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quarta-feira, 20 de setembro de 2017

Harry Dean Stanton (1926 - 2017)


Harry Dean Stanton and Nastassja Kinski in 'Paris, Texas'


Harry Dean Stanton
(1926 - 2017)
A life in pictures

A Time For Killing, 1967
Harry Dean Stanton was born on 14 July 1926 in West Irvine, Kentucky. His screen career began in 1954 as he played cowboys and henchmen on TV, with bit parts in film


terça-feira, 19 de setembro de 2017

Lucky / Espantosa carta de amor a Harry Dean Stanton

4 de agosto de 2017, 14:34

“Harry Dean Stanton saiu da tropa um ano antes de o festival de Locarno começar”, diz John Carroll Lynch a dada altura da conferência de imprensa de Lucky, o seu primeiro filme como realizador. E faz uma pausa para que fique bem claro como o actor, 91 anos, 236 créditos referenciados em filmes ou séries de televisão sob realizadores como Ridley Scott (Alien), John Carpenter (Fuga de Nova IorqueChristine), Francis Ford Coppola (Do Fundo do Coração), Wim Wenders (Paris, Texas), Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo) ou David Lynch (Um Coração SelvagemUma História Simples), é um ícone cinéfilo.

Carroll Lynch, ele próprio actor de composição com 25 anos de carreira, diz, aliás, que só ouvir o seu “nome pronunciado ao lado do de Harry Dean Stanton” o faz “sentir humilde”. E também que quase toda a gente que entra no filme — um quem é quem dos secundários contemporâneos, com Ron Livingston, Tom Skerritt, Ed Begley Jr., Beth Grant, Barry Shabaka Henley e David Lynch, sim, esse mesmo — e muita da equipa disseram imediatamente que sim mesmo aos papéis mais ínfimos, só pela possibilidade de trabalhar, nem que fosse só um dia, com Stanton. “Ele é um mestre zen”, diz o argumentista Logan Sparks. “Ele costuma dizer que ‘adoro não fazer nada e depois descansar um bocadinho’.” Sparks lá sabe — há mais de 20 anos que é amigo do actor, aliás padrinho do seu filho, e inspirou-se na própria vida de Stanton para escrever Lucky.

O cágado chama-se President Roosevelt, vemo-lo a passear placidamente pelo deserto do Arizona, e, sabê-lo-emos mais à frente, fugiu de casa. “Como é que se deixa um cágado fugir?”, pergunta toda a gente ao dono do cágado. “Ele andou a planear isto durante muito tempo”, responde Howard. “Viu a sua oportunidade e aproveitou-a.” Howard é interpretado por David Lynch, e por aí fazemos a ligação com o mais atípico dos filmes do autor de Twin PeaksUma História Simples, em que um homem fazia uma viagem de tractor pela América profunda para se reconciliar com o irmão. A viagem de Luckyresume-se a uma pequena terreola onde todos se conhecem e todos sabem onde todos os outros moram, e onde a personagem de Stanton, Lucky de sua alcunha (porque nome nunca o saberemos), segue a sua rotina diária e imutável, que envolve o café da manhã, um copo de leite frio, palavras cruzadas e café no diner da cidade, o Bloody Mary da praxe à noite no bar da Elaine.

Mas já lá vamos. Antes disso, o cágado.

O cágado chama-se President Roosevelt, vemo-lo a passear placidamente pelo deserto do Arizona, e, sabê-lo-emos mais à frente, fugiu de casa. “Como é que se deixa um cágado fugir?”, pergunta toda a gente ao dono do cágado. “Ele andou a planear isto durante muito tempo”, responde Howard. “Viu a sua oportunidade e aproveitou-a.” Howard é interpretado por David Lynch, e por aí fazemos a ligação com o mais atípico dos filmes do autor de Twin Peaks, Uma História Simples, em que um homem fazia uma viagem de tractor pela América profunda para se reconciliar com o irmão. A viagem de Luckyresume-se a uma pequena terreola onde todos se conhecem e todos sabem onde todos os outros moram, e onde a personagem de Stanton, Lucky de sua alcunha (porque nome nunca o saberemos), segue a sua rotina diária e imutável, que envolve o café da manhã, um copo de leite frio, palavras cruzadas e café no diner da cidade, o Bloody Mary da praxe à noite no bar da Elaine.

