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quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Sementes de laranja-lima



Sementes de laranja-lima

A noite de 9 de março de 2013 me viu entre os 280 espectadores que lotavam o anfiteatro do Centro Cultural Humberto Mauro, em Cataguases (MG), para assistir a pré-estréia do longa-metragem Meu pé de laranja-lima, de Marcos Bernstein, que teve locações na cidade e na região (Abaíba, Piacatuba e Recreio). Perturbado, sem saber o porquê, na manhã seguinte voltei para São Paulo disposto a retomar, com urgência, o livro que deu origem ao roteiro, lido em minha juventude por insistência de uma amiga, Rose Lopes Pinto. (Depois, me lembrei que havia acompanhado, de maneira intermitente, a novela, escrita por Ivani Ribeiro, levada ao ar entre novembro de 1970 e agosto de 1971 pela TV Tupi – mas, como?!, se eu morava num cortiço onde não havia televisão, falto de tudo!...)
O romance de José Mauro de Vasconcelos é um dos livros mais traduzidos da literatura brasileira – pode ser lido em 52 línguas diferentes, o que garante ao autor um lugar de destaque, junto com Paulo Coelho e Jorge Amado, entre os escritores nacionais mais conhecidos no exterior. Além disso, teve duas adaptações para o cinema (1970 e 2013) e três para a televisão (1970, 1980 e 1998), e alcança mais de 130 edições desde seu lançamento, em 1968. Trata-se de um relato autobiográfico, que narra as agruras de uma criança pobre tentando sobreviver num meio hostil. Sensível e curioso, Zezé, o protagonista, enfrenta o alcoolismo do pai, a subserviência da mãe, as humilhações sociais e as dificuldades econômicas, escapando da realidade por meio da fantasia: o pé de laranja-lima existente no quintal da casa torna-se seu melhor amigo e confidente.
A força de O meu pé de laranja-lima, no entanto, não está na condução do texto, que a todo momento apela para o sentimentalismo fácil, mas no fato estarrecedor, que poucos leitores se dão conta, de que o final da história não está na conclusão do livro, mas em sua dedicatória... Se, após acompanhar as peripécias de Zezé ao longo de 180 páginas, voltarmos ao início, leremos: “Aos mortos: meu preito de saudade para meu irmão Luís, o Rei Luís, e minha irmã Glória; Luís desistiu de viver aos vinte anos e Glória aos vinte e quatro também achou que viver não valia mesmo”. Ou seja, dos cinco irmãos que formavam a família de José Mauro de Vasconcelos, dois se mataram! Eles não suportaram conviver com os traumas provocados por um pai alcoólatra, extremamente agressivo e intolerante, e por uma mãe que, embora sofresse ela também os ataques do marido, se omitia submissa às surras tomadas pelos filhos.
Só após a revisita ao livro percebi o que me havia incomodado naquela noite de 9 de março de 2013: O meu pé de laranja-lima, dedicado ao público juvenil, sem o pretender é um libelo contra a violência doméstica. Lembrei então como sua leitura, na adolescência, havia iluminado o sombrio cortiço onde morava minha infância solitária. Ali, intuí pela primeira vez o fracasso do ser humano. Frustrados, decepcionados, desiludidos, homens e mulheres – mas principalmente homens – descontavam o desencanto com o rumo de suas vidas cinzas, espancando crianças indefesas entre quatro paredes.
Todos os dias são registrados cerca de 400 notificações de violência doméstica contra crianças e adolescentes no Brasil – um número que, sabemos, está muito aquém da realidade. As descrições mais freqüentes são marcas na pele provocadas por murros, tapas, surras de chicote, fios e vara ou por queimaduras de cigarro, ferro elétrico, água fervente e objetos aquecidos. Também são comuns fraturas de ossos (braços, pernas, crânio, costelas e clavículas) e lesões de vísceras (ruptura de fígado, baço ou intestino). Nos casos de abuso sexual, as denúncias quase nunca redundam em processo legal, porque os pais não acreditam no relato dos filhos ou os policiais não crêem nos informes dos pais, por falta de provas físicas (somente 30% dos casos resultam sinais evidentes).
Em minha casa não se batia. Meu pai tinha ojeriza a qualquer tipo de violência e minha mãe exalava tanta compreensão que evitávamos contrariá-la. Mas formávamos uma ilha num oceano de intolerância. Os esganiçados gritos de dor e os débeis pedidos de socorro labirintavam pelo beco – os instrumentos corriqueiros utilizados para as coças eram o corrião, as mãos e os pés, no caso dos homens, o chinelo, o fio de tomada e a vara de marmelo, no caso das mulheres. Nosso vizinho de parede-meia, seu J.B., no entanto, ostentava uma larga tala de couro com punho de madeira pendurada na porta da cozinha.
Certa feita, chegando bêbado em casa, o que não era incomum, após um dia de estafante labuta na fábrica de tecidos, seu J.B. passou a ofender a filha com palavrões e xingamentos. A mãe, dona Z., tentou interceder em favor de F., o que irritou ainda mais o marido, que começou a estapeá-la. O filho, D., que fazia aniversário no mesmo dia que eu, meteu-se entre os dois, e, então, tomado de ódio, seu J.B. pegou a tala de couro e principiou a golpeá-lo com tal crueldade que meu pai, um homem franzino e adoentado, e minha mãe, magra e delicada, invadiram a casa e agarraram-no, impedindo que continuasse a atrocidade.
Algumas décadas mais tarde busquei localizar os personagens de minha infância, num exercício que penso inútil e talvez um pouco egocêntrico, pois no fundo o que desejamos é comparar a extensão e a qualidade do caminho que nós mesmos percorremos. Indaguei de um e outro e descobri que a maior parte de meus amigos – daqueles que compartilharam uma infância triste afundada num mundo desesperançado – havia desaparecido, sem deixar rastros. Dos que tive notícia, todos, precocemente envelhecidos, achavam-se envolvidos com drogas ou álcool ou apresentavam problemas de saúde. Seu J.B. e dona Z. mortos. F. mudara-se para uma cidade distante, que não me souberam especificar. D. constituíra família, morava numa casa modesta num bairro da periferia da cidade. Chegava em casa bêbado, após uma estafante jornada numa empresa de eletricidade, e descontava sua frustração espancando a mulher e os filhos com a tala de couro herdada do pai.
Luiz Ruffato é escritor.




