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quarta-feira, 18 de novembro de 2020

Miguel Torga / QUASE UM POEMA DE AMOR





Miguel Torga
QUASE UM POEMA DE AMOR

Há muito tempo já que não escrevo um
Poema de amor
E é o que eu sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza Lusitana
Tem essa humana Graça Feiticeira
De tornar de cristal
A mais sentimental
E baça Bebedeira

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num intimo pudor,
- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.



Lisboa, 1 de Janeiro de 1940


segunda-feira, 18 de maio de 2020

Um Diário Perdido de Miguel Torga




Um Diário Perdido de Miguel Torga

Um Diário Perdido de Miguel Torga


Durante o Verão de 1950, entre Agosto e Outubro, Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, percorreu alguns países europeus como França, Itália, o Principado do Mónaco, Suíça e Espanha.


Luis Leal
26 Janeiro 2020
Advertência ao leitor:
Durante o Verão de 1950, entre Agosto e Outubro, Miguel Torga, pseudónimo de Adolfo Correia da Rocha, um dos maiores vultos da cultura portuguesa do século XX, percorreu alguns países europeus como França, Itália, o Principado do Mónaco, Suíça e Espanha. O périplo espanhol, do ano em questão, levou-o à Salamanca do seu admirado Unamuno, à capital Madrid, ao Escorial de Filipe II, a Toledo e à cidade condal de Barcelona, com passagens por Maiorca e por Ávila. 
   Foi nesta última cidade, mais precisamente numa pensão do centro histórico, onde se encontrou uma primeira edição do livro La sombra del ciprés es alargada de Miguel Delibes com uma quartilha escrita em língua portuguesa dentro. O exemplar foi encontrado em 2013 por um turista português que se alojou no estabelecimento familiar e que a transcreveu para o seu blog pessoal.
Infelizmente, só tenho constância desta transcrição que me foi facilitada pelo próprio viajante, cuja sorte de ter consultado o original, na biblioteca pessoal do pai do actual dono da pensão de Ávila, me foi narrada com encanto de leitor e de bibliófilo. Eu apenas o auxiliei a contextualizar nos Diários esta entrada que nos parece estar extraviada da obra diarística de Torga.
Ao contrário do português, Miguel Delibes nunca assumiu a sua humanidade “com as dimensões da Península, com todas as contradições que a dilaceram harmonizadas”, contudo, o seu humanismo, sincero em amor a Castela e, desse território, ao mundo, sempre me pareceu estar destinado a encontrar-se com o de Torga. Não se encontraram ao abrigo dum negrilho, sim à sombra de um cipreste. Já este meu casual encontro foi com alguém que, se não existisse, merecia a pena ser imaginado.
«Ávila, 29 de Agosto de 1950 – A pedra destas muralhas está que parece que saiu hoje da pedreira. Compenetrada da sua função de não deixar fugir a mais pequena parcela do fanatismo que sitia, não deu sequer pela erosão que passou ao seu lado. Granito temporal a cercar granito intemporal!
Chama-me à atenção um livro num escaparate duma livraria, La sombra del ciprés es alargada, de um jovem chamado Miguel Delibes. Em português, A Sombra do Cipreste é Longa.
Luis Leal, crónica habitar
Entro e após uma conversa com a senhora da livraria que me atendeu, Teresa de nome, como a santa aqui da terra e da nossa Ibéria, liberto as pesetas da algibeira e trago comigo a novela deste meu tocaio. A minha intuição foi laureada com o Prémio Nadal de 1947, vejo, sem me despertar mais interesse do que aquele que já tenho graças à sombra dessa árvore tão ascética como profunda em raízes espalhadas por terra onde abundam corpos à espera da eternidade do húmus.
Está ambientada aqui no burgo abulense, mas este jovem tem território bem demarcado. É de Valladolid, essa cidade rainha de Castela, onde Cervantes acabou de escrever as andaduras do cavaleiro da triste figura. Quevedo também por lá andou e eu espero por lá andar, quem sabe em breve.    
Não sei se foi uma obra de sinceridade, esta obra de principiante. Porém, é uma obra honesta, fiel a qualquer coisa que levou este Miguel Delibes a escrever o seu Pedro na primeira pessoa. O protagonista é como esta pedra de Ávila, uma pedra que não foi protegida ao sair da canteira e acabou por ficar encerrada por todas as outras a conformarem estas muralhas frias até mesmo para este mês de Agosto.   
Ainda não pude terminar com a sombra desta árvore. A pouca luz desta pensão não me permite serões de leitura, mas antevejo mar nas páginas que pude ler. Quando há pessimismo o mar ajuda a aliviar a carga do fim e balança-nos em memórias amnióticas do ventre materno. Portugal aventurou-se ao mar por isso, sabemo-lo bem, e não fosse ele órfão de pai e desavindo em carinho com a mãe.
Há futuro para este Pedro, para esta personagem de Ávila. Cresce na narrativa equilibrado com a vida e não sei como acabará. Talvez amanhã, ou depois, descubra se escapou ao pessimismo da vida ou se sucumbiu a ele, inevitavelmente.
E há futuro para este Miguel Delibes. Este jovem escritor de Castela procura o seu estilo pessoal para além do seu território, da sua cidade e da ruralidade do seu entorno. Fá-lo sem se impor, sem afã de conquista e de submissão. Caminha, página a página, pelos dos montes de pobreza oculta destas terras, cegas pelo orgulho castelhano, porém iluminadas pelo sol peninsular.
Se for caçador, parece-me que será uma boa espingarda. Sabe ao que aponta e não aponta por apontar. Seria um bom companheiro para ir às perdizes. É inteligente e a sua prosa parece-me sincera, sem qualquer necessidade de se comprometer com destinos de poeta. Prefiro assim. Gosto de admirar. E só o espírito me deslumbra o espírito. Delibes começou bem e estas pedras intemporais de Ávila dizem-me que vai acabar melhor.»

RAYANOS








quarta-feira, 15 de maio de 2013

Miguel Torga / Súplica


Miguel Torga
SÚPLICA


Agora que o silêncio é um mar sem ondas,
E que nele posso navegar sem rumo,
Não respondas
Às urgentes perguntas
Que te fiz.
Deixa-me ser feliz
Assim,
Já tão longe de ti como de mim.
Perde-se a vida a desejá-la tanto.
Só soubemos sofrer, enquanto
O nosso amor
Durou.
Mas o tempo passou,
Há calmaria…
Não perturbes a paz que me foi dada.
Ouvir de novo a tua voz seria
Matar a sede com água salgada.