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quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Yoani Sánchez / Conduta, com C de Cuba





Um dos cartazes cubanos do filme.
Um dos cartazes cubanos do filme. DIVULGAÇÃO

Conduta, com C de Cuba

Há décadas nenhum filme nacional era tão popular e provocava tantas opiniões


YOANI SÁNCHEZ
Havana 30 SET 2015 - 11:15 COT

Miguel ganhou muito dinheiro nessa semana. Conseguiu vender quase uma centena de cópias piratas do filme cubano Numa escola de Havana (Conducta, no original). Mesmo com o filme sendo exibido em vários cinemas do país, muitos preferem vê-lo em casa entre amigos e familiares. A história de um garoto de apelido Chala e de sua professora Carmela causa furor e longas filas do lado de fora das salas de exibição. Há décadas nenhuma produção nacional era tão popular e provocava tantas opiniões.
Por que a última obra do diretor Ernesto Daranas está se transformando em um fenômeno social? A resposta vai além das questões artísticas para entrar na força de seu drama. Apesar de contar com uma excelente fotografia e um magnífico trabalho de interpretação dos atores, é o realismo de seu roteiro a mais acabada conquista dessa produção. O filme gera uma empatia imediata com o público, ao refletir suas vidas como se fosse um espelho.
Nas salas escuras e diante da tela, os espectadores aplaudem, gritam e choram. Os momentos de maior emoção na plateia coincidem com os diálogos politicamente mais críticos. “Não estou há mais tempo do que aqueles que nos governam”, responde a professora Carmela quando querem aposentá-la porque está “há muito tempo” no magistério e uma ovação de apoio percorre a sala de cinema nesse instante. A penumbra exacerba o atrevimento e a cumplicidade.
O fenômeno Numa Escola de Havana se explica por sua capacidade de refletir a existência de muitos cubanos. Mas vai além de um simples retrato realista, para se transformar em uma radiografia que toca o âmago do assunto. Uma Cubaonde mal restam preceitos morais para um garoto a anos-luz desse entorno ideal para a infância narrado pela imprensa oficial. Com apenas 11 anos, Chala mantém sua mãe alcoólatra com o que ganha em brigas ilegais de cachorros, mora em uma cidade bruta, injusta, empobrecida até não mais poder.



Uma Cuba onde mal restam preceitos morais para um garoto a anos-luz desse entorno ideal para a infância narrado pela imprensa oficial"

Não é a primeira vez que o cinema cubano mostra o lado duro da realidade. O filme Morango e chocolate(1993) definiu pautas em relação à crítica social, especialmente a discriminação contra homossexuais e a censura artística. O custo de seu atrevimento foi alto, pois demorou 20 anos para ser transmitido pela televisão nacional. O filme Alicia en el pueblo de Maravillas (1991) teve pior sorte, a polícia política encheu as salas de exibição com militantes do partido que lançavam insultos à tela. Numa escola de Havana chegou em uma conjuntura diferente.
A extensão das novas tecnologias permitiu que muitos realizadores de audiovisual finalizassem seus projetos. Roteiros críticos, mordazes e contestadores apareceram nos últimos cinco anos por não precisarem da aprovação e dos recursos do Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográficas (ICAIC). Essa proliferação de curtas, documentários e filmes independentes foi uma conjuntura muito favorável para o filme de Ernesto Daranas. Os censores sabem que não vale a pena vetar esse tipo de filme nos circuitos estatais. As redes ilegais o teriam propagado como se fosse pólvora.



Não é a primeira vez que o cinema cubano mostra o lado duro da realidade, mas este filme chega em um momento diferente"

Uma breve conversa do lado de fora do cinema Yara evidencia a polêmica desatada pela história. “Existem muitas pessoas que vivem melhor do que Chala, é verdade, mas existem outros que vivem muito pior”, afirma um senhor por volta dos 60 anos. Uma jovem responde que se pergunta se o diretor não “exagerou na sordidez das situações narradas”. Outra moça também entra no debate para esclarecer “Você diz isso porque mora em Miramar, onde essas coisas não acontecem”.
Na noite de terça-feira, o jornalista oficial Randy Alonso também estava na fila do cinema para assistir ao filme na última sessão do dia. Atrás dele se escutavam risadinhas e frases como “O que ele está fazendo aqui?”, uma vez que seu rosto é associado a um jornalismo acrítico e adulador do poder. Já dentro da sala de cinema, aqueles que se sentaram perto de Randy não o viram participar do coro de gritos de apoio. Parecia afundar no assento a cada minuto que se passava, querendo passar desapercebido. O que ele via na tela era justamente o contrário do que explica em seu entediante programa Mesa Redonda.
Isso é Numa Escola de Havana, capaz de reunir em uma mesma sala os fabricantes do mito e os oprimidos pelo mito. Quando o projetor for desligado, as portas serão abertas e os espectadores sairão a uma realidade semelhante à do roteiro, mas onde já não poderão se manifestar sob a proteção da penumbra. Chala os aguarda em qualquer esquina.

sexta-feira, 11 de abril de 2014

A eterna luta do cinema cubano




Os atores Alina Rodríguez, a professora, e Armando Valdés, o menino protagonista, em uma cena de “Conducta”
Os atores Alina Rodríguez, a professora, e Armando Valdés, o menino protagonista, em uma cena de “Conducta”

A eterna luta do cinema cubano

O filme “Conducta”, único financiado neste ano pelo ICAIC, repete o fenômeno de “Morango e Chocolate”


Irene Crespo
Nova York, 11 abr 2014

O grande acontecimento audiovisual do ano. É assim que os cubanos definem “Conducta”, o segundo filme do diretor Ernesto Daranas (Os Deuses Quebrados), vencedor no último festival de Málaga da Bisnaga de Prata na categoria Território Latino-americano e que na sexta-feira passada inaugurava o 15º Havana Film Festival de Nova York.
Conducta estreou em Cuba em fevereiro e tem sido um fenômeno parecido ao que foi Morango e chocolate. As pessoas encheram os cinemas durante semanas”, explica Diana Vargas, diretora artística deste encontro nova-iorquino com o cinema latino-americano que neste ano celebra seu nome e que começa com uma homenagem ao cinema cubano.

