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segunda-feira, 14 de março de 2016

Vargas Llosa / “Carmen obrigou as editoras a sacudir a visão provinciana”

Mario Vargas Llosa e Carmen Balcells, em um desenho de Fernando Vicente de 2010.




Vargas Llosa

“Carmen obrigou as editoras a sacudir a visão provinciana”

O escritor peruano, prêmio Nobel de Literatura, presta sua homenagem à agente literária

A notícia me atingiu como um raio; há três dias eu estava despachando, almoçando, jantando com ela e a todo momento eu tinha o sinistro pressentimento de que seria a última vez que a veria. Estava sempre muito lúcida, cheia de projetos, realistas e delirantes. Como se fosse viver para sempre. Mas seu físico realmente estava em ruínas e era impossível não se perguntar quanto tempo essa ruína física continuaria segurando essa maravilhosa cabeça e essa energia indomável.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

Xavi Ayén / Um soco no boom


Xavi Ayén

Um soco no boom

Um livro revive a história do fenômeno literário em Barcelona



Gabo e Vargas Llosa, no prêmio Biblioteca Breve de 1970. / J.M.CASTELLET
"Como era um senhor da América do Sul, naquela época, soava suspeito para meu pai, por isso pedimos garantias e a própria Carmen Balcells acabou sendo a avalista", lembra hoje Javier Canals, proprietário do apartamento da rua Osi, 50, em Barcelona, e filho de Miguel, que alugou, por intermédio da futura superagente literária, o apartamento para Mario Vargas Llosa, onde o também futuro prêmio Nobel viveu com sua família entre 1972 e 1974. Não foi ali que escreveu Pantaleão e as visitadoras, pois dizia que não podia se concentrar pelo barulho, e sim em uma das três oficinas brancas que havia no último andar, graças às irregularidades urbanísticas da época e que ainda são bem visíveis da rua. “Da mesma forma, é preciso agradecer ao prefeito Porcioles por uma das maiores obras literárias", brinca um dos jornalistas que rodeiam o colega Xavi Ayén, que passeia por cenários míticos da Barcelona dos anos 60 e 70 quando convergiram aí o melhor das letras sul-americanas e que ele refletiu no livro Aquellos años del boom (RBA).
Osi, 50 fica quase na esquina com a também silenciosa rua Caponata, 6 onde nos primeiros andares Gabriel García Márquez escrevia, nesta época,O outono do patriarca; Gabo havia chegado pouco tempo antes, em 1967, com sua família. Essa confluência de ruas foi a capital do boom. Por aí passaram todos. "Mario batia com os dedos na parede e pouco depois aparecia Gabo, com seu mítico macacão azul de mecânico, que vestia para escrever", Ayén lembra a brincadeira com que eles impressionavam Juanjo Armas Marcelo em 1972. Não eram apartamentos contíguos, mas estavam muito próximos. “Você comia na casa de um deles e tomava café na do outro", conta o escritor Alfredo Bryce Echenique no livro. A proximidade tinha sido propiciada por Balcells: “Ela os instalava em Sarrià, porque isso dava uma boa imagem; Carmen servia de banco 24 horas deles e solucionava desde problemas de liquidez aos mais domésticos, como as férias familiares ou as compras", explica o jornalista. E constata: “Sendo ambos de origem humilde, colocou-os na região rica da cidade, e Sergio Pitol, que era de classe alta, vivia no Raval, na rua Escudellers”.

