é inevitável que seja assim.
P. Fala como se os livros já estivessem escritos antes de escrevê-los...


O autor, com o manuscrito do livro que está terminando. / FRANCISCO SECO
R. Sim, como estátuas enterradas no jardim que há que desenterrar, e depois limpar e limpar. Talvez um livro seja uma eficaz, solitária e longa palavra
P. E o senhor? Saiu diferente do hospital?
R. Continuei sendo o mesmo. Mas há coisas de que de repente comecei a gostar muitíssimo. O sol, por exemplo, um dia de sol, um dia bonito, o fato mesmo de estar aqui, os dois a falar. Estar vivo é um privilégio, um acaso e um privilégio. Embora, sabe o que mais me impressionou do hospital?
P. O quê?

O espetáculo da covardia é horrível, te reduz a um ser miserável”
R. A imensa dignidade das pessoas, dos enfermeiros da unidade de oncologia. Todos eram príncipes. Era um hospital do Estado, por isso havia gente pobre, a se portar com uma dignidade de aristocratas, com coragem, nunca ouvi uma queixa, não ouvi ninguém a rogar ou pedir “salve-me”. As pessoas aguentavam caladas, a sorrir, saudando-te, desejando melhoras, muitas delas com metástase por todas as partes. Sabias que iriam morrer, e morriam sem se queixar, sem medo. Eu vi gente a se borrar) de medo na guerra. E o espetáculo da covardia é horrível. Vi assim um tenente: todos os oficiais lhe davam pontapés e o insultavam, e o tipo não fazia outra coisa a não ser chorar. A covardia, fisicamente é feia. Te reduz a um ser miserável, despojado de toda a dignidade de homem.
P. O senhor esteve 15 meses na guerra colonial. O que significaram?
R. Não sei lhe dizer. Talvez o senhor e eu, todos, nasçamos com uma ideia que não nos abandona nunca. Eu não tenho certezas, nem respostas. Só escrevo livros. Eu gostaria que mudassem o mundo, mas não vão mudar nada. Embora talvez sejam uma companhia, um prazer para algumas pessoas. Eu sou apenas um sujeito que escreve livros e espero morrer com a mesma inocência. No fim das contas, somos muito inocentes. Vem um médico, te diz que tu vais te curar, que vais melhorar, e tu acreditas...
P. Neste livro diz que sua mãe curava tudo com uma aspirina.
R. Quem me dera estivesse minha mãe com sua aspirina….
P. Não pensou alguma vez que se acabou, já não escrevo mais?
R. Mas, como vou pensar isso? Se há tanto por escrever... De qualquer forma, isto ficará em algum momento interrompido. Definitivamente interrompido.
P. Em Portugal é muito conhecido também por suas crônicas em revistas e jornais...
R. Isso só faço porque pagam bem. As pessoas gostam porque são como piscinas para crianças. É impossível afogar-se. Os livros, por sua vez, são feitos para que se afoguem. Comecei a fazer essas crômicas com meu amigo José Cardoso Pires, de quem sinto muita saudade.
P. Sempre fala muito de seus amigos.
R. A amizade é como o amor: instantânea e absoluta. Conheces alguém e te transformas em seu amigo de infância, mesmo que já tenhas 40 anos. Para mim é o sentimento mais importante.
P. Mais que o amor?
R. E que é o amor? O senhor sabe?
P. Bom, eu sou apenas o que faz as perguntas.
R. Que conveniente isso. Por que não trocamos?