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sexta-feira, 1 de outubro de 2021

Fran Lebowitz / “Biden não é Roosevelt, mas pelo menos tenta”

 

Fran Lebowitz

Fran Lebowitz: “Biden não é Roosevelt, mas pelo menos tenta”


Escritora, catapultada à fama mundial graças a uma série documental de Martin Scorsese, reedita seus velhos ensaios humorísticos em um novo livro



Alex Vicente
Paris, 1 Jun 2021



O número é um telefone fixo de Nova York. Após digitá-lo, entra a secretária eletrônica. A voz inconfundível de Fran Lebowitz (Morristown, Nova Jersey, 70 anos) pede que deixe um nome e um telefone. “Responderei assim que possível”, jura, com seu timbre nasal e zombeteiro. Inevitavelmente, a gente a imagina filtrando as ligações, como nas séries dos anos noventa. E, de fato, a escritora aparece no meio da mensagem com um “olá” seco e ao mesmo tempo amigável, paradoxal. Lebowitz, personalidade nova-iorquina por antonomásia, catapultada à fama mundial graças à série documental Faz de conta que NY é uma cidade, dirigida por Martin Scorsese para a Netflix, começa perguntando sobre Madri. “Estive há alguns anos e me senti capaz de morar lá. É uma das poucas cidades onde se janta no único horário que eu acho aceitável: às 10 da noite”, gargalha esta noctâmbula incorrigível.

Lebowitz sofre uma crise criativa que a levou a deixar de escrever quase três décadas atrás: seu último livro, publicado em 1994, era um volume infantil sobre dois pandas nova-iorquinos que sonhavam em se mudar para Paris. O admirável é que, como boa personagem warholiana —escreveu para sua revista Interview nos anos setenta—, nunca precisou exercer seu ofício para dar o que falar. “Não tenho um trabalho, ou não um de verdade”, admite essa autora, mais conhecida por suas conferências e declarações midiáticas que por seus escritos. Isso não impede que aproveite o ímpeto da série de Scorsese, com quem mantém uma longa amizade —que, às vezes, parece cimentada na predisposição do diretor em rir de todas as graças que ela faz, que não são poucas—, para reeditar seus ensaios humorísticos dos anos setenta e começo dos oitenta, Vida metropolitana e Ciências sociais, fora de catálogo na Espanha e recuperados agora em um volume único com o título de Um dia qualquer em Nova York (Tusquets), que chegará esta quarta-feira às livrarias —o título não saiu no Brasil.

Seus textos são peças breves e cortantes, banhadas num humor que nem sempre envelheceu bem. Neles Lebowitz aborda, pela primeira vez, todos os clássicos de seu repertório posterior: os problemas imobiliários, os boletos a pagar, a feiura da roupa estampada e dos relógios digitais, os incômodos que lhe causam as crianças e as multidões e outros problemas do Primeiro Mundo. “Quando voltei a ler esses ensaios, reconheci a mim mesma, mas não o mundo que descrevo neles. O mundo mudou, mas eu não”, afirma, sobre esses textos escritos antes dos 30. “Sou muito teimosa e sempre tive ideias muito enfáticas. Não digo que sempre tenha razão, mas… Bom, sim, sempre tenho razão. Do contrário, teria mudado de opinião sobre minhas certezas”, reflete.

Fran Lebowitz com Andy Warhol em uma festa em Nova York. A escritora trabalhou na revista ‘Interview’, criada pelo artista.Fran Lebowitz com Andy Warhol em uma festa em Nova York. A escritora trabalhou na revista ‘Interview’, criada pelo artista. RICHARD E. AARON / REDFERNS
Um mal-entendido sobre sua personalidade pública, algo que parece lhe incomodar, é que se confundam sua misantropia jocosa e seu ostensivo ludismo —Lebowitz vive sem tecnologia à vista: nada de celular, computador, tablet, smartwatch ou balança com USB— com o conservadorismo aparente do “antes vivíamos melhor”. “Pelo contrário: acredito que algumas coisas estejam melhores agora. Para as mulheres não estão bem, mas melhores. Para os gays não estão bem, mas sim muito melhores. Vejo mais progresso nesse campo que em qualquer outro”, argumenta. “As pessoas já não se lembram de que ser homossexual em 1972 era quase como sê-lo em 1872. Na verdade, as pessoas não se lembram de nada. Eu sim me lembro. Sou um depósito de memória, porque parei de beber e de usar drogas aos 19 anos. Quando meus amigos não se lembram de algo, me perguntam. Eu era a única que não estava chapada.”

