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sábado, 22 de outubro de 2022

Rafael Freire / O fotógrafo do Aglomerado da Serra





Rafael Freire, o fotógrafo do Aglomerado da Serra

"Meu trabalho é uma forma de resistir"

Rafael Freire,fotógrafo



Fred Gandra*

3 / 08 / 2020

Vidas negras importam – e muito. Determinado a valorizar o Aglomerado da Serra, a maior favela de Minas Gerais, Rafael Freire, de 27 anos, fotografa os moradores de sua comunidade. Quintais, becos e jardins são o cenário. Mais de 100 vizinhos já posaram para ele. “A ideia é dar voz a quem não tem”, explica o jovem fotógrafo, nascido e criado na comunidade localizada na Região Centro Sul de Belo Horizonte. “Algumas pessoas chegam a chorar quando veem o resultado”, revela.
Autodidata, Rafael começou a fotografar há 10 anos. A beleza e a sensibilidade das imagens atraíram 53,6 mil seguidores a seu perfil no Instagram – entre eles, o ator Babu Santana e o músico Pedro Calais, da banda Lagum. Ele também idealizou projeto Favela a Flor que se Aglomera, que já soma 2 mil fãs na mesma rede social. Junto das imagens, textos falam de racismo, negritude, ancestralidade e invisibilidade social.


DEPRESSÃO

Tudo começou na adolescência, quando Rafael enfrentou uma crise depressiva. Pediu emprestada a câmera fotográfica da irmã e decidiu fazer autorretratos. “Tentava, de alguma forma, enxergar beleza em mim”, conta. Para escapar da tristeza, também clicava a natureza. “Passava o dia tirando foto no Parque das Mangabeiras”, relembra.
Aos 17 anos, começou a trabalhar numa papelaria, onde conheceu Loris. “Ela perguntou qual era o meu maior sonho. Ninguém nunca havia me perguntado isso. Não sabia o que responder.” A colega insistiu, descobriu o hobby dele e sugeriu: “Por que você não vira fotógrafo?”.

“Respondi que era um sonho muito caro”, diz Rafael. A câmera havia estragado, mas Loris não se deu por vencida. Comprou outra, gastando economias que guardava para sua festa de casamento. Os dois assinaram um contrato informal, e o garoto se comprometeu a pagar a dívida, sem pressa. “Sou muito grato a esta moça”, confessa.

Em um ano e meio, Rafael quitou a dívida. E, claro, fotografou o casório de Loris. Não fez cursos, workshops ou oficinas. Ao pedir conselhos a fotógrafos profissionais, sempre ouvia: “Aprendi sozinho, você também aprende”. Dito e feito. Buscou ajuda em tutoriais na internet, treinou “brincadeiras com a câmera”. E se virou.

Em 2015, Rafael conseguiu emprego na Escola Municipal Senador Levindo Coelho, no Aglomerado da Serra. Logo depois, no início de 2016, conflitos envolvendo traficantes mudaram a rotina da região. “Tudo parou: escola, supermercado. Não dava para sair pra nenhum lugar.” Naquele momento, o jovem fotógrafo mirou suas lentes para a comunidade, em vez de árvores e flores. Registrou o morro, disposto a provar que a favela “não vive só de mazelas”.

Quando as aulas recomeçaram, ele pediu aos alunos que escrevessem textos com base naquelas fotografias. Um dos poemas dizia que não há flor na favela. “Fiquei triste com aquela frase”, conta Rafael. Então, decidiu espalhar mudas pelo Aglomerado. Dois anos depois, foi conferir o resultado. Comemora até hoje: “Tomei um susto, porque encontrei muitas flores.”

Assim surgiu o projeto Favela a Flor que se Aglomera, cuja filosofia é “plantar sementes” por meio da fotografia. Autoestima é o adubo da ação, valorizando os moradores da comunidade, transformados em modelos. Nas imagens, as flores surgem como adereços. A ideia de Rafael é também unir os negros.

Durante os ensaios, ele atua como uma espécie de terapeuta, buscando conhecer e destacar as qualidades de seus modelos. “Faço anotações para registrar o melhor de cada um”, comenta. Antes do clique, ouve sobre sonhos e sentimentos. “Tem todo um trabalho poético e terapêutico para que as pessoas se sintam melhor”, explica
A o longo do tempo, Rafael conquistou o reconhecimento da vizinhança. “Ando em qualquer lugar da Serra com a máquina na mão, sem ninguém perguntar aonde vou. Virei referência em fotografia na comunidade”, orgulha-se. Certa vez, o equipamento estragou e a vizinhança fez mutirão para comprar outra câmera. “Cheguei a chorar, porque não imaginava que meu trabalho tivesse tanto impacto assim”, confessa.

