segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Moisés Naím / O que está em jogo na Venezuela


O que está em jogo na Venezuela?

Enfrentar o Governo de Maduro é enfrentar a grotesca influência de Cuba no país caribenho


“A América Latina não é competitiva nem sequer com suas tragédias”, me disse um cínico amigo. Segundo ele, ali a pobreza não é tão infernal como na África, os conflitos armados não são tão ameaçadores como os da Ásia e os terroristas não são tão suicidas como os do Oriente Médio. É por isso que o resto do mundo não costuma prestar muita atenção nos problemas da América Latina. Em outras regiões, as tragédias são mais graves ou têm mais possibilidades de afetar outros países.
Nos últimos dias, as horríveis imagens da repressão sangrenta nas ruas de Caracas estiveram em desvantagem ao competir pela atenção de jornalistas e políticos com as que chegavam de Kiev. Os eventos na Ucrânia são mais sangrentos, as imagens são mais dramáticas e a contabilidade é mais trágica. Na Ucrânia há dezenas de mortos, enquanto na Venezuela, até agora, são menos de dez vítimas. Porém, há mais: em Kiev, estão em jogo as fronteiras da Europa, sua segurança energética, a hegemonia da Rússia nos países da ex-União Soviética e a reputação de Vladimir Putin. Em comparação, o que ocorre na Venezuela é menos crítico. Para muitos, o que está em jogo nas ruas cheias de jovens que protestam é mais um episódio do longo conflito entre um governo que quer os pobres e detesta os Estados Unidos e uma oposição que alguns jornalistas costumam descrever como uma “classe média” que não consegue ganhar as eleições. Essa descrição está errada. A metade dos venezuelanos está contra o Governo de Nicolás Maduro. É o que demonstram todas as pesquisas e resultados eleitorais. Apesar de serem bem documentados os abusos, truques e armadilhas, o Governo ganha as eleições com uma margem mínima. Nicolás Maduro chegou à presidência com uma vantagem de apenas 1,5% sobre o candidato da oposição.

Além disso, a “classe média” está muito longe de representar 50% da população. Portanto, a metade dos venezuelanos que demonstrou estar contra o Governo necessariamente inclui milhões de pobres que Maduro diz representar.

Esta é a metade do país cujos filhos estão nas ruas protestando contra um regime que os reprime como se fossem um inimigo mortal. E talvez sejam. Representam o avanço de uma sociedade que já não não aguenta mais um regime que há mais de 15 anos abusa do poder, e cujos resultados são evidentes: levaram a Venezuela a ser um país campeão do mundo em inflação, homicídios, insegurança cidadã e desabastecimento de bens indispensáveis -- de leite para as crianças à insulina para os diabéticos --. Tudo isso apesar de ter as maiores reservas petrolíferas do mundo e de o governo ter o controle absoluto de todas as instituições do Estado. Usa o poder para comprar votos, prender opositores ou fechar canais de televisão, e não para criar prosperidade para todos. A escassez, o medo e a desesperança se tornaram insuportáveis.

Os protestos dos estudantes simbolizam a perda da principal mensagem política em que Hugo Chávez baseou sua popularidade: a denúncia do passado e a promessa de um futuro melhor. A denúncia do passado já não ganha mais atenção. O chavismo é o passado. Os venezuelanos de menos de 30 anos (a maioria da população) não conheceram outro governo que não fosse o de Chávez ou de Maduro. E os catastróficos resultados de sua gestão são visíveis, e as promessas do regime não são críveis. Os jovens sabem que, se as coisas continuarem assim, o futuro não será melhor. E a única promessa em que acreditam é a de que o Governo não mudará seu rumo.

Surpreendentemente e inadvertidamente, as lutas e os sacrifícios dos jovens venezuelanos poderiam ter consequências para além do seu país. Enfrentar o Governo de Maduro é enfrentar a grotesca influência de Cuba na Venezuela. Sem a imensa ajuda econômica da Venezuela, a economia cubana já teria desmoronado. Isso aceleraria a mudança de regime na ilha. Não há maior prosperidade para os Castro do que ter na Venezuela um governo que continue os apoiando. E, como sabemos, o Governo cubano tem décadas de experiência na gestão de um Estado policial repressivo e é especialista na manipulação política e na “neutralização” física ou moral de seus opositores. É difícil imaginar que essas tecnologias cubanas não tenham sido exportadas para a Venezuela. Ou para outros países da América Latina.

Porém, Cuba não exporta somente técnicas repressivas. Também exporta más ideias políticas e econômicas. Sem o petróleo gratuito que Cuba extrai da Venezuela, sua influência continental não seria a mesma.

A noite nunca é mais escura que antes do amanhecer. E a Venezuela está passando por momentos muito escuros. Mas talvez esteja prestes a chegar o amanhecer. Se chegar, a América Latina estará em dívida com os jovens venezuelanos que não tiveram medo de enfrentar um Governo que faz o impossível para que tenham medo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário