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domingo, 27 de março de 2022

Orgulho e Preconceito de Jane Austen: resumo e análise do livro


Orgulho e Preconceito 

de Jane Austen: 

resumo e análise do livro


Rebeca Fuks
Rebeca Fuks
Doutora em Estudos da Cultura

Orgulho e preconceito é a obra-prima da escritora britânica Jane Austen que tem como pano de fundo a burguesia inglesa do início do século XIX.

Vemos no romance como as relações movidas por amor e dinheiro podem ser promíscuas e mesquinhas, encobertas pelo véu da sociedade burguesa.

O clássico inglês foi adaptado para o cinema quatro vezes, a versão mais consagrada ganhou as telas em 2005 sob a direção de Joe Wright.

Resumo

O enredo de Orgulho e preconceito gira em torno da família Bennet, composta por marido, mulher e cinco filhas (Jane, Elizabeth, Mary, Kitty e Lydia).

A história se passa em uma zona rural da Inglaterra durante o início do século XIX.

Elizabeth Bennet, a segunda filha mais velha, será a protagonista da trama. Uma jovem bela, orgulhosa, de personalidade forte e vanguardista para o seu tempo, Lizzie, como é chamada pelos íntimos, carrega dentro de si inquietações com as convenções sociais do seu tempo.

Sua mãe, ao assistir as opiniões e atitudes da filha, a considera um caso perdido em relação a possibilidade de conseguir um casamento.

Vale lembrar que na Inglaterra, durante esse período histórico, o único papel social da mulher era ser mãe e esposa, não possuindo qualquer hipótese de ambição profissional.

Em termos sociais, as mulheres valiam tão pouco que, em caso de falecimento do patriarca, o patrimônio deixado deveria seguir para o filho varão e, caso não houvesse, a fortuna seria encaminhada para o homem mais próximo da família.

A trama do romance se desenrola com a chegada de dois jovem solteiros afortunados na região (Mr.Bingley e Mr.Darcy). A mãe das meninas vê no surgimento dos rapazes uma oportunidade para resolver os problemas da família.

Mr.Bingley, um homem muito sóbrio e distinto, se apaixona por Jane Bennet, a mais velha das irmãs. Caroline Bingley, a irmã do rapaz, mostra-se porém contra a relação devido a classe social da moça.

Mr.Bingley se aproxima de Jane e vai contra a opinião da irmã. No entanto, o jovem subitamente desaparece da cidade, deixando Jane sem qualquer explicação.

O amigo Mr.Darcy, por sua vez, cai de encantos pela irmã Elizabeth, embora num primeiro momento se recuse a assumir os sentimentos que tinha por saber que a jovem era de origem humilde. Elizabeth, contudo, acha Mr.Darcy um homem arrogante e o repudia.

A relação entre os dois é, portanto, pautada pelo preconceito, pela atração, pela paixão e pela raiva. Um misto de sentimentos completamente discrepantes.

Mr.Darcy, porém, afinal toma coragem e pede a moça em casamento. Elizabeth, contudo, permanece firme nos seus ideais e recusa o pedido ao enxergar nele um homem prepotente e inescrupuloso.

Aos poucos, a jovem acaba por perceber que o rapaz tem boa índole e admite os seus sentimentos. As coisas mudam especialmente depois do recebimento de uma carta que Mr.Darcy escreve à ela justificando as suas atitudes. Após a leitura, Elizabeth consegue ver que há ali um homem de bem. Felizmente Mr.Darcy reitera o pedido de casamento e Elizabeth afinal aceita. O casal vai viver em Pemberley.

O final feliz também acontece para Jane, irmã de Elizabeth. Mr.Bingley retorna à cidade e explica as suas motivações para ter ido embora repentinamente. O rapaz suplica o perdão à amada e a pede em casamento. Ela aceita o pedido e os dois ficam vivendo em Netherfield.

Personagens principais

Sr. e Sra. Bennet

Inquietos com o futuro da família, o casal tem como preocupação central casar bem as cinco filhas. A mãe foca a sua energia em procurar (e apresentar) bons genros para as meninas. O próprio narrador constata: "A única preocupação da sua vida era casar as filhas. Seu consolo, fazer visitas e saber novidades.". O pai, por sua vez, parece ser mais descontraído, curioso, dono de um humor sarcástico, embora também fosse bastante preocupado com o futuro financeiro do clã.

