quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Fernando Botero / Mulheres




Mujer sentada (1999)


Fernando Botero
MULHERES


Mujer con lápiz de labios (2002)

Baño (2002)

Mujer con pájaro (2002) 

Mujer (2002)

Baño (2002)

Mujer sentada en una silla (2001)

Mujer delante de una ventana

Mujer sentada


Mujer desvisiténdose





Fernando Botero

Fernando Botero




quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Karl Lagerfeld, o homem que mudou a moda


Karl Lagerfeld. 


Karl Lagerfeld, o homem que mudou a moda

Estilista das grifes Chanel e Fendi, é dos últimos de uma geração de criadores em vias de extinção.


Ele faleceu em Paris aos 85 anos


ÁLEX VICENTE
París 19 FEV 2019 - 17:57 COT

Karl Lagerfeld costumava dizer que sua missão na moda era fruto de um pacto semelhante ao que Fausto estabeleceu com o diabo, pelo qual o insatisfeito protagonista da lenda alemã trocava sua alma pela sabedoria ilimitada e os gozos do mundano. Esse foi o modus vivendi do grande estilista, morto nesta terça-feira em Paris aos 85 anos, segundo confirmou a Chanel, histórica grife da qual era diretor artístico desde 1983. Não foram revelados os motivos de seu falecimento, ocorrido no Hospital Americano de Neuilly-sur-Seine, a rica localidade vizinha a Paris, em cujo pronto-socorro deu entrada na noite de segunda-feira.