Vargas Llosa bateu em Gabo por revelar um assunto de saias para sua mulher, sustenta o jornalista Xavi Ayén
Ayén conta centenas de detalhes como esse em seu livro, nascido da vontade de saber mais sobre os escritores que se mudaram para a cidade, coincidência astral que até essa data só tinha uma bíblia: as memórias de outro ilustre morador, José Donoso. "Queria fazer uma biografia coletiva centrando sobretudo em Barcelona, mas não podia explicar só a partir daí, e a coisa foi crescendo". Tanto que, no final, levou 10 anos de trabalho e, depois de alguns cortes, 876 páginas, com as quais obteve o prêmio Gaziel de Biografias e Memórias. Agora já é um livro de referência obrigatória.
“Não, qualquer um, não: queria de 120 gramas de gramatura", recita com voz cansada Jorge, o dono da papelaria-quiosque de madeiras verdes de uma rua mais abaixo, à qual, duas vezes por semana, no mínimo, Gabo ia comprar pacotes de folhas de papel, que tinha que pedir exclusivamente para ele pela gramatura. Acabaram travando certa amizade: os filhos do escritor o ajudaram a montar prateleiras no local e ele terminou escutando música no potente toca-discos de García Márquez, cujo apartamento tinha isolamento acústico.
Carlos Barral, Carlos Fuentes, Josep Maria Castellet, os irmãos Goytisolo, Guillermo Cabrera Infante, Julio Cortázar, Rosa Regàs… São alguns nomes míticos que mais aparecem no estudo de Ayén, que consultou mais de 300 livros e arquivos (“no de Vargas Llosa não permitem o acesso às pastas de Julia Urquidi, a 'Tia Júlia') e entrevistou familiares, amigos e viúvas. Muitos coincidiam, nessa geografia barcelonesa (no volume há três mapas detalhando residências, lugares de ócio, editoriais e livrarias), na gauchedivinista Bocaccio: Gabo foi algumas vezes, mas não muitas, e Vargas Llosa, só uma, eram muito disciplinados trabalhando", sustenta Ayén sobre os pilares de um grupo que "criou pela primeira vez um mercado global literário espanhol e que não tinham uma estética comum, mas atuavam coletivamente... E isso os editores encontraram já pronto".
A coisa, para o estudioso, acabou por diversos motivos: “Pararam de morar juntos em 1974-1975, se dividiram por suas posturas frente à revolução cubana e o caso Padilla e uns começaram a ter muito sucesso, enquanto outros continuaram sendo só autores de culto”. Mas a razão mais espetacular tem data e cenário: dia 12 de fevereiro de 1976, no Palácio de Bellas Artes do México, na pré-estreia do filme Os Sobreviventes dos Andes, Gabo vai até Vargas Llosa e este lhe dá um soco de direita, que o derruba, enquanto gritava: "Isto, pelo que você fez à Patricia em Barcelona”. São só 30 páginas do livro, mas serão as mais consultadas e as que colocaram a edição em certo aperto.
Segundo a versão de Ayén, a origem está em uma crise matrimonial de Mario e Patricia Vargas Llosa, por causa de uma aventura extramatrimonial dele. Patricia visitará Barcelona entre maio e junho de 1975 para recolher suas coisas e resolver as últimas questões. Uma noite ela sai para jantar com Balcells, Edward e Gabo. Beberam um pouco e Patricia tinha que pegar o avião de volta para Lima muito cedo. Gabo se ofereceu para levá-la e, segundo Edwards, Patricia perdeu o avião, porque Gabo se perdeu. Segundo o chileno, Mario sempre pensou que foi porque queria levá-la a um hotel. Ayén se inclina, tacitamente, para a explicação de que, no clima de grande amizade entre Gabo e Patricia, o carro se converteu em uma espécie de confessionário, e o autor de Cem anos de solidão “cometeu uma indiscrição maiúscula, ao revelar a Patricia Llosa alguma aventura de seu marido, cometida nos anos de Barcelona”. Vargas Llosa sentiu que “Gabo havia corrompido a amizade ao dar com a línguas nos dentes”.
Pode acontecer com um grande narrador.



sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Os agentes literários Carmen Balcells e Andrew Wylie criam uma “superagência”

Andrew Wylie
Os agentes literários Carmen Balcells 

e Andrew Wylie criam uma “superagência”