São dezenas de fotos postadas no Instagram. O artista não tem uma favorita, mas conta a história do ensaio com seu primo Marcos Vinicius, de 4 anos. O menino se assustou ao ver a câmera apontada para ele – pensou que era uma arma. “Achou que ia doer”, diz Rafael. O garoto ficou feliz ao se ver clicado enquanto brincava com água. A foto “bombou”, com mais de 6 mil curtidas no Instagram. Comovidos, internautas doaram brinquedos para Marcos Vinicius.


ARCO-ÍRIS
O confinamento social imposto pela pandemia vem atrapalhando os planos de Rafael Freire, mas ele não desanima. Antes da quarentena, organizava encontros dos colaboradores de seu projeto – mais de 100 jovens. Teve de suspender as reuniões. Agora publica retratos nas redes sociais. E passou a inserir um arco-íris nas imagens. Explica que se trata do “símbolo da alegria depois da turbulência”, lembrando que o arco-íris só aparece depois da tempestade.

Rafael luta para se profissionalizar. Já fez palestra no congresso Wedding Brasil, atrai fãs entre internautas e participou do projeto Fotografias por Minas ao lado de 300 colegas, ação solidária com o propósito de arrecadar recursos para programas voltados para vítimas da pandemia. Batalhador, busca remuneração justa para seu trabalho – um desafio e tanto. Certa vez, ouviu de um possível cliente que seu preço “era muito caro para quem mora na favela”. Isso, depois de cobrar metade do valor de mercado. “A galera acha que por morarmos na favela, temos de ficar mendigando”, desabafa.

Mas Rafael não entrega os pontos. “Fico imaginando meus quadros pendurados nas paredes das pessoas”, comenta, empolgado. Enquanto isso, segura as pontas com o salário da Escola Levindo Coelho. “Acaba que não sobra nada para investir na fotografia”, admite.

No Instagram, ele criou a página Visto Preto, com o objetivo de vender fotos emolduradas, moletons e camisas estampadas com sua arte.
Outro sonho de Rafael é montar um projeto social para transmitir gratuitamente seu conhecimento nas áreas de fotografia, vídeo e moda. “Vou tentar me inscrever em algum edital para conseguir um espaço, aqui dentro da Serra, para dar aula”, conta. E avisa: “Meu trabalho é uma forma de resistir.”


* Estagiário sob supervisão da editora-assistente Ângela Faria

RAFAEL FREIRE
Conheça o trabalho do fotógrafo no Instagram: 
@rafaelfreiiire, @aflorfavela e @vistopreto

ESTADO DE MINAS


quarta-feira, 5 de outubro de 2022

Fotógrafo brasileiro documenta a beleza dos corpos de quem vive na favela

Um dos primieros ensaios de Rafael foi feito no parque ao lado da comunidade onde ele e os retratados moram, em Belo Horizonte, sudeste do Brasil | Foto: Rafael Freire/Usada com permissão

Fotógrafo brasileiro documenta a beleza dos corpos de quem vive na favela

Fotografo brasiliano documenta la bellezza degli abitanti delle favelas (Dante)

Rafael Freire queria ser engenheiro agrônomo. Era ótimo em matemática, sabia que seria um bom caminho a seguir, e acreditava no amor. Na escola, chamavam ele de “Pequeno Príncipe”. “Ficava viajando”, lembra, rindo.

Mas um dia, a certeza sobre o amor acabou e, com ela, a ideia de futuro que Rafael tinha construído para si. Seus pais se separaram. “Minha mãe teve que assumir todas as responsabilidades financeiras da casa. Por isso, tive que parar de estudar [enquanto estava no ensino médio].”

Esse ponto de virada levou ao início da carreira de Rafael como fotógrafo. Hoje, aos 28 anos, ele é responsável por retratar a vida e a beleza de quem mora ao seu redor, em uma comunidade conhecida como Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte, no estado de Minas Gerais, no sudeste do Brasil, com relatos sobre racismo, negritude, ancestralidade e invisibilidade social.

Ele nasceu e vive a vida inteira na localidade, de onde não tem planos de sair. Os relatos vêm dele e de seus modelos, sendo apresentados ao público nas publicações de fotos e vídeos nas redes sociais do fotógrafo.

“Não é uma coisa minha, não é pra mim, é pros outros”, ele define.

Direito de sonhar

Parte do projeto ‘Natureza Nua’. Foto: Rafael Freire/Usada com permissão

Com a separação de seus pais, Rafael passou a “olhar carro”, nas suas palavras. Ele cuidava dos carros das pessoas “do outro lado da Serra”, a parte onde a classe média mora.