terça-feira, 12 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / História de fantasma




História de fantasma

Há várias narrativas de aparições, a maior parte delas simples anedotas, nascidas ora de notórios casos de charlatanismo, ora de mentes claramente impressionáveis. Mas há outras, poucas, contadas por pessoas acima de qualquer suspeita, que sempre me perturbaram


LUIZ RUFFATO

14 OUT 2014 - 09:01 COT

Por conta de um festival literário, hospedei-me recentemente no Grande Hotel Tauá, em Araxá, no Triângulo Mineiro, uma magnífica e suntuosa e decadente construção, que, iniciada em 1938, teve suas obras concluídas apenas seis anos depois. Com projeto paisagístico de Burle Marx e arquitetônico de Luis Signorelli, impressiona com seu estilo neoclássico, imponente e arrebatador. Procurado pela alta burguesia brasileira, durante boa parte do século XX por causa de suas fontes termais, hoje recebe famílias de classe média em busca de lazer e seus inúmeros e amplos salões servem de cenário para cerimônias de casamentos, festas de formatura e reuniões de empresas.
Entre os vários convidados do festival, estava Mary del Priore, que vem desenvolvendo uma importantíssima reflexão sobre nosso passado, por meio de incursões a temas em geral menosprezados pelos historiadores – ou seja, está revelando um retrato mais próximo da realidade, quando aborda questões como a sexualidade e o erotismo em Histórias íntimas, ou descreve a trajetória feminina brasileira em Histórias e conversas de mulher. Mary del Priore estava em Araxá para divulgar seu mais recente livro, A história do sobrenatural e do espiritismo, um excelente estudo sobre nossas crenças nas coisas do mundo invisível e suas implicações não apenas sociais como também políticas – basta lembrar que, após participar da luta pelo fim da escravidão, kardecistas e simpatizantes das religiões afro-brasileiras foram duramente perseguidos após a Proclamação da República.