O acordo de intenções foi assinado entre os dois no último dia 27

O nome da nova superagência literária é Balcells&Wylie

WINSTON MANRIQUE SABOGAL Madri 29 MAI 2014 - 14:25 BRT


A agente Carmen Balcells em seu escritório. / CARMEN SECANELLA (EL PAIS)
Carmen Balcells e Andrew Wylie deram o primeiro passo para se tornarem a agência internacional mais poderosa e com os autores mais cobiçados do mundo: de V. S. Naipaul a Philip Roth ou Milan Kundera, até os autores do boom latino-americano, como Gabriel García Márquez e Mario Vargas Llosa. Em 27 de maio os dois agentes firmaram uma carta de intenções a fim de criar uma agência internacional chamada Balcells & Wylie.
“Temos acompanhado e admirado um ao outro durante anos, e desejamos trabalhar de maneira próxima a partir de hoje. Nosso objetivo é dar mais força, alcance e duração à representação dos clientes, e estamos entusiasmados e totalmente comprometidos com as oportunidades que nos foram apresentadas”, declararam em um comunicado Balcells (83 anos) e Wylie (67 anos), conhecido como El chacal.
Com esse abalo sísmico no ecossistema do livro, frágil no momento atual, as reações do setor não tardaram. Enquanto alguns consideram uma ação necessária para sobreviver em plena mudança de paradigma, outros acreditam que é a confirmação do tratamento cada vez mais impessoal entre autor e agente.
“É um movimento muito inteligente por parte das duas agências”, garante Claudio López de Lamadrid, diretor literário da Penguin Random House. Os dois agentes, acrescenta, garantem sua receita e a consolidação em novos espaços: “De um lado, Wylie entra no mundo de língua hispânica, enquanto Balcells garante a continuidade da agência e seus autores ganham”.
Rumores sobre a criação dessa superagência literária já circulavam há meses. Dois agentes que apostaram em escritores, consolidaram outros, vasculharam o panorama internacional em busca de talentos e influenciaram o setor literário e editorial. Essa união, com o nome de Balcells à frente, responde à reorganização do mundo editorial, movimento de peças no tabuleiro, em momentos de transformação diante do surgimento de grandes grupos globais como Amazon, Google e Apple em várias partes da cadeia de valor do livro e da própria crise econômica mundial. As alianças e as fusões são a norma para encarar o novo mundo editorial e literário que enfrenta desafios novos tanto na área analógica como digital, enquanto as vendas de livros caem e os hábitos de leitura mudam.
Para Sigrid Kraus, editora da Salamandra, a criação de uma agência forte é positiva porque as duas sofreram a crise: “É sempre bom que haja agentes que trabalhem da forma mais profissional possível”.
Uma opinião que o escritor Alberto Manguel põe em dúvida. Ele teme o desaparecimento real do agente e de suas funções clássicas, e “tudo é mais impessoal, exceto se você for um prêmio Nobel, por exemplo”, acrescenta. Mesmo assim, adverte Manguel, “não seria estranho que o agente se tornasse em uma multinacional na qual prevalecesse a quantidade acima da qualidade”. Uma tendência que lhe parece triste e ao mesmo tempo inevitável. Álvaro Pombo teme os monopólios e que os autores menos importantes fiquem em desvantagem.
A Balcells & Wylie tomaria forma com um catálogo invejável que inclui autores clássicos do século XX como Vladimir Nabokov, Yasunari Kawabata, Jorge Luis Borges ou Italo Calvino; prêmios Nobel como García Márquez, Orhan Pamuk, Kenzaburo Oé, Czeslaw Milosz, Mario Vargas Llosa ou Mo Yan; autores fundamentais do momento como Philip Roth, Milan Kundera, Roberto Calasso, Antonio Muñoz Molina, Javier Cercas, Juan Marsé, Salman Rushdie, Roberto Bolaño, Isabel Allende, Amos Oz, Claudio Magris; e nomes de grande potencial como Colum McCann, Teju Cole, Helen Oyeyemi ou Chimamanda Adichie, Taiye Selasi, Paolo Giordano e uma longa lista de autores hispânicos.



quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Carmen Balcells / Morre a grande agente literária de García Márquez e Vargas Llosa


Gabriel García Márquez e Carmen Balcells
Carmen Balcells

Morre a grande agente literária 

de García Márquez e Vargas Llosa

Ela foi uma figura essencial do chamado ‘boom’ da literatura latino-americana

  • Os agentes literários Carmen Balcells e Andrew Wylie criam uma “superagência”

A grande agente literária Carmen Balcells morreu hoje em Barcelona aos 85 anos. Balcells, nascida em 1930 em Santa Fe de Segarra, gozava de enorme prestígio internacional havia décadas e deixa como legado sua empresa, a agência literária que leva seu nome, sediada em Barcelona.
Conhecida como La Mamá Grande por um relato de Gabriel García Márquez, Balcells foi para seus autores muito mais que uma agente literária. Não era só uma pessoa que negociava os contratos com as editoras, as traduções e os prêmios literários, mas também uma confidente e conselheira que sempre esteve disponível. Em alguns casos, chegou a oferecer dinheiro adiantado para que eles pudessem escrever tranquilos.

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Carmen Balcells fundou sua agência literária em 1956, em pleno franquismo, mas justo no momento em que uma nova geração de escritores em espanhol despontava nos dois lados do Atlântico. De Manuel Vázquez Montalbán a García Márquez – um dos numerosos prêmios Nobel que integram seu catálogo –, Balcells soube nutrir enormes talentos literários com enormes sucessos de vendas, uma combinação que a transformou numa das figuras mais poderosas do mundo da literatura em castelhano, inclusive depois de se aposentar.
A lista de autores cujos direitos gerenciou é simplesmente impressionante: Pablo Neruda, Vicente Aleixandre, Camilo José Cela, Rafael Alberti, Gonzalo Torrente Ballester, Miguel Delibes, Vázquez Montalbán, Ana María Matute, Jaime Gil de Biedma, Juan Goytisolo, Juan Marsé, Jaime Gil de Biedma, Eduardo Mendoza, Javier Cercas e Rosa Montero. Entre os latino-americanos, estavam Carlos Fuentes, Julio Cortázar, Alfredo Bryce Echenique e Isabel Allende. Por sua agência passaram várias gerações de escritores. Sem seu trabalho, é difícil entender a literatura em espanhol do século XX. Balcells também passa à história como grande promotora do boom da literatura latino-americana.
Em 2014, ela causou enorme surpresa ao anunciar uma fusão com outro grande agente literário mundial, Andrew Wylie. Até o The New York Times dedicou-lhe um grande artigo em que Balcells dizia: “Quero as coisas claras e bem passadas”. Aquele acordo, que um ano depois ainda não se concretizou, garantia o futuro da agência e reunia o maior catálogo literário que se possa conceber (além da lista acima, figuravam autores como Italo Calvino, Jorge Luis Borges, Guillermo Cabrero Infante, Vladímir Nabokov e Milan Kundera).
Como todos os bons agentes, Balcells e Wylie se mostraram muito reservados para explicar detalhes do seu pacto, mas ele basicamente consistia na criação de uma superagência, com autores de primeira linha em todas as línguas possíveis, capaz de fazer frente a um mercado editorial cheio de gigantes como a editora Random House Mondadori e o distribuidor Amazon.
A revolução das novas tecnologias não afetou a fé de Balcells no futuro da literatura e do livro. “O livro nunca morrerá”, afirmou numa entrevista a este jornal em 2009. E foi mais longe: “A televisão não acabou com o rádio nem com o cinema, e a internet não acabará com nada. O mundo do desenvolvimento tecnológico é fascinante, chegará às aldeias, fará mais leitores, e todo mundo sairá beneficiado.”

