segunda-feira, 20 de abril de 2015

A política na poesia de Kaváfis e Szymborska

Kostantinos Kaváfis

A POLÍTICA NA POESIA DE KONSTANTINOS KAVÁFIS E WISLAVA SZYMBORSKA

PUBLICADO POR LIGIA GIELAMO OLIVEIRA

Se a questão da poesia da vida é mais importante que a própria felicidade, os nossos políticos padecem de “falta de poesia” e imaginação e a efervescência está nas ruas, a hora é de buscar um pouco da política na poesia. Longe da crueza das manchetes dos jornalões, revisitar a obra de Konstantinos Kaváfis e Wislava Szymborska pode ser uma maneira nem sempre leve, porém mais lírica, de entender a atualidade.


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Depois dos eventos que marcaram as ruas e o noticiário nos últimos dias, março terminou com uma série fervilhante de análises, digressões e outros questionamentos sobre os rumos do cenário político brasileiro, sobre o que querem, afinal, as vozes das ruas e das redes e sobre o que irão fazer, situação e oposição, diante de toda a agitação.
No meio de tudo que já foi publicado e compartilhado neste incomum primeiro trimestre, destoa da avalanche analítica de textos uma crônica no Estadão do Renato Essenfelder, para quem o que falta aos nossos políticos é, essencialmente, poesia. “Nossos líderes não têm poesia, e, sem poesia, não têm imaginação. Estamos fadados a governos medíocres, portanto? (...) sem imaginação é impossível voar alto e sonhar um mundo melhor”. Ele pontua que, na ausência de poesia, falta imaginação, faltam mãos dadas, empobrecem os discursos, a população se reduz à massa, apenas.
O filósofo Edgar Morin disse certa vez que a questão da poesia da vida é até mais importante que a felicidade. Não há como negar, há determinadas épocas em que a vida é ainda “mais vida”, pois para além do trivial cotidiano, as fronteiras do individual e coletivo se aproximam, se mesclam, se confundem, e o indivíduo descobre-se um agente da história. A despeito da suposta pobreza lírica de nossas lideranças, épocas de efervescência pedem, senão a criação, o reencontro com um tipo especial de “poesia da vida”.
Sempre imaginei a literatura e a música como formas de expressão indispensáveis para compreender o mundo e dar sentido à realidade em que se vive. E já que é a (triste) falta de poesia a inspirar este texto, trago à baila um pouco da poesia da polonesa Wislawa Szymborska e do grego Konstantinos Kaváfis – pois se não chegarem aos ouvidos políticos, que ao menos sirvam aos leitores da Obvious como um meio mais lírico de entender o mundo pela pena indagadora destes poetas, longe da crueza das manchetes e leads dos jornalões.
Wislawa Szymborska nasceu em 1923 em Bnin, na Polônia, mas antes dos 10 anos, mudou para a Cracóvia, onde viveu até sua morte, em 2012. É da geração que testemunhou a II Guerra e o Holocausto. Ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura em 1996 e também do prêmio Goethe, Szymborska publicou mais de 350 poemas e uma de suas primeiras tradutoras foi a também poeta Ana Cristina Cesar. Muitas vezes chamada de “poesia filosófica”, sua obra traz ainda o cotidiano dos pequenos afetos e da alma feminina, mas é na percepção política que sua verve questionadora brilha e faz pensar:
Filhos da época
Somos filhos da época e a época é política.
Todas as tuas, nossas, vossas coisas diurnas e noturnas, são coisas políticas.
Querendo ou não querendo, teus genes têm um passado político, tua pele, um matiz político, teus olhos, um aspecto político.
O que você diz tem ressonância, o que silencia tem um eco de um jeito ou de outro político.
Até caminhando e cantando a canção você dá passos políticos sobre um solo político.
Versos apolíticos também são políticos, e no alto a lua ilumina com um brilho já pouco lunar. Ser ou não ser, eis a questão. Qual questão, me dirão. Uma questão política.