Elizabeth Bennet

Protagonista da história, Lizzie é descrita como uma jovem bela, culta e inteligente. Inconformada com a ordem social, ela não se subjuga e decide casar apenas por amor. Uma das características centrais da personagem é o forte senso de independência que possui, Elizabeth é definitivamente uma mulher deslocada do seu tempo histórico. Num contexto em que as meninas eram criadas para serem esposas e mães, Lizzie enxerga além, não se conformando em seguir o status quo e reproduzindo relações por conveniência.

Jane Bennet

A primogênita da família Bennet, considerada uma moça dócil e sonhadora, muito próxima da irmã Elizabeth, com quem trocava frequentemente confidências. A irmã mais velha do clã Bennet é descrita como sendo profundamente tímida, recatada e extremamente bela.

Mary

Uma das irmãs Bennet, é aquela que tem obsessão por livros e a que mais cultiva o intelecto. É considerada por todos uma moça de muito juízo e de grande sabedoria devido a infindável curiosidade que herdou do pai.

Kitty e Lydia

As irmãs caçulas não são quase mencionadas, o pouco que se sabe é que elas costumavam arranjar problemas. Sabe-se que Lydia tinha extremo senso de humor e era a irmã mais extrovertida do grupo. Kitty, por sua vez, tinha em Lydia a sua melhor amiga, as duas costumavam cochichar em voz baixa partilhando segredos.

Mr. Bingley

Um jovem muito rico, de boa família, que aluga a mansão de Netherfield e se encanta rapidamente por Jane Bennet. Mr. Bingley parece ser um bom rapaz, que carrega valores sólidos, mas acaba por ser um tanto influenciável pela opinião alheia e demonstra possuir uma personalidade fraca, sendo dominado principalmente pela mãe e pela irmã. Logo que Mr. Bingley aparece na trama, os pais das irmãs Bennet demonstram interesse em casa-lo com uma das filhas.

Mr. Darcy

Grande amigo de Mr. Bingley, descrito como fechado e distante, não nutre a princípio nenhum afeto pelas irmãs Bennet, que considera serem de estatuto inferior. No princípio da narrativa, Mr. Darcy carrega um ar arrogante e superior, como se estivesse deslocado do universo da família Bennet. No entanto, com o passar do tempo e com a convivência com as irmãs, acaba por se apaixonar por Elizabeth.

Caroline Bingley

Irmã de Mr.Bingley, condena veementemente a relação do rapaz com Jane Bennet por acreditar que ela pertence a uma classe social inferior. Carolina é, de certa forma, arrogante e acredita que o seu sobrenome não deve ser misturado com o de famílias consideradas reles.

Análise de Orgulho e Preconceito

Um retrato da época

O enredo é bastante rico e há uma preocupação nítida da autora em retratar detalhadamente a sociedade inglesa do século XIX com a sua cultura, os seus hábitos e os seus valores morais. Como rapidamente se percebe, a dualidade entre o amor e o dinheiro é a engrenagem que faz mover a narrativa.

Observamos ao longo do texto, por exemplo, a forte importância dada ao dinheiro e o preconceito dos personagens em relação a origem das famílias dos indivíduos. É certo que Austen muitas vezes faz de seus personagens caricaturas sociais, no entanto, através do comportamento deles é possível encontrar uma espécie de retrato da sociedade inglesa da época.

A história de Orgulho e Preconceito é das mais adaptadas para o cinema, para o teatro e para a televisão. Jane Austen é tida como a autora inglesa mais importante para o país depois de Shakespeare.

A partir do exemplo de Meryton, o subúrbio rural imaginado por Austen localizado nos arredores de Londres, podemos reconstruir um pouco da atmosfera da aristocracia rural inglesa durante o século XIX .

O romance como uma crítica à lei do morgadio

A história construída por Jane Austen tece uma forte crítica à sociedade da sua época, regida pelas ambições econômicas e por relações construídas a partir do interesse. Não por acaso a primeira frase que inicia o enredo é:

“É uma verdade universalmente reconhecida que um homem solteiro na posse de uma bela fortuna necessita de uma esposa.”

Os casamentos são vistos como meros acordos comerciais e vemos, ao longo das páginas, como a mesquinhez e o interesse permeiam as relações humanas.

