4 de agosto de 2017, 14:34
“Harry Dean Stanton saiu da tropa um ano antes de o festival de Locarno começar”, diz John Carroll Lynch a dada altura da conferência de imprensa de Lucky, o seu primeiro filme como realizador. E faz uma pausa para que fique bem claro como o actor, 91 anos, 236 créditos referenciados em filmes ou séries de televisão sob realizadores como Ridley Scott (Alien), John Carpenter (Fuga de Nova Iorque, Christine), Francis Ford Coppola (Do Fundo do Coração), Wim Wenders (Paris, Texas), Martin Scorsese (A Última Tentação de Cristo) ou David Lynch (Um Coração Selvagem, Uma História Simples), é um ícone cinéfilo.
Carroll Lynch, ele próprio actor de composição com 25 anos de carreira, diz, aliás, que só ouvir o seu “nome pronunciado ao lado do de Harry Dean Stanton” o faz “sentir humilde”. E também que quase toda a gente que entra no filme — um quem é quem dos secundários contemporâneos, com Ron Livingston, Tom Skerritt, Ed Begley Jr., Beth Grant, Barry Shabaka Henley e David Lynch, sim, esse mesmo — e muita da equipa disseram imediatamente que sim mesmo aos papéis mais ínfimos, só pela possibilidade de trabalhar, nem que fosse só um dia, com Stanton. “Ele é um mestre zen”, diz o argumentista Logan Sparks. “Ele costuma dizer que ‘adoro não fazer nada e depois descansar um bocadinho’.” Sparks lá sabe — há mais de 20 anos que é amigo do actor, aliás padrinho do seu filho, e inspirou-se na própria vida de Stanton para escrever Lucky.
O cágado chama-se President Roosevelt, vemo-lo a passear placidamente pelo deserto do Arizona, e, sabê-lo-emos mais à frente, fugiu de casa. “Como é que se deixa um cágado fugir?”, pergunta toda a gente ao dono do cágado. “Ele andou a planear isto durante muito tempo”, responde Howard. “Viu a sua oportunidade e aproveitou-a.” Howard é interpretado por David Lynch, e por aí fazemos a ligação com o mais atípico dos filmes do autor de Twin Peaks, Uma História Simples, em que um homem fazia uma viagem de tractor pela América profunda para se reconciliar com o irmão. A viagem de Luckyresume-se a uma pequena terreola onde todos se conhecem e todos sabem onde todos os outros moram, e onde a personagem de Stanton, Lucky de sua alcunha (porque nome nunca o saberemos), segue a sua rotina diária e imutável, que envolve o café da manhã, um copo de leite frio, palavras cruzadas e café no diner da cidade, o Bloody Mary da praxe à noite no bar da Elaine.
Mas já lá vamos. Antes disso, o cágado.
O cágado chama-se President Roosevelt, vemo-lo a passear placidamente pelo deserto do Arizona, e, sabê-lo-emos mais à frente, fugiu de casa. “Como é que se deixa um cágado fugir?”, pergunta toda a gente ao dono do cágado. “Ele andou a planear isto durante muito tempo”, responde Howard. “Viu a sua oportunidade e aproveitou-a.” Howard é interpretado por David Lynch, e por aí fazemos a ligação com o mais atípico dos filmes do autor de Twin Peaks, Uma História Simples, em que um homem fazia uma viagem de tractor pela América profunda para se reconciliar com o irmão. A viagem de Luckyresume-se a uma pequena terreola onde todos se conhecem e todos sabem onde todos os outros moram, e onde a personagem de Stanton, Lucky de sua alcunha (porque nome nunca o saberemos), segue a sua rotina diária e imutável, que envolve o café da manhã, um copo de leite frio, palavras cruzadas e café no diner da cidade, o Bloody Mary da praxe à noite no bar da Elaine.
Até ao dia em que, depois de o cágado fugir, Lucky pura e simplesmente cai no chão. Sem vertigens, sem aviso, sem dores, pumba. O médico diz-lhe que nunca viu nada assim — o homem tem uma saúde de ferro, já enterrou meia cidade, e “só não te digo para parares de fumar porque no teu caso era capaz de fazer mais mal do que bem”. A única explicação para a queda? “Estás velho e mais velho vais ficar.”
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