EL PAÍS




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terça-feira, 6 de outubro de 2015

Vargas Llosa / Carmen Balcells / Vigília de armas por uma lutadora

Carmen Balcells
Poster de Triunfo Arciniegas

Carmen Balcells

Vigília de armas por uma lutadora

Carmen Balcells tirou das cavernas a atividade editorial espanhola, incitando-a a ser ambiciosa e se projetar por todo o vasto território da língua


FERNANDO VICENTE
Quando a conheci, nos anos 60, em um voo de Londres a Barcelona,Carmen Balcells usava um estranho coque na cabeça e uma blusa que parecia de abadessa. Muitas vezes depois disso eu caçoaria dela recordando esse traje. Nunca suspeitei naquela viagem que ela seria no futuro, além de minha agente literária, minha amiga mais íntima e querida.
Com a franqueza que sempre a caracterizou, me disse naquela ocasião que tinha cometido um erro ao aceitar a oferta de Carlos Barral para ser a agente literária da editora Seix Barral, porque a razão de ser desse ofício era defender os autores frente aos editores, e não ao contrário. Na segunda vez que nos vimos, não muito depois, ela já havia convencido Carlos a deixá-la sair e começava a operar de maneira independente como agente literária. Conseguiu, ato contínuo, que a Seix Barral anulasse o leonino contrato que eu havia assinado (sem lê-lo, claro) por meu primeiro romance, A Cidade e os Cachorros, cedendo aqueles direitos por toda a eternidade e concedendo à editora uma comissão de 50% sobre todas as traduções. Já havia começado esse longo combate que ela ganharia integralmente ao cabo dos anos e que mudaria para sempre a relação entre escritores e editores em todo o âmbito da nossa língua. E inclusive além: lembro-me muito bem do dia em que ela me ligou para contar que, pela primeira vez na sua história, a editora Gallimard, da França, havia aceitado assinar o contrato de um livro por apenas dez anos.

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Os editores, a princípio, odiavam-na e queriam acabar com essa intrusa que os enfrentava de igual para igual e os obrigava a competir para conseguir um original. Alguns ofereciam pagar antecipações melhores aos autores, com a condição de que prescindissem dessa intermediária temível. Chegaram a abrir um processo judicial contra ela, o qual, felizmente, perderam. Ela, nas negociações, “derramava vivas lágrimas” (como a princesa Carmesina de Tirant lo Blanc), mas não dava o braço a torcer e frequentemente, como dizem na Espanha, los ponía a parir [os exasperava]. Pouco a pouco, os editores foram compreendendo que o que Carmen fazia era algo mais importante do que defender os direitos de seus pobres escrevinhadores, ou seja, tirar das cavernas a atividade editorial espanhola, modernizá-la, incitando-a a ser ambiciosa e se projetar por todo o vasto território da língua. Muitas vezes, nessa fonte permanente de ideias que era Carmen, eles encontraram iniciativas fecundas para lançar novas coleções, fazer lançamentos de livros, melhorar seus formatos e conquistar novos públicos para a leitura. Sem “a moça de Santa Fe”, como às vezes se autodefinia, o chamado boom literário latino-americano simplesmente não teria existido, e seus autores teriam passado despercebidos do grande público.

