sexta-feira, 25 de setembro de 2020

“Já não sou eu” / Os últimos dias de Robin Williams


Robin Williams em uma foto promocional tirada em 2013, um ano antes de sua morte.
Robin Williams em uma foto promocional tirada em 2013, um ano antes de sua morte.

“Já não sou eu”: os últimos dias de Robin Williams, um gênio que estava se quebrando por dentro

O ator se suicidou apenas seis meses depois de começar a notar os sintomas da demência com corpos de Lewy, uma doença que ele nunca soube que sofria. Um novo documentário nos apresenta os últimos dias de um dos comediantes mais brilhantes da história




Juanjo Villalba
22 sep 2020

Você pode imaginar a dor que ele deve ter sentido quando percebeu que sua mente estava se desintegrando? E além disso, devido a algo desconhecido", diz Susan Schneider Williams, viúva de Robin Williams, no novo documentário que narra os últimos meses de sua vida, Robin’s Wish (“o desejo de Robin”), dirigido por Tylor Norwood.

Na manhã de 11 de agosto de 2014, Susan se levantou logo e, como sempre, esperava encontrar Robin já de pé, andando pela casa e disposto a praticar uma hora de meditação. Já fazia meses que era evidente que algo não estava bem na cabeça de seu marido. Williams tinha dificuldades para atuar, para lembrar suas falas, para se relacionar com seus amigos e sair de casa, dormia muito mal, seu braço esquerdo não respondia, e ficava obcecado com coisas absurdas —como uma noite em que se convenceu de que um de seus melhores amigos, o comediante Mort Sahl, ia morrer antes do amanhecer e ligou insistentemente para ele, com o consequente desespero porque não obtinha resposta. Mort continua vivo; naquele dia, estava dormindo.

A meditação era uma das poucas coisas que o ajudavam a se sentir melhor. “Meditávamos juntos todas as manhãs. Quando me levantei e vi que a porta do quarto dele ainda estava fechada, pensei: ‘Meu Deus, está dormindo! É um ótimo sinal’”, conta Susan no documentário. “Então chegou o assistente dele, porque tinham trabalho a fazer e já era hora de sair, e eu lhe disse: ‘Mande-me uma mensagem quando ele acordar’. Logo depois, recebi uma que dizia: ‘Ainda não se levantou, o que devo fazer?’”, prossegue. “Aí vi que tinha algo errado, muito errado. Respondi: ‘Acorde-o imediatamente e me chame’. Ele me chamou e…”.

Robin Williams se enforcou durante aquela noite em um armário do quarto em que dormia sozinho devido a seus problemas de insônia e ao fato de que, por sua doença, tinha alucinações que o faziam gritar de madrugada. Quando a notícia foi divulgada, o bairro tranquilo em que viviam no norte de San Francisco, onde Williams gostava de se comportar como qualquer outro morador, foi tomado por jornalistas, câmeras de televisão, caminhões com antenas enormes e até um helicóptero que fazia imagens aéreas da área. Nas semanas seguintes, a mídia não parou de especular sobre as causas do suicídio: drogas, depressão, transtorno bipolar e bancarrota.

Desde a morte de Robin Williams, sua viúva, Susan Schneider Williams, promove ações de conscientização sobre a demência com corpos de Lewy.
Desde a morte de Robin Williams, sua viúva, Susan Schneider Williams, promove ações de conscientização sobre a demência com corpos de Lewy. 



Ninguém tinha razão, mas ainda há pessoas que pensam que essas coisas tiveram algo a ver. O documentário não se detém muito nas especulações da mídia após a morte de Williams. Enfoca o que ocorreu alguns meses depois, em outubro de 2014, quando Susan recebeu o resultado da autópsia e descobriu que, na verdade, a causa de tudo aquilo foi a demência com corpos de Lewy.

“A demência com corpos de Lewy é uma doença devastadora”, resume no documentário o médico Bruce Miller, diretor do Centro de Memória e Envelhecimento da Universidade da Califórnia em San Francisco, que tratou pessoalmente do caso do ator. “É letal e evolui rapidamente. Analisando como afetou o cérebro de Robin, descobri que foi o caso mais agressivo de Lewy que já vi em todos os meus anos de carreira. Praticamente todas as áreas de seu cérebro tinham sido afetadas. É realmente surpreendente que pudesse se mover e caminhar”. Ele finaliza: “As pessoas com cérebros excepcionais, que são incrivelmente brilhantes, costumam resistir e tolerar melhor as doenças degenerativas do que as que têm um cérebro normal. Isso demonstra que Robin Williams era um gênio”.

