HUGH HEFNER
Assim eram as festas na mansão da Playboy
No dia da morte de Hugh Hefner, crônica de 2004 relembra a época das orgias mais eróticas do planeta
28 SET 2017 - 14:47 COT
Foi anunciada como festa, mas já antes de atravessar os portões da lendária mansão da Playboy de Hugh Hefner, tive a sensação de que havia algo estranho. Começando com a cena no lobby do Beverly Hills Hilton, onde os “convidados internacionais” se reuniram para se preparar e participar da mais recente comemoração do 50º aniversário da Playboy.
Deveríamos somar cerca de 100 pessoas, todos homens, exceto uma loira vestida de vermelho e algumas jovens asiáticas com caricatos peitos inflados. A sensação de que a “festa” não era exatamente a palavra adequada, de que o ato do qual íamos participar poderia ser definido com mais precisão como uma visita turística, ou talvez uma convenção de velhos tarados, começou a ser confirmada quando o ônibus que foi nos buscar no hotel parou na escuridão, a cerca de 100 metros da casa de Hef, e o motorista desligou o motor. Havia recebido ordens para parar, explicou o motorista. É que tínhamos de chegar às 20h, e ainda faltavam cinco minutos. Um indivíduo, ansioso por dissimular a humilhação coletiva que estávamos sofrendo, mas também impaciente para começar a festa, sugeriu em voz alta que a única mulher no ônibus – a loira de vermelho – fosse para a frente do ônibus e nos oferecesse um espetáculo. Naquele momento, meia dúzia de ocupantes começaram a entoar o “tira, tira”, típico dos números de strip-tease.
Por sorte, nosso motorista voltou a dirigir, atravessamos os portões pretos da mansão e subimos por uma avenida cercada por estátuas greco-romanas, afrescos de antigas cenas de bacanal e sinais de trânsito amarelos com placas dizendo: “Pare para os animais” e “Playmates jogando”. O jardim era denso como uma selva; o prédio, de antigo estilo inglês. Como o internato – com sua espessa pedra cinzenta, suas muralhas, suas torres e seus vitrais com imagens de águias – de Harry Potter.
Preparados para nossa noite de magia para adultos, descemos do ônibus e entramos no lugar da festa, duas grandes tendas de plástico transparente cobrindo um espaço do tamanho de cinco quadras de tênis. Esperando por nós, havia um harém de garotas escassamente vestidas, todas sorridentes como aeromoças à entrada de um avião, das quais apenas uma parecia se desviar notavelmente do ideal californiano sobre a perfeição do corpo feminino; evidentemente, alguém havia decidido que as duas bolas de futebol – na verdade, de basquete – de silicone que saíam para fora do decote de sua fantasia de coelhinha tinham bastante apelo para compensar um corpo que superava em vários quilos a ortodoxia estética reinante.
Todas as garotas – devia haver cerca de 30, com uma média de idade de 21 anos – usavam saltos mortalmente altos, mas havia três tipos de vestimenta: fantasias de “coelhinhas” cor-de-rosa, amarelas e verdes, com orelhas levantadas e pompons no traseiro; jaquetas curtíssimas, negras e brilhantes, com echarpe branca e botas dos anos sessenta, e pequenos biquínis pretos. Havia mesas e um pequeno palco atrás do qual duas grandes telas projetavam imagens de outras mulheres com pouca roupa que dançavam com energia em uma festa anterior, também realizada na mansão. A música com a qual dançavam na tela era a mesma que ouvíamos na festa – a mesma com a qual dançavam algumas de nossas garotas –, então tínhamos a sensação de estar em dois lugares e dois fusos horários ao mesmo tempo.
Todos avançaram para o bar, pegaram uma bebida em um copo de plástico, tomaram-na em um só gole e se lançaram à atividade que, para a grande maioria dos convidados, consumiria a maior parte da noite: tirar fotos com os braços ao redor do maior número possível de garotas. As jovens, independentemente da fantasia que vestiam, sempre se submetiam ao ritual sem hesitação, apressando-se como boas profissionais a adotar o mesmo sorriso congelado, uma vez após a outra.