As dúvidas sobre seu estado de saúde vinham crescendo desde meados de janeiro, quando se ausentou do último desfile de alta costura da Chanel. “O senhor Lagerfeld se sentia cansado nesta manhã. Desejamos a ele uma pronta recuperação”, leu na ocasião a voz em off de seu amigo Michel Gaubert, encarregado do desenho musical de todas as suas apresentações. Mas essa melhora nunca ocorreu. Sua morte, somada às do Saint Laurent, Givenchy e Alaïa, representa o desaparecimento quase definitivo de uma geração de estilistas da qual o único sobrevivente agora é Valentino Garavani.
Lagerfeld nasceu em 1933, num bairro residencial da zona oeste de Hamburgo, durante a etapa final da República de Weimar e em plena escalada do nazismo. Com a ascensão de Hitler ao poder, seu pai, Otto Lagerfeld, empresário que tinha feito fortuna com a importação de leite condensado, decidiu se afastar da cidade por medo dos tumultos e instalou a família em um lugar isolado, 40 quilômetros ao norte. Mas o personagem-chave dessa etapa é sua mãe, Elisabeth, que teria vendido lingerie na Berlim do entreguerras, uma mulher inflexível, porém protetora, que nunca hesitou em defender o jovem Karl dos insultos dos outros meninos. Em tempos de estética nazista, Lagerfeld preferia se vestir com excentricidade, ostentando uma longa cabeleira e traje tirolês. Um sinal premonitório: o mítico traje de tweed da Chanel, peça-estrela que passou décadas sendo reinventada, inspirava-se nessa mesma tradição.
Karl Lagerfeld, com Nadja Auermann e Naomi Campbell.
Karl Lagerfeld, com Nadja Auermann e Naomi Campbell.  AP
Aos 19 anos, convicto de que queria trabalhar na moda, Lagerfeld se mudou para Paris disposto a se transformar no mais francês dos franceses. “Não é uma questão de patriotismo, mas sim de estética”, costumava dizer. Em 1954, ganhou um concurso de casacos organizado pela marca de lã Woolmark. Ao mesmo tempo, outro jovem estilista com aspecto de seminarista vencia na categoria mais nobre, a dos vestidos. Seu nome era Yves Saint Laurent. Seria o início de uma longa relação de imitação e rivalidade, que chegou ao auge quando Jacques de Bascher, dândi aristocrata e venenoso, habitué dos clubes homossexuais da noite parisiense, começou a manter relações simultâneas com os dois. Apesar de tudo, Lagerfeld conviveu com De Bascher até sua morte por AIDS em 1989. Desde então, não se soube de nenhum outro relacionamento amoroso desse estilista que se definia como “uma ninfomaníaca do trabalho”.
Lagerfeld fez parte da geração que promoveu a decisiva transição da alta costura para o prêt-à-porter. Formou-se junto com as grifes Balmain e Patou, da qual se tornaria diretor artístico em 1958. Meia década depois, foi contratado pela Chloé como estilista, cargo que conciliou com sua colaboração para a Fendi, marca romana para a qual continuou trabalhando até sua morte. Lagerfeld não tardaria a reinar em Paris, transformando-se no mais culto de todos os frívolos, dono de uma gigantesca biblioteca e apaixonado pela história do século XVIII. O estilista também liderou um clã um pouco mais cosmopolita que o de Saint Laurent, no qual figuravam o ilustrador porto-riquenho Antonio López, a editora italiana Anna Piaggi e a modelo Pat Cleveland, assídua da Factory de Warhol. Lagerfeld chegou a interpretar um pequeno papel em L’Amour, filme experimental que o artista rodou em Paris nos anos setenta.
Karl Lagerfeld em alguns de seus desfiles.
Karl Lagerfeld em alguns de seus desfiles.  AFP
Em 1982, os irmãos Wertheimer, donos da Chanel, procuram Lagerfeld propondo um contrato de um milhão de dólares anuais, com o objetivo de relançar uma velha grife que só era usada por ministras de centro-direita. Em questão de meses, ele conseguiu transformar sua reputação, vestindo a modelo Inès de la Fressange, que se tornaria sua principal embaixadora, e também Carolina de Mônaco e a atriz Isabelle Adjani, entre outras. Segundo Paloma Picasso, essa contratação representaria “um grande salto adiante e uma punhalada em Yves”, a quem Coco Chanel tinha designado como seu herdeiro natural antes de morrer. Lagerfeld introduziu os jeans e os tênis nas suas coleções e alcançou a equação perfeita ente mudança e continuidade, marca pessoal e respeito ao legado histórico.
Com Lagerfeld, a própria natureza do seu ofício mudou. Um estilista já não é mais apenas um profissional que entende de cortes e padrões, e sim um diretor artístico encarregado de toda a dimensão estética de uma marca. À frente da Chanel, Lagerfeld inventa os desfiles espetaculares, abre-se às coleções-cápsula, conquista as redes sociais e transforma uma marca poeirenta em um império global que fatura mais de 33 milhões de reais por ano. Lagerfeld fez para si uma fantasia sob medida, com seu inalterável uniforme composto de terno negro, camisa branca, rabo-de-cavalo e óculos escuros, graças aos quais conseguia esconder “um olhar de cachorro bonzinho” que nunca quis deixar “à vista do populacho”. Com seu temido desaparecimento, a moda não terá outro remédio senão tornar a se transformar. Mas esse terá sido, afinal de contas, o principal ensinamento de um estilista para quem a mudança foi a forma mais saudável de sobrevivência.



segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

Cuba / Agonia de uma revolução


Fidel Castro

Cuba: agonia de uma revolução

Na ilha houve uma tentativa, uma esperança e uma pretensão que não devem ser esquecidas. Mas o sonho que encarnou a chegada do Fidel Castro ao poder há 60 anos agoniza irremediavelmente