Uma infância “feliz”

Por trás dos seres mais engraçados costuma haver uma história com matizes trágicos. Não é o caso de Lebowitz, que afirma ter tido uma infância “feliz e absolutamente convencional” no seio de uma família judaica que tocava uma loja de móveis. “Quando publiquei meu primeiro livro, um amigo da família me disse: ‘Você é engraçada igual ao seu pai’. Aquilo me deixou atônita, porque nunca tinha visto meu pai sendo engraçado. Talvez tudo isto em mim venha dele”, diz. Guarda boas lembranças dessa juventude no outro lado do rio Hudson. “Sou uma pessoa bastante imatura. Sinto falta desse momento da minha vida em que não tinha que pagar impostos”, resume. “Sempre me senti diferente dos outros, mas não excluída. Na verdade, sempre tive milhões de amigos. O que aconteceu foi que, aos 11 anos, percebi que era homossexual e que não ia poder ficar lá”, acrescenta, em um dos raros momentos em que não parece ter uma piada na ponta da língua.

Mudou-se para Nova York aos 18 anos, pouco depois de descobrir a existência de James Baldwin, o grande escritor negro e homossexual, pela televisão. Reconheceu nele a mesma diferença radical e uma maneira de ser escritor com a qual se identificava, distante da solenidade dos clássicos que devorava desde a infância. “Para mim, um escritor era uma pessoa morta, e Baldwin estava muito vivo”. Trabalhou como taxista —“Minha única relação monogâmica foi com aquele carro”—, vendendo cintos e fazendo faxina, até que começou a publicar nas revistas alternativas da Nova York dos anos setenta. Com o tempo, virou uma efígie daquele tempo, mais duro do que prega a versão oficial: “Crescemos sonhando com a Paris dos anos vinte. Os jovens de hoje crescem pensando na Nova York dos anos setenta. Eu estava lá e sou das poucas que continuam vivas. Sobrevivi a duas pragas: as drogas e a aids”.

Fran Lebowitz e Martin Scorsese conversam na Brooklyn Academy of Music, em 2014.
Fran Lebowitz e Martin Scorsese conversam na Brooklyn Academy of Music, em 2014. RAHAV SEGEV / WIREIMAGE

A atual pandemia transformou em realidade um dos sonhos de Lebowitz, patologicamente alérgica a multidões. Nos primeiros dias do confinamento, saiu para passear, apesar da proibição. Seria seu encontro definitivo com a cidade. “Passei na frente do Empire State Building, do Carnegie Hall, da Times Square. Eram lugares desertos. E, para minha surpresa, não gostei. Eu sonhava com uma cidade sem turistas, mas quando aconteceu me entristeceu”, reconhece. “Nenhuma das coisas agradáveis que tenham acontecido é comparável com os milhões de pessoas que morreram.” Nem sequer, claro, a saída de Donald Trump da Casa Branca. “Sem Trump como presidente, as coisas não teriam ido tão mal. Nunca gostei de Joe Biden, que está na política desde que me conheço por gente, mas no dia em que ele ganhou foi um dos momentos de maior alívio de minha vida. Precisávamos de um grande presidente, como foi Lincoln, embora saiba que nunca o teremos. Está claro que Biden não é como Roosevelt, e nunca será. Mas pelo menos tenta.”


quarta-feira, 29 de setembro de 2021

Do pior ao melhor dos Estados Unidos, graças à nova série documental de Scorsese

 


Do pior ao melhor dos Estados Unidos, graças à nova série documental de Scorsese

Ouvir Fran Lebowitz é um bálsamo contra as turbas, um jorro de inteligência e humor que condensa o que há de mais refinado e maravilhoso na cultura norte-americana


SERGIO DEL MOLINO
12 Janeiro 2021

Quando Joe Biden apareceu para fazer história, enquanto o sujeito dos chifres ainda mugia nos salões do Capitólio, articulou seu discurso em torno da ideia da “América real”. Aquela turba não representava o país, disse, muito digno e presidencial. Os rostos dos repórteres e analistas da CNN, mesmo tampados com máscaras, estavam menos dignos e não dissimulavam a raiva e certa vergonha. “O mundo inteiro está vendo isso”, repetiam, horrorizados.