Era o mesmo sorriso que se vê nos rostos das apresentadoras de noticiários nos Estados Unidos, das vendedoras de lojas, das garçonetes: de uma uniformidade quase assustadora, robótica, desumanizada e transparentemente falsa. Exceto que, neste caso, a pouca roupa das garotas e a sexualidade natural e despreocupada que supostamente emanavam tornavam o efeito ainda mais sinistro.
Pareceu-me que, em nome da objetividade jornalística (que eu soubesse, havia apenas outro jornalista na festa), tinha que tentar iniciar uma conversa com alguma delas, tentar compreender se havia algo de vida autêntica por trás daqueles sorrisos plásticos; ou, melhor dizendo, dado que tinha de haver, se estariam dispostas a permitir que essa vida emergisse enquanto exercitavam suas obrigações profissionais falando comigo.
A única ideia que me vinha à mente para iniciar uma conversa era perguntar quais eram os critérios para decidir qual garota deveria usar um dos três figurinos. Fiz a pergunta a uma garota alta e loira com um biquíni preto. “Nós somos as cybergirls!”, respondeu entusiasmada. “Essas aí são as bunnies[coelhinhas], e as outras são as jetbunnies." Surpreendido e sem coragem – por medo de ofendê-la – de perguntar o que era uma cybergirl, me afastei, enchi novamente minha taça de champanhe (ou melhor, espumante californiano) e tentei novamente, desta vez com uma jetbunny, uma garota de cabelo preto – pouco frequente –, que vestia aquele terno preto brilhante, botas e echarpe branca próprios de um filme de ficção científica dos anos sessenta. “Boa pergunta!”, respondeu. “Vejamos, para começar, somos playmates.” Playmates? Não jetbunnies? Ela me olhou vagamente indignada. “Não. Jetbunnies não é o nosso nome oficial. Somos playmates. E as garotas fantasiadas de coelhinhas também são playmates. As outras não são... nada mais que... cybergirls.”
Foi um momento transcendental, daqueles que reafirmam nossa fé na humanidade. Estava há uma hora na mansão de Hef e ainda me restavam outras três, mas esse “nada mais que”, pronunciado apesar do fato de que, no último momento, havia tentado segurá-lo, me proporcionou um dos dois vislumbres de autêntica humanidade de toda noite, ao me deixar ver aquela sincera maldade feminina, aquele desprezo competitivo destilado com pesar pela playmate. Claro que se recuperou imediatamente e retomou sua atitude profissional quando perguntei se poderia se aprofundar um pouco nessas diferenças tão sutis. As playmates, explicou, eram as que haviam posado nuas para a revista. As fantasiadas de coelhinhas eram mais recentes do que outras mais veneráveis como ela – ex-Miss Agosto, como tive a honra de descobrir –, que permanecia na categoria de playmate há cinco anos.
‘Quando perdiam sua categoria?’, me apressei em perguntar; quando eram eliminadas da equipe? Por acaso alguém se dedicava a vigiar com olhar diligente os estragos inexoráveis do tempo? Ela estremeceu e se esquivou da pergunta, como se a verdade fosse muito horrível para ser levada em conta. Mas me indicou que, nos livros, ainda havia uma playmate da safra de 1986, e que as garotas muitas vezes deixam de ser playmates quando se casam ou encontram um namorado oficial. “Meu Deus!”, quase exclamei ou teria exclamado se dois fortões do leste europeu não tivessem se aproximado para pedir uma foto com a Miss Agosto e uma amiga. “Quer dizer que, além disso, precisam ser todas virgens?”.
Por volta das 22h começaram a aparecer algumas celebridades (a maior agitação foi causada por Pamela Anderson), seguidas por Hef, cuja chegada foi recebida com grande comoção de fotógrafos e um redemoinho de convidados. Acompanhado por um séquito de quatro loiras superoxigenadas, com vestidos que pareciam uma caricatura grosseira do look Versace, com enorme fenda na perna e decote profundo, Hef entrou como um velho imperador romano, tão enrugado como eu esperava, mas mais baixo. As quatro mulheres, uma das quais era de idade tão estranhamente avançada para aquele ambiente que (se interpretei bem a evidente pele esticada) devia ter a metade de sua idade, formavam parte do grupo de sete que, segundo me informou solenemente um convidado sul-americano, moravam permanentemente com ele em sua mansão. O que? Quer dizer que…? “Sim”, respondeu o sul-americano com um sorriso lascivo. “Faz aquilo com todas elas. Todas! As vantagens do Viagra, você sabe.”
