quarta-feira, 9 de abril de 2014

Marguerite Duras / O amor


Marguerite Duras
 O amor

  
«Um homem.
Um homem de pé, olhando: a praia, o mar. O mar está baixo, clamo, a estação indefinida, o tempo, lento.
O homem está em cima de um estrado de madeira, ao longo da praia.
Veste um fato sombrio. Tem um rosto distinto.
Os seus olhos são claros.
O homem não se mexe: olha.
O mar, a praia, há poças, superfícies isoladas de água morta.
Entre o homem que olha e o mar, junto do mar, alguém caminha. Um outro homem. Veste um fato sombrio. Mas a esta distância não se lhe distingue o rosto. Caminha, afasta-se e volta, torna a partir, a voltar, num caminhar longo, monótono.
Algures na praia, à direita daquele que olha, um movimento luminoso: uma poça esvaindo-se, uma fonte, um rio, rios, ininterruptamente, alimentam o sorvedouro de sal.
À esquerda, uma mulher de olhos fechados. Sentada.
O homem que caminha olha, olha apenas a areia à sua frente. Tem um andar incessante, regular, longínquo.
O triângulo fecha-se com a mulher de olhos fechados, sentada contra um muro que separa a praia do fim da cidade.
O homem que olha está entre esta mulher e o homem que caminha junto ao mar.
Como o homem caminha, persistente, com igual lentidão, o triângulo forma-se e deforma-se, sem nunca se quebrar.
Este homem tem o passo regular dum prisioneiro.
O dia morre.
O mar, o céu ocupam o espaço. Ao longe, o mar já está oxidado pela luz obscura. E o céu também.
Três. São três pessoas na luz obscura, na rede lenta.



O homem continua a caminhar, vai e volta, em frente do mar, do céu. Mas o homem que olhava moveu-se.
A oscilação regular do triângulo acabou:
O homem move-se.
Começa a caminhar.
(...)




Sol. Tarde.
É com a tarde que ela reaparece. Pelo estrado de madeira. Atrás dela vem o que caminha.
Ei-los que chegam. Vêm do lado do rio. Atravessando S. Thala, cobrindo-a depois. Saem de três dias de obscuridade. Vemo-los de novo à luz solar de S. Thala deserta.
O viajante sai do hotel que se encontra atrás do muro, vê-os, dirige-se para eles.
Atrás dela, o outro pára quando o viajante sai do hotel. Mas a mulher continua a avançar. Não viu ainda o viajante que caminha ao seu encontro. Caminha movida pela vontade de quem parou atrás de si.
(...)




Noite. S. Thala deserta.
O homem caminha. É o viajante, o homem do hotel.
Atravessa o rio e passa em frente da estação.
O mar sobe entre as margens da vaza. O céu agita-se, muito baixo, sombrio, negro em certas zonas. A estação está fechada.
O homem vira-se. É ali. Onde o rio se divide. É ali, entre os dois braços do rio.
É um grande edifício de pedra, de formas simples. A escadaria dá para um campo rodeado pelos braços do rio.
Ela está ali. Dorme no último degrau da escada, encostada à parede na mesma posição que tinha na praia.
Ele está também. De pés, na ponta extrema, frente às embocaduras, à entrada do mar.
Fala.
O viajante avança para dentro da ilha. A tempestade deixou sinais: há ramos quebrados. O viajante passa em frente da mulher e repara que dorme profundamente. Tem a respiração regular, livre.
Continua em direcção à extremidade a ilha que está a uns vinte metros da mulher que dorme.
Mas não chega ao fim.
Senta-se num banco, a meia distância entre a mulher que dorme e o homem que fala no extremo da ilha.
Das margens exteriores do rio, de toda a parte, avançam barcos em direcção ao mar.
(...)




A praia. À noite.
O viajante está deitado na areia. A mulher está deitada a seu lado.
Caldos. Aguardando.
O silêncio de S. Thala, esta noite, é sonoro, grita, estala, e eles escutam-no, seguindo-lhe as modulações mais secretas.
A mulher diz:
– Ali ao lado, alguém está a falar.
Vozes na areia, perto. Ele diz:
– Amantes. 
Ouvem as queixas amorosas, os gemidos atrozes do prazer. Ela diz:
– Já não vejo mais nada.
Ao longe, o primeiro fumo negro. Ele diz:
– Eu ainda consigo ver.
O primeiro fumo negro ergue-se no céu claro de S. Thala.
A mulher tem um gesto largo duma desesperada ternura, e diz, murmurando:
      – S. Thala, minha S. Thala.
(...)




Alguém sai da espessura do fogo e atravessa a praia.
Atrás dele, S. Thala arde. (...)»




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