Ouvi sua palestra com atenção e me lembrei de várias narrativas escutadas neste meio século de vida, a maior parte delas simples anedotas, nascidas ora de notórios casos de charlatanismo, ora de mentes claramente impressionáveis. Mas há outras, poucas, contadas por pessoas acima de qualquer suspeita, que sempre me perturbaram. Uma dessas, compartilhei num café com o organizador do Fliaraxá, Afonso Borges, que vem alinhavando contos sobre fantasmas e mistérios no jornal Hoje em Dia, de Belo Horizonte. Ei-la:
Durante uns cinco anos, apanhava pela manhã o mesmo táxi para ir da minha casa até o prédio do jornal O Estado de S. Paulo, onde trabalhava. Caminhava a pé duas quadras, tomava um expresso na padaria e entrava no carro, que me esperava pontualmente na esquina. Seu M., o motorista, um homem de seus setenta anos, sério, calado e melancólico, conduzia profissional o veículo branco por entre o caos das ruas cinzentas de São Paulo. Em geral, mantinha o rádio ligado, adivinhando que, atento ao noticiário, eu antecipava a paisagem do mundo que se desenharia ao longo do dia. Ele me tratava com educação, mas, respeitoso, por acreditar que, sendo jornalista, deveria ser alguém importante, conservava-se distante.
Um dia, no entanto, era outubro, madrugadas insuportáveis de calor intenso, seu M., assim que fechei a porta do automóvel e cruzei sobre o peito o cinto de segurança, disse, contrariando sua natural mudez: “Luiz, vou te revelar uma coisa, um negócio que achei que tinha até esquecido, mas que vem me amofinando, não me deixa nem dormir mais... Quem sabe se colocar pra fora me desembaraço dessa aflição...” Mirei seus olhos e percebi a angústia em que naufragavam suas noites de pesadelos. “Sei que você é uma pessoa decente e não vai debochar de mim”, concluiu, engatando a primeira marcha.
“Comecei minha vida como motorista de caminhão, transportando mercadorias entre Recife e São Paulo, no tempo em que a Rio-Bahia era uma estradinha de chão de batido, ou seja, estamos falando da década de cinquenta. Eu dirigia um cara-chata e tentava cumprir os prazos que a firma contratava, muito embora às vezes isso se tornasse impossível, principalmente na estação das chuvas. Certa feita, subindo uma morraria enjoada que tem perto de Muriaé, o barulho do motor roncando dentro da cabeça, avistei um companheiro pedindo carona. Sem poder parar, fiz um sinal e ele pulou no estribo. Alcançado o topo do morro, estacionei no acostamento, abri a porta e ele entrou na cabine. Simpático, agradeceu, explicou que tinha tido um problema com seu GMC e perguntou se eu podia deixá-lo no posto de gasolina que havia lá embaixo, no pé da serra. O fenemê deslizava feliz pela estrada, enquanto ele falava com carinho da mulher e do filho, e, suspiroso, fazia planos para o futuro, ampliar a casa, comprar um barzinho, já estava de olho em oportunidades, deixar de viajar, profissão muito perigosa, a nossa, arrematava. Enfim, ao descer, agradeceu novamente e me convidou para um dia procurá-lo em Realeza, uma pequena aglomeração a meio caminho entre Muriaé e Carangola. Não me deu endereço, mas referências precisas para encontrar sua casa. Só quando me encontrava longe, me lembrei que não havia perguntado seu nome.
Creio ter transcorrido um mês, se tanto, quando, voltando para Recife, notei um problema no freio-motor da carreta. Parei numa oficina mecânica em Leopoldina e perdi umas três horas até que realizassem o conserto, de tal maneira que já a tarde caía quando me deparei com a placa indicando Realeza a cinco quilômetros. Recordei de meu companheiro e, como não iria mais muito longe àquela hora, não gostava de dirigir no breu da noite, resolvi visitá-lo. Na cidade pequena, de pouco arruamento, não foi difícil localizar a casa de paredes azuis e janelas vermelhas, à sombra de um enorme abacateiro. Não havia caminhão algum no meio-fio, e deduzi que ele deveria estar em trânsito. Ainda assim, bati palmas à varanda e um menino mirrado, de calças curtas e camiseta amassada, surgiu por um beco lateral e, assustado, desapareceu. Logo em seguida, uma mulher, jovem ainda, abriu a porta e, enxugando as mãos no avental, perguntou, acanhada, o que desejava.
Então, expliquei que havia conhecido seu marido e que, de passagem, queria apenas deixar um abraço. Ela respondeu, cabisbaixa, a voz apagada, Desculpe, mas o Jaílson morreu... Perplexo, sem saber o que fazer, acendi um cigarro. Quando foi isso?, perguntei, ansioso. Segurando o choro, ela falou que ele tinha sofrido um acidente, cerca de um mês antes. Acidente? Onde?, perguntei, cada vez mais aflito. Numa serra, perto de Muriaé, o caminhão despencou perambeira abaixo... Só foi encontrado dois dias depois, coitado, alguém avisou num posto de gasolina no pé da serra... Uma tragédia, meu deus, como vou criar meu filho agora? Zonzeei... Em pânico, perguntei se ela possuía um retrato do Jaílson. Ela estranhou, mas comovida me levou à sala, pequena e cheirando a mofo, e mostrou, sobre a televisão, a fotografia do marido, engalanado dentro de um terno, sorridente e simpático como eu o havia visto naquela tarde, quando já devia estar morto há pelo menos dois dias...”
“Se conto isso pra você”, ele concluiu, “é porque, depois de mais de quarenta anos, Jaílson voltou a frequentar meus pensamentos. Fui num centro espírita, me disseram pra rezar pela alma dele, mas ninguém me tira da cabeça que ele está é me avisando que meu fim está chegando”. Procurei dissuadi-lo daquelas ideias sinistras, sem sucesso. Seis meses mais tarde, mudei para o outro lado do bairro, perdi seu M. de vista. Cerca de um ano depois, estive no meu antigo prédio recolhendo restos de correspondências e soube que ele havia morrido há pouco, em um acidente na descida para Santos.
Terminada a conversa, recebida com interesse por Afonso Borges, me encontrei com o poeta e cronista Fabrício Carpinejar, meu amigo de longa caminhada, que me convidou para uma partida de sinuca. Muito ruins, ambos, rapidamente perdemos o encanto pelo jogo e nos dirigimos cada qual para seu quarto. Antes, no entanto, de entrarmos no elevador, Fabrício comentou que ao chegar, de madrugada, perdera-se nos longos e labirínticos corredores do Grande Hotel Tauá, famoso também por suas histórias de aparições, vultos e gemidos. Perguntei se ele havia visto ou ouvido algo estranho, e ele, após vacilar um pouco, respondeu: Não que eu tivesse percebido...

