quinta-feira, 25 de julho de 2019

Aos 77 anos, Elza Soares homenageia Lupicínio em shows e dispara: “a velhice só existe em cabeça fraca”





ELSA SOARES



Aos 77 anos, Elza Soares 

homenageia Lupicínio em shows 

e dispara: “a velhice só existe 

em cabeça fraca”


Postado por Redação Donna
16-12-2014 às 12h25

* Por Rosangela Honor, Especial, Rio de Janeiro





Após alguns minutos do horário marcado para a entrevista, Elza Soares entra na sala do confortável apartamento em que mora, de frente para o mar de Copacabana, no Rio de Janeiro. De turbante coral, saia longa florida e blusa verde, ela caminha devagar: resultado da última das três cirurgias a que foi submetida nos últimos três anos para resolver problemas de coluna. A cantora que ganhou o título de a Voz do Milênio pela BBC de Londres se diz animada com a vida. Elza não transmite nenhuma mágoa por tudo o que enfrentou, desde os tempos em que era uma menina muito pobre, que mal tinha o que comer, até se transformar numa das vozes mais potentes do cenário musical brasileiro.
Na entrevista que concedeu a Donna, ela fala do show Elza Soares Canta e Chora Lupicínio, que fará em homenagem ao centenário do cantor, no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, nesta terça e quarta-feira, dias 16 e 17, às 21h – para os quais resta apenas ingressos de galeria, a R$ 40. Diz que o cantor a tornou reconhecida como artista e como pessoa com a música Se Acaso Você Chegasse. Saboreando uma xícara de café, Elza relembra momentos tristes e marcantes da vida, como a perda dos filhos, o casamento precoce, aos 12 anos, a grande paixão por Garrincha e tudo o que enfrentou para conseguir viver esse amor. Separada há três anos, fala sobre o preconceito que enfrentou por namorar homens mais jovens e afirma que convive bem como o espelho: “A velhice só existe em cabeça fraca”.
Donna – Por que decidiu homenagear Lupicínio novamente?
Elza Soares - É uma felicidade imensa cantar Lupicínio, ele não só me fez reconhecida como artista como me fez ser reconhecida como gente, como pessoa, como mulher. Ser negra, pobre e mulher é muito difícil. Ele me fez superar não o complexo, porque nunca tive complexo por ser pobre ou negra, mas ele me tornou reconhecida. Sempre fui à luta, nunca precisei de espelho para saber a minha cor. Sempre passei por cima disso tudo com uma dignidade incrível. Deus me presenteou e me deu uma garganta que é o maior presente do mundo, um presente tão grande que o fato de ter sofrido por ser pobre e negra ficou esquecido. Não existe presente maior do que ser reconhecida por sua voz, por seu trabalho, por seu esforço. Meus filhos vão se lembrar de mim como uma uma mulher que nunca soube o que era ser negra e pobre. Eles vão lembrar de mim como um ser humano.
Donna – Você se identifica com o universo de Lupicínio?
Elza Soares - As canções do Lupi têm tudo a ver comigo, porque sou toda amor, toda paixão, sentimento. Já me doei toda, só não doei minha alma porque não tem como. Mas as doações que eu fiz ao longo da minha vida foram doações dolorosas, todas tinham um patamar de tortura, de um pagamento muito alto. E vou pagando do jeito que posso, vou cantando por aí a vida… Vou cantando tudo o que o Lupi escreveu com essa voz que Deus me deu.
Donna – Considera sua voz um presente divino diante de todas as adversidades da sua vida?
Elza -
 A minha voz é um presente de Deus, fui beneficiada, acho que Deus olhou para mim e disse: “Não se incomode com nada disso, não. Pode comer na sua latinha, pode dormir na sua esteira, pode ter goteira no teu barraco, porque você tem uma garganta que papai do céu te deu de presente. Fica calma porque o que é seu está reservado”.
Donna – Como foi superar tanta dificuldade, algum ressentimento?
Elza - Não, aprendi que a pancada ensina. Não é só o beijinho que faz feliz, não. Às vezes, as pancadinhas também te colocam pra cima. Quando fui cantar no programa de calouros do Ary Barroso, eu disse que vinha do Planeta Fome, só disse isso a ele para mostrar que eu não era uma neguinha qualquer, uma idiota, uma imbecil que não sabia falar. Quando ele me viu entrar no estúdio com duas marias-chiquinhas e o cabelo durão, com uma roupa horrorosa e uma sandália tô-na-merda, ele olhou pra mim. Todo mundo no estúdio estava rindo compulsivamente, mas eu não me abalei, pensei: “Pode rir, eu sei o que estou fazendo”. Quando ele me perguntou o que eu estava fazendo ali, eu disse: “Aqui é um programa de calouros, né, seu Ary, e eu vim cantar”. E ele me perguntou: “E quem disse que você canta?”. Eu respondi: “Eu sei que canto”. Ele me perguntou que música eu iria cantar e respondi: “Lama”. Ele indagou. “De que planeta você vem?”. Eu respondi: “Do mesmo planeta seu, seu Ary. O Planeta Fome”. Naquele momento, todo mundo parou de rir. Eu estava ali para salvar meu filho, que estava doente e desnutrido. Quando comecei a cantar e ele ouviu minha voz, percebi que ele pensava “o que é isso?”. Ele ficou meio assustado. Quando acabei de cantar, ele já estava abraçado comigo e dizendo: “Senhoras e senhores, neste momento nasce uma estrela”. Não entendi o que ele queria dizer, pensei que ia cair uma estrela em cima de mim.
Donna – Você passou por muitas perdas, muitas dores, mas nunca perdeu sua alegria de viver. Como conseguiu isso?
Elza - Não perdi a coragem e não perdi a fé. A dor chega e não escolhe, ela pisa, desgasta, maltrata, mas, se você der confiança ao que ela está fazendo, você se acaba. Eu sempre pensava: estou aqui por alguma razão, não vim aqui para ser essa pinta que carrego na boca, vim para ser uma mancha. Esta mancha não pode ser uma pintinha qualquer.
Donna – Você sempre teve a certeza de que seria uma estrela da música?
Elza - Não sei se sabia que seria uma estrela, mas quando eu estava naquele barraco, vendo a fome dos meus filhos, a dureza, eu tinha certeza que não seria uma lavadeira como a minha mãe, alguma coisa me dizia que sairia daquela vida. Eu seria até prostituta se tivesse que ser para cuidar dos meus filhos, mas ser pisada e humilhada eu não seria. As pessoas que têm uma cultura a mais olham para as outras com desdém; eu não nasci para ser desdenhada, cuspida ou humilhada por ninguém. Dentro do meu trabalho, sempre incentivo os negros e as mulheres e digo: “Não para, vai em frente, segue, você está aqui por alguma razão e não pode decepcionar os outros. Tem que aprender com os seus pés, com as suas próprias dores”.
Donna – Como foi ser obrigada a se casar aos 12 anos, sente que sua infância foi roubada?
Elza - É estranho, mas continuei a minha infância através dos meus filhos, continuei brincando com eles. Na verdade, acho que vivi minha infância através deles e nunca deixei me abalar. Acho que eu não sabia nem o que era infância. Eu sabia o que era carregar lata d’água na cabeça. Não me assustei porque não sabia o que aquilo queria dizer, não sabia de nada. O meu pai achava que estava zelando pela minha conduta quando me encontrou no meio do mato com aquele que viria a ser o meu marido, mas se ele tivesse me levado para fazer um exame ia saber que não tinha acontecido nada. Ele viu aquela cena, eu brigando com o cara dentro do mato por causa de um louva-a-deus, eu estava com minha boca sangrando, a roupa rasgada e a cara arranhada, então ele achou que tivesse acontecido alguma coisa. Eu era uma pestinha. Meu pai trabalhava numa pedreira e todo dia eu levava café para ele. Naquele dia, fui descendo com o louva-a-deus e com o café, gostava do barulho do bichinho, brincava com ele nas mãos. Naquele momento, um cara vinha subindo, eu me assustei e derrubei o café do meu pai – e quando derrubei o café eu parti pra cima dele. Meu pai viu essa cena e não entendeu. Ele me viu batendo no garoto e ele batendo em mim. E disse resultou um casamento.