Austen aborda e denuncia a lei do morgadio, isto é, a organização familiar baseada a partir da noção de uma linhagem. Nesse tipo de sociedade as propriedades eram inalienáveis e indivisíveis e eram transmitidas ao primogênito descendente varão.

No caso da família Bennet, que protagoniza o romance, como se tratava de cinco meninas, não havia um filho varão que herdasse as propriedades.

Ou seja, segundo as normas da época, apesar de haver descendência direta, os bens deveriam seguir para o parente mais próximo do sexo masculino. Na família Bennet, o patrimônio não seria herdado nem pela mulher nem pelas filhas, e sim por Mr.Collins, um primo. É a essa organização social que Austen dirige as suas maiores críticas.

Elizabeth Bennet e o protofeminismo

A crítica costuma enxergar em Elizabeth Bennet uma protofeminista porque, ao contrário das mulheres da sua geração, ela não persegue um casamento promissor achando que vai encontrar em um homem a solução para os seus problemas financeiros e sociais.

Elizabeth luta contra uma sociedade conservadora e machista:

— Seu plano é bom — replicou Elizabeth — quando está em jogo apenas o desejo de se casar bem; e, se eu estivesse decidida a arranjar um marido rico, ou um marido qualquer, seria este o plano que adotaria. Mas estes não são os sentimentos (...)

A personagem discute e se rebela com o seu contexto porque deseja ser independente, repudiando um casamento movido pela conveniência. Não é que a moça fosse propriamente contra o matrimônio, o que ela detestava eram os valores que moviam as mulheres a encontrarem um marido abastado.

O comportamento de Elizabeth é extremamente peculiar para a época. Desde muito cedo a menina se rebelou contra aquilo que ficou conhecido como a santíssima trindade, isto é, o poder do pai, do tutor ou do marido. Às mulheres da época cabia o espaço da casa e a regência da família, enquanto os homens dominavam os espaços públicos, as propriedades e as finanças.

A jovem Lizzie é extremamente admirada pelo pai, um curioso incurável, mas é profundamente criticada pela mãe, que teme pelo futuro de Elizabeth devido as suas ideias consideradas revolucionárias.

História da publicação

A obra-prima de Jane Austen teria tido originalmente outro título: First impressions (em português Primeiras impressões) acabou sendo alterado para Pride and Prejudice.

Escrito entre 1796 e 1797, o romance que a autora chamava de "meu filho querido", foi lançado somente em janeiro de 1813.

Apesar de ter sido escrito há tantos anos, até hoje Orgulho e Preconceito continua ocupando o top livros mais lidos. A cada ano são comercializados 50.000 exemplares apenas no Reino Unido.

Uma curiosidade sobre o clássico: um exemplar da primeira edição foi encontrado e levado a leilão, em Londres, no ano de 2003. A obra foi arrematada por cerca de 58 mil euros.

Frontispício da primeira edição de Pride and prejudice (Orgulho e preconceito).
Frontispício da primeira edição de Pride and prejudice (Orgulho e Preconceito).

Em 2009 foi publicada uma paródia de terror do livro que teve imenso sucesso. Pride and Prejudice and Zombies (em português Orgulho e Preconceito e zumbis) foi adaptado para o cinema em 2016 sob a direção de Burr Steers (confira abaixo o trailer).

Filme Orgulho e Preconceito

Em 2005, o clássico romance de Jane Austen ganhou a sua mais famosa adaptação cinematográfica.

Antes disso, a obra-prima já tinha recebido outras três adaptações para o cinema (uma realizada em 1940, outra em 2003 e mais uma em 2004).

A produção de 2005 foi dirigida por Joe Wright e o roteiro adaptado foi assinado por Deborah Moggach.

O longa metragem foi indicado aos Óscares de melhor atriz (Keira Knightley), melhor figurino, melhor trilha sonora e melhor direção de arte. O filme também foi indicado ao Globo de Ouro em duas categorias (melhor filme e melhor atriz). Por fim, Orgulho e Preconceito levou para casa o Bafta de melhor revelação (pelo trabalho de Joe Wright).

