Mostrando postagens com marcador Juan Villoro. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Juan Villoro. Mostrar todas as postagens

segunda-feira, 28 de novembro de 2016

Vargas Llosa: “A história não absolverá Fidel Castro”

Fidel Castro e Raúl Castro

Vargas Llosa: “A história não absolverá Fidel Castro”


Grandes escritores latino-americanos analisam a morte do líder cubano para o EL PAÍS


JUAN CRUZ
JAN MARTÍNEZ AHRENS
JAVIER RODRÍGUEZ MARCOS

Cidade do México 28 NOV 2016 - 08:35 COT

“A história não absolverá Fidel Castro.” O prêmio Nobel Mario Vargas Llosa o diz cheio de surpresa. Conheceu bem Fidel porque acreditou na revolução. Tinha acabado de saber, pelo EL PAÍS, da morte do líder cubano. Eram oito horas da manhã de sábado em Guadalajara (México). O escritor peruano pediu um tempo para refletir sobre o artigo que escreverá para este jornal, mas avançou uma opinião ainda sem ter se recuperado de uma notícia que está no centro de todas as conversas entre escritores e editores presentes à Feira Internacional do Livro de Guadalajara, a mais importante do mundo em espanhol.



Vargas Llosa ainda está usando roupa de ginástica. Fez um pouco de esporte antes de participar da homenagem que será prestada pelos seus 80 anos. “Sou o último sobrevivente do boom da literatura hispano-americana”, ri o escritor antes de tomar um gole de café com um pouco leite e lançar sua primeira reflexão. “Espero que essa morte abra um período de abertura, tolerância, democratização em Cuba. A história fará um balanço destes 55 anos que acabam agora com a morte do ditador cubano. Ele disse que a história o absolverá. E eu tenho certeza que a história não absolverá Fidel”.
Vargas Llosa foi um dos intelectuais latino-americanos que viram na Revolução Cubana uma luz democratizadora. Chegou a fazer parte do grupo de escritores que visitavam Castro, mas logo se decepcionou. A perseguição aos dissidentes o horrorizou. Havia represálias, lembra o Nobel, não apenas pelas ideias políticas, mas também pela orientação sexual: mesmo que fossem partidários do regime, “Castro chamava os homossexuais de enfermitos (doentinhos)”.
Héctor Abad Faciolince. “Sem Fidel, o boom teria tido outras proporções. Alguém poderia hesitar se os escritores eram parasitas da revolução ou se a revolução era parasita dos escritores. Ao contrário, houve uma simbiose que funcionou nos anos sessenta, enquanto intelectuais franceses como Jean-Paul Sartre se aproximaram dessa árvore e dessa sombra”, afirma o escritor colombiano, de 58 anos. “Mas houve uma ruptura e foi quando a revolução pediu que Vargas Llosa doasse o montante do Prêmio Rómulo Gallegos, obtido por A Casa Verde, e prometeu-lhe que seria reembolsado secretamente. Aí se viu a capacidade de corrupção da política. Com Vargas Llosa não funcionou para eles”, conclui o autor de Somos o Esquecimento que Seremos.
Nélida Piñón. “Fidel acabou há muito tempo. Na verdade, foi o fim de uma utopia inatingível”, diz a escritora brasileira, de 79 anos. “Eu o conheci. Ele era um homem que falava, falava e falava, prolongava as histórias sem deixar que o outro dissesse nada”, ri Piñón, para quem o líder cubano está cheio de sombras: “Impôs o terror, perseguiu os gays, encheu as prisões”. E as coisas boas? “Que foi um construtor de utopias, de sonhos. Mas faz muito tempo que sua história terminou. Isso acontece com todos os heróis: não resistem ao seu próprio heroísmo”.
Enrique Krauze. O grande historiador mexicano, de 69 anos, não lamenta absolutamente a morte de Fidel. “Agora o mundo será menos ruim. Foi o ditador mais longevo da história latino-americana e nunca tive sentimentos por ele”, diz. Para o autor de Siglo de Caudillos (Século de Caudilhos), a morte abre a possibilidade de uma abertura, especialmente na área econômica, o grande calcanhar de Aquiles do regime. “Donald Trump verá com bons olhos que Cuba caminhe em direção ao capitalismo, mas para ele dará no mesmo que continue sendo uma ditadura”, conclui.
Sergio Ramírez. Para o escritor e ex-vice-presidente da Nicarágua, a intolerância de Fidel ficou clara quando ele decidiu obrigar o poeta Heberto Padilla a fazer uma autocrítica stalinista para um livro que o regime tinha apontado como indesejável. “Então o terror se manteve, veio a perseguição aos intelectuais, aos homossexuais. Acabou em seguida com a primavera cultural cubana, instaurou a ideia de que se estava com ele ou contra ele”, afirma Ramírez, de 74 anos.
Juan Villoro. Surpresa, mas nenhuma tristeza. Irônico, o escritor e pensador mexicano lembra que Fidel chegou a adquirir a condição de líder eterno. “Nós o considerávamos imortal, mas no final vimos que era humano”. Para Villoro, de 60 anos, a morte de Castro fecha um ciclo que estava esgotado havia muito tempo. “Tenho a idade da Revolução Cubana e envelhecemos juntos. Foi a depositária de muitos ideais de justiça social, mas ela mesma foi traindo esses ideais. As razões são variadas, mas foram decisivos os seus próprios erros e a perseguição aos dissidentes. Minha maior decepção foi o fuzilamento do general Arnaldo Ochoa”, afirma.
Daniel Divinski. “Fidel foi um ponto de inflexão na história da América Latina, mais além dos excessos posteriores... O pior? O avassalamento dos direitos humanos, a perseguição de pessoas que não eram contra a revolução, mas que queriam reformas, e não derrubá-lo”. Para o conhecido editor argentino, de 74 anos, não há herdeiros de Fidel. “Ele acaba em si mesmo. Nos últimos tempos, decepcionou muito. Como dizia Perón de si mesmo, já era um leão herbívoro. Surgirão outros, mas já não haverá uma liderança individual como a sua”.
Julio Ortega. “Fidel construiu um aparato cultural, mas paralisou a cultura. Produziu repressão e exílios, tudo se reduzia a defender a revolução. Ele decretava quem era o bom e o mau. E não houve só um caso Padilla, mas vários. Estamos agora em outra época e as coisas vão melhorar”, diz o crítico peruano.
Claudia Piñeiro. “Com a morte de Fidel, acabou o século XX”, sintetiza a escritora argentina.
EL PAÍS