Donna – E como se sentiu quando ficou viúva com apenas 18 anos?
Elza - Foi uma luta, mas, na verdade, minha luta já tinha começado cedo. Com essa idade eu já cantava escondida do meu pai em alguns programas. A morte do meu marido foi mais uma perda, mas, com aquela idade, eu já tinha perdido dois filhos. Ele morreu tuberculoso, naquela época não existia tratamento, o tratamento era separar as pessoas. Ele foi se tratar e não voltou. Eu tinha três filhos nesta época e continuei trabalhando para sustentar todos eles. Eu já estava acostumada com ele, mas não sabia o que era amor, não.
Donna – Você teve quantos filhos?
Elza - Tive nove filhos e hoje tenho cinco filhos vivos. Já perdi a conta do número de netos, mas todos são lindos de doer. Eles estão sempre aqui, comigo. Mas não me sinto avó, me sinto amiga deles. Eles me chamam de Elza, quando me chamam de vó eu levo um susto e pergunto: “O que é isso?”. A mesma coisa acontece quando me chamam de mãe. Pergunto logo: “O que aconteceu?”. Eles riem e respondem: “Ok, Elza, fica tranquila”. A gente é mais irmão do que filho. Somos uma família que briga, que fica de bem, família que diz não falo nunca mais. Tudo mentira, daqui a pouco vem todo mundo pra cá e fica tudo bem. Família que não briga pra mim não é família.
Donna – Quando descobriu-se cantora?
Elza - Eu parecia uma cigarra, cantava o tempo todo, ia para todo lugar cantando, incomodava as pessoas. Era chata, cantava o tempo inteiro. Eu tinha um irmão que era músico e ele dizia: “Se você canta mesmo, vai lá na escola, eles estão selecionando, quero ver se você passa”. Eu fui. As pessoas se encantavam com a minha voz, mas eu mesma não tinha essa certeza. Eu sei que é um vozeirão, que é uma voz de porte, uma voz única, mas até hoje me assusto.
Donna – Você foi uma mulher de muitas paixões. Quem foi a sua maior paixão?
Elza - O Mané (Garrincha) foi minha grande paixão, ele era o homem. Sabe aquelas coisas que você não entende o que acontece, você vira gueixa, vira boba, idiota. Ele sem dúvida foi minha grande paixão, mas uma paixão doída. Uma paixão que machucava.
Donna – Você enfrentou muita coisa por causa desse amor?Elza - As pessoas diziam que eu estava prostituindo o samba, que eu estava misturando samba com futebol. Hoje quantas mulheres estão ponderosas porque estão ligadas a alguém do futebol? Quando eu perdi meu grande amor, que era o Mané, ele estava paupérrimo e a ponderosa era eu. Eu já era Elza Soares quando comecei namorar o Garrincha, foi paixão mesmo. Hoje, quando você vê essas mulheres nas capas de revistas, é porque o jogador é poderoso, ele é o poder e ela vira logo capa de revista, vira modelo.
Donna – Essa paixão trouxe muitos problemas para você, não é?