Decidi fazer uma visita guiada. Essa era a tarefa das jetbunnies, acompanhar os convidados pela mansão (embora nunca dentro da própria casa, estritamente proibido), mostrar o “Grotto”, a famosíssima gruta – pelo menos diziam que era famosíssima, como se qualquer pessoa tivesse que estar ciente – e o vasto jardim, com seu labirinto de trilhas, seu cemitério de animais e seu zoológico. Uma vez, no grupo de uma dúzia de homens que seguiam a nossa guia e a ouvíamos recitar com tanta prática como se fosse uma guia de museu (o que de certa forma era), perguntei se, em algum momento, ela tinha sido uma das privilegiadas que moraram na mansão, se havia feito parte do harém de Hef (embora não tenha usado esse termo por medo de ofendê-la). “Oh, no”, respondeu. Por que não? Não a haviam escolhido? “Não são escolhidas assim”, disse. Então, como Hef decidia? A jetbunny parecia surpresa, até mesmo chocada. “São relacionamentos autênticos, não são criados...".
Claro, pensei enquanto chegávamos ao zoológico. Como as relações que mantém com seus papagaios. Deve ter uma dúzia de criaturas emplumadas de cores estridentes, que falam, que emitem palavras ou, melhor, ruídos, muito pouco relacionados ao cérebro, muito menos com o coração. Da mesma forma, em meia dúzia de grandes gaiolas banhadas em uma luz vermelha de bordel, Hef reuniu periquitos, tucanos, macacos e pequenas criaturas peludas que poderiam ser doninhas, martas e guaxinins. Garotas, papagaios, macacos: não importa. O importante é colecioná-los e exibi-los em suas revistas e na mansão da Playboy, sua grande prisão dourada.
Entramos no cemitério de animais, onde li em uma das pequenas lápides pretas e douradas “Dior 1982-1993”, acompanhado por um longo texto esculpido em relevo que elogiava, entre outras coisas, as qualidades “quase humanas” do cachorro. Dois querubins com flautas vigiavam o túmulo de Dior, do gato Siva e de outras adoradas criaturas falecidas. Gostaria de ter permanecido um pouco mais no meu duelo, mas a quase humana jetbunny começou a caminhar em direção à gruta prometida. Enquanto caminhávamos atrás dela, ouvi dois homens conversando – um americano e outro britânico –, os dois claramente com mais de 55 anos. “Quer saber?”, disse o americano. “Queria ter lembrado de ter tirado minha aliança de casado antes de vir.” “É verdade, pensei a mesma coisa”, respondeu o britânico. “Que tal se as tiramos por esta noite?”. “Se você fizer isso, também faço.”
Ridículo. Pior que ridículo: demente. Esses homens que tinham ido comigo à mansão da Playboy caíram no erro de acreditar que aquilo era uma festa de verdade, que iriam se entrosar de verdade com outras pessoas, teriam conversas autênticas e poderiam alimentar a expectativa de estabelecer relacionamentos genuínos que pudessem sobreviver à festa, chegar à vida cotidiana. Tinham perdido o juízo e engoliram a fantasia de que aquelas lindas jovens de 20 e poucos anos, com seus peitos transbordados e seu sorriso profissional, se arrumavam assim com o propósito declarado de obter seus favores sexuais. Não só é que as garotas estivessem à sua disposição; é que, segundo haviam se convencido aqueles homens na sua loucura, seu objetivo urgente e imediato era acabar a noite peladas com eles, na cama! Eram como crianças na Disneyworld, dispostos a acreditar que as pessoas disfarçadas que eles viam eram os Mickeys e Pernalongas verdadeiros. Umberto Eco fala disso em Viagens pela Hiper-Realidade, seu ensaio sobre as galerias de personagens famosos, os parques temáticos e os museus dos Estados Unidos, onde “os limites são cada vez mais imprecisos entre jogo e ilusão”, até que “o absolutamente falso se torna real”.