Confira o trailer abaixo:

Para saber mais, leia: Filme Orgulho e Preconceito: resumo e comentários

Quem foi Jane Austen

Jane Austen nasceu no dia 16 de dezembro 1775, em plena era georgeana, em Hampshire, Inglaterra, filha do casal de boa reputação Cassandra e George Austen. O pai, um intelectual, sempre estimulou o lado criativo dos filhos e fez de tudo para que frequentassem a sua farta biblioteca pessoal.

Encantada pelo mundo dos livros, já durante a adolescência Jane começou a escrever pequenos romances em cadernos de espiral. Outras paixões importantes na vida da autora foram a música (especialmente o piano) e a dança.

Em 1801, Jane mudou-se com a família para Bath. Quatro anos mais tarde o pai veio a falecer. Como consequência, a família passou a enfrentar dificuldades financeiras que obrigaram a sucessivas mudanças.

Aos 30 anos, Jane Austen começou a publicar anonimamente os seus escritos. A autora não recebeu propriamente reconhecimento em vida, tendo ganhado popularidade a partir de 1869.

Jane faleceu jovem, aos 41 anos, no dia 18 de julho de 1817, em Hampshire.

CULTURA GENIAL




sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Os livros que muito poucos conseguem terminar



Os livros que muito poucos conseguem terminar

O autor Nick Hornby propõe queimar os livros que se leem por pura pose



1.- O Arco-Íris da Gravidade, de Thomas Pynchon
No episódio A Pequena Garota no “Big Ten”, da 13ª temporada de Os Simpsons, a pequena Lisa quer se fazer passar por estudante universitária. Em uma cena, bisbilhota o armário de uma estudante e descobre este grande romance. A conversa das duas é a seguinte: “Você está lendo O Arco-Íris da Gravidade?”, pergunta-lhe a pequena Simpson. “Bom, estou relendo”, responde a estudante. A brincadeira, e o fato de que apareça nessa série, resume até que ponto esse e outros romances do autor mais misterioso da literatura americana alcançaram o status de literatura ilegível. Não para todos, claro. É famoso o caso do professor George Lavine, que cancelou suas aulas para se recolher durante três longos meses de 1973 com o único objetivo de devorá-lo. Quando saiu de sua reclusão, afirmou que Pynchon era o melhor que havia acontecido para as letras americanas do século XX.

2.- Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievski
Não adianta muito que se possa ler como um thriller psicológico e torturado que não se resolve até o último parágrafo. Talvez por seu título, que alguns consideram aplicável ao que representa sua escritura e sua leitura, poucos se atrevem a criticar os delírios de Raskolnikov, ou os abandonam na sexta manifestação de tormento.

3.- Guerra e Paz, de Leon Tolstói

Outro exemplo da literatura russa, que se costuma colocar neste tipo de lista com piadas como: “Lamentavelmente, não cheguei nem ao primeiro disparo da guerra”. Embora muitos o considerem uma leitura trepidante ambientada durante a invasão napoleônica da Mãe Rússia, eles prefeririam ver a versão cinematográfica. Carrega o estigma recorrente de que ler para os russos é complicado e mais cansativo que escalar algum pico dos Urais. Seu autor o escreveu convalescendo, depois de quebrar um braço ao cair de um cavalo. Alguns leitores declaram, neste tipo de debate, ter se sentido assim durante sua leitura.

4.- Orgulho e Preconceito, de Jane Austen
Outro romance que esconde pistas em seu título. Alguns leitores terminam de lê-lo pelo primeiro elemento, por orgulho, enquanto outros nem se aproximam dele por causa do segundo, por puro preconceito. É um festival de murmúrios e vaivéns românticos, inclusive cômicos, mas o leitor contemporâneo frequentemente se cansa das tensões sexuais que celebra, entretanto, nas comédias da televisão. Esse leitor pouco paciente não é o único. O gênio Mark Twain chegou a declarar: “Cada vez que leio Orgulho e Preconceito, tenho vontade de desenterrar [a autora] e golpeá-la no crânio com sua própria tíbia”.
5.- A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy, de Laurence Sterne
Foi publicado por volumes durante oito anos. O autor morreu antes que se publicasse como romance; de fato, muitos especialistas consideram a obra inacabada depois de tantas páginas. O livro pretende ser a autobiografia do narrador, que se perde em digressões e rodeios infinitos e hilários, mas não adequados para todos os gostos. É uma peça fundamental da narrativa moderna e cômica, mas o fato de que o protagonista não nasça até o terceiro volume não ajuda muita gente a aguentar manter o livro nas mãos. Talvez prefiram a adaptação de Michael Winterbottom, embora seja uma adaptação pouco fiel, como não poderia deixar de ser.
6.- A Divina Comédia, de Dante
O poema escrito por Dante Alighieri no século XIV pertence ao grupo dos que talvez enganem o leitor desprevinido pelo título. Crucial na superação do pensamento medieval e ácido como um limão nos olhos graças aos comentários sobre sua época, foi até adaptado em um monólogo por Richard Pryor. No entanto, muitos ficam na primeira parte (intitulada Inferno) ou não passam pela segunda, o Purgatório, e muito menos terminam a última, batizada de Paraíso.