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Somos gelo desprendido de um iceberg



Somos gelo desprendido de um iceberg

A única certeza indiscutível com a qual podemos lidar é a de que vamos todos morrer um dia



LUIZ RUFFATO
22 JAN 2014 - 07:51 COT

Para Q., onde estiver.

Por volta de duas horas da manhã entreabri a cortina do ônibus-leito em que viajava de Juiz de Fora para São Paulo e me deparei com a lua, linda em sua palidez, banhando as montanhas que cercam a estrada sinuosa. Havia expendido o fim de semana em intensas conversas com meu amigo, o excelente poeta Iacyr Anderson Freitas, conversas que ainda reverberavam em minha consciência e não me deixavam dormir. Fechei a cortina, apenas o barulho monótono do motor acompanhava a solidão imensa que abraça a noite dos insones.
Lembrei então de quando tinha dezesseis anos e acabara de receber o diploma de torneiro-mecânico, emitido pelo Senai. Dezembro agonizava e eu trepidava atônito sobre minha bicicleta pelos paralelepípedos que forram as ruas de Cataguases. Intuía que algo definitivo ocorrera, mas não percebia que meu corpo frágil se desprendera da casa de meus pais e que, em breve, estaria boiando solto por um mar desconhecido e perigoso, ao sabor dos ventos e das ondas. Não era angústia ainda que corria em minhas veias, mas um difuso temor frente à enormidade do mundo.
No dia 31 de dezembro, fim de tarde, me encontrei com Marquinho Taioba e Jorginho Peito-de-Pombo na Praça Rui Barbosa, e juntos concluímos que, para crescer, precisávamos com urgência ir embora da cidade. E marcamos nossa viagem para daí a seis dias, uma viagem que, começando em Juiz de Fora, me levaria cada vez mais para longe de mim. Eu me sentei, então, sozinho, no banco de pastilhas brancas, próximo ao coreto modernista, mirei as sibipurunas que alardeiam pardais, aspirei o ar verde e quente do lusco-fusco, apertei com força o pacote vazio de pipoca, e acompanhei, com melancólico arrebatamento, o footing dos rapazes e moças que nada sabiam da conspiração do tempo. (Muitos anos depois descobriria a tradução daquele sentimento na Canción para Carito, interpretada por Mercedes Sosa, que tem, entre outros versos, esses: “Em Buenos Aires los zapatos son modernos / pero no lucen como en una plaza de un pueblo”).
Quando voltei para casa naquele dia, bêbado de tristeza, minha mãe, como sempre acordada, levantou-se e perguntou se queria que preparasse algo para comer. Respondi que não e falei: "Mãe, vou embora daqui a seis dias. Vou procurar trabalho em Juiz de Fora". Ela, depositando na parede descascada os olhos dilacerados, comentou: "Vai, sim, meu amor, você tem que ir". E saiu para o quintal. Fui atrás dela e não a identifiquei de imediato, mergulhada na noite sem lua. Mas um relâmpago, distante, iluminou debilmente sua silhueta magra. A mesma silhueta que de súbito ardeu minha memória imersa na escuridão do ônibus.
Em todas as ocasiões que a vida se entremostra mais incompreensível que o normal – porque a vida é naturalmente incompreensível –, evoco minha mãe, com quem compartilhava dúvidas, inquietudes, decepções. Sinto necessidade de pegar o telefone e ligar para ela, mas então me recordo de que essa é uma atitude inútil, ela está morta há mais de doze anos. Como morta agora também está Q., que visitei pela última vez num outro dezembro, separado no tempo por mais de três décadas. Deitada em seu quarto flutuando na tarde luminosa do verão portoalegrense, incomodada por dores imensas, Q. ainda achava lugar para comentar, com frases epigramáticas e categóricas, os assuntos em pauta. Frente à iminência do fim, ela, de tudo incrédula, desafiava com altivez o infinito ignorado.
A única certeza indiscutível com a qual podemos lidar é a de que vamos todos morrer um dia, pois somos seres para a morte, ao nascer começamos a morrer. Mas é também verdade que, paradoxalmente, nossa vida só se completa no fim, ou seja, somente com o advento da morte nos tornamos uma história individual no tempo. A morte de Q. se junta a várias outras minhas mortes, ausências que corroem meus dias e minhas noites. Não pude, como queria, comparecer à cerimônia de sua cremação. Por isso, deixo aqui, neste breve espaço, minha homenagem, modesta, mas sincera, de alguém que ainda trepida atônito sobre uma bicicleta pelos paralelepípedos que forram as ruas do mundo.
Luiz Ruffato é escritor





domingo, 10 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Entre nós

Kylie Jenner

Entre nós

Um em cada quatro homens acredita poder aquilatar qual mulher se veste “decentemente” e condenar a que deve ser violentada