O Aglomerado da Serra é um dos maiores conjunto de favelas da América Latina. Localizado na zona sul da cidade de Belo Horizonte, concentra quase 50 mil pessoas subindo e descendo os morros todos os dias — BH tem cerca de 2,5 milhões de moradores.

“A minha casa fica bem no meio. Se olhar de cima, dá pra ver que as ruas formam um desenho que parece com uma flor”, conta ele.

Com quase 18 anos, Rafael conseguiu um emprego na papelaria da comunidade. “Qual o seu sonho?”, perguntou uma de suas colegas de trabalho na época. “Lembro de responder que eu não sabia. A gente nasce, cresce, reproduz e morre. E trabalha. Eu não tinha o direito de sonhar, não sabia que eu podia. Eu falei que não queria ser nada, que não queria crescer mais.”

Ela insistiu. Rafael acabou revelando que gostava de escrever e que, às vezes, tirava algumas fotos. Ele lembra de descrever um certo alívio que sentia ao fotografar, usando o celular que tinha época.

“[Minha colega] disse que eu poderia investir nisso e virar fotógrafo”, lembra.

A colega o ajudou então a comprar a primeira câmera — uma semi-profissional que levou algumas parcelas para ser paga.

“Ela estava economizando para o casamento e decidiu me emprestar uma parte do dinheiro, comprando a câmera. Fizemos um contrato de amigo e fui sonhando.”

As primeiras fotos foram feitas no Parque Municipal de Mangabeiras, também em Belo Horizonte. Todos os dias pela manhã, Rafael arrumava uma mochila com a câmera e algo para comer. Só voltava à tarde, passava as horas conhecendo a máquina e vendo como a luz batia de diferentes formas nas árvores, nas plantas, na sua pele.

Isso resultou em seu primeiro projeto, uma série de autorretratos. Rafael publicou as fotos em uma rede social — na época, o Orkut — e acabou ganhando certo reconhecimento na comunidade e entre colegas da escola.

“Passei a ser procurado para retratar outras pessoas da comunidade. Isso me deu confiança suficiente para fazer meu primeiro projeto autoral com outras pessoas”, diz ele.

Surgiu assim o “Natureza Nua”, retratos de corpos nus na natureza, que repercutiu na cidade dele, especialmente pela diversidade dos corpos que Rafael retratou.

“Sem ser hiper-sexualizado, sem ser sobre o corpo como objeto”, enfatiza o fotógrafo.

Rafael acabou concluindo o ensino médio. Um tempo depois, foi contratado para trabalhar em uma escola pública, passando de aluno a professor, convidado a ensinar fotografia para crianças em uma escola local.

Estar na escola, conta, foi o que abriu seus olhos para a importância da representatividade e como isso deveria estar presente também em seu trabalho fotográfico.

“Me dei conta de que ia ensinar em uma escola com 90% de alunos negros. Deixei meu cabelo crescer nesse período. Comecei a fazer cursos complementares também, especialmente sobre estética negra.”

Porém, em meados de 2015, a escola ficou paralisada por um tempo logo depois que ele começou a ensinar, ninguém podia sair na rua, nada estava aberto. “Duas facções entraram em conflito. Não sabia o que fazer com as crianças.”

Rafael decidiu fotografar, então, o que via. Desse período, saiu o projeto “Construindo a paz: versos em imagens”, onde seus alunos, crianças na faixa dos 10 anos, criaram versos para as fotos.

“Em uma das poesias, uma aluna refletiu sobre o fato de não existirem flores na favela. Eu nunca tinha reparado nisso, ela tinha a mais absoluta razão”, conta Rafael, lembrando a contradição, já que a palavra favela também designa uma flor.

Essa reflexão resultou na sua série mais recente, “Favela Flor que se Aglomera”. “Esse projeto ainda não tem casa, mas vai ter um dia”, disse, sobre o projeto que ainda não encontrou um local para exposição.

Hoje, Rafael vive de contribuições mensais de quem apoia seu trabalho via financiamento coletivo, além da remuneracão como professor. Ele sonha em abrir uma agência na Serra para empregar de fato os moradores como modelos e poder dividir parte do lucro de suas fotos com eles. As pessoas da Serra já são seus retratados, mas ele ainda não tem condições de remunerá-las por isso. Rafael conta que convida cada um, conforme pensa nas ideias de imagens.

“Não quero ser mais um fotógrafo com foto bonita, quero fazer a diferença na vida dos outros. Se não, não faz diferença eu ser fotógrafo”, diz ele.

Foto: Rafael Freire

Foto: Rafael Freire

Foto: Rafael Freire



Foto: Rafael Freire














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