 7.- Moby Dick, de Herman Melville
Se o protagonista de outro relato deste autor, Bartleby, o Escrivão – esse advogado nova-iorquino entediado, entre outras coisas, com seu trabalho – diz aquilo de “Preferiria não fazer isso”, muitos leitores adotam essa frase quando encaram o romance definitivo de Melville. Não compartilham a obsessão cega do Capitão Ahab por caçar a baleia e se enjoam com a primeira tormenta em alto mar. Não estão sozinhos, apesar da legião de fãs que realmente vibram com o livro. Em uma recente reedição em castelhano desta obra, o autor do prólogo inclui uma saborosa curiosidade. O músico Moby (sim, aquele que faz canções que saem em oitenta anúncios) admite que, embora tenha adotado esse pseudônimo, jamais terminou de ler o romance porque lhe parece “muito longo”. Uma pista: esse músico calvo se chama, na verdade, Richard Melville. Seu tio-bisavô é o consagradíssimo autor.
8.- Paradiso, de José Lezama Lima
As mais de 600 páginas desta espécie de romance de aprendizagem, exuberante em sua prosa como uma árvore repleta de frutos, são um inferno para muitos leitores. Muitos resolvem abordar a formação do poeta José Cemí aconselhados por Julio Cortázar, um autor fundamental para muitos adolescentes, do qual tentam devorar todas suas pistas, mas a linguagem personalíssima e o longo alcance afugentam uma altíssima porcentagem do público de um dos principais romances em castelhano do século XX. É mais curioso ainda quando se sabe que o autor é cubano, já que os cubanos geralmente são pouco dados a introspecções. Na narrativa latino-americana, apesar do recente culto global a Roberto Bolaño, também se costuma brincar com 2.666, do escritor chileno, que não alcança esse número de páginas, mas tem mais de mil.
 9.- As Aventuras do Bom Soldado Svejk, de Jaroslav Hasek / Dom Quixote de La Mancha, de Miguel de Cervantes
O mesmo bufo de tédio e desinteresse nas salas de aula checas e espanholas. E o pior é que ambos são emitidos pela obrigação de ler dois dos romances mais divertidos e delirantes da história. Duas histórias pitorescas com dois anti-heróis absolutamente inesquecíveis que carregam o problema de ser o clássico mais aplaudido de ambos os países. Seu problema? Obrigar alunos imberbes com os feromônios disparados a mergulhar em suas numerosíssimas páginas para transformá-los em “um livro de La Mancha – ou de Praga – do qual não quero me lembrar”. No entanto, quando lidos mais tarde, são mais viciantes que um saquinho de pipocas ou que a série de TV com maior audiência.
10.- Graça Infinita, de David Foster Wallace
 É curioso que um romance que trata, entre outras coisas, do vício e do colapso da cultura do entretenimento desanime tantas pessoas. Suas mais de mil páginas – centenas delas são notas de rodapé – o convertem em um dos livros pós-modernos fundamentais na história da literatura, mas também fazem com que muitos acreditem que seu depressivo autor, que acabou se suicidando, tenha escrito, efetivamente, uma espécie de piada infinita sem graça. Os leitores atuais traçam uma linha no chão e formam dois grupos: aquele dos que amam o livro e aquele dos que o odeiam.


sexta-feira, 6 de maio de 2016

As irmãs de Shakespeare

Virginia Woolf





As irmãs de Shakespeare

Dificuldades e preconceitos que cercavam as mulheres que se 'aventuravam' pela literatura

CLAUDIA LAGE
28 NOV 2015 - 15:47 COT



Lygia Fagundes Telles
"E tudo o que vivemos e que viveremos,
está cheio de árvores trocando a folhas".