LUIZ RUFFATO
15 ABR 2014 - 06:55 COT


Causou escândalo a descoberta de que estava errado o resultado do levantamento divulgado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostrando que 65% dos brasileiros acham que mulheres que usam roupa curta merecem ser estupradas. Respiramos aliviados: corrigidos os dados, constatamos que “apenas” 26% pensam desta maneira... Na verdade, deveríamos nos sentir envergonhados que um em cada quatro homens acredita ter poder de aquilatar quais mulheres se vestem “decentemente” e, a partir desse julgamento, condenar as que, não cumprindo este padrão, devem ser violentadas. Até porque, outros dados da mesma pesquisa, que passaram quase despercebidos, explicitam, por exemplo, que 58% pensam que se as mulheres “soubessem se comportar” haveria menos estupros...
Outro fato estarrecedor: a mesma pesquisa aponta que 23% concordam parcialmente e 58% concordam totalmente que em briga de marido e mulher não se mete a colher – triste constatação, a maioria absoluta dos brasileiros é conivente com a violência doméstica. Não é à toa que ocupamos o vergonhoso sétimo lugar, entre 84 países pesquisados, com maior número de mulheres vítimas de brigas entre quatro paredes com marido ou companheiro. São 4,5 assassinatos, em média, a cada grupo de 100 mil – foram 243 denúncias de agressão por dia no ano passado, com um saldo, na última década, de 50 mil mulheres mortas. E é sabido que, como também acreditamos que roupa suja se lava em casa, esses números são bastante subestimados...
Logo ao chegar em Juiz de Fora, no começo dos anos oitenta, conheci L., cinco anos mais velha. Bonita, inteligente, sensível, culta, mas triste, imensamente triste. Sucumbia a uma insônia colossal, que além de amarfanhar seu rosto, cativo de uma aparência sempre exausta, dirigia seu humor errático. Ela me adotou como uma espécie de irmão caçula – nossa história de penúria e sobrevivência nos aproximava, soldando uma mútua admiração. Filha de pequenos comerciantes de Muriaé, L. decidira aos 17 anos mudar-se para Juiz de Fora para continuar os estudos. Aos 18 entrou para o curso de Letras na Universidade Federal. Sem apoio financeiro, conseguiu emprego como professora de literatura num cursinho pré-vestibular.
L. estava imbuída daquela certeza, que nos acomete na idade dourada, de que promover mudanças no mundo só depende do empenho que colocamos na realização de nossas tarefas. Então, ela frequentava reuniões políticas na Igreja da Glória, participava de encontros de grupos feministas e comitês de solidariedade os mais diversos, desfilava em passeatas, envolveu-se com grupos de estudo, cineclubes, teatro alternativo, poesia marginal, tornou-se membro do diretório acadêmico da faculdade. E ainda administrava tempo para ler, sair, porque a vida, essa, pulsava sempre urgente.
Nas horas em que a melancolia a abraçava, L. gostava de se refugiar na solidão das galerias de arte que pululavam na cidade, em uma época em que os artistas, para além do compromisso estético, cultivavam o engajamento político. Num dia de chuva, ela entrou num pavilhão que abrigava a mostra de um artista plástico local, de cerca de quarenta anos, e que já angariara certo renome no Rio de Janeiro e Belo Horizonte. L. transitava de um quadro a outro, extasiada, quando surgiu à sua frente um homem simpático e de bela feição. Ele perguntou se estava gostando da exposição, ela respondeu entusiasmada e ele pronto se apresentou como o autor daquelas obras. L., que pensava que os artistas pertenciam a uma casta superior, estremeceu.
Imediatamente, ele a convidou para tomar um café ali por perto. Ela acatou, porque desejava embeber-se das palavras daquele ser que se comunicava com os deuses. Terminado o café e estiada a chuva, ele a chamou para conhecer seu ateliê. L. sem titubear aceitou, e caminharam como mestre e discípula pelas ruas molhadas em direção a um velho galpão numa parte erma da cidade. Quando entraram, ela observou com arrebatamento a bagunça do local: espalhados, pincéis, tubos de pigmentos, aventais, cavaletes, espátulas, telas em branco, um quadro semiesboçado, dois ou três em processo de finalização. O cheiro forte de tinta e aguarrás penetrou em suas narinas, deixando-a tonta. Ele perguntou se ela desejava beber algo, L. respondeu que sim, um copo d'água. Ele sorriu, mas ela não entendeu, encantada com a luz que, entrando pelas frestas do teto esburacado, descia encachoeirada mulplicando-se em mil cores.
Daí para a frente, de pouca coisa L. se recordava. Quando deu por si, estava deitada no chão imundo do ateliê, o vestido levantado, sem calcinha, marcas roxas espalhadas pelos braços, pescoço, pernas. O homem, na semiescuridão de um canto, arfava bestial, entre saciado e assustado, um cigarro aceso entre os dedos. Ela levantou-se com dificuldade, ajeitou a roupa, e em silêncio dirigiu-se à porta. Ele sussurrou, imperativo, que ela não contasse para ninguém o que havia ocorrido porque podia ser pior, pertencia a uma família importante, tinha dinheiro, prestígio, influência...
Quando a conheci, pouco mais de um ano depois, L. cursava o último período da faculdade. Não freqüentava reuniões políticas, não participava de encontros de grupos feministas e comitês de solidariedade, não desfilava em passeatas, não se envolvia com grupos de estudo, cineclubes, teatro alternativo, poesia marginal, renunciara ao cargo no diretório acadêmico da faculdade. Não saía para bater papo nos bares, não se interessava por nada. A vida perdera a urgência.