PESSOA



sábado, 5 de dezembro de 2015

Octavio Paz / O inlelectual total e sua definição clara do idioma

100º aniversario del nacimiento de Octavio Paz
Octavio Paz no Google

Octavio Paz: o intelectual total 

e sua definição clara do idioma


No dia 31 de março se comemora o centenário do nascimento do escritor e prêmio Nobel mexicano

Poeta, ensaísta, tradutor e pensador, é uma das figuras chave da literatura em espanhol.

Seu grande instrumento foi a linguagem cotidiana. Repetidas vezes, ele renovou seu idioma no acervo popular



Octavio Paz na Residência de Estudantes de Madri, em 1989.

Borges gerou a ilusão de que havia lido todos os livros e examinado todas as bibliotecas. Sua erudição parecia tão absoluta que, no seu caso, o esquecimento era uma forma de proximidade e espontaneidade. Sua destreza literária nos fez sentir que era assim. O singular é que esse intrincado universo dependia de certezas e paixões cotidianas. Em seu último relato, A memória de Shakespeare, o protagonista herda as lembranças do tumultuoso autor inglês e descobre que são, assombrosamente, tão comuns como as de todos os homens. Já Beatriz Sarlo assinalou acertadamente que o Borges metafísico, tão discutido, se apóia no Borges suburbano, menos valorizado.
Uma coisa parecida acontece com Octavio Paz. A riqueza do seu pensamento suscita a impressão de que só se ocupou de temas complexos, fundamentais, altamente sofisticados. O inventário de seus interesses inclui as lutas sociais do século XX, os pré-socráticos, a arte tântrica, Sor Juana e o Século de Ouro de Oro, Marcel Duchamp, o mito na Meso-américa, o estruturalismo, as vanguardas, o PRI (Partido Revolucionário Institucional), o erotismo, as drogas, o haiku (forma poética japonesa) e o expressionismo abstrato. Em livros como Blanco y Ladera Este sua poesia adquire elevada temperatura intelectual: versos que são ideias. Na opinião de Alejandro Rossi, foi um “apaixonado pela modernidade”. Não se recusou à experimentação nem ao diálogo com outras disciplinas. Enciclopédico e torrencial, parecia dedicado ao exagero de construir a civilização de um só homem.