Patricio Fernández
16 Fev 2019


Muitos estrangeiros compraram propriedades em nome de cubanos nos últimos anos em Havana porque ainda não é permitido que façam isso por conta própria. Os preços se multiplicaram. No bairro de Vedado, abundam as mansões e departamentos em restauração. Na zona de Miramar, existem pubs onde os únicos negros que há dentro são os seguranças: tipos grandes e musculosos como os que guardam as discotecas nova-iorquinas ou parisienses. Meses atrás fui a um desses − o Mio & Tuyo − e, quando quis chegar à área onde estavam as mulheres mais admiráveis, um desses porteiros me deteve pondo seu braço em meu ombro: “Daqui para lá é VIP”, disse-me. “Para passar, você precisa comprar uma garrafa de uísque Chivas Regal ou ser sócio do clube”, acrescentou. E eu pensei: terminou a revolução.
Pelo menos 30 movimentos guerrilheiros surgiram na América Latina desde que triunfou a revolução cubana até o fim dos anos oitenta. Hoje não resta nenhum, salvo o ELN da Colômbia, transformado em organização criminosa. A revolução − esse fantasma que hoje parece abandonar o continente − cativou os melhores políticos, artistas e intelectuais de sua época, e uma literatura esplendorosa brotou sob sua sombra. Até o cristianismo participou de seu feitiço justiceiro com a teologia da liberação. Mas essa fé hoje parece encerrar seu reinado. Dela restam, quando muito, discursos vazios, promessas e slogans que, de tanto ser repetidos sem nunca ser realizados, perderam seu sentido.Para esses que sempre combateram a revolução, porque desde o início ela atentou contra seus interesses e os teve como inimigos declarados, sua morte é motivo de celebração. Mas lhes convém manter viva a ideia de sua ameaça, para que assim possam se apresentar como guardiães das maiorias e conservar o poder. Para aqueles que, por outro lado, acreditaram que outro mundo era possível e que a fraternidade poderia vencer o egoísmo, constatar que seus desejos alimentaram a intolerância, o abuso e a pobreza dói e tira a fala. Deve ser por isso que hoje a esquerda honesta está muda.
Os cubanos costumam discutir sobre quando a revolução perdeu seu encanto. Alguns dizem que foi no começo dos anos setenta, depois do caso Padilla, com a sovietização do chamado Quinquênio Cinza, quando até os edifícios foram projetados conforme os planos de Kruschev e se instalou o conceito de “diversionismo ideológico” para todo aquele que pensasse ou desejasse algo fora da norma estabelecida. Segundo outros, foi em 1989, com a Causa Número 1 − que terminou com o fuzilamento do general Ochoa, uma das figuras mais respeitadas da revolução − e a queda da URSS. O que veio depois, o Período Especial, os cubanos não esqueceram mais. O petróleo desapareceu e era tão curto o tempo que tinham luz elétrica que, em lugar de falar de apagões, eles falavam de alumbrones (“acesões”). Até gatos saíam à caça para comer.
O petróleo e a comida voltaram a Cuba com a chegada de Hugo Chávez à presidência da Venezuela. Chávez viu em Fidel a figura de um pai, de um modelo, de um guia. Quis seguir seus passos e reviver à sua maneira o sonho de revolução que agonizava adicionando a ele o sobrenome “bolivariana”. Comprou Governos em toda a América Latina enquanto o preço do petróleo estava nas nuvens e os somou ao chamado socialismo do século XXI, quando o certo é que o capitalismo já tinha triunfado e o dele não era nada mais que a triste caricatura de um fato histórico que se apagava. A revolução já não tinha artistas, nem intelectuais, nem poesia, nem fé.
Se em Cuba houve gerações que romperam as mãos cortando cana de açúcar, na Venezuela se pregava com maços de notas nas mãos. Se Chávez viu em Fidelum pai legitimador, Fidel encontrou em Chávez um filho como o que muitos cubanos têm no exterior, de onde lhes mandam dinheiro para sobreviver. Por mais duro que seja reconhecer isso, o sonho de socialismo e de dignidade de Cuba sempre foi financiado por outros.


Barbearia no bairro de Vedado.
Barbearia no bairro de Vedado. MICHAEL CHRISTOPHER BROWN