sábado, 9 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Levantando o tapete da sala de visitas




Levantando o tapete da sala de visitas

Basta circular por São Paulo ou pelo Rio para perceber que os negros estão ausentes


UIZ RUFFATO

A história da presença africana em território brasileiro remonta à primeira metade do século XVI, quando os portugueses introduziram mão-de-obra escrava nas usinas de açúcar do nordeste do país. Em 1850, quase trezentos anos depois, pressionado pela Inglaterra, o tráfico internacional foi proibido, embora continuasse a haver uma intensa comercialização interna de cativos, principalmente do nordeste, de economia decadente, para o sudeste, de nascente cultura cafeeira. Apesar de leis paliativas, como a do Ventre Livre, de 1871, que dava liberdade aos filhos dos escravos nascidos a partir daquela data, e a dos Sexagenários, de 1885, que garantia liberdade aos idosos, somente em 1888 foi promulgada a Lei Áurea, pondo fim ao ignominioso regime. No entanto, a abolição da escravatura, uma decisão tomada muito mais em virtude de razões econômicas que morais, pouco modificou a situação do negro na sociedade.
Nós muito nos orgulhamos da influência africana na cultura brasileira. A música popular, talvez nosso patrimônio mais reconhecível no exterior, conta com nítidas raízes negras, seja no samba ou na bossa nova, mas também em manifestações regionais, como o maracatu, o jongo, o afoxé. No mesmo campo, houve a introdução de novos instrumentos, como o agogô, o atabaque, o berimbau, entre outros. A capoeira, espécie de arte marcial, misto de dança e luta, está hoje presente em inúmeras academias espalhadas pelo mundo. Na culinária, além de comidas consideradas típicas, como o vatapá, o caruru e o acarajé, nos foi legada a feijoada, o mais festejado prato nacional. Afora as ricas contribuições ao vocabulário (palavras lindas como bunda, caçula, bagunça, dengo), à África devemos ainda algumas de nossas expressões religiosas, como o candomblé e a umbanda.
Estima-se que até meados do século XIX, cinco milhões de africanos negros foram aprisionados e trazidos à força para o Brasil – outros 400 mil morreram durante a travessia do Atlântico. Segundo dados do IBGE, 8% da população é formada por negros – acredita-se mesmo que até 86% dos brasileiros tenham algum grau de ascendência africana. No entanto, esses números – e a imensa contribuição na formação da cultura brasileira – não se traduzem em visibilidade social. Basta circular pelos principais pontos de São Paulo ou do Rio de Janeiro para perceber que os negros estão ausentes das mesas dos restaurantes, dos prédios particulares ou públicos, dos carros novos – ou melhor, sua presença ocorre como um “elemento invisível”, garçons, zeladores, ascensoristas, motoristas... Até recentemente, estavam apartados das universidades, panorama que vem mudando, de forma tímida, por conta das cotas raciais, que reservam vagas para alunos que se autodeclaram negros. Mesmo em lugares como as Forças Armadas, as vagas no oficialato são ocupadas, em sua grande maioria, por brancos. Os negros estão relegados aos trabalhos mais humildes, às escolas de pior qualidade, aos conjuntos habitacionais populares da periferia ou às favelas, nossa nova senzala.
E as estatísticas corroboram essa vergonhosa realidade. Segundo dados do IBGE, referentes a 2010, a taxa de analfabetismo entre a população negra é mais que o dobro da apresentada pela população branca (14% contra 6%). Entre os jovens de 18 a 24 anos, 47% dos estudantes brancos cursam universidade, uma proporção quase três vezes maior do que em relação aos estudantes negros. E a dificuldade de acesso à educação se reflete no mercado de trabalho, onde as pessoas ocupadas, de cor branca, têm, em média, 8,4 anos de estudos e recebem 3,8 salários mínimos mensais, contra 6,2 anos de estudo da população negra e dois salários mínimos mensais. E não é coincidência que a população carcerária brasileira, cerca de 550 mil pessoas, seja formada primordialmente por jovens entre 18 e 34 anos, pobres, negros e com baixa instrução. Isso é uma demonstração cabal da segregação racial que existe no Brasil. E, enquanto persistir essa chaga, não podemos nos arrogar o título de sociedade democrática.