Enciclopédico e torrencial, parecia dedicado ao exagero de construir a civilização de um só homem.
É fácil perceber a originalidade de Borges quando ele aborda a literatura fantástica como um ramo da filosofia. Mais complicado é perceber aí o eco de suas caminhadas pelo bairro. A imaginação é como a memória de Shakespeare: seu brilho distante depende de uma chispa que passa despercebida por ser demasiado próxima e que surge das asperezas diárias. A galáxia de interesses “pazianos” deriva de um mesmo estímulo: a linguagem que escutou com fervor crítico.
Quando criança, ouviu seu avô, o editor e político liberal Ireneo Paz, e se aproximou dos rumores da praça de Mixcoac, onde se misturavam os paroquianos da igreja, os vendedores ambulantes e os arautos da Revolução. Na Guerra Civil espanhola presenciou um confronto e descobriu uma lição de alteridade: inclusive o inimigo tem voz humana. Não foi por acaso que se interessou pela antropologia, desde os Tristes Trópicos de Claude Lévi-Strauss a A erva do diabo, de Carlos Castaneda.
Cazador de palavras, admirou a liberdade do surrealismo, mas, como Buñuel em Os esquecidos, quis devolvê-lo a uma realidade operada pelo inconsciente.
Seu grande instrumento foi a linguagem cotidiana. Não é por acaso que alguns de seus títulos provenham de refrãos ou de frases feitas: Las perras del olmoLibertad bajo palavra, . Águia ou sol? (outra forma de dizer “cara ou coroa?”). Sua maior realização nessa linha foi converter um termo de eletricistas numa opção intelectual: corrente alternada.
Em 1943 escreveu eloquentes artigos sobre a linguagem popular mexicana. Ali tratou do vacilón, a mexicaníssima maneira de brincar: “Ovacilón é uma espécie de espetada que murcha balões públicos e privados. É uma advertência contra a vaidade e a bazófia, contra as posturas excessivas e patéticas”. Ele dedicou outro texto ao ninguneo(“ninguenzisse”), exercício vernáculo que converte os outros em sombras, e antecipou as reflexões que, em O labirinto da solidão, dedicaria à chingada: “Os mexicanos, em vez de converter sua mãe em prostituta, a substituem por outra: o nada”.

Repetidas vezes renovou seu idioma no acervo popular, celebrando as “fantasias e delírios verbais dos mexicanos”
Uma notícia policial chamou a sua atenção: o suicida Juan Camacho tinha morrido exclamando: “que veneno saboroso”. Isso o levou a uma reflexão sobre os prazeres da morte, da mesma forma que o costume de vestir pulgas o levou a considerar que só um país de imensos vulcões poderia admirar tanto as miniaturas.
Repetidas vezes renovou seu idioma no acervo popular, celebrando as “fantasias e delírios verbais dos mexicanos”. Não por acaso escreveu o prólogo de Nueva picardia mexicana, de Armando Jiménez: “Aqui sim há linguagem em movimento, contínua rotação das palavras, insólitos jogos entre o sentido e o som, idioma em perpétua metamorfose”.
Alguns dos seus melhores textos representam um jogo de rotação entre o culto e o popular. No poema A palavras, escreve: “Vira-as,/ pega-lhes pelo rabo (chiem, putas),/açoita-as,/ adoça-lhes a boca às reguilas, […]/fá-las, poeta, faz que se traguem todas as tuas palavras”.
O lema aparece encarnado em outros textos: “Desta vez eu te esvazio a pança, te torço, te retorço, te viro e viro de cabeça para baixo, te arranco o pinto, te afundo o estero. Raivaraibabaca. Dona Campamochas come as sobras do membro cortado de don Campamocho”. (“Esta vez te vacío la panza, te tuerzo, te retuerzo, te volteo y voltibocabajeo, te arranco el pito, te hundo el esternón. Broncabroncabrón. Doña Campamocha se come en escamocho el miembro mocho de don Campamocho”). Afronta, riso, estrapolação: poesia de Octavio Paz.
Sua vasta obra foi, entre outras coisas, uma luz sobre o idioma. A profundidade e variedade das suas ideias provocaram que às vezes fosse percebido como um autor de gabinete, interessante apenas para um círculo de seletos especialistas, um espectador alheio ao fluxo da vida. Nada mais falso. Só alguém aberto aos mistérios da simplicidade poderia escrever este retrato de Miguel Hernández: “Eu o conheci cantando canções populares espanholas, em 1937. Possuía uma voz de baixo, um pouco selvagem, um pouco de animal inocente: soava a campo, a eco grave repetido pelos vales, a pedra caindo num barranco”.