Até ao dia em que, depois de o cágado fugir, Lucky pura e simplesmente cai no chão. Sem vertigens, sem aviso, sem dores, pumba. O médico diz-lhe que nunca viu nada assim — o homem tem uma saúde de ferro, já enterrou meia cidade, e “só não te digo para parares de fumar porque no teu caso era capaz de fazer mais mal do que bem”. A única explicação para a queda? “Estás velho e mais velho vais ficar.”

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Harry Dean Stanton / Um longo adeus pela porta grande

Harry Dean Stanton


Harry Dean Stanton 

(1926- 2017) 

Um longo adeus pela porta grande

Lucky, o último filme de Harry Dean Stanton, e um papel principal tinham qualquer coisa de testamento.


Talvez houvesse razões para desconfiar: em Agosto último, Harry Dean Stanton não fez a viagem a Locarno para apresentar Lucky, o filme que de algum modo fica como o seu “testamento cinematográfico”, aclamado desde a sua estreia em South by Southwest como a “performance de uma vida”. Tanto mais que o filme se alimenta, literalmente, da própria vida do actor – o filme foi escrito para ele por Logan Sparks e Drago Sumonja, amigos de longa data (Sparks, que fazia parte da comitiva, disse em conferência de imprensa conhecer o actor há mais de 20 anos), e a partir de coisas que o próprio Stanton ia dizendo em conversas e no dia-a-dia.

Talvez houvesse, dizíamos, razões para desconfiar: antes de Lucky, que se estreou em Março último no festival americano South by Southwest, Stanton tinha praticamente parado de rodar. A sua participação no regresso de Twin Peaks, em pós-produção quando Lucky foi rodado, foi o seu único papel “de peso” até esta história de um nonagenário do Arizona a confrontar-se com a morte que se aproxima — um papel principal que implica a presença constante do actor no ecrã, ao longo de hora e meia. E o elenco de veteranos secundários que se juntou para o filme, que inclui Tom Skerritt, Ed Begley Jr. Beth Grant, Barry Shabaka Henley, Ron Livingston, James Darren e David Lynch (sim, esse mesmo, o realizador de Twin Peaks e Veludo Azul), aceitou papéis ínfimos só pela possibilidade de trabalhar com ele, nem que fosse só por um dia.

Numa entrevista num café de Locarno, o realizador John Carroll Lynch, ele próprio actor secundário em tempo de estreia na realização, disse que toda a rodagem teve de levar em conta a idade avançada do actor: “Muitas das decisões que tomámos em termos de produção dependeram do Harry.” Produção independente de baixo orçamento, Lucky foi rodado em pouco tempo e com pouco dinheiro. “Tínhamos 19 dias úteis, mas espalhámo-los ao longo de seis semanas — dois, três, quatro dias de cada vez. Queríamos garantir que o Harry tinha pausas para se recompor. Rodámos na Califórnia para ele poder voltar para casa todas as noites e dormir na sua própria cama, e assegurar que ele não estava no plateau mais de dez horas por dia, 12 no máximo. Mas o verdadeiro desafio de Lucky não teve tanto que ver com a idade do Harry como com a sua relação com o assuntol”, sublinha o realizador. “É um filme incrivelmente pessoal para ele: o guião foi tecido a partir da sua vida. E a sua disponibilidade para aceitar isso, a sua coragem de se revelar frente à câmara, foi espantosa. Logo ao princípio vemo-lo em roupa interior, e creio que nunca vimos o corpo dele assim no cinema — e adoro a contradição aparente entre a fragilidade do seu estado físico e a vitalidade invencível da sua mente.”