Elza - Fui expulsa do país. Eu tinha uma casa no Jardim Botânico que foi alvejada por tiros, metralhada. Meu único crime foi gostar de um homem. As pessoas me acusavam de destruidora de lares. Quando eu entrava num restaurante, a primeira coisa que a mulher fazia era segurar o braço do marido para mostrar que aquele tinha dona. Eu dizia: “Pode segurar, esse é muito ruim, não quero pra mim”. Recebi um bilhete para sair do país em 24 horas – e eu e Mané tivemos que ir embora. Fomos para a Itália, e nossos maiores amigos lá foram o Chico Buarque e a Marieta Severo, que nos receberam de braços abertos. Ficamos quatro anos lá. Eu cantava e cuidava muito do Mané, porque você consegue imaginar um índio numa selva de pedra? Ele ficou sem trabalho, e eu louca para que ele conseguisse jogar. O presidente de um clube chegou a ir até ele para conversar, mas justo naquele dia ele estava bêbado. Tive que escondê-lo para que não vissem como ele estava, mas eles desconfiaram e não o contrataram.
Donna – O que separou vocês?
Elza - Foi a bebida, a bebida e o meu filho. Não queria que o meu filho visse aquilo. Mas não gosto de lembrar disso, sou feliz, graças a Deus, e não gosto de lembrar disso.
Donna – Mesmo assim valeu a pena viver esse amor?
Elza - Claro, sempre vale. Não adianta dizer que não vale porque você viveu aquilo, passou por cima daquilo tudo, teve a coragem de enfrentar. Então, sempre vale a pena. Estive casada com o Mané por muitos anos e hoje quem recebe a pensão é a outra, não sou eu. Não recebo nada dele. Outro dia pensei: “Queria buscar meus 17 anos de vida ao lado do Mané”. Fiquei sem emprego: não me deixavam cantar em lugar algum porque aonde eu chegava era ameaçada de morte. Tive uma vida difícil, mas não quero falar disso. Eu sou a Elza, mulher do Garrincha durante 17 anos. As pessoas me excluíam, sofri muito, até muros eu pulei, jogaram pedra no meu carro… Não queiram saber o que passei. Mas valeu, seu Mané é seu Mané.
Donna – Como foi tentar ajudá-lo a superar o álcool?
Elza - Essa foi uma parte muito dolorosa da minha vida, muito triste, de que não gosto de falar, mas gosto de fazer um alerta. Esta é a pior droga, é uma droga que está aí para qualquer um, em qualquer esquina. Qualquer criança de 14 ou 15 anos pode consumir. Ganhei uma estrela na minha vida, que era ele, e vi essa estrela ir diminuindo, se apagando, porque o álcool é uma desgraça, bicho maldito. Arrumei muitos inimigos, porque os amigos dele ficavam revoltados quando eu ia num bar tirá-lo da bebida. Quando eu sabia aonde ele estava, chegava de carro e dizia: “Mané, vamos embora”. Os amigos dele ficavam possessos, mas eu não me importava e o levava.
Donna – Você passou pelas perdas dos seus filhos, do Garrincha e do filho que vocês dois tiveram juntos. Como se faz para superar uma perda como a de um filho?
Elza - Você não consegue, você não supera, você convive com ela, com essa dor. Perdi outros filhos, mas o Garrinchinha foi com quem tive mais convivência. Tem hora em que sinto o cheirinho dele, converso com ele. Essa é a verdadeira dor de alma, você procura onde está a dor e ela está dentro, vem de uma maneira muito cruel. Mãe nenhuma se prepara para a morte de um filho. Muitas vezes, a minha alegria é em função dele. Eu acho que ele ficaria muito feliz se chegasse aqui e encontrasse uma árvore de Natal, ele gostava de montar árvore de Natal, a gente se sentava no chão e ria muito. Acho que todos esses enfeites que você está vendo na minha casa hoje são uma homenagem a ele.
Donna – Mas hoje você vive bem e com conforto?
Elza - Vivo muito bem, mas não tenho grandes manias, vivo de maneira simples. Gosto de receber amigos. Tenho muitos conhecidos e alguns amigos
Donna – E o seu namorado?