Seu principal gesto poético foi capturar o momento como um lampejo carregado de outro tempo
Paz soube ouvir a queda das pedras, as vozes soltas, a onda do cotidiano. Em seu discurso de aceitação do Prêmio Nobel, se referiu à vigência do mundo indígena: “Ele nos fala na linguagem cifrada dos mitos, das lendas, das formas de convivência, das artes populares, dos costumes. Ser escritor mexicano significa ouvir o que nos diz seu presente – essa presença. Ouvi-la, falá-la, decifrá-la: dizê-la”.
Seu principal gesto poético foi o de capturar o momento como um lampejo carregado de outro tempo. Vivemos facilmente na lembrança do passado ou na antecipação do porvir. Onde está o presente? Otávio Paz buscou esse esquivo momento. Em seu aniversário, o idioma completa um século de presente.





quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Juan Villoro / Você deixaria sua avó sair com um Rolling Stone?



Você deixaria sua avó sair com um Rolling Stone?



Cirurgia transformou o envelhecimento em algo tão misterioso quanto o sigilo bancário



Charlie Watts, Keith Richards, Mick Jagger e Ron Wood. / AP
Os Rolling Stones retornarão à América Latina em 2016 em um intenso espetáculo geriátrico. Seus shows são como um convite à Última Ceia, a oportunidade de dizer adeus aos profetas. Se aos 40 anos Mick Jagger parecia muito velho para cantar Satisfaction, aos 72 causa fascínio pelo mesmo motivo. Os arautos da juventude se transformaram em abastados decanos do som alto. O peculiar é que, enquanto suas feições eram curtidas com o passar dos anos, a imaturidade deixava de ser atributo dos adolescentes para afetar toda a espécie.

A noção de idade foi relativizada, alguém de 15 anos pode ter esgotado suas aspirações
Em Não somos os últimos, Massimo Rizzante fala do infantosaurus, criatura suspensa no tempo. A noção de idade foi relativizada de tal maneira que alguém de 15 anos pode ser um melancólico que já esgotou suas aspirações cibernéticas e alguém de 68 pode viver uma etapa bioerótica onde todos os alimentos são orgânicos, menos o viagra. Nas palavras de Rizzante: “Uma massa amorfa e sorridente, que já não sabe qual é sua verdadeira idade, tenta descobrir, por meio de qualquer instrumento oferecido pela técnica, a possibilidade de não se ver imersa na idade madura”. Essa tendência deu lugar a uma nova categoria sociológica: os pós-adultos.
Os Rolling Stones começaram sua trajetória com uma estética do efêmero: “O tempo não espera ninguém”, “você ficou antiquada, meu amor”, “quem quer saber do jornal de ontem?”. Um de seuscovers mais conhecidos, Time is on my side, é um paradoxal elogio da impaciência: a amada foi embora, mas voltará correndo (dizer “o tempo é meu aliado” significa que ela resistirá à separação somente durante os três minutos de duração da música).
Andrew Loog Oldham, autoproclamado descobridor do grupo, narra em sua autobiografia (que leva o apropriado título de Stoned) os anos quase inverossímeis em que Jagger e Richards não haviam sido descobertos. Para promover sua rebeldia, lançou uma campanha com o lema: “Você deixaria sua filha se casar com um Rolling Stone?”.

Os Rolling Stones percorrerão a América Latina com um guitarrista que acumula as eras em seu rosto de pedra
Hoje a frase deveria fazer referência às avós. A cultura da terceira idade de “serenidade ativa”, como é chamada por Rizzante, e os trabalhos da cirurgia plástica transformaram o envelhecimento em algo tão misterioso quanto o sigilo bancário.
O que se perde quando as diferenças de idade já não existem? Os povos originários da América consideram que a velhice é um depósito de experiência. Em Chiapas, no México, um ancião é um “homem sábio”. Chegar a esse ponto não é uma tragédia, mas um anseio.
Quando entrevistei Jagger, em 2001, fiquei surpreso por ele não saber de quais discos eram suas músicas: “Não sou um bibliotecário de mim mesmo”, explicou. De certa forma, não estar tão consciente de seu passado o enaltece; ao mesmo tempo, isso o transforma em um ícone de uma era que delegou sua memória em partes (no caso dos Stones, seus seguidores são seu hard drive). Por contraste, nas reuniões dos índios do México o mais velho resume o que foi dito. De acordo com o filósofo e linguista Carlos Lenkersdorf, esses anciãos são “arquivos e bibliotecas de sabedoria acumulada”.
Mas os Rolling Stones têm outra lição a ensinar. Em 2016 percorrerão a América Latina com um guitarrista que não esconde a idade, mas acumula as eras em seu rosto de pedra. Se Jagger é o símbolo do executivo que nega o tempo correndo maratonas e comendo cereal antioxidante no café da manhã, Keith Richards é um acervo do blues, uma lendária e esquiva mostra de que é possível sobreviver na sociedade do espetáculo sem perder a autenticidade. Em tempos de infantosauros, é um “homem sábio”.