– Virginia Woolf
Numa manhã cinzenta, lá no início do século XX, em um bairro londrino, a jovem Virginia se despediu com um misto de inveja e saudade – se é que esses dois sentimentos algum dia andaram juntos – dos irmãos que deixavam o lar e a cidade para completarem os estudos na Universidade, enquanto à ela e à irmã Vanessa restavam no sofá as almofadas para serem bordadas e na cozinha as batatas para serem descascadas. Desde menina, Virginia adorava os livros, e se sentia especialmente comovida com a imagem do velho pai, diante da lareira, com um exemplar nas mãos, fazendo a leitura diária em voz alta. Não levou muito tempo para a menina perceber que aquilo que adorava fazia parte de um universo distante e alheio – distância que a sua natureza não compreendia e com a qual não se conformava –, mas era um universo feito com leis severas e milenares para o qual não estava convidada nem permitida a entrar, por mais que desejasse. E Virginia desejava, tanto que, a contragosto do pai, teve aulas de grego clássico, o primeiro passo para os anos de uma sólida formação autodidata, conquistada plenamente.




O talento de Judith não encontraria expressão nem escape além das poucas linhas engolidas pelo fogo e das poucas frases escritas na penumbra e em segredo"

Décadas depois, em 1928, aos 46 anos de idade e com sete livros publicados, Virginia Woolf escreveu o ensaio intitulado Um teto todo seu, no qual imagina a existência de uma hipotética irmã de Shakespeare, chamada Judith, que, como o irmão bardo, possuía grande capacidade intelectual e talento artístico. O que seria de Judith, de sua vida, de seu dom e seus anseios?, Virginia pergunta. Enquanto o irmão é mandado à escola, ganha mundo, torna-se um ator bem-sucedido e um dramaturgo popular e notável, Judith permaneceu em casa. “Ela era tão aventureira, tão imaginativa, tão curiosa pra ver o mundo quanto ele era. Mas ela não foi mandada à escola. Ela não teve a chance de aprender gramática e lógica, ainda mais de ler Horácio e Virgílio. Ela pegava um livro de vez em quando, um dos de seu irmão talvez, e lia algumas páginas. Mas aí vinham seus pais e a mandavam ir remendar as meias ou cuidar do guisado, e não ficar sonhando acordada com livros e papeis. [...] Talvez ela rabiscasse algumas páginas num sótão às escondidas, mas era cuidadosa ao escondê-las ou queimá-las”.
O talento de Judith não encontraria expressão nem escape além das poucas linhas engolidas pelo fogo e das poucas frases escritas na penumbra e em segredo. Até mesmo Jane Austen, três séculos depois, escondia os seus manuscritos ou cobria-os com um mata-borrão, quando percebia que alguém se aproximava. A célebre escritora inglesa não tinha um quarto ou outro lugar próprio para escrever, por isso escrevia na mesa da sala de estar e era interrompida a todo instante. Virginia Woolf interpretou como constrangimento o ato de Austen, por ocupar-se com a escrita, e não com qualquer atividade doméstica. “Embora ninguém devesse sentir vergonha por ser apanhado no ato de escrever um livro como Orgulho e Preconceito”.
O sentimento de inadequação não se relacionava às dificuldades naturais de toda a vida, masculina ou feminina, ponderou Virginia Woolf. “A indiferença do mundo, que Keats e Flaubert e outros homens de gênio tiveram tanta dificuldade de suportar, não era, no caso da mulher, indiferença, mas, sim, hostilidade. O mundo não lhe dizia, como a eles: "Escreva, se quiser; não faz nenhuma diferença para mim". O mundo dizia numa gargalhada: "Escrever? E que há de bom no fato de você escrever?".