Essa doença se caracteriza pelo acúmulo de uma proteína em determinadas áreas do cérebro, formando placas (os chamados corpos de Lewy) bastante semelhantes às que podem ser observadas nas doenças de Alzheimer e de Parkinson, ambas com sintomas muito similares. Esses acúmulos fazem com que o cérebro não funcione corretamente. “Quando li os sintomas: mudanças de humor, problemas de movimento, depressão, medos, ansiedade, alucinações, problemas de sonho, paranoia…”, comenta Susan sobre esse momento em que percebeu que tudo se encaixava. “Se simplesmente tivéssemos sabido o nome da doença que Robin tinha, só isso já teria lhe dado um pouco de paz”. Mas esse tipo de demência só pode ser diagnosticado depois da morte do paciente.

“Ele estava muito frustrado. Lembro que me disse: ‘Já não sou eu. Não sei o que está acontecendo comigo. Já não sou eu’”, conta Shawn Levy, diretor de Uma Noite no Museu 3: O Segredo da Tumba, seu último filme, que foi um inferno para o ator. “Quando estávamos com um mês de rodagem, era evidente que algo estava acontecendo com ele. Sua mente já não funcionava com a mesma velocidade. Sua chispa tinha se apagado. Tivemos de reformular algumas cenas para que pudesse gravá-las, foi mais trabalhoso para mim, mas faria qualquer coisa por Robin”.

“Ele sofreu muito durante a filmagem”, continua Levy. “Telefonava às dez da noite, às duas, às quatro da manhã, perguntando: ‘O que gravamos hoje poderá ser usado? Estou indo bem?’. Eu tinha de tranquilizá-lo o tempo todo, dizia-lhe: ‘Você continua sendo você, todo mundo sabe. Não se esqueça disso, por favor’”.

O legado do ator

O legado de Robin Williams é vasto e vai muito além dos filmes e de seu trabalho como ator. Desde o começo de sua carreira, dedicou-se a visitar hospitais (não parece coincidência que tenha interpretado o médico Patch Adams), organizou eventos beneficentes em favor da alfabetização e dos direitos das mulheres, e viajou ao Afeganistão, ao Iraque e a outros 11 países para animar as tropas americanas enviadas para lá.

Para o grande público, entretanto, Williams será lembrado por suas interpretações como o gênio de Aladdin, o professor de Sociedade dos Poetas Mortos, O Pescador de Ilusões e Uma Babá Quase Perfeita. “Acompanhei Robin por dois dias nas sessões de dublagem de Aladdin e vê-lo trabalhar fazendo todos aqueles personagens foi incrível”, conta o ator Stanley Wilson, amigo de Williams. “Estava fora de si, estava tão feliz! Dizia aos técnicos: ‘Espere, vamos fazer outra tomada. Tenho uma ideia e acho que o posso fazer melhor’. ‘O que você quer dizer com isso de que pode fazer melhor?’, respondiam eles, chorando de tanto rir”.

“Algumas das coisas mais divertidas dos filmes Uma Noite no Museu são ideias que Robin teve na hora. Havia muita improvisação”, destaca Shawn Levy. “Às vezes, Ben Stiller e eu nos olhávamos alucinados por estar vendo Robin Williams em todo seu esplendor. Essa espécie de loucura, incrivelmente criativa, um poço sem fundo de ideias, essa capacidade, era como um superpoder”.

Depois que soube a causa real da morte de Robin, sua mulher, Susan, percorreu os estúdios de televisão mais importantes dos Estados Unidos para contar a verdade sobre a morte de seu marido e também para conscientizar o grande público sobre a demência com corpos de Lewy, uma tarefa à qual continua dedicando todos os seus esforços e que também é um dos motivos fundamentais da gravação deste documentário, filmado em colaboração com várias associações médicas dos EUA.

“O cérebro é uma glândula extraordinária. Quando você acha que conseguiu entendê-lo, ele surge com algo novo”, diz Robin Williams em uma das entrevistas que aparecem no documentário. Em vários outros momentos do filme, aparecem fragmentos nos quais o comediante fala de uma ou outra forma sobre cérebro, sobre como nos surpreende, como nos deslumbra. É como se o assunto o obcecasse, e o fato é que, desde que a doença começou a lhe causar sérias dificuldades até o momento em que decidiu acabar com a própria vida, passaram-se apenas seis meses. Seu cérebro era sua ferramenta, seu superpoder, e Williams não conseguiu suportar que parasse de funcionar como sempre.

EL PAÍS





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