Talvez houvesse, portanto, razões para desconfiar: Lucky (cuja distribuição em Portugal já estava garantida antes de Locarno pela Alambique, mas aguarda ainda data de estreia), tinha qualquer coisa de “testamento cinematográfico”, mesmo que ninguém o diga abertamente. Numa das cenas mais memoráveis, Stanton vai ao médico depois de ter desmaiado em casa, e o médico diz-lhe que tem uma saúde de ferro, apesar de fumar que nem uma chaminé e de ter enterrado meia cidade. “O teu problema é que estás velho. E só vais ficar mais velho.” E sim, aos 90 anos ele continuava a fumar — no filme e na vida real. “Não sei se o Harry ainda está vivo por ainda fumar,” dizia John Carroll Lynch entre risos em Locarno. “Acho que provavelmente se tivesse de parar de fumar, era capaz de dizer: 'Muito bem, para mim já chega. É aqui que saio.'"

Por acaso, numa das últimas cenas de Lucky, o actor está enquadrado por uma porta com o sinal exit por cima. Talvez houvesse razões para desconfiar que este ia ser o longo adeus de Harry Dean Stanton ao cinema. Pela porta grande.

Notícia corrigida às 11h 57 de 17 de Setembro

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domingo, 17 de setembro de 2017

Harry Dean Stanton / Uma vida que foi um filme

Harry Dean Stanton
Poster de T.A.


Harry Dean Stanton 

(1926- 2017) 

Uma vida que foi um filme


O actor tinha 91 anos e uma longa carreira no cinema. Trabalhou com Carpenter, Coppola, Scorsese e Lynch.

LUÍS MIGUEL OLIVEIRA
16 de setembro de 2017, 0:05 actualizado a 16 de setembro às 0:44

Há um momento, no documentário Harry Dean Stanton: Partly Fiction, de Sophie Huber, em que o realizador David Lynch e o actor norte-americano Harry Dean Stanton, que morreu nesta sexta-feira, aos 91 anos, de forma pacífica num hospital de Los Angeles, e desempenhou papéis em filmes como Paris, TexasO Padrinho: Parte IIRepo Man ou na série Twin Peaks, estão sentados num sofá, separados por um cinzeiro, e Lynch lhe pergunta: "Como te descreverias a ti próprio?" O actor responde: "Como nada, não há eu-próprio." Riem-se os dois e Lynch continua: "Como é que gostarias de ser lembrado?" E ficam ambos em silêncio depois da resposta: "Não importa."

David Lynch já reagiu à morte do actor sublinhando a grandeza de Stanton. “O grande Harry Dean Stanton deixou-nos”, escreveu Lynch, citado pela Variety. “Não há ninguém como Harry Dean. Toda a gente o adorava. E com razões para isso. Ele foi um grande actor (na verdade, para lá de grande) — e um grande ser humano.”

Filho de um agricultor, Stanton nasceu em 1926 numa zona rural do estado do Kentucky. Serviu como cozinheiro da Marinha norte-americana durante o conflito do Pacífico na Segunda Guerra Mundial, e, depois de regressado, estudou Jornalismo mas não terminou o curso. Queria ser escritor e músico,mas acabou por seguir pelo caminho da representação, no qual, iniciando o seu caminho com alguns papéis secundários, foi ganhando destaque até que passou a ser um dos favoritos de alguns dos mais notáveis realizadores de Hollywood.

Apesar dessa "nega", Lynch não se esqueceu dele, e, de Um Coração Selvagem (em 1990) à última variação sobre Twin Peaks, Stanton tornar-se-ia um dos rostos "muito lá de casa" de Lynch, com repetidas presenças nos seus filmes.Com uma carreira de 60 anos, iniciada em 1956 com um pequeno papel, não creditado, no The Wrong Man/O Falso Culpado, de Alfred Hitchcock, Harry Dean Stanton conta com 236 créditos referenciados em filmes ou séries de televisão, tendo trabalhado com realizadores como Ridley Scott (Alien), John Carpenter (Fuga de Nova IorqueChristine), Francis Ford Coppola (Do Fundo do Coração), Wim Wenders (Paris, Texas), Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo) ou David Lynch (Um Coração SelvagemUma História Simples). David Lynch teria mesmo pensado nele para um dos principais papéis de Blue Velvet, a personagem do perturbante Frank, mas o papel foi entregue a Dennis Hopper depois da recusa de Stanton, desagradado com o tipo de violência contido no o film.