Não precisa nem mesmo ser gente para ter significado político. Basta ser petróleo bruto, ração concentrada ou matéria reciclável. Ou mesa de conferência cuja forma se discuta por meses a fio: deve-se arbitrar sobre a vida e a morte numa mesa redonda ou quadrada.
Enquanto isso matavam-se os homens, morriam os animais, ardiam as casas, ficavam ermos os campos, como em épocas passadas e menos políticas."
Ocaso do século
Era para ter sido melhor que os outros o nosso século XX. Agora já não tem mais jeito, os anos estão contados, os passos vacilantes, a respiração curta.
Coisas demais aconteceram, que não eram para acontecer, e o que era para ter sido não foi.
Era para se chegar à primavera e à felicidade, entre outras coisas.
Era para o medo deixar os vales e as montanhas.
Era para a verdade atingir o objetivo mais depressa que a mentira.
Era para já não mais ocorrerem algumas desgraças: a guerra por exemplo, e a fome e assim por diante.
Era para ter sido levada sério a fraqueza dos indefesos, a confiança e similares.
Quem quis se alegrar com o mundo depara com uma tarefa de execução impossível.
A burrice não é cômica. A sabedoria não é alegre. A esperança já não é aquela bela jovem et cetera, infelizmente.
Era para Deus finalmente crer no homem bom e forte mas bom e forte são ainda duas pessoas.
Como viver - me perguntou alguém numa carta, a quem eu pretendia fazer a mesma pergunta. De novo e como sempre, como se vê acima, não há perguntas mais urgentes do que as perguntas ingênuas.
Já Konstantinos Kaváfis, nascido em Alexandria em 1863, mesmo local em que morreu no ano de 1933, com sua pequena obra – foram pouco mais de 150 poemas – é uma referência inestimável na poesia grega moderna. Homossexual marcado pelos anos de enfrentamento de uma situação financeira precária à qual ele e sua família foram relegados depois da morte do pai, Kaváfis dedicou sua poesia ao questionamento dos padrões sexuais, do patriotismo e da religião. Sempre atual, sua escrita é provocadora; faz refletir não apenas sobre a política em si. Em “Melancolia de Jasão de Cleandro”, por exemplo, exalta a poesia como um remédio para a ferida. Dele também é a famosa “À espera dos bárbaros”. Vale a pena apreciar, ler, revisitar e trazer à nossa época, tão política e de tantas feridas ainda abertas.
Melancolia de Jasão de Cleandro, poeta em Comagene, 595 d.C.
Meu corpo, minhas feições envelhecem: ferida de pavoroso punhal. Suportá-la? Não sei como! Não tenho força para suportá-la. A ti recorro, Arte da Poesia, para ti me volto, que tens nações de fármacos e analgésicos, tentando narcotizar essa dor em fantasia e palavra. Ferida de pavoroso punhal. Favorece-me com teus fármacos, Arte da Poesia, que fazem — por um átimo — insensível a ferida.
À espera dos bárbaros
O que esperamos na ágora reunidos?
É que os bárbaros chegam hoje.
Por que tanta apatia no senado? Os senadores não legislam mais?
É que os bárbaros chegam hoje Que leis hão de fazer os senadores? Os bárbaros que chegam as farão.
Por que o imperador se ergueu tão cedo e de coroa solene se assentou em seu trono, à porta magna da cidade?
É que os bárbaros chegam hoje. O nosso imperador conta saudar o chefe deles. Tem ponto para dar-lhe um pergaminho no qual estão escritos muitos nomes e títulos.
Por que hoje os dois cônsules e os pretores usam togas de púrpura, bordadas, e pulseiras com grandes ametistas e anéis com tais brilhantes e esmeraldas? Por que hoje empunham bastões tão preciosos, de ouro e prata finamente cravejados?
É que os bárbaros chegam hoje, tais coisas os deslumbram.
Por que não vêm os dignos oradores derramar o seu verbo como sempre?
É que os bárbaros chegam hoje e aborrecem arengas, eloquencias.
Por que subitamente esta inquietude? (Que seriedade nas fisionomias!) Por que tão rápido as ruas se esvaziam e todos voltam para casa preocupados?
Porque é já noite, os bárbaros não vêm e gente recém-chegada das fronteiras diz que não há mais bárbaros.
Sem bárbaros o que será de nós? Ah! eles eram uma solução




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