Os vendedores de pirataria ganham mais que o Instituto”
JORGE PERUGORRÍA

Em Conducta, Ernesto Daranas conta a história de Chala, um menino que trabalha como treinador de cães de briga – uma prática ilegal – para que ele e sua mãe, uma viciada em drogas, possam sobreviver. Nesta situação entra Carmela, sua professora. “Eu estava interessado na situação das crianças em ambientes marginais de Havana. Quando a família e a própria sociedade falham, o papel de um verdadeiro educador é fundamental”, diz Daranas por e-mail desde Cuba.
O diretor lida através de seus personagens com a crise na educação e os valores que se vive na ilha, e seu grande sucesso gerou um debate entre os cubanos. “Qualquer filme que aborde aspectos desfavoráveis da sociedade está aberto à polêmica e isso é o que mais nos estimulou com o impacto de Conducta”, explica Daranas, garantindo que teve “toda a liberdade possível”.



Por enquanto, Conducta é a única produção financiada pelo Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica (ICAIC) neste ano. Em 2013, foram quatro produções. E mais de uma dezena em 2012. Um sintoma evidente da mudança que o cinema cubano vive na última década é que os filmes independentes, sem financiamento do governo, não param de crescer, embora seus produtores não sejam legalizados ou reconhecidos.
“Fazer filmes ainda é algo difícil em Cuba, especialmente porque em uma crise assim o governo prioriza outras coisas”, explica Jorge Perugorría, que leva ao festival seu último filme como diretor e ator, Se vende. “Mas, graças à mídia digital e à capacidade de fazer filmes de baixo orçamento, ainda são produzidos sete ou oito por ano dentro de um cinema independente muito interessante que pode ser visto na mostra de cinema jovem [realizada nestes dias em Havana]”.



Alguns títulos só estreiam em seu país após cinema o sucesso internacional

“É um fenômeno fascinante”, diz Vargas. “Há filmes híbridos, como os de Jorge Perugorría, que trabalha com fundos independentes, mas também com ajuda do ICAIC; os independentes, como os da produtora Quinta Avenida que estão por trás de Melaza ou Juan de los muertos; e casos como Jirafas, de Enrique Kiki Álvarez, totalmente independente, em regime de cooperativa”.
De fato, em maio completará um ano desde a publicação de uma carta aberta de Kiki Álvarez aos cineastas sobre a situação do cinema cubano. “O ICAIC produzia pouco, a distribuição estava parada; além da deterioração do patrimônio cinematográfico, o mau estado das salas...”. E, como no mundo todo, a pirataria. “O cubano criou seus mecanismos para compartilhar informações sobre o que está acontecendo em Cuba em todos os lugares em que estão e agora são portais para a pirataria”, explica Perugorría sobre uma prática permitida. “Os vendedores de discos ganham mais dinheiro do que o ICAIC nos cinemas”.
Após a carta, formaram uma assembleia que se reúne regularmente desde então, e redigiram uma declaração. “Resume-se em uma nova Lei do Cinema”, diz Álvarez, que termina seu novo filme Venecia, também independente. “A (lei) que que existe é da fundação do ICAIC (1959), que não tem operação nas novas circunstâncias econômicas da sociedade cubana. Precisamos de uma nova lei na qual se reconheça o trabalho de produtores independentes, o Estado crie um fundo de desenvolvimento e onde o ICAIC articule tudo isso”.




Diante das dificuldades para produzir, as travas para distribuir uma produção independente e alguns contratempos, como uma ordem recente do Ministério do Interior para controlar autorizações de filmagens que, segundo Perugorría, já foi suspensa, surgem outras opiniões. “Levamos um ano falando destas mudanças e nada aconteceu”, diz Carlos Lechuga, que está no festival de Nova York com Melaza, sua obra-prima (disponível na página da Internet Filmin), lançada em Cuba só depois de seu sucesso internacional. Ele já está envolvido na produção de seu próximo filme, “um de vampiros”. “Estou buscando investidores porque o ICAIC não responde”, diz. “Alguém como Kiki é a esperança: se te dão por todos os lados, pode fazer um filme em sua casa. Mas eu quero crescer neste negócio, tentar gêneros sem medo para o cinema comercial e não posso fazer um filme de vampiros em minha casa”.
Nesta atmosfera de expectativa e de incerteza, Conducta foi uma “recuperação”, segundo Kiki Álvarez, um certo respiro para o cinema cubano dentro de Cuba que voltou a voar sozinho. “Há uma revalorização e interesse, filmes que conseguiram entrar de novo em festivais, como Jirafas e Melaza em Roterdã”, continua Álvarez. “Sou otimista: estamos conseguindo criar expectativas em torno do cinema que fazemos, agora nos cabe cumpri-las”.