quarta-feira, 11 de junho de 2014

O último livro de Vargas Llosa / Radiografia sem diagnóstico



O último livro de Vargas Llosa
Radiografia sem diagnóstico

Por Emir Sader


É um livro triste, melancólico, angustiado. Vargas Llosa denunciando a vulgarização da cultura: “a cultura, no sentido que tradicionalmente foi dado a este vocábulo, está nos nossos dias a ponto de desaparecer. Talvez já tenha desaparecido, esvaziada discretamente de seu conteúdo e este substituído por outro, que desnaturaliza o que teve”.
O livro se chama A civilização do espetáculo, edição original da Alfaguara. Nele Vargas Llosa reivindica fortemente o sentido que ele dá à Ilustração, a que ele contrapõe a civilização do espetáculo, definido por ele como:
“o de um mundo em que o primeiro lugar na tabua de valores vigente é ocupado pelo entretenimento e em que se divertir, fugir do aborrecimento, é a paixão universal”.
Llosa denuncia a banalização da cultura, a generalização da frivolidade e a proliferação do jornalismo irresponsável “da fofoca e do escândalo” no campo da informação.
Qual o diagnóstico dele? Em primeiro lugar o bem estar social no ocidente, que teria levado a uma grande abertura dos parâmetros morais, a começar pela vida sexual. Com isso aumentou o ócio, como grande estimulo para as industrias da diversão, promovidas pela publicidade, “mãe e mestra mágica do nosso tempo”.
A democratização da cultura também teria contribuído – o que teria tido “o indesejável efeito de trivializar e adoçar a vida cultural, em que certo “facilismo” formal e a superficialidade do conteúdo dos produtos culturais se justificavam em razão do propósito de chegar ao maio numero”. A quantidade teria triunfado sobre a qualidade, gerando “demagogias”, com a temida “desaparição da alta cultura”.
A literatura de maior sucesso na nossa época passou a ser a “literatura light”, a critica literária teria praticamente desaparecido, propaga-se o conformismo, a complacência e a autossatisfação. A cozinha e a moda ocupam boa parte das secções dedicadas à cultura. “Os fornos, os fogões e as passarelas se confundem dentro das coordenadas culturais da época com os livros, os concertos e as operas, assim como as estrelas da televisão e os grandes jogadores de futebol exercem sobre os costumes, os gostos e as modas a influencia que antes tinham os professores, os pensadores e (ainda antes) os teólogos.” Edmund Wilson deu lugar a Oprah Winfrey.
A publicidade foi preenchendo lugar deixado livre pela desaparição da crítica, “convertendo-se esta em nossos dias não apenas em parte constitutiva da vida cultural, como em seu vetor dominante”. A obra literária passou a ser considerada um produto comercial, submetido aos vaivens do mercado, “o preço passou a confundir-se com o valor de uma obra de arte”. Se eclipsa o intelectual e os debates públicos que interessam: “…na civilização do espetáculo, o intelectual só interessa se faz o jogo de moda e se torna um bufão”.
Por aí segue a radiografia que faz Vargas Llosa do que se transformou a cultura no mundo contemporâneo. Pode-se concordar com quase toda radiografia que ele faz. O que falta é o diagnóstico de por que isso se dá. A ausência do capitalismo, da mercantilização da sociedade e da vida cultural, da alienação como fenômeno central na sociedade de mercado, lhe impede de chegar ao diagnostico real e profundo do por que dessa situação. Esse é o limite da consciência de um liberal.
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Emir Sader nasceu em São Paulo, em 1943. Formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, é cientista político e professor da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). É secretário-executivo do Conselho Latino-Americano de Ciências Sociais (Clacso) e coordenador-geral do Laboratório de Políticas Públicas da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj). Coordena a coleção Pauliceia, publicada pela Boitempo, e organizou ao lado de Ivana Jinkings, Carlos Eduardo Martins e Rodrigo Nobile a Latinoamericana – enciclopédia contemporânea da América Latina e do Caribe (São Paulo, Boitempo, 2006), vencedora do 49º Prêmio Jabuti, na categoria Livro de não-ficção do ano. Colabora para o Blog da Boitempo quinzenalmente, às quartas.

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