Mas se a revolução cubana perpetuou no poder esse grupo que o conquistou no final da década de 1950, dando lugar a uma gerontocracia imune às mudanças, não gerou uma elite de milionários, como o chavismo. No início foram chamados de boliburgueses e hoje são conhecidos como enchufados (“conectados”). Comercializando petróleo, drogas, ouro e diamantes nacionais, acumularam fortunas imensuráveis, ao mesmo tempo em que vociferavam contra os ricos e a favor do povo. Hoje são eles os principais clientes dos poucos restaurantes de luxo que restam em Caracas, enquanto se multiplicam os refeitórios solidários (panelas comuns) para combater a desnutrição. As caixas de mantimentos CLAP (do Comitê Local de Abastecimento e Produção) que o Governo distribui para aliviar a crise alimentar, “são como o período, porque chegam uma vez por mês e duram uma semana”, brincam aqueles que as recebem. A pobreza e a desigualdade aumentaram notoriamente sob o Governo de Nicolás Maduro.
A Igreja revolucionária cubana está repleta de sacerdotes profissionais que já perderam a fé e de gestos que, desprovidos de significado, hoje parecem momices. Ninguém vive lá nem do cartão de abastecimento mensal nem do salário que o Estado paga. Alguns resumem assim: “Aqui uns fingem que trabalham e outros fingem que lhes pagam”. Com um salário oficial equivalente a 109 reais mensais, morrem de fome. A maior parte da economia nacional se desenvolve fora dessa estrutura socialista. Quem trabalha para uma empresa estatal faz isso principalmente para ter acesso aos bens que passam por ali: os caminhoneiros ao petróleo, os padeiros à farinha, os pedreiros ao cimento… e aí os roubam como formigas e os vendem no mercado negro. É um costume adquirido, de modo que nenhum cubano julga o outro por fazer isso. Se eu fosse descrever o grosso do funcionamento da economia cubana, diria que se trata de um capitalismo selvagem, desregulado e livre de impostos.
O processo de degradação não é novo, mas agora está em uma fase terminal. Ninguém fala de socialismo. É notório o renascer de uma nova burguesia. Embora as condições de vida da imensa maioria continuem sendo muito precárias, esse pequeno grupo que está protagonizando as mudanças viaja, tem Internet em suas casas (há empresas piratas que a instalam) e serve de fachada para dinheiro vindo de fora.
A esta altura, é um regime político em que ninguém acredita. Foi morto por seu orgulho, seu autoritarismo, sua burocracia. O iluminismo, a arrogância, o controle. Queria ser o mundo novo e se tornou um mundo velho. Faz tempo que seu objetivo não é a justiça, e sim a sobrevivência. Não saem em sua defesa os espíritos ousados e desrespeitosos. Aquilo que os barbudos de Sierra Maestra encarnaram alguma vez, hoje aponta o dedo contra eles e os condena. Um rastafári me disse o seguinte no parque Céspedes de Santiago de Cuba: “Como esses velhos podem continuar falando de revolução se lutam dia e noite para que nada mude?”.
Apesar de tudo, em Cuba houve uma tentativa, uma atrevimento, uma esperança e uma pretensão que deve voltar a nos encarar mais cedo do que tarde, porque o ser humano pode renascer depois do fracasso, mas a renúncia a toda a ilusão o mata para sempre. A tarefa de manter vivo o espírito de uma comunidade, de fazer com que cada homem também seja responsável pelos outros e assegurar que a liberdade de cada indivíduo não seja inimiga da liberdade de outros, ainda está de pé. Para torná-la crível, é indispensável se atrever a pensar de novo. Deixar para trás sem complexos aquela esquerda fracassada e pervertida. Acabar com esse matrimônio envenenado, para poder se apaixonar autenticamente outra vez.
Patricio Fernández é fundador e diretor do semanário chileno ‘The Clinic’. Seu último livro, ‘Cuba − Viaje al Fin de la Revolución’, foi lançado no Chile em 24 de janeiro pela editora Debate.

domingo, 17 de fevereiro de 2019

Vargas Llosa / Herdeiros de Nietcháiev


Dostovieski
Fernando Vicente

Herdeiros de Nietcháiev

'Os Demônios', obra-prima de Dostoievski, é muito mais que uma diatribe contra a violência política: se trata de uma exploração profunda da intimidade humana, de todas as violências que sofremos e cometemos

MARIO VARGAS LLOSA
17 FEV 2019 - 09:53 COT

O assassinato do jovem estudante Ivanov, em novembro de 1869, por um bando terrorista, causou uma grande impressão em toda a Rússia. Ivanov, que pertencia ao grupo, anunciou aos companheiros que tinha decidido se separar deles. O chefe, Serguei Nietcháiev, um discípulo do pensador anarquista Mikhail Bakunin e autor de um folheto que circulou amplamente, O Catecismo de um Revolucionário, convenceu os membros da organização de que havia o perigo de que ele os denunciasse à polícia. Então, executaram-no. A polícia czarista capturou muito rápido o bando, menos Nietcháiev, que tinha fugido para a Suíça, mas depois foi extraditado e morreu na prisão em 1882.