A mansão da Playboy é um parque temático sexual, e a “festa” em que estive era um espetáculo asséptico, no qual havia tão poucas chances de as meninas tirarem a roupa e cumprirem as tristes fantasias dos convidados como a de Marilyn Monroe voltar à vida no museu de cera de Hollywood, perto dali. Em todo caso, haveria mais oportunidades para ambas as coisas – ver carne nua e se deitar com um desconhecido – em qualquer praia da Costa do Sol durante julho ou agosto. Esta era uma festa que, se alguém a tivesse filmado, não seria imprópria para menores. Houve dois números de strip-tease, mas a artista não chegou a tirar os penduricalhos que cobriam seus mamilos, nem muito menos a parte de baixo do biquíni.
Talvez esse fosse um detalhe de bom gosto, mas que não eliminava – sobretudo com o alarido que cercava a atuação – o melancólico pano de fundo. Após duas horas e meia de uma noitada que já começava a me parecer insuportavelmente longa, me vi conversando com um garçom, um homem seco, alto, que disse que trabalhava havia 20 anos para as festas de Hef, desde a época em que o presidente Jimmy Carter fez a famosa confissão em uma entrevista à Playboy: “Já olhei muitas mulheres com desejo. Cometi adultério em meu coração muitas vezes”.
Observe todos esses sujeitos, disse eu ao veterano garçom. Não lhe parece que apresentam um espetáculo patético e pouco digno? “Estou completamente de acordo”, respondeu o garçom, em meu segundo instante de contato humano da noite. Quero dizer – continuei –, não estou enganado, né? Não é possível que estas coelhinhas estarão realmente à disposição desses sujeitos. “Jamais: antes o inferno congelará”, replicou o homem. E, quanto à festa em que estávamos, era uma mais das muitas que acontecem a cada ano. Isso sim, as festas mais importantes e elegantes, nas quais havia mais famosos e bebidas melhores, eram os cinco eventos com convite para dormir (pajama parties) que Hef oferecia todos os anos, no seu aniversário, no Réveillon etc.. “As festa do pijama significam, na verdade, que as mulheres passeiam em roupa íntima”, explicou-me o homem, encolhendo os ombros, como que cansado de tanta criancice. “Agora, a verdade, a verdade que não querem que se saiba, é que aqui acontecem muitíssimo menos coisas do que se imagina.”
Mas Hef é malandro. Tem um aspecto elegante, à vontade com seu séquito de loiras. Observa o número de strip-tease com uma benevolência satisfeita, se levanta e dança com alegre rigidez ao som do mais novo rap. É um arquétipo, um sultão americano moderno, um colecionador de mulheres – que ainda por cima até pretende que passem por virgens vestais – que realizou a grande fantasia masculina de conquistas sexuais sem limite. Ou, pelo menos, fez com que isso pareça realidade, graças ao zoológico de mulheres que lhe permitiu reunir seus milhões. E isso é o que basta para que os participantes da festa, os quais, em geral, pareceram se divertir muito em uma noitada memorável, cujos detalhes, sem dúvida, se apressarão em contar até o dia de sua morte aos amigos na Ásia e no Leste Europeu, embora sem mencionar que na realidade – como confirmou o garçom – não acontece grande coisa nestas famosas festas da mansão da Playboy.
Nem sequer na lendária gruta aonde me levou a jetbunny com os dois sujeitos das alianças. Era uma espécie de jacuzzi grande feita de pedra, úmida como uma sauna, com uma luz tênue e uma prainha ao lado, e nela um colchão grande coberto de almofadas. Supunha-se que este era o epicentro sexual do universo Playboy. “Ao final de cada festa, o pessoal costuma terminar aqui, nu”, nos prometeu a jetbunny, solene, como estivesse nos revelando um segredo de Estado. Pouco antes de irmos embora, antes de subirmos ao ônibus para voltar ao hotel – que chegou pontualmente à meia-noite, como a carruagem da Cinderela –, voltei a dar uma olhada para lá, e a gruta estava vazia, em silêncio, exceto pelo chapinhar das ondas artificiais.
John Carlin é um escritor e jornalista britânico nascido em Londres, em 1956. Estudou língua e literatura inglesas na Universidade de Oxford, mas sua atividade profissional se centrou no jornalismo. Em 2000, ganhou o Prêmio Ortega y Gasset por um artigo para o EL PAÍS sobre a imigração na Espanha
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