Para além dos realizadores acima citados, muitos outros foram os nomes de monta que recorreram a Stanton, de Arthur Penn (The Missouri Breaks) a John Milius (Dillinger, Red Dawn), de Bob Dylan (Renaldo and Clara) a Alex Cox (Repo Man), passando por Sam Peckinpah (Pat Garrett and Billy the Kid) ou John Huston (Wise Blood), e fizeram dele um dos actores mais emblemáticos das zonas mais marginais da(s) nova(s) Hollywood de entre os anos 60 e os anos 80. Imperioso, nesse contexto, é citar a sua colaboração, várias vezes repetida, com um cineasta como Monte Hellman, em filmes como Ride in the Whirwind, Cockfighter, ou aquele que é porventura mais conhecido em Portugal, Two Lane Blacktop — e no qual Stanton aparecia com uma aura assustadora e misteriosa que parece uma prefiguração das personagens que criaria para Lynch.

Embora na sua filmografia abundem, sobretudo dos anos 90 para cá, os filmes anódinos e/ou medíocres, ele nunca deixou de representar uma presença mais ou menos marginal, sempre digna e sempre magnética, e nalguns casos já tornada "símbolo", como no (péssimo) filme americano de Paolo Sorrentino, This Must Be the Place, em que a sua presença era um eco deliberado do Paris, Texas de Wenders, um dos mais memoráveis trabalhos de Stanton, que arrecadou a Palma de Ouro do Festival de Cannes em 1984, e regressou em Fevereiro deste ano às salas de cinema portuguesas numa versão restaurada. Aquela personagem que compôs para Wenders, o Travis amnésico e perdido no deserto, tem a força de um ex libris, mas Paris, Texas, que deu a Stanton um, apesar de tudo, raro papel de protagonista, também mostrava a intensidade dramática que o actor podia convocar, como o atestam as comoventes cenas finais no peep show, e o diálogo telefónico e "envidraçado" com a personagem de Nastassja Kinski.

No final deste mês chega às salas norte-americanas Lucky, a última produção a contar com Stanton no elenco. O realizador, John Carroll Lynch, dizia, durante a apresentação do filme no festival de Locarno, que só ouvir o seu “nome pronunciado ao lado do de Harry Dean Stanton” o fazia “sentir humilde”. “Ele é um mestre zen”, dizia também o argumentista Logan Sparks. “Ele costuma dizer ‘Adoro não fazer nada e depois descansar um bocadinho’”, revelando que se inspirou na própria vida de Stanton para escrever Lucky. Em 2012, Sophie Huber também abordara a vida e a carreira de Stanton em Partly Fiction, filme inteiramente construído — como um pequeno exercício testamentário — sobre a figura do actor, as suas ideias, a sua peculiar filosofia de vida (o documentário de Huber foi exibido em Portugal no festival IndieLisboa).

Para além da carreira no pequeno e grande ecrã, Harry Dean Stanton enveredou também pela música, liderando uma banda em que era vocalista e guitarrista, e que se chamava, num primeiro momento, Harry Dean Stanton and the Repo Men. Depois, o nome foi alterado para Harry Dean Stanton Band.

Como lembra a revista Variety, Stanton era amigo íntimo de Jack Nicholson, tendo sido, inclusivamente, padrinho de casamento deste em 1962. Aliás, ambos viveram juntos durante dois anos depois do divórcio de Nicholson. O actor desenvolveu também uma relação de amizade com Bob Dylan, tendo participado em Renaldo and Clara, o único filme de ficção realizado por Dylan. O videoclip oficial de uma canção de Dylan,Dreamin' of you (gravada durante as sessões de Time Out of Mind, em 1997), também tem Stanton como protagonista.

Conhecido pelo seu aspecto magro e desmazelado, Stanton nunca foi casado, apesar de ter chegado a afirmar que tinha “um ou dois filhos”, refere a mesma revista. Desvalorizava o seu percurso e a posição alcançada na indústria cinematográfica. "No final, acaba-se por aceitar tudo na vida — sofrimento, horror, amor, perda, ódio —, tudo isso. É tudo um filme, de qualquer forma", afirmou ao Observer em 2013.