segunda-feira, 2 de maio de 2016

Morrer jovem, aos 140 anos


Morrer jovem, aos 140 anos

A aplicação da telomerase em camundongos demonstrou que é possível prolongar não só a vida, como também sua qualidade. Será que nós, humanos, poderíamos então viver até os 140 anos?


Silvia P. Carpallo
1 mai 2016


Se fizéssemos um estudo sobre os medos mais comuns, além do medo de aranhas ou do escuro, um que muitos de nós compartilharíamos seria o medo de envelhecer. Na verdade, nem é preciso pesquisar muito. Todos entramos em crise com nossos primeiros cabelos brancos, passamos o dia procurando tinturas ou cremes antirrugas e, às vezes, até nos vestimos tentando aparentar menos idade do que a que temos. Mas será que existe realmente alguma forma de escapar da velhice? Parece que a resposta não está no bisturi, que só nos permite “ficar mais jovens” em um nível mais superficial, e sim em nosso próprio DNA.
A diretora do Centro Nacional de Investigaciones Oncológicas da Espanha (CNIO), María Blasco, e a jornalista especializada em ciência e saúde Mónica G. Salomé lançaram o livro Morir Joven, a los 140 (“morrer jovem, aos 140”), uma obra de divulgação que pretende aproximar a ciência da população em geral, com conceitos que muitos de nós veem como ficção científica, mas parece que muito em breve se tornarão realidade.
O livro nasce da linha de pesquisa da cientista María Blasco sobre os telômeros, “estruturas protetoras que existem no final de nossos cromossomos”. A relação entre os telômeros e o envelhecimento se baseia, pelo que nos conta Blasco, no fato de que “eles se corroem cada vez que nossas células se dividem, e assim acabam se encurtando e causando danos ao nosso DNA com o passar do tempo − e é por isso que o encurtamento dos telômeros é uma das causas do envelhecimento molecular”. Para poder interferir nesse processo, Blasco tem passado grande parte de sua carreira pesquisando a chamada telomerase, “que é capaz de frear isso, embora ainda não haja nenhuma terapia aprovada que possa ativar a telomerase de forma potente e que possa ser usada na prevenção ou no tratamento de doenças associadas ao envelhecimento”.
Pode-se viver até os 140 anos?
O que María Blasco relara em seu livro e explica ao EL PAÍS é que suas pesquisas demonstraram que, em camundongos, a aplicação da telomerase conseguiu efetivamente retardar o aparecimento de doenças relacionadas ao envelhecimento, além de prevenir o câncer. “Vimos, além disso, que esses camundongos viviam significativamente mais”, o que levou à investigação das possibilidades dessa terapia em humanos. Mas será possível que vivamos até os 140 anos, como diz o título do livro? Sobre isso, Blasco explica que “a expectativa de vida ao nascer aumenta a cada década e faz isso numa velocidade que não tem diminuído − nem parece que tenda a diminuir em um futuro imediato. À medida que vamos entendendo como se produzem as doenças, em parte graças à compreensão de por que envelhecemos, tenho certeza de que teremos melhores maneiras de preveni-las e tratá-las”, o que, pela lógica, nos levaria a viver mais anos.
A Espanha já é um dos países com maior expectativa de vida, mas o que já se demonstrou é que ganhar anos de vida nem sempre significa ganhar qualidade de vida. A vantagem de trabalhar com a telomerase é que não só viveríamos mais, como faríamos isso justamente por ter menos doenças. “Em camundongos, vemos que quando se prolonga a vida é porque eles têm menos doenças e estão jovens em idades cronológicas avançadas”, insiste Blasco.
O que significa envelhecer?
Quando falamos de envelhecimento, não falamos apenas de cabelos brancos e rugas, mas também da própria vida de nossas células. Assim, de um ponto de vista científico, “o envelhecimento não é nada mais que a deterioração da capacidade de nossas células de se manter saudáveis e funcionais, algo que está associado ao fato de que os mecanismos que nos protegem do dano começam a decair quando termina a idade reprodutiva de nossa espécie”. Conseguir mudar esse mecanismo por meio da telomerase é, portanto, um novo objetivo.
Além da preocupação social com nossa aparência, com o fato de nos sentir excluídos de certas atividades e até mesmo com o fato de ver nossas capacidades se reduzirem, o medo de envelhecer, nas palavras de Blasco, “é uma preocupação lícita, e por isso também é lícito tentar entender quais são os processos moleculares responsáveis por esse decaimento da função das células, para assim poder prevenir o surgimento prematuro de doenças, mas também para ter maneiras, talvez mais eficientes, de tratar enfermidades como o Alzheimer e o infarto do miocárdio, entre muitas outras, cuja incidência aumenta dramaticamente à medida que envelhecemos”. Assim, a ideia que tanto a cientista como a jornalista querem deixar clara em seu livro é que não somos obrigados a envelhecer − e, além da estética, a ciência também está lidando com esse problema.
Nem tudo é DNA
Embora seja importante influir em nosso próprio DNA, para mudar as reações do nosso corpo a seu envelhecimento natural é preciso levar em conta que nem tudo está em nosso próprio genoma. Envelhecer também depende de nossos hábitos de vida − basta comparar uma pessoa fumante e sedentária com uma ativa, que cultiva um estilo de vida mais saudável. Nesse sentido, Blasco afirma: “Chegar saudável aos 70 anos tem um componente importante de hábitos de vida, e chegar aos 100 tem, sem dúvida, um componente genético importante”. Mas ela acrescenta que os problemas ambientais também podem afetar nossas células. Ou seja, enquanto não existe a fórmula perfeita da telomerase, podemos muito bem fazer coisas para cuidar de nossos telômeros, da mesma forma que cuidamos de nossa pele, por exemplo. “Há trabalhos que indicam que o estresse percebido encurta os telômeros. Além disso, também parecem ter efeitos negativos o fato de fumar ou ter sido fumante, assim como a obesidade. Por outro lado, o exercício parece estar associado a telômeros mais longos. O problema é que todos esses estudos são do tipo correlativo, e ainda desconhecemos os mecanismos moleculares pelos quais poderia estar ocorrendo isso”, reflete Blasco.
Resta então uma última pergunta por responder. Se parece que a ciência pode avançar para evitar o envelhecimento de nosso corpo, será que ela também pode evitar o envelhecimento de nossa mente? De uma perspectiva científica, a diretora do CNIO conclui que “o envelhecimento é um processo molecular e celular e ocorre em todo o nosso organismo ao mesmo tempo”, incluindo então o cérebro. O que acontece é que mente e cérebro não são exatamente sinônimos. Por isso, enquanto os cientistas continuam trabalhando para evitar que nossas células envelheçam, nós podemos continuar trabalhando para alcançar a eterna juventude de nossos pensamentos, de nossos sentimentos e de nossas ideias. Porque viver até os 140 anos depende dos cientistas, mas fazer isso sentindo-nos jovens depende de nós.





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