Elza - Não tenho mais namorado, me separei. Por enquanto estou apaixonada por mim, não sabia que eu era tão gostosa, se soubesse disso… (risos) Estou casada com a Elza Soares, estou me achando ótima, durmo comigo.
Donna – Mas não está sentindo falta de uma companhia, de um namorado?
Elza - Por enquanto, não, a coluna não está deixando… Ela não permite. (risos) Estou sozinha há três anos. Passei por muito preconceito, não só com este namorado, porque já namorei muitos homens mais jovens, mas não estou nem aí… Porque, quando chegava em casa, quem recebia o carinho era eu. Nunca liguei para isso, e quem estiver com inveja que arranje um também que eu vou dar parabéns.
Donna – Você foi casada quantas vezes?
Elza - Sabe que eu perdi as contas? Casada mesmo foram duas vezes, mas morar junto… Já perdi as contas. É como na música do Martinho da Vila, quando ele canta: “Já tive mulheres de todas as cores”, eu penso, essa sou eu. Já tive homens de todas as cores. Queria fazer essa versão, um dia ainda vou cantar isso, já tive homens de todas as cores. Mesmo que digam que sou uma prostituta eu não ligo, não sou uma mulher normal. Sou uma mulher que sente prazer e que tem muito prazer em viver. Por que os homens podem namorar várias mulheres e as mulheres não podem namorar vários homens? Estou mais aprimorada, mais sábia, mais elaborada, e essa gente não sabe de nada.
Donna – Considera-se uma mulher transgressora?
Elza - Completamente. Acho que a gente está aqui por algum motivo, então a gente tem que viver, passar. Eu não tenho idade, não tenho época, meu nome is now sempre, sou o agora. Nosso país é muito preconceituoso com tudo: com sexo, com cor, com idade, com tudo. Eu sou transgressora de verdade, a cada momento que passo fico melhor.
Donna – Como lida com o envelhecimento?
Elza - Não fiquei velha. A velhice só existe em cabeça fraca. Para quem tem cabeça, a velhice não existe, você continua sendo maravilhosa. Nunca tive crise alguma, aos 40 fui mãe. A crise não bateu a minha porta, ela passou e bateu à porta do vizinho. Essa questão nunca foi um problema para mim. Quando algo não me agrada, vou ao médico e digo: “Doutor, o espelho me pediu para tirar isso, dá uma olhada?”. Sei que já estou precisando ir ao médico novamente, o espelho já me disse isso, mas estou me segurando por causa da coluna. Mas logo que a coluna aguentar um pouco mais vou lá novamente.
Donna – Você parece ser muito vaidosa…
Elza - Sou muito, mas quando estou em casa gosto de estar à vontade, de andar nua, adoro não usar roupa, gosto da sensação de liberdade. Ninguém nasceu para estar fechada, trancada.
Donna – Você tem uma pele privilegiada. Quais são os seus cuidados para mantê-la bonita?
Elza - É a genética mesmo, a natureza. Eu não tenho uma celulite, uma estria, não tenho nada. Eu tenho uma dermatologista que uma vez por semana vem na minha casa, faço esfoliação para manter o corpo com a pele boa, mas é a minha genética que é boa mesmo e me dá essa pele ótima.
Donna – Você sempre se cuidou muito. Continua assim?
Elza - Até hoje malho muito, tenho um personal, o Miro, que já virou meu amigo. Tenho uma alimentação supersaudável, tenho as semanas das saladas, do verde, quem trabalha comigo já sabe. Faço musculação, aeróbica… Faço tudo. Sempre tive um corpo invejável, sempre tive pernas maravilhosas, um pernão que assusta todo mundo. Faço isso porque sou vaidosa e por uma questão de saúde. Agora não estou podendo mais correr por causa do problema da coluna, mas corria diariamente. Sou rata de academia. Sempre estive sadia. Agora, com esse problema na coluna, me deu uma calmaria. Foram três cirurgias pesadas. Na primeira delas, o médico disse que eu corria o risco de morrer, de ficar com a fala comprometida e de perder a voz. Eu disse que não ia operar, mas ele me convenceu. Quando saí da cirurgia dei um grito e vi que não tinha perdido a voz, mas foi um susto. Quando fiz a cirurgia da lombar corria o risco de ficar na cadeira de rodas, mas como não mexia com a minha voz eu disse: “Então vamos lá, não mexendo com a garganta da nêga está tudo bem”. Antes de me operar trabalhei muito de cadeira de rodas, e mesmo depois da cirurgia ia fazer shows na cadeira de rodas. Quando chegava no palco, saía da cadeira e sentava numa poltrona. Este show ainda estou fazendo sentada numa poltrona, mas me movimento.