Uma das boas coisas que resultaram desse crime foi Os Demônios, o romance de F. M. Dostoiévski, que acabo de reler depois de muitos anos, e que ele escreveu para mostrar sua cáustica rejeição aos que, como o bando de Nietcháiev, acreditavam que mediante a violência poderiam resolver os problemas políticos e sociais, e, de um modo mais geral, buscavam fora da Rússia, na Europa culta, os modelos que, a seu ver, o país deveria importar para se transformar em uma sociedade moderna, próspera e democrática. Ele era, então, quando falava de política, um “reacionário”, bem o oposto dos que, como Herzen e Turguêniev, argumentavam que a Rússia para sair do despotismo czarista e da barbárie social deveria “europeizar-se”, tornar-se secular, romper com o obscurantismo religioso e optar por governos eleitos em vez do anacronismo czarista. Estas tinham sido as convicções do Dostoiéviski jovem, quando era membro do Círculo Petrashevski, de ideias socialistas, que em 1849 foi arrasado pela polícia de Nicolau I, e ele próprio condenado à execução por fuzilamento. Entretanto, foi vítima de uma simulação de execução e depois passou quatro anos na Sibéria. Ajudou-o a sobreviver àquela experiência a conversão religiosa e a adesão às tradições populares e, pode-se dizer, uma rejeição que beirava a xenofobia por toda aquela corrente intelectual “europeísta” que via nos socialistas utópicos, como Saint-Simon, Fourier, Proudhon e Louis Blanc, as ideias e princípios que poderiam salvar a Rússia do atraso e da injustiça em que estava imersa.







Quando Dostoiévski começou a escrever Os Demônios, estava em Dresden, profundamente desgostoso com sua experiência europeia e cheio de nostalgia da terra natal

Como Balzac, quando escrevia romances o “reacionário” Dostoiévski deixava de ser assim e se tornava alguém muito diferente; não exatamente um progressista, mas, sim, um enlouquecido libertário, alguém que explorava a intimidade humana com uma audácia sem limites, escavando nas profundezas da mente ou da alma (para designar de alguma maneira aquilo que só muito depois Freud chamaria de subconsciente) as raízes da crueldade e da violência humana. Em Os Demônios se observa de maneira claríssima esta extraordinária transformação. Não há dúvida de que Serguei Nietcháiev é o modelo que Dostoiévski usou para construir a personagem de Stiepan Trofímovitch Verkhoviénski, um ideólogo mais ou menos estúpido que para salvar a humanidade está disposto primeiro a fazê-la desaparecer por meio de crimes, incêndios e atrocidades diversas.
Mas, e o extraordinário Nikolai Stavróguin, o verdadeiro herói do romance, de onde o tirou? Para escrever aquele capítulo, A Vida de um Grande Pecador, não bastava a Dostoiévski recorrer ao espectro dos tipos políticos, sociais ou intelectuais de seu tempo. Era indispensável que fechasse os olhos, se deixasse abandonar à intuição e à imaginação que, no seu caso, como no de Balzac, eram sempre mais importantes que as ideias, e se guiasse pelos próprios fantasmas até as raízes mesmas da crueldade humana, onde moram o terror, as horríveis tentações, aqueles demônios que, na vida cotidiana, passam muitas vezes desapercebidos por trás das boas maneiras que as convenções ditam. Chamo Stavróguin de “herói” porque acho que é uma das personagens mais genialmente concebidas na história da literatura, mas muito ciente de que é a encarnação do mal, de tudo o que pode haver de repulsivo em um ser humano, um verdadeiro demônio. Como Balzac, tolerando na hora de escrever seus romances que os instintos e intuições prevalecessem sobre as convicções, Dostoiévski traçou em Os Demônios uma radiografia que permite aos seres humanos descobrirem os fundos mais tortuosos e indômitos da personalidade, e a secreta raiz de boa parte das ignomínias que desafiam a cada dia em todo o mundo aquilo que chamamos de civilização, a frágil pontezinha em que esta se equilibra sobre aquele abismo estrondoso onde se aninham os terrores.
Estou em uma pequena aldeia suíça cercada de neve, montanhas e lagos, onde a vida parece muito sossegada e aprazível, mas reler este livro soberbo me mostra que não devo confundir aparências com realidades, as que, com frequência, estão a anos-luz destas. Estes discretos caminhantes e garotas que fazem ginástica com os quais troco acenos e cumprimentos nas manhãs poderiam, como o carismático Nikolai Stavróguin do romance, cravar-me uma faca nas costas e depois jogar meu cadáver aos cachorros, ou eles mesmos comerem-no.







