quarta-feira, 22 de maio de 2013

Brasil para alemão ler


Brasil para alemão ler

Homenagem na Feira de Frankfurt e bolsas de tradução impulsionam literatura brasileira contemporânea na Alemanha, mas editores e tradutores temem retrocesso após evento

Por Suzana Velasco, de Berlim


Desde que, há três anos, o Brasil foi escolhido como país homenageado da Feira de Frankfurt 2013, editoras da Alemanha começaram uma caça ao “grande livro brasileiro contemporâneo”. Ele deveria não apenas ter alta qualidade, mas tema e linguagem atraentes aos leitores de língua alemã. A quase ausência da literatura brasileira no país dificultou a procura, somada ao fato de que poucos leem português para avaliar uma obra. Ainda assim, o peso da mais importante feira editorial do mundo e o atual destaque do Brasil no exterior falaram mais alto. Após a caça ao tesouro, realizada com a ajuda de pareceres de tradutores e agências literárias, pelo menos 40 novos títulos contemporâneos terão sido publicados até a Feira de Frankfurt, em outubro, além de reedições e novas traduções de clássicos.

A preocupação dos editores é que as apostas ultrapassem o interesse momentâneo e se firmem num mercado que já teve melhores dias e no qual a predominância estrangeira é anglo-saxã. Já os tradutores receiam que o trabalho volte a ser escasso após a feira, caso não haja continuidade no programa de apoio à tradução da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), que até 2020 pretende investir R$ 35 milhões em traduções de brasileiros no exterior.



O novo presidente da FBN, Renato Lessa, se comprometeu a manter as bolsas de tradução, mesmo criticando gastos da instituição com a Feira de Frankfurt e outros eventos editoriais, incrementados durante a gestão de Galeno Amorim. Entre 2011 e a Feira de Frankfurt, a Biblioteca Nacional terá financiado US$ 138,3 mil para a tradução de 40 livros na Alemanha, dos quais 11 já foram publicados.

— A maioria das editoras não teria publicado sem o programa, porque um livro em língua estrangeira custa pelo menos o dobro de um em alemão — diz o tradutor Michael Kegler, que traduziu cinco títulos no último ano. — Hoje estou trabalhando no limite, mas antes havia pouquíssima demanda.

Mesmo com financiamento, as principais editoras desejavam o livro fundamental, e não foi fácil encontrá-lo. Depois de um ano e meio lendo brasileiros, o editor Frank Wegner, da Suhrkamp, comprou em 2012 os direitos de “Barba ensopada de sangue” (Companhia das Letras), de Daniel Galera, cuja tradução sai em setembro.

— Todos os editores queriam achar o grande livro. Não houve muitos que nos convenceram. Há uma tendência da autoficção no Brasil, e os livros sobre a ditadura militar brasileira competem com o tema das ditaduras no leste europeu — afirma Wegner, feliz pelo romance de Galera se afastar de questões mais estereotipadas do Brasil. — É um livro brasileiro, mas não tipicamente brasileiro. Além de bem escrito, se encaixa no gosto alemão.

Críticas à produção contemporânea

A estratégia da Suhrkamp para a obra de Galera é ambiciosa: antes do lançamento, 3.500 exemplares serão distribuídos para livreiros de Alemanha, Suíça e Áustria, e a tiragem planejada é de 10 mil. É uma grande mas solitária aposta de uma editora que levou cerca de 50 títulos brasileiros à Feira de Frankfurt de 1994, quando o Brasil foi homenageado pela primeira vez. O cálculo é de Michi Strausfeld, que trabalhou 33 anos na Suhrkamp e hoje é scout de literatura latino-americana da editora Fischer. Michi levou para a Fischer “Entre as mulheres” (Record), de Rafael Cardoso, lançado em fevereiro, e “Leite derramado” (Companhia das Letras), de Chico Buarque, que sai em agosto. A editora também publica novas traduções de Jorge Amado.

— Hoje, metade dos títulos é do Paulo Coelho — afirma Mischi, repetindo uma frase dita por quase todos os editores. — A Alemanha perdeu o interesse pelo continente inteiro a partir dos anos 1990. Não temos informação regular sobre o que acontece na América Latina, mas a própria produção literária também caiu. Nos últimos anos surgiram mais vozes interessantes. Só que nos anos 1980 a gente dizia: “Você tem que ler isto”. Hoje a gente diz: “Você pode ler isto”.