Donna – Você sofreu muito com o racismo?
Elza - Sofri várias coisas. Até hoje nunca tive um patrocínio, e acho que isso é um racismo velado. Todo mundo diz: “Essa mulher é incrível, essa mulher tem uma voz maravilhosa”. Mas nunca ninguém disse: “Vou patrocinar essa cantora”. Eu me patrocino sempre, por isso posso dizer que sou dona de mim, trabalho muito. Gostaria de ter um grande patrocinador porque quero comprar um pedaço de terra e fazer uma casa para cada filho, o Cantinho Elza Soares. Eu teria a minha casa e cada um teria a sua. Quero ser bem patrocinada, ganhar bem para trabalhar mais e realizar esse sonho. A Bethânia uma vez disse que esse país me deve muito, acho que está na hora, porque já me proibiram de cantar e me proibiram de viver quando tive que sair daqui disfarçada.
Donna – Você faz quantos shows por mês?
Elza - Para janeiro de 2015 já tenho 10 shows fechados. Neste mês tenho nove. Eu não fico cansada, só fico cansada quando não saio para fazer meus shows. O palco é minha vida, meu passeio, meu descanso, no palco tenho as férias que preciso tirar. Adoro a minha casa, não gosto de rua, sou caseira.
Donna – Como você enfrentou este período em precisou fazer as cirurgias?
Elza - Eu saí daqui de Copacabana, do meu apartamento, e fui morar no Flamengo. Não queria que ninguém me visse mal, de cadeira de rodas. Fiquei praticamente três anos sem poder me mexer, só saía na cadeira de rodas para os shows. Só voltei (para casa) recentemente, quando melhorei. Foi um momento muito doloroso, amargo demais porque, quando a gente não está bem, tudo o que acontece em sua vida, o lado amoroso, o lado físico, intelectual fica ruim. Você fica meio desamparada, e o lado amoroso mingua nessa hora. Mesmo assim, a vida é uma delícia, a vida é show.
Donna – Qual o segredo para manter essa voz que já ganhou o título de Voz do Milênio?
Elza - Não sair de casa, dormir cedo, não tomar sorvete toda hora. Sempre tive esses cuidados com a minha voz. Não acreditei quando ganhei esse título, porque o Brasil não me deu a mínima bola. Mas não ligo, não. Não gosto de falar disso, mas acho que não tenho o reconhecimento que mereço – e, se dissesse o contrário, estaria brigando comigo mesma. Não tenho o reconhecimento de que gostaria, mas eu me reconheço, não tem problema.
Donna – Pensa em cantar até quando?
Elza - Até a hora que der. Eu brinco com a plateia e digo: “Gente, não vou me mexer muito senão vai começar a cair prego no chão”. São os pinos que eu digo que são pregos, são 17 pinos. Brinco dizendo que eu também fui crucificada.
Donna – Apesar de tudo, valeu a pena?
Elza - Valeu muito. É delicioso viver. Não é presunção, não sou melhor do que ninguém, mas gosto de abrir um bom champanhe, comer caviar e não sentir o cheiro da carne seca que eu comia. Comia feijão com feijão, feijão com farinha. Não estou pisando em ninguém, tudo o que conquistei foi presente de Deus. Adoro viver de maneira simples, mas confortável.

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