Como Balzac, quando escrevia romances o “reacionário” Dostoiévski deixava de ser assim e se tornava alguém muito diferente

O romance me mostra também que pelas mãos dos velhos mestres tudo já foi inventado há anos e séculos, e que as vanguardas costumam “revolucionar” as formas que tinham sido revolucionadas mil e uma vezes pelos clássicos. Em Os Demônios, a astúcia com que o narrador está concebido é deslumbrante, mas é dificílimo comprovar isso quando se está tomado pelo feitiço da história, por seu lento e absorvente desenrolar. À primeira vista, o romance é narrado por um narrador-personagem, dom Anton Lavrentiévitch, um jovem solteirão que frequenta os salões de Várvara Petrovna, é amigo de alguns personagens, como Kirilov, Shatov e Piotr Verjovenski, e até sente muita atração por Liza Tushina, embora nunca se atreva a dizê-lo. Um narrador personagem dá um toque de testemunha próxima da história, pois se conta ao mesmo tempo que conta, mas também tem suas limitações, pois só pode narrar aquilo que vê, ouve ou lhe dizem, e não pode seguir os outros personagens quando se distanciam dele e se recolhem à intimidade. No entanto, de repente, com o romance já avançado, o leitor descobre que aquele narrador-personagem se volatilizou e foi substituído por outro, o narrador onisciente, capaz de narrar aquilo que o outro não viu nem pôde ver nem saber, como as sensações, emoções e pensamentos das demais personagens quando se afastam de quem narra. Que haja dois narradores no romance não incomoda em absoluto a leitura, e é possível que muitíssimos leitores nem sequer percebam, pelo modo sutil com que se produzem as trocas entre um e outro narrador, que se alternam para contar a história com tanta sabedoria. Somente se esquecendo da história e se concentrando no modo como está sendo contada é que se pode notar essas transições. E estas duas perspectivas com que a história é contada são complementares, aproximam e afastam a visão, destacando os silêncios, as distâncias e as emoções mediante as quais o narrador mantém a atenção do leitor subjugada
Quando Dostoiévski começou a escrever Os Demônios, no final de 1869, estava em Dresden, profundamente desgostoso com sua experiência europeia e cheio de nostalgia da terra natal. Acreditava estar escrevendo algo como uma diatribe contra a violência política, mas seu romance é muito mais que isso, uma exploração profunda da intimidade humana, de todas as violências que sofremos e cometemos e foram cometidas e se cometerão. Ele, quando não escrevia, acreditava que a salvação da Rússia estava em buscar o remédio em sua própria história, em suas crenças e em sua tradição. A seus leitores nos deixou, porém, com a sensação de que, pura e simplesmente, sendo os seres humanos o que somos, não há salvação.



Peter Lindberg / Pirelli 2017



Penélope Cruz

Peter Lindberg

 Pirelli 2017


Robin Wright

Robin Wright

Julianne Moore.

Julianne Moore
Lupita Nyong'o 


Uma Thurman

Jessica Chastain 

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Kate Winslet

Nicole Kidman
Nicole Kidman

Penélope Cruz

Penelope Cruz


Robin Wright

Uma Thurman
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Léa Seydoux,

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