Marco Bosshard, da Wagenbach, também passou dois anos atrás do título ideal: boa literatura com o perfil de editora politicamente engajada. Já estava prestes a cancelar o lugar que havia reservado a uma obra brasileira quando leu “Habitante irreal” (Alfaguara), de Paulo Scott.

— Não queria só editar um livro para a feira, como muitos fazem. Li vários textos mal escritos, que não me convenceram — afirma Bosshard, surpreso por Scott não integrar a lista brasileira em Frankfurt. — Me parece insólito que a Biblioteca Nacional dê um prêmio de melhor romance ao livro (em 2012) e não o inclua na lista. Não podemos mudar isso, mas vamos protestar formalmente junto à fundação.

Um dos poucos títulos da nova safra sem o apoio do programa de tradução é “Sinfonia em branco” (Rocco), de Adriana Lisboa. Dona da agência Mertin, fundada há 30 anos por Ray-Güde Mertin para representar literatura em português e espanhol, Nicole Witt tentava vender o livro para a Alemanha desde 2003, mas só conseguiu que uma editora lesse a tradução americana após a escolha do Brasil como convidado em Frankfurt. O livro será lançado pela Aufbau.

— Agora a editora está entusiasmadíssima, mas só deu prioridade ao romance por causa de Frankfurt. Muitas vezes um leitor de português se apaixona, mas é difícil convencer sua equipe se os outros não podem ler — diz Nicole, cuja agência representa 15 dos 70 autores brasileiros da comitiva oficial em Frankfurt.

Os tradutores se tornaram peça fundamental nesse trabalho de convencimento, com pareceres encomendados e indicações espontâneas, motivadas por um interesse pela língua portuguesa e a literatura brasileira que vai além de qualquer feira. Maria Hummitzsch se encantou com o “estilo ambicioso” de “Antonio“ (Editora 34), de Beatriz Bracher, saiu à procura de uma editora e encontrou a Assoziation A — que até a feira publicará seu segundo título de Luiz Ruffato e uma coletânea de contos sobre futebol.

Estilo ‘internacional’ é valorizado

Tradutor de Antonio Callado, João Ubaldo Ribeiro e Ruy Castro, Nicolai von Schweder-Schreiner indicara o romance de Galera à Suhrkamp antes de a editora comprar os direitos, e acaba de fazer a tradução. Wanda Jakob sugeriu Ana Paula Maia para a editora A1, e este ano passou sete semanas no Rio pelo programa de residência de tradutores da FBN. Já Kegler recomendou “Diário da queda” (Companhia das Letras), de Michael Laub, à Klett-Cotta.

— Já ia escrever dizendo que o livro era muito bom quando resolvi acrescentar: “Se por acaso precisarem de tradutor, queria me candidatar”. Comecei a traduzir de brincadeira, gostei da estrutura, e quando a editora me pediu cinco páginas de tradução eu já tinha 20 — conta Kegler.

Por vezes, porém, os tradutores passam a ter um peso que vai além de sua função, como conta Marianne Gareis, tradutora do livro de Scott, de uma nova edição de “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, pela Mannesse, e de “Os malaquias“ (Língua Geral), de Andréa del Fuego, pela Hanser, editora da aguardada tradução de Berthold Zilly para “Grande sertão: veredas”, de Guimarães Rosa, que será lançada em 2015.

— As editoras nos perguntam: este livro é extraordinário? Todos queriam o livro do ano, mas não podemos nos responsabilizar. Quando a Argentina foi o país homenageado, muitos não se venderam — diz Marianne, que era a tradutora do português José Saramago e em 2012 coordenou uma oficina de tradutores na Flip.

A pequena editora Assoziation A vendeu apenas 1.200 exemplares de “Eles eram muitos cavalos” (Record), de Luiz Ruffato, mas mesmo assim decidiu lançar “Mamma, son tanto felice” (Record) este ano, como uma aposta na consolidação do escritor.

No caso de editoras maiores, o volume de vendas define o futuro de um autor. A tradicional C.H. Beck lançou em fevereiro “Paisagem com dromedário” (Companhia das Letras), de Carola Saavedra, após as indicações de Maria Hummitzsch e Nicole Witt e a presença de Carola na seleção da revista britânica “Granta“ com jovens autores brasileiros. O editor Martin Hielscher espera poder vender mais de três mil exemplares para editar novos livros da escritora — e para isso conta com a universalidade de seus temas e linguagem, e não com algum traço de brasilidade do romance.

— Nosso programa de capa dura tem dez livros estrangeiros por ano, não é para literatura passageira. E este é um romance internacional sobre amor e comunicação, poderia ter sido escrito em qualquer país.









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