Apenas dois dias depois de assistir ao pior dos Estados Unidos, desfrutamos do que há de melhor. Com o mesmo fascínio que me fez grudar na CNN na noite de 6 de janeiro, vi quase numa sentada a série de Scorsese sobre sua amiga Fran Lebowitz (Pretend It’s a City, na Netflix). Ouvir Lebowitz, alguém de cuja existência mal tínhamos consciência na Espanha (a editora Tusquets traduziu dois de seus livros nos anos oitenta, e estão esgotadíssimos; seria hora de que algum editor os recuperasse), é um bálsamo contra as turbas, um jorro de inteligência e humor que condensa o que há de mais refinado e maravilhoso na cultura norte-americana. Fiquei com vontade de ligar lá na CNN e dizer: calma, o novo Scorsese chegou para nós, e vocês não têm razão alguma para se envergonharem do país. Esta parte é muito legal.

Trailer da série protagonizada por Fran Lebowitz, ‘Pretend It’s a City’. VÍDEO: NETFLIX
Conta Lebowitz que foi certa vez pescar num lago da América profunda e, na loja do povoado, lhe pediram a carteira de motorista para expedir uma licença de pesca para ela. A carteira, diferentemente dos documentos de Estados do oeste, não tinha foto, por isso a balconista lhe perguntou: “Qual é, vocês não botam fotos lá em Jew York [um trocadilho grosseiramente antissemita do nome New York com a palavra jew, judeu]?”. Lebowitz respondeu: “Não, porque sabemos ler”.

Aí está, a crise da democracia liberal e o trumpismo, resumidos em duas linhas de diálogo.



domingo, 26 de setembro de 2021

Do que tanto ri esse tal de Scorsese?

 

Martin Scorsese e Fran Lebowitz em um instante do sétimo capítulo de ‘Faz de conta que NY é uma cidade’.


Do que tanto ri esse tal de Scorsese?

O humor, se não é engraçado, irrita. Isso explica algumas reações às opiniões de Fran Lebowitz exibidas em ‘Faz de conta que NY é uma cidade’, da Netflix

Sergio del Molino

28 Janeiro 2021


Com o humor acontece algo que não ocorre com nenhuma forma de arte: só é valorizado se você acha engraçado. Qualquer crítico pode reconhecer o valor de um livro ou um filme de que não gosta ou até detesta. Uma pessoa pode dizer que David Lynch é chato e destacar, ao mesmo tempo, que o considera um dos grandes artistas do século. Por outro lado, se um humorista não fizer você rir, será muito difícil que você encontre a generosidade, a paciência e a equanimidade necessárias para afirmar que aprecia seu talento e entender que outros riam com suas piadas.

Porque o humor, como diz o clichê dos críticos preguiçosos, não deixa ninguém indiferente. Se não é engraçado, irrita. Nada incomoda mais do que um engraçadinho. Isso explica algumas reações às opiniões de Fran Lebowitz. Existem muitas pessoas desconcertadas pela força das gargalhadas de Martin Scorsese na série ‘Faz de conta que NY é uma cidade’, da Netflix. “Do que ele ri?”, perguntam-se. Ginia Bellafante fez essa pergunta no The New York Times, intrigada pelos jovens que lotam teatros para escutar o que, para ela, não são mais do que resmungos de uma velha. Bellafante pergunta no título e, 1.300 palavras depois, continua sem saber.

O que dói mesmo é que Scorsese se divirta mostrando os dentes. Pode-se desprezar o gosto das pessoas comuns, mas não o de um deus maior do Parnaso. Se os filmes do diretor significarem algo para você, a admiração passional que ele tem por uma humorista que você despreza é quase uma traição. Ou Scorsese demonstra ser um grosseiro que não merece os louros, ou você está deixando de captar algo sutil e profundo. Ou ele é um idiota ou você é que é, e como a primeira opção parece muito improvável, a aterradora possibilidade da segunda o enfurece tanto que você não percebe que o humor é visceral e não se curva a nenhuma crítica.



domingo, 8 de setembro de 2019

Annie Leibovitz / Pirelli 2016



From the forward of the calendar, Yao Chen

Mulheres
Pirelli 2016
Annie Leibovitz

January, Natalia Vodianova

February, Kathleen Kennedy

March, Agnes Gund, right, and Sadie Rain Hope-Gund

April, Serena Williams


May, Fran Lebowitz

June, Mellody Hobson

July, Ava Duvernay

August, Tavi Gevinson

September, Shirin Neshat

October, Yoko Ono

November, Patti Smith

December, Amy Schumer


Amy Schumer / Yoko Ono