quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Luci Collin / Dos poemas


Luci Collin
DOS POEMAS

ONTIVO

Nos encontraremos e eu estarei atarefada
e você estará imerecível
e eu estarei cansada para o cafezinho
e você estará exausto para um cinema
e eu estarei amorfa
e você palimpsesto
e eu estarei rendida às evidências mais ocultas
e você descompassado às vivências absolutas
e eu estarei com pressa
e você naquela hora imprevisível
e eu estarei naquela hora portentosa
e você estará naquele momento incrível
e eu estarei naquela manhã chuvosa
e você estará naquela noite audível
e eu retrocederei até auroras
e você avançará aos ocidentes
e eu compreenderei infinitudes
e você desvestirá os contratempos
e eu deslizo pela superfície e vou embora
e você mergulha mar adentro e refloresce


UMA TARDE QUE CAI

Quando o vemos está sentado no banco da praça
Ela está em casa presa à trama silenciosa

Na praça pássaros e flores são sinceros
Na janela pássaros são fantasmagóricos

Com o lenço do bolso ele seca o suor da testa
Ela enxuga os olhos com a manga

Ele rosna mas só por dentro
Ela supura mas nunca aos domingos

Ele lastima porque o pão é azul
Ela suspira e a tarde muda se avelhanta

Ele pergunta se as janelas são sinceras
Ela pensa em se atirar nalguma água

São fantasmagóricos os azuis que saem dos olhos
A gangrena e a borra são absolutos

Quando o vemos está em frente à TV imaterial
Ela está de costas de bruços de borco

Ele está palitando os dentes à espera
Ela vazia

Ele está entardecente e flama
Ela boia sobre a água azulíssima

Ele tosse cospe resmunga lanceia vage
Ela fez as unhas e o bolo simples

A previsão do tempo anuncia chuva
Ela toca a pedra friíssima

Ele se ofende
Ela se ofélia


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