Luiz Ruffato é escritor

sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Q. está morrendo...



Q. está morrendo...

Cerca de 150 mil pessoas morrem, em média, por dia no mundo


LUIZ RUFFATO
8 JAN 2014 - 08:11 COT


Q. está morrendo.
Cerca de 150 mil pessoas morrem, em média, por dia no mundo.
No momento em que Q. morrer, ela será apenas um número nas estatísticas, mas para mim desaparecerá alguém de carne e osso, um corpo imerso em recordações. Se morresse um ano antes, não sentiria coisa alguma, pois sequer sabia de sua existência. Agora, no entanto, ela tornou-se parte das minhas memórias, com suas frases epigramáticas e sua invejável altivez na lida com a doença. A visita a seu quarto sombrio e abafado, flutuando na tarde luminosa do verão portoalegrense, despertou lembranças que insisto em manter trancadas no sótão da minha carcaça já bastante cansada.
Minha primeira morte ocorreu quando tinha talvez sete anos. Devia ser novembro, pois ainda sinto o sol queimando minha cabeça. Estávamos brincando, eu e Márcio Rãzinha, apelido que recebeu por gostar de estar sempre à beira de rios, córregos e lagoas pescando, quando nos assustamos com um barulho, seco e breve. Em seguida, alguém passou gritando algo que não entendemos, mas, novidadeiros, corremos na direção da casa de esquina, onde morava uma família operária.
Como nos impediram de entrar, voltamos para a calçada. A janela que dava para a rua era alta, mas, amparando-me em meu amigo, escalei a parede e, de maneira inesperada, me deparei com uma menina, quinze anos soubemos mais tarde, deitada no sofá, a cabeça pendente, sangue pingando de seus cabelos pretos, um revólver caído no chão ensopado de sangue. Assustado, meu torso projetou-se para trás, desabei sobre Márcio e disparei para minha casa, o coração na boca. Nunca soube seu nome, mas agora que o passado se acumula no calendário, creio que talvez seja uma das poucas pessoas que ainda pensam nela, e que sentem sua falta, e que tentam compreender aquele desamparo tão precoce.
Estranhamente, minha segunda morte foi também suicídio, não muito tempo depois. Desta vez, porém, sabia nome e sobrenome do corpo envolto em flores que surgia à minha frente deitado num caixão preto, e até mesmo o motivo de sua mágoa. Era uma amiga de minha mãe, tecelã, que, apaixonada por um homem casado, resolveu dar cabo de tudo ingerindo soda cáustica. Seus lábios roxos destacavam-se no rosto magro e feio, e, mais comedido, pude perceber como a desaparição daquela mulher, ela tinha cerca de trinta anos, não alterava em nada a passagem das nuvens na tarde fria.
Minha terceira morte bisbilhotei entre as tábuas que cercavam um necrotério improvisado. Estávamos explorando o canteiro de obras do novo edifício do Hospital de Cataguases, quando avistei um pedaço de ferro que poderia servir para alguma das minhas reinações. No momento em que me abaixei junto à parede do galpão para recolhê-lo, enxerguei, do lado de dentro, um homem vestido de branco limpando, com um chumaço de algodão, a sujeira e o sangue coagulado que vertera de vários talhos que desenhavam no corpo negro, a cabeça quase separada do tronco. Apavorado, me dei conta de que os homens matavam-se uns aos outros – aquele havia sido atocaiado, por vingança, recebendo inúmeros golpes de foice.
E veio a quarta morte e me pegou desprevenido, porque, até então, a via apenas passeando por quintais alheios. Eu tinha nove anos e estudava há meses o catecismo. Na véspera de minha primeira comunhão, a inspetora da escola abriu a porta da sala de aula e chamou a professora, dona Celeste. Ela assentiu com a cabeça, declinou meu nome e disse para eu pegar minhas coisas. Coloquei o caderno, o lápis e a borracha na pasta, e, me dando ares de importância, caminhei em direção à sala da diretora, onde encontrei, surpreso, meu pai. Ele, respirando fundo, me falou que meu tio, Olavo, o caçula da família, havia sofrido um acidente.
Se nas outras três vezes havia morrido por pessoas que nem conhecia, a perda do meu tio alertava para a minha fragilidade. E eu, que não dormia, preocupado com a bomba atômica, com a nossa precária situação financeira, com as brigas nas casas vizinhas, passei a também temer que a morte pudesse seqüestrar meu pai ou minha mãe, porque, até aquele momento, para mim o óbito estava relacionado com a decrepitude do corpo, exceto, é claro, quando alguém tirava a própria vida. Foi, portanto, sem sobressalto que quando fiz 16 anos acompanhei o enterro da minha avó, Marieta Micheletto, que ultrapassara os oitenta anos, minha quinta morte.
Parei de contar quando inteirei a sexta morte, a de meu irmão, estúpida e inaceitável, aos 26 anos. Daí para a frente morri outras incontáveis vezes, e, em todas, partes de mim foram arrancadas, corroendo meu corpo como a maresia oxida o metal.
Q. está morrendo. Com ela morrerá uma história, singular e intransferível. Com ela, morrerá um pouco de mim também.
Luiz Ruffato é escritor

