domingo, 28 de maio de 2017

Clint Eastwood / “Leio ma história e vejo o filme que vou fazer. Isso é tudo”

Clint Eastwood

Clint Eastwood: “Leio uma história e vejo o filme que vou fazer. Isso é tudo”

Cineasta estreia “Sully”, sobre piloto que fez pouso de emergência com 156 passageiros no Rio Hudson





ROCÍO AYUSO
Los Angeles 3 NOV 2016 - 17:28 COT





O diretor e ator Clint Eastwood, durante a apresentação de “Scully” em Los Angeles, em setembro. / VÍDEO: Trailer do filme “Sully”. REUTERS

Clint Eastwood é um homem de poucas palavras e muitas histórias. Especificamente 35 filmes como diretor, uma carreira cada vez mais rápida à medida que se aproxima dos 90 anos. E isso sem contar sua longa filmografia como ator. Talvez por isso, aos 86 anos, o intérprete, cineasta, produtor e compositor não queira perder tempo falando sobre o que faz. Prefere contar com a câmera. “Não é uma questão de estilo. Leio uma história e vejo o filme que quero fazer. Isso é tudo. Depois, à medida do que vou fazendo, vou pensando que posso colocar um pouco mais disso ou daquilo. Não há nenhum segredo. Em resumo, como Sully, quando filmo faço o que tenho que fazer”, admite o diretor durante a apresentação em Los Angeles de Sully.
Nesse caso, a única coisa que faltava a Eastwood era interesse por uma história. A priori, não existia nenhum drama. Para alguém como ele, ávido leitor da imprensa e piloto de helicóptero há 40 anos, a história do capitão da aviação comercial Chesley Sully Sullenberger não tinha nenhum dramatismo. Não importava que em 2009 ele tivesse feito um pouso de emergência nas águas geladas do rio Hudson, em Nova York, salvando a vida de todos seus passageiros e da tripulação, depois de perder dois motores na decolagem do aeroporto de LaGuardia. Sem tirar o heroísmo de sua façanha, Eastwood não tinha um nó dramático nessa história que havia passado de mão em mão e era recomendada tanto por Steven Spielberg como por sua secretária. “O roteiro ficou uma semana na minha mesa. Com o resto. E todos os dias minha assistente dizia que eu devia ler. E todos os dias eu pegava outro”, reconhece. Até que leu o manuscrito de Todd Komarnicki, algo que julgando pelo ruído que faz lembrando o momento (um som próximo ao de seu personagem em Gran Torino) fez mais para tirá-lo do caminho do que por interesse. “Foi quando me perguntei por que não tinha lido o roteiro no lugar dos outros”.
Como em grande parte de sua filmografia como diretor, Eastwood encontrou o dramatismo dessa história nos pequenos detalhes. Nas dúvidas que surgiram durante a investigação oficial e que fizeram com que o piloto se questionasse se tinha feito a coisa certa. “O filme mostra que foi a decisão certa”, resume de forma sucinta. A crítica dá razão a Sully e ao diretor. Eastwood é sóbrio em palavras, mas a imprensa norte-americana não economizou elogios na hora de receber um filme que consideram um claro candidato ao Oscar, estatueta que ele já conseguiu quatro vezes como produtor e diretor de Os Imperdoáveis (1992) e Menina de Ouro (2004), além do prêmio Irvin Thalberg pelo conjunto da obra. Com manchetes como “Sully voa alto” ou “o filme se destaca na temporada de premiações”, o novo trabalho de Eastwood é lembrado como “um exemplo sólido de realização da maneira mais direta e honesta” separando assim sua figura como autor e lenda viva de Hollywood de sua imagem mais polêmica, a vinculada na política ao candidato republicano à presidência dos EUA, Donald Trump. As projeções da imprensa norte-americana foram seguidas de aplausos, sua estreia nos EUA aconteceu durante o 15º aniversário do 11 de Setembro com uma correta campanha promocional e entre seus atores só há elogios. “Antes de conhecê-lo é alguém cujo nome dá medo”, diz Tom Hanks, alter ego na tela de Sully. O diretor nunca pensou em outro ator para o papel de Sully. “Foi minha única escolha.”
Com um orçamento de cerca de 60 milhões de dólares, o filme já ultrapassou os 180 milhões de dólares em bilheterias internacionais, tornando-se um novo sucesso de público para um ator que parece ter se afastado do lado da câmera em que começou sua carreira. “Não me interessam mais os projetos que exigem minha presença”, admite ele, escondendo seus problemas de audição. “Prefiro ver o trabalho dos outros. Continuar aprendendo. Eliminar as preocupações como ator e me concentrar no que os outros estão fazendo”.



O AMIGO HERÓI DE HARRISON FORD


Quando Tom Hanks conheceu o capitão Sully pela primeira vez viu “uma mistura de John Wayne e Elvis Presley”. O encontro ocorreu durante uma entrega do Oscar e Hanks ainda não sabia que terminaria interpretando esse herói cotidiano. A ideia ficou na cabeça dele e quando se encontraram de novo seis anos mais tarde, agora na casa do piloto na Califórnia, Hanks voltou a comparar a história dele com um filme do oeste. “Só ficava citando os grandes clássicos de caubóis, especialmente Matar ou Morrer. Um filme em que se sente o perigo no rosto, embora não se veja a ameaça”, lembra o verdadeiro protagonista. Sua casa se tornou o centro de pré-produção do filme, um lugar familiar tanto para Eastwood quanto para Hanks, moradores do mesmo bairro e que estavam acostumados a conversar com Sully em seu ambiente natural, trocando aulas de cinema por outras de aviação. “Tinha todo o roteiro cheio de anotações, sublinhado, com milhões de clips e tachinhas marcando o que estava mal. E, geralmente, ele estava certo”, ri o ator. Sully lembra o mesmo, mas a partir de seu ponto de vista: “Fiquei impressionado com a atenção ao detalhe que houve durante as filmagens. Passei dias respondendo perguntas como se tirava a jaqueta para pilotar ou tinha uma caneta no bolso, até qual o barulho que ouvi quando o bando de pássaros atingiu os motores. Foi uma das surpresas mais agradáveis que levei desse filme”, conta Sullenberger.
“Na aviação você precisa de alguém que seja preciso, alguém que preste atenção aos detalhes e que conheça as regras. E Sully é esse tipo de pessoa”, descreve Eastwood. A fama que o filme pode trazer não o preocupa. Sullenberger soube desde o minuto que aterrissou nas águas do Hudson que sua vida tinha mudado e não havia como voltar aos seus anos de piloto anônimo, quando voou em numerosas ocasiões à base de Torrejón de Ardoz, o lugar que mais lembra da Espanha. Nem pensa mais no acidente. Os pesadelos terminaram. Está mais intrigado em como teria sido o filme se Harrison Ford estivesse nos controles. De todas as estrelas de Hollywood que conhece é a única que chama de amigo. “Em grande parte, ele foi o responsável de que minha história fosse adaptada para a tela”, lembra referindo-se ao seu relato autobiográfico, Highest Duty, no qual o filme é baseado. Entusiastas da aviação, Ford e Sullenberger se encontraram em numerosas demonstrações aéreas e foi o ator que deu o livro a seu amigo e produtor Frank Marshall. “Alguma vez apareceu o nome de Ford para o papel, mas foi muito no começo. Nós nunca conversamos sobre isso quando estamos juntos. Apenas falamos sobre a família e aviões”, lembra o piloto, que valoriza as palavras de seu amigo quando ele disse que com Sully “estava dando ao público um grande presente”.

EL PAÍS




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