Vocação é aquilo para qual se é chamado. E eu fui chamada pela literatura”
LYGIA FAGUNDES TELLES

Ainda assim, entre papéis escondidos, manuscritos queimados, diários e cartas, culpas, medos e anseios, escrevia-se. Mas, como a menina Virginia a olhar o pai com os livros, havia a consciência de se fazer algo proibido, não permitido, ou, mais perigosamente, algo que não lhe pertencia, que não fazia parte de seu mundo, ou, como lhe dizia esse hostil mundo, algo que lhe era negado porque não lhe era de direito.
No outro lado do oceano, em terras tropicais, uma jovem, como tantas outras, outras irmãs de Shakespeare, aguardava a hora da casa ficar vazia para trancar-se em seu quarto com pena e papel. “Pois eu em moça fazia versos. Ah! Não imagina com que encanto”, disse Julia Lopes de Almeida em uma entrevista, anos depois, em 1903, ao jornalista João do Rio, “Era como um prazer proibido! Sentia ao mesmo tempo a delícia de os compor e o medo de que acabassem por descobri-los. Fechava-me no quarto, bem fechada, abria a secretária, estendia pela alvura do papel uma porção de rimas...”. Na ocasião da entrevista, Julia já era uma escritora com notável repercussão entre leitores e o meio literário carioca, o que, entretanto, não foi suficiente para que ela recebesse o merecido reconhecimento. Entre as várias atividades que desempenhou no Rio de Janeiro, Julia participou da comissão para a formação da Academia Brasileira de Letras, mas, na hora da eleição da cadeira, o seu nome foi excluído.
Filinto de Almeida, o seu marido, é quem foi eleito membro, dizem as boas e más línguas, em sua “homenagem”. Filinto, apesar de ter aceitado a honra, reconheceu a João do Rio, “Não era eu quem deveria estar na Academia, era ela.” A réplica do jornalista foi taxativa: “Há muita gente que considera D. Júlia o primeiro romancista brasileiro”. Essa “muita gente”, no entanto, não se manifestou, nem na ocasião da Academia Brasileira de Letras, nem depois, quando o nome da escritora foi sendo posto de lado pelos críticos, escritores e antologistas, os contemporâneos e futuros, o que resultou, até recentemente, em esquecimento e silêncio em torno de seu nome.
É conhecida a passagem contada por Lygia Fagundes Telles sobre um dos seus primeiros lançamentos, no início de sua carreira. A jovem escritora foi cumprimentada por dois escritores renomados na época, que, em vez de saudar o seu livro, saudaram as suas pernas. “Muito bonitas”, disseram, e em seguida, como se estivessem diante de um grande mistério, “mas por que essa coisa de escrever? Você é uma moça tão bonita, deve se casar, e não escrever, um desperdício”. Lygia conta que caiu em prantos, ali mesmo no lançamento e na frente dos escritores. “Era muito difícil na época”, ela fala, “aceitava-se que uma mulher até escrevesse poesia, abordasse temas pueris e sentimentais, mas uma mulher escrevendo prosa incomodava muito. A mulher não podia ser a prosadora que tentasse trazer uma realidade que só os homens traziam. Eles debochavam, queriam minimizar, desprezar a gente. Insistiam que a nossa vocação era o casamento, e, olha, já estávamos no século XX. [...] A esses dois senhores, eu respondi: vocação é aquilo para qual se é chamado. E eu fui chamada pela literatura”.
Lygia lembra que Clarice Lispector foi uma das poucas de sua geração que enfrentou a resistência em relação às escritoras de ficção. “O preconceito se expressava assim: homem escreve bem, mulher vamos ver”, dizia Clarice. Como Virginia Woolf em Um teto todo seu, Lygia Fagundes Telles lembra de suas antecessoras. “Os primeiros pensamentos desta mulher que foi tão reprimida, tão amarrada, foram aqueles escritos nos cadernos de anotações do lar, nos séculos passados. Entre dois quilos de batata, cinco quilos de cebola, elas colocavam seus primeiros pensamentos poéticos, em geral suas dúvidas, seus anseios, seus sonhos. Foram elas as primeiras escritoras. Depois viemos nós”. É como disse também Virginia: “Se tivermos o hábito da liberdade e a coragem de escrever exatamente o que pensamos; se fugirmos um pouco da sala de estar e virmos os seres humanos [...] e também o céu e as árvores, ou o que quer que seja, pois nenhum ser humano deve tapar o horizonte; então a oportunidade surgirá, e a poetisa morta que foi a irmã de Shakespeare assumirá o corpo que com tanta frequência deitou por terra. Extraindo sua vida das vidas das desconhecidas que foram suas precursoras, como antes fez seu irmão, ela nascerá”.
Crônica publicada originalmente no Jornal Rascunho.