Ser representado por Balcells constituía um privilégio, mas também aceitar seu matriarcado
Ser representado por Carmen Balcells – algo que chegou a ser o sonho de todos os jovens que começavam a escrever, na Espanha e na América Latina – constituía um verdadeiro privilégio, mas significava, também, aceitar seu matriarcado e, em todas as decisões importantes, obedecê-la sem reclamar. Mil vezes discuti com ela, e sempre perdi a discussão. Gritava, chorava, insultava, voavam livros e outros objetos pelo ar, e sempre terminava ganhando ela, porque, além disso, quase sempre tinha razão. Duvido que alguém, em seu tempo, tenha conhecido melhor, em seus detalhes mais secretos, a indústria editorial e utilizado melhor, sempre em benefício de autores e leitores, o mercado do livro.
Nunca conheci uma pessoa tão generosa como Carmen. Com seu tempo, com seu afeto, com sua inteligência e, claro, com seu dinheiro. Alguns dos escrevinhadores aos quais – literalmente – manteve, porque acreditava em seu talento embora seus livros tivessem só um punhado de leitores, a traíram, e essas decepções ela engolia com enorme elegância, mas a faziam sofrer muito. Metia-se na vida privada dos seus autores sem o menor escrúpulo, e sempre para o bem. Consolava viúvos e viúvas e, se necessário fosse, lhes buscava cônjuges substitutos; compunha matrimônios e casais, ou, se necessário fosse, os liquidava. Uma vez passou uma noite toda – sim, toda uma noite – tentando por telefone dissuadir um editor nova-iorquino que ligou para ela de Manhattan dizendo que iria se suicidar (fracassou no seu empenho, porque nesse mesmo amanhecer, após desligar o telefone, ele se enforcou num poste de luz).
A tragédia da sua vida foi a gordura. Fez dietas, frequentou clínicas – ela me levou pela primeira vez à Clínica Buchinger –, visitou médicos de meio mundo, e várias vezes chegou a baixar de peso. Mas nunca durava, porque, cedo ou tarde, o apetite, essa tênia insaciável, a vencia, e voltava a engordar. Uma noite, fez minha coluna vertebral gelar pela resposta inesperada que me deu quando lhe contei que, não sei com que motivo, levaram-me ao Palácio de la Zarzuela e me apresentaram ao rei Juan Carlos. Sua Majestade a primeira coisa que me perguntou foi: “Como é essa famosa Carmen Balcells, que, segundo dizem, percorre o mundo vendendo os autores espanhóis?”. “Veja só, Carmen, você ficou muito famosa.” Recordo seu estranho olhar, a careta no seu rosto, e a incrível frase, resmungada em voz muito baixa: “Quer que eu te confesse uma coisa? Teria dado tudo o que fiz e consegui para ser bonita, mesmo que fosse por um só dia”. “Está falando a sério ou tirando sarro da minha cara?” Então aparentou que ria: “Sim, sim, te juro, meu sonho sempre foi ser uma mulher-objeto”.

Morreu conforme sua lei, resistindo, combatendo, sozinha naquele dormitório repleto de originais
Já há um bom número de anos, todo tipo de mal se abatia sobre o seu corpo. Ela os combatia, com a pugnacidade e perseverança com que continuava negociando os contratos. Conservava a mente lúcida e a mesma capacidade de trabalho de sempre; já não podia caminhar e tinha que se meter em clínicas e passar horas e dias com médicos. Mas todas as outras horas continuava mantendo ativa e pujante, com horários enlouquecidos que duravam às vezes até a alvorada, esse escritório na Diagonal de Barcelona, ao qual tantos escrevinhadores e editores e leitores devemos tanto.
O último dia que a vi, na antevéspera da sua morte, estava eufórica, cheia de projetos e de piadas. Mas – visitava-a após dois meses e meio, talvez três – nunca a tinha visto tão acabada fisicamente, com tanta dificuldade para se acomodar na pequena cadeira de rodas, com aqueles súbitos ataques de tosse, aquela pele lívida, aquelas olheiras violáceas e o constante franzimento da boca. Tive então a certeza de que era a última vez que a via. Morreu conforme a sua lei, resistindo, combatendo, sozinha naquele dormitório repleto de originais que se propôs a ler até o final. Ninguém preencherá nunca o vazio que deixa no ofício que inventou e que levou a alturas desconhecidas até então. E ninguém poderá nos consolar nunca da tristeza em que deixa aqueles que a conhecemos e a amamos.

EL PAÍS




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