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Luiz Ruffato / Onde foi parar a nossa alegria?



Onde foi parar a nossa alegria?


LUIZ RUFFATO
11 JUN 2014 - 18:29 COT


Após uma viagem de onze horas, desembarco em Cumbica, vindo de Paris. Sinto uma certa ansiedade em saber o que me aguarda neste país, que deixei há cerca de um mês, por razões de trabalho. Ainda no aeroporto Charles de Gaulle me deparei com uma simpática manifestação dos funcionários da Air France, que, além de estenderem uma bandeira do Brasil no balcão de embarque, penduraram várias outras bandeiras pequenas nos cordões que cercam o corredor que nos conduz ao portão.
Já instalado em minha poltrona, descubro que a maioria dos passageiros é formada por torcedores de várias partes do mundo. Ao meu lado e à frente, dois casais de argelinos. Nas fileiras próximas identifico torcedores da Croácia, da Grécia e até do Japão. Às minhas costas, um curitibano explica, em inglês, para dois franceses, que em Porto Alegre há um bar que eles não podem deixar de conhecer, pois possui uma das maiores coleções de cervejas artesanais do Brasil. E aproveita para ensinar, em português, alguns jargões, como “futebol é uma caixinha de supresa”, “o jogo só acaba quando termina”, “futebol é onze contra onze”. Um de seus ouvintes anota numa caderneta e repete as frases com uma impressionante precisão.
O avião aterriza no horário previsto e às 5:54 já estamos atravessando o túnel que, percebemos atordoados, nos leva a uma imensa fila. Após 45 minutos, em que caminhamos poucos metros, um funcionário aparece gritando para os brasileiros se posicionarem à esquerda. E então nós, em pouco menos de 10 minutos, ultrapassamos as fronteiras e penetramos aliviados no Brasil. Mas deixamos para trás nossos convidados que, certamente, iriam permanecer naquele lento avanço por mais uma hora e meia, duas horas. Na esteira, as malas já mostravam-se tontas de tanto rodar para lá e para cá, sem serem resgatadas.
Tomei um táxi e perguntei para o motorista se ele estava animado com a Copa do Mundo. Ele me respondeu num muxoxo, que não sei se era de irritação ou de desconsolo. Passei então a observar os carros que, como nós, espremiam-se num engarrafamento, que começando ainda na rodovia Airton Senna continuava pelas faixas da Marginal Tietê. Estranhei que quase nenhum carro ostentava a bandeira brasileira. Contei exatamente cinco ao longo de todo o trajeto.
O táxi me deixou na porta do meu prédio às oito e vinte e cinco. Deixei minhas malas em casa e fui tomar o café da manhã na padaria. Antes, conversei com o E., da banca de jornal, que, entre revistas e periódicos, exibia camisetas, chapéus e lenços verde-amarelos. Indaguei se estavam vendendo bem, ele respondeu, o pessoal anda meio desanimado. Por quê?, insisto, e ele, dando de ombros, afirma que não sabe.
Para não sucumbir à diferença do fuso horário, não descanso. Vou para a rua e procuro sentir a pulsação das ruas. Mas percebo que as pessoas sentem certa vergonha de falar sobre o assunto Copa do Mundo. É como se todos estivéssemos fingindo que não está acontecendo nada à nossa volta. Os estrangeiros se divertem, despreocupados. Poucos chegarão às semifinais, mas neste momento ninguém se importa com isso. Estão todos felizes, hedonisticamente desfrutando o momento.
Mas nós, os brasileiros, sentimo-nos incomodados. Seqüestraram